Versão Inglês

Ano:  2012  Vol. 78   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (23º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 137 a 137

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Lesão primária de Mucocutaneous Leishmaniasis simulando otite externa

Primary lesion of Mucocutaneous Leishmaniasis simulating external otitis

Autor(es): Márcia dos Santos da Silva1; Renato Telles de Sousa2; Eucides Batista da Silva3; Jorge Augusto de Oliveira Guerra4; Nathália Matos Gomes5; Renata Farias de Santana6; Rebecca Souza Mubarac7

DOI: 10.5935/1808-8694.20120023

Palavras-chave: infecções bacterianas, infecções cutâneas estafilocócicas, leishmaniose cutânea, otite externa.

Keywords: bacterial infections, leishmaniasis, cutaneous, otitis externa, staphylococcal skin infections.

INTRODUÇÃO

A Mucocutaneous Leishmaniasis (MCL) apresenta diferentes formas clínicas, dependendo da espécie de Leishmania envolvida e sua relação com o hospedeiro1. Neste trabalho, relatamos o caso de um paciente no qual a lesão primária ocorreu em pavilhão auricular com infecção bacteriana associada.


APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 33 anos, proveniente de área rural endêmica, foi encaminhado ao serviço de Otorrinolaringologia com lesão supurativa dolorosa em pavilhão auricular esquerdo, com áreas de necrose em hélice e anti-hélice, aspecto granulomatoso em região pré e retroauricular e pápula elevada com necrose central, semelhante a uma lesão de inoculação (Figura 1A-B). O paciente relatou início do quadro um mês antes, com prurido local intenso, seguido do surgimento de pápulas e evolução para úlcera em duas semanas. Otoscopia sem alterações. Os exames laboratoriais revelaram leucocitose de 14.498 cels/mm3 e VHS 54 mm. Demais exames laboratoriais normais. TC de ouvidos e mastoides normais.


Figura 1. A: Lesão supurativa acometendo todo pavilhão auricular, com áreas de necrose em hélice e em menor grau em anti-hélice, aspecto infiltrativo em lóbulo e pápulas em região pré-auricular. Observar ausência de lesão em entrada do conduto auditivo externo; B: Extensão da necrose em hélice, aspecto infiltrativo da pele adjacente e pápula com necrose central em região retroauricular semelhante à lesão de inoculação; C: Aspecto granulomatoso observado no fundo da lesão após melhora do processo supurativo. Observar a persistências das pápulas em região pré-auricular e aspecto infiltrativo em lóbulo e pele adjacente; D: Fase inicial do processo de cicatrização da úlcera, cerca de 20 dias após o início do tratamento; E-F: Reepitelização do pavilhão auricular 60 dias após o término do tratamento. Observar melhora no aspecto do lóbulo da orelha e em região pré e retro auricular.



Foi realizado debridamento cirúrgico, com coleta de material para cultura e biópsia, e iniciada antibioticoterapia com clindamicina. A cultura de secreção isolou o germe Staphylococcus aureus e optou-se por manter o antibiótico em uso. Após 14 dias, houve regressão do processo supurativo, tornando mais nítido o aspecto granulomatoso no fundo da úlcera e infiltrativo na pele adjacente (Figura 1C).

A análise histopatológica identificou acentuado infiltrado inflamatório constituído de linfócitos, plasmócitos, granulócitos eosinofílicos, histiócitos e debris celulares na derme. Os achados foram considerados sugestivos de LTA, porém, não foram identificados parasitos. Realizou-se a escarificação dos bordos da lesão para exame direto, sendo encontradas as formas amastigotas de Leishmania.

O paciente iniciou tratamento com antimoniato (15mg/kg/dia) por 30 dias. Após 20 dias de tratamento, observou-se regressão do processo granulomatoso e início da reepitelização do pavilhão auricular (Figura 1D). Cerca de 60 dias após o término do tratamento, o pavilhão auricular estava totalmente reepitelizado (Figura 1E-F).


DISCUSSÃO

A forma clássica de LTA é uma úlcera bem delimitada, com bordos elevados e fundo granulomatoso, que surge no local de inoculação2. A infecção secundária pode ocorrer em 54,2% dos pacientes e o germe mais encontrado é o Staphilococcus aureus3, o mesmo isolado neste caso, o que explica a boa resposta inicial do paciente com o uso de clindamicina.

A suspeição clínica se faz pela associação entre a aparência da lesão e os dados epidemiológicos4. O aspecto característico da úlcera leishmaniótica somente foi observado após controle do processo supurativo, quando o fundo granulomatoso se tornou mais evidente, e a hipótese de LTA foi reforçada pela história epidemiológica do paciente.

O encontro da Leishmania é o padrão-ouro para diagnóstico de LTA. A análise histopatológica é capaz de identificar amastigotas em apenas 25% das lesões cutâneas. Nos demais casos, os achados podem sugerir o diagnóstico, mas não defini-lo5. Já a microscopia direta possui sensibilidade que varia de 50 a 70%4. No caso apresentado, a histopatologia foi sugestiva de LTA e os parasitos foram identificados por meio do exame direto, definindo o diagnóstico.

A droga de primeira escolha para todos os tipos de leishmaniose é o antimonial pentavalente. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a dose de 15 mg/Kg/dia por 20 dias para as lesões cutâneas5, esquema adotado no paciente relatado e estendido para 30 dias, devido ao tamanho e gravidade da lesão. Quando não há resposta ao tratamento, as drogas de segunda escolha são as pentamidinas e a anfotericina B. Esquemas alternativos, como azitromicina, paramomicina, miltefosine, pentoxifilina, alopurinol, fluconazol e itraconazol ainda não possuem eficácia comprovada em larga escala5,6.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As lesões de LTA possuem um polimorfismo acentuado. A história epidemiológica do paciente e um alto grau de suspeição são fundamentais para o correto diagnóstico.


REFERÊNCIAS

1. Gontijo B, Carvalho MLR. Leishmaniose tegumentar americana. Rev Soc Bras Med Trop. 2003;36(1):71-80.

2. Silveira FT, Müller SR, Souza AAA, Lainson R, Gomes CMC, Laurenti MD, et al. Revisão sobre a patogenia da Leishmaniose Tegumentar Americana na Amazônia, com ênfase à doença causada por Leishmania (V.) braziliensis e Leishmania (L.) amazonensis. Rev Para Med. 2008;22(1):9-20.

3. Vera LA, Macedo JLS, Ciuffo IA, Santos CG, Santos JB. Sensibilidade antimicrobiana de bactérias aeróbicas isoladas de úlceras leishmanióticas, em Corte de Pedra, BA. Rev Soc Bras Med Trop. 2006;39(1):47-50.

4. Andrade BB, Boaventura B, Barral-Netto M, Barral A. Métodos diagnósticos da leishmaniose tegumentar: fatos, falácias e perspectivas. Gaz Med Bahia. 2005;75(1):75-82.

5. Costa JML, Saldanha ACR, Nasciento D, Sampaio G, Carneiro F, Lisboa E, et al. Modalidades clínicas, diagnóstico e abordagem terapêutica da leishmaniose tegumentar no Brasil. Gaz Med Bahia. 2009;79(Supl. 3):70-83.

6. Almeida OLS, Santos JB. Avanços no tratamento da Leishmaniose Tegumentar do Novo Mundo nos últimos dez anos: uma revisão sistemática da literatura. An Bras Dermatol. 2011;86(3):497-506.










1. Residência Médica em Otorrinolaringologia (Médica Residente do 1º ano de Otorrinolaringologia).
2. Mestre em Otorrinolaringologia (Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas).
3. Mestre em Infectologia (Médico Infectologista da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Chefe do Serviço de Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário Getúlio Vargas).
4. Doutor em Infectologia (Médico Infectologista da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas).
5. Residência Médica em Dermatologia (Médica Residente do 2º ano de Dermatologia).
6. Residência Médica em Otorrinolaringologia (Médica Residente do 3º ano de Otorrinolaringologia).
7. Residência Médica em Clínica Médica (Médica Residente do 1º ano de Clínica Médica).

Hospital Universitário Getúlio Vargas - Serviço de Otorrinolaringologia.

Endereço para correspondência:
Márcia dos Santos da Silva
Hospital Universitário Getúlio Vargas, Secretaria da Clínica Cirúrgica
Av. Aripuanã, nº 04, Praça 14 de Janeiro
Manaus - AM. Brasil. CEP: 69020-170
E-mail: marcia_silv@hotmail.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 24 de setembro de 2011. cod. 8794.
Artigo aceito em 26 de fevereiro de 2012.

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