Ano: 2012 Vol. 78 Ed. 4 - Julho - Agosto - (24º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 133 a 133
Colesteatoma congênito isolado do processo mastoide: relato de caso
Isolated congenital cholesteatoma of the mastoid process: a case report
Autor(es): Lídio Granato1; Carlos Jorge Silva2; Hea J Yoo3
Palavras-chave: colesteatoma, doenças congênitas, hereditárias e neonatais e anormalidades.
Keywords: cholesteatoma, congenital, hereditary, and neonatal diseases and abnormalities.
INTRODUÇÃO
O colesteatoma congênito (ou primitivo) é uma doença benigna com crescimento lento e progressivo que destroi estruturas adjacentes. É considerado um cisto epidérmico que origina de restos de epitélio escamoso queratinizado. A doença pode surgir em várias regiões do osso temporal, tais como o ouvido médio (o local mais frequente), o ápice petroso, o sistema cerebelopontino, o meato acústico externo e o processo mastoide. O colesteatoma congênito do processo mastoide é a forma mais rara de apresentação no osso temporal.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho foi apresentar as características clínicas e de imagem de uma paciente com colesteatome congênito isolado do processo mastoide, além de trazer uma rápida revisão da literatura.
RELATO DE CASO
Paciente com 67 anos de idade, oriunda de Santos, SP, Brasil, procurou atenção médica há 5 anos com queixa de perda auditiva bilateral e uma história de 8 anos de zumbido pulsátil no ouvido esquerdo. Não apresenta história de infecções ou cirurgia auditiva. O exame físico mostrou dor leve à compressão do processo mastoide à esquerda, bem como tontura transitória ocasional. O tímpano apresentava-se normal bilateralmente. Os testes de diapasão e Weber não apresentaram alterações. A avaliação audiométrica mostrou perda auditiva neurossensorial bilateral, especialmente para sons de alta frequência; a discriminação estava preservada. A timpanometria e os reflexos estapédicos estavam normais. A audiometria de respostas elétricas do tronco cerebral (BERA) também apresentou resultados normais. A tomografia computadorizada (TC) dos ossos temporais mostrou uma lesão expansiva hipoatenuante no processo mastoide esquerdo, com erosão das paredes medial e lateral adjacentes ao seio sigmoide esquerdo (Figura 1). As demais estruturas não apresentaram alterações. Também foi feita ressonância magnética (RM) dos ossos temporais, que mostrou uma lesão hipointensa em T1 e hiperintensa em T2 sem realce pós-contraste significativo. Com base nesses resultados, foi feita uma timpanomastoidectomia esquerda exploratória sob anestesia geral. A caixa do ouvido média não apresentava alterações. As células mastoides apresentavam tecido de granulação. Identificou-se um grande colesteatoma no processo mastoide esquerdo, com erosão das suas paredes medial e lateral e exposição da dura adjacente e do seio discreta compressão do hemisfério cerebelar homolateral. A lesão foi ressecada completamente, preservando-se a parede póstero-superior do canal auditivo externo. A análise histológica confirmou o diagnóstico de colesteatoma. Não houve complicações pós-operatórias imediatas, e a paciente não queixou mais de tontura no seguimento. No entanto, continua a relatar perda auditiva bilateral e zumbido não-pulsátil. A TC de controle não mostrou recidiva, evidenciando apenas uma grande cavidade cirúrgica no processo mastoide esquerdo, que se comunicava com o antro, o aditus ad antrum, e a cavidade timpânica. Houve erosão óssea adjacente ao seio sigmoide esquerdo (Figura 1).
Figura 1. A e B: Tomografia computadorizada (TC) dos ossos temporais. Imagens axiais mostrando uma lesão expansiva hipoatenuante no processo mastoide esquerdo, com erosão das suas paredes medial e lateral; a lesão encontra-se adjacente ao seio sigmoide esquerdo. As demais estruturas não apresentam alterações. C: Imagem tomográfica (TC) de controle do osso temporal esquerdo confirmando ausência de recidiva e mostrando uma cavidade cirúrgica significativa no processo mastoide que se comunicava com o antro e a cavidade timpânica.
DISCUSSÃO
Em 1953, House1 foi o primeiro a descrever um colesteatoma posterior a uma membrana intacta. Em 1991, Proctor2 mostrou que o colesteatoma congênito origina do mesmo ectoderma que forma a notocorda primitiva e que restos de células embriônicas desta estrutura ectodérmica podem surgir em qualquer osso craniana. Um estudo de Rashad et al.3, publicado por Korner em 1900, relatou que o colesteatoma congênito poderia ser diagnosticado na ausência de traumatismo local ou infecção e na presença de uma membrana timpânica normal. Luntz et al.4, em 1997, foram os primeiros a descrever as características do colesteatoma congênito isolado do osso mastoide nos exames de imagem, tendo definido três aspectos típicos dessa doença: 1) dor na região cervical superior; 2) TC mostrando uma lesão lítica expansiva afetando o processo mastoide, sem comprometimento do ouvido médio; 3) RM mostrando hiperintensidade em imagens ponderadas para T2, sem realce pós-contraste significativo, como visto na nossa paciente.
Esses três critérios não necessariamente estão presentes em todos os pacientes; além disso, outros sintomas pordem coexistir com essa doença. A raridade dos casos pode explicar a dificuldade de determinar características mais precisas. Mevio et al.5 acrescentaram instabilidade como um possível sintoma do colesteatoma no processo mastoide. O colesteatoma na nossa paciente foi removido completamente. O seio sigmoide esquerdo foi exposto sem atelectasia, como havia sido descrito por Mevio et al.5 em um caso semelhante no qual houve erosão extensa desta região. A parede póstero-superior do canal auditivo externo foi preservada, como descrito por Luntz et al.4, apesar da possibilidade de recidiva da lesão. A paciente foi informada sobre esse risco e da necessidade de acompanhamento clínico e radiológico periódico.
Alguns autores, operando em pacientes com colesteatomas congênitos da mastoide incluindo destruição da parade póstero-superior do canal auditivo externo, criaram a mastoidectomia radical modificada. Entretanto, deve-se observar que esses pacientes tinham colesteatomas que expandiram e infiltratam regiões além da mastoide.
O colesteatoma congênito pode surgir em várias regiões do osso temporal; suas manifestações clínicas dependem da localização. O colesteatoma congênito isolado do processo mastoide é a forma mais rara de apresentação no osso temporal; há poucos casos descritos na literature. Derlacki & Clemis6 (1965), Luntz et al.4 (1997) e Mevio et al.5 (2002) publicaram os únicos estudos semelhantes ao presente caso. Esses autores relataram a presença de colesteatomas na mastoide sem extensão a outras regiões do osso temporal, com isso removendo quaisquer dúvidas quanto à sua origem.
A suspeita de que a paciente apresentava um colesteatoma congênito do processo mastoide surgiu quando se observou ausência de sinais na caixa do ouvido esquerdo médio, na membrana timpânica e nas células mastoides à esquerda apesar da presença de uma lesão significativa no processo mastoide homolateral. O labirinto ósseo encontrava-se inalterado e a tontura relatada pela paciente não tinha uma explicação aparente. O zumbido pulsátil pode ter surgido pela contiguidade da lesão com o seio sigmoide esquerdo não-trombosado. O diagnóstico diferencial dessa lesão pode ser resolvido pelo achado de um granuloma de colesterol. Entretanto, os granulomas de colesterol tipicamente são hiperintensos em imagens ponderadas para T1. Outras manifestações raras são o tumor de saco endolinfático e os meningiomas.
CONCLUSÃO
Descrevemos o caso de uma paciente com um raro colesteatoma congênito do processo mastoide que apresentava características clínicas e radiológicas típicas. Embora rara, pode-se suspeitar da doença com base nas características clínicas e de imagem. Entretanto, esta suposição requer confirmação histológica. O manejo é cirúrgico, com resecção completa da lesão e seguimento pós-operatório periódico.
REFERÊNCIAS
1. House HP. An apparent primary cholesteatoma: case report. Laryngoscope.1953;63(8):712-3.
2. Proctor B. Chronic otitis media in mastoiditis. In: Paparella MM, Shumrick DA (eds). Otolaryngology. Vol. 2: The Ear. 3rd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1991 p.1366-8.
3. Rashad U, Hawthorne M, Kumar U, Welsh A. Unusual cases of congenital cholesteatoma of the ear. J Laryngol Otol.1999;113(1):52-4.
4. Luntz M, Telischi F, Bowen B, Ress B, Balkany T. Imaging case study of the month. Congenital cholesteatoma isolated to the mastoid. Ann Otol Rhinol Laryngol.1997;106(7 Pt 1):608-10.
5. Mevio E, Gorini E, Sbrocca M, Artesi L, Lenzi A, Lecce S, et al. Congenital cholesteatoma of the mastoid region. Otolaryngol Head Neck Surg.2002;127(4):346-8.
6. Derlacki EL, Clemis JD. Congenital cholesteatoma of the middle ear and mastoid. Trans Am Otol Soc.1965;53:208-31.
1. Doutorado (Professor adjunto).
2. Doutorado (Professor assistente).
3. Especialista (Professor assitente).
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Endereço para correspondência:
Lídio Granato
Departamento de Otorrinolaringologia
Rua Cesário Motta Junior, 112. Vila Buarque
São Paulo - SP. CEP: 01221-020.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 4 de janeiro de 2011. cod. 7497.
Artigo aceito em 24 de março de 2011.