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Ano:  2012  Vol. 78   Ed. 2  - Março - Abril - (23º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 135 a 135

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Caso raro de estridor e disfonia crônicos em adulto

A rare case of chronic stridor and dysphonia in an adult patient

Autor(es): Flávio Maria Nobre Othon Sidou1; João Aragão Ximenes Filho2; André Alencar Araripe Nunes3; Sebastião Diógenes Pinheiro4

Palavras-chave: corpos estranhos, disfonia, dispnéia, laringe.

Keywords: dysphonia, dyspnea, foreign bodies, larynx.

INTRODUÇÃO

Disfonia e estridor crônicos são sintomas relativamente frequentes em otorrinolaringologia. Este relato descreve um caso raro de disfonia e estridor crônicos em adulto e discute sumariamente os principais diagnósticos diferenciais.


APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente de 58 anos, agricultor, com história de 7 meses de disfonia e estridor persistentes, após engasgo, sufocação e tosse durante refeição, com perda ponderal de 4 Kg, sem febre. Apresentou IVAS recente, piorando a disfonia, associando-se tosse seca, dispneia em repouso e estridor bifásico, tendo usado diversas medicações sem melhora, o que o motivou a procurar o nosso ambulatório. Etilista e tabagista. Condições socioeconômicas precárias. Exame físico: emagrecido, estridor bifásico sibilos difusos, palpação cervical normal. Videolaringoscopia: edema interaritenóideo, acentuado processo inflamatório em glote, leucoplasia em terço médio de prega vocal direita, área granulomatosa em processo vocal esquerdo, lesão crostosa amarelada envolvendo toda circunferência subglótica com redução importante da luz, mobilidade laríngea preservada.

Optou-se por internamento, traqueotomia de urgência, biópsia incisional e investigação por imagem. Durante laringoscopia de suspensão, visualizou-se lesão de consistência endurecida, removida em bloco. Após limpeza, evidenciou-se corpo estranho sugestivo de vértebra cervical de ave, confirmado posteriormente pelo paciente como osso de galinha (Figura 1). Histopatologia: estrutura óssea símile à vértebra medindo 1,7 x 1,2 cm. Cortes histológicos: osso trabecular maduro e espaços intertrabeculares desvitalizados.


Figura 1. A: vértebra de galinha impactada em subglote mimetizando lesão granulomatosa ou neoplásica. Espaço glótico coincide exatamente com o canal medular da vértebra. B: vértebra após remoção e parcialmente fraturada durante procedimento. C: videolaringoscopia no sétimo PO exibindo importante edema de parede posterior e inflamação glótica.



DISCUSSÃO

Dentre as principais doenças associadas a estridor e disfonia crônicos destacam-se neoplasias, laringites crônicas, como a tuberculose laríngea e, raramente, corpos estranhos.

Os cânceres de laringe são comuns em homens de 50 a 60 anos tabagistas e etilistas. A apresentação mais frequente é a disfonia crônica gradual (tumores glóticos), disfagia, otalgia (tumores supraglóticos). Estridor e dispneia podem ocorrer em casos avançados1.

As laringites granulomatosas inflamatórias, apesar de raras, não podem ser negligenciadas no diagnóstico. A apresentação clínica é variável, podendo ocorrer disfonia, dispneia, estridor, odinofagia, disfagia ou até assintomática em um terço dos casos. No Brasil, as principais etiologias são Mycobacterium tuberculosis, Leishmania brasiliensis e Paracoccidioidis brasiliensis. O tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico é de 7 meses. O grau de destruição tecidual, curso insidioso e baixo índice de suspeição do médico tornam significativas as sequelas laríngeas, sendo disfonia a principal2.

A tuberculose laríngea apresenta estridor em 3,8% dos casos e disfonia em 84,6%. A glote é o principal sítio de acometimento em 80,8% enquanto 3,8% encontram-se na subglote. Os achados à videolaringoscopia são ulceração (50%), granuloma (50%), leucoplasia (38,5%) e inflamação não específica (26,9%). Achados combinados são descritos em 53,8%3.

A presença de corpo estranho em laringe é rara e dramática, tem prevalência estimada em 2 a 11% dos casos nas vias aéreas. É mais frequente em crianças, sobretudo entre 6 meses e 3 anos. Suspeita-se do diagnóstico pela história clínica e videolaringoscopia e a confirmação diagnóstica é feita pela laringoscopia de suspensão sob anestesia geral para remoção4. Dependendo da posição na laringe e dos riscos de deslocamento do CE para as vias aéreas inferiores durante intubação, pode ser necessária traqueotomia prévia ou mesmo realizar a remoção sob sedação e anestesia local5,6.

Relato de aspiração ocorre em 85% dos casos. A maioria dos CE são vistos na hipofaringe5 ou passam pela glote e impactam-se nos brônquios5,6. Fragmentos de ossos em vias aéreas superiores costumam produzir febre baixa, obstrução respitatória ocasional o podem ser confundidos com infecção viral5. Não encontramos na literatura nenhum caso de CE em laringe com tempo de impactação maior do que o deste relato.


COMENTÁRIOS FINAIS

Apesar de raro, corpo estranho cronicamente impactado nas vias aéreas superiores de adultos é possível e deve sempre ser lembrado nos casos de estridor e disfonia crônicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Thekdi AA, Ferris RL. Diagnostic assessment of laryngeal cancer. Otolaryngol Clin North Am. 2002;35(5):953-69.

2. Silva L, Damrose E, Bairão F, Nina ML, Junior JC, Costa HO. Infectious granulomatous laryngitis: a retrospective study of 24 cases. Eur Arch Otorhino¬laryngol. 2008;265(6):675-80.

3. Wang CC, Lin CC, Wang CP, Liu SA, Jiang RS. Laryngeal tuberculosis: a review of 26 cases. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;137(4):582-8.

4. Gandara MER, Pirana S, Delgatto PF, Naves JR, Silveira JAM, Minitti A. Corpo Estranho de Laringe: Relato de Caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 1996;62(1):72-6.

5. Sinha R, Barua M, Das U, Ghosh TB. Forgotten foreign body in the larynx. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 1995;47(3):205-7.

6. Bir Singh G, Abrol R, Dass A. An unusual foreign body in the larynx in an adult. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;133(4):639.










1. Médico (residente). Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará).
2. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará).
3. Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Endoscopia Peroral e Otorrinolaringologia (Professor Auxiliar do Departamento de Cirurgia da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Ceará e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Wálter Cantídio).
4. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Professor Associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará).

Endereço para correspondência:
Rua Barbosa de Freitas, 1824, apto 601, Aldeota
Fortaleza - CE. CEP: 60170021

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 13 de dezembro de 2010. Cod. 7466.
Artigo aceito em 04 de janeiro de 2011.

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