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Ano:  2012  Vol. 78   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 7 a 10

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Esvaziamento cervical no carcinoma epidermoide de laringe. Indicação de esvaziamento eletivo contralateral

Neck dissection in squamous cell carcinoma of the larynx. Indication of elective contralateral neck dissection

Autor(es): Ali Amar1; Helma Maria Chedid2; Sergio Altino Franzi3; Abrão Rapoport4

Palavras-chave: carcinoma de células escamosas, esvaziamento cervical, laringe.

Keywords: carcinoma, squamous cell, larynx, neck dissection.

Resumo:
O planejamento terapêutico dos tumores da laringe inclui a possibilidade de esvaziamento cervical uni ou bilateral. OBJETIVO: Avaliar a prevalência e localização de metástases linfonodais bilaterais ou contralaterais nos tumores de laringe. CASUÍSTICA E MÉTODO: Estudo longitudinal retrospectivo de 272 prontuários de pacientes com carcinoma epidermoide de laringe tratados entre 1996 e 2004, selecionados 104 submetidos à cirurgia com esvaziamento cervical. Avaliada a incidência de metástases bilaterais ou contralaterais, de acordo com a localização e extensão do tumor primário, considerando os subsítios anatômicos e a linha mediana. RESULTADOS: A prevalência de metástases contralaterais nos tumores lateralizados foi de 3,5% nas lesões glóticas e 26% nas lesões supraglóticas. As metástases contralaterais foram infrequentes nos casos N0. Tanto no esvaziamento eletivo como no terapêutico, os níveis linfonodais IIa e III foram os mais acometidos. CONCLUSÃO: Nas lesões glóticas lateralizadas, mesmo nos tumores transglóticos, não há necessidade de esvaziamento contralateral eletivo. Nas lesões da supraglote sem metástases ipsilaterais, a incidência de metástases ocultas não justifica o esvaziamento eletivo contralateral. A linha mediana não é um indicador fidedigno do risco de metástases contralaterais nos tumores da laringe.

Abstract:
Unilateral or bilateral neck dissection must be considered in the treatment of laryngeal cancer AIM: To evaluate the prevalence of contralateral metastases in larynx cancer and distribution of these metastases according to lymph node levels in the neck. METHOD: Retrospective longitudinal study of 272 charts from patients with squamous cell cancer of the larynx treated between 1996 and 2004; and we selected 104 surgical cases submitted to neck dissection. We evaluated the incidence of bilateral or contralateral metastases, according to the location and extension of the primary tumor, considering the anatomical sub-sites and the midline. RESULTS: Contralateral metastases in lateral tumors were observed in 3.5% of glottic lesions and in 26% of supraglottic lesions. Contralateral metastases were uncommon in N0 patients. Lymph nodes levels IIa and III were the most commonly involved in the neck. CONCLUSION: In lateral glottic tumors there is no need for elective contralateral neck dissection. In supraglottic lesions without ipsilateral metastases, the incidence of hidden metastasis does not justify elective contralateral dissection. The midline is not a reliable indicator of the risk of contralateral laryngeal tumors.

INTRODUÇÃO

As metástases linfonodais representam o principal fator prognóstico nas neoplasias do trato aerodigestivo superior e o esvaziamento cervical eletivo, mais do que um procedimento de estadiamento, proporciona elevadas taxas de controle da doença regional1. Embora a drenagem linfática e o risco de metástases em cada sítio anatômico já estejam estabelecidos, a indicação de esvaziamento eletivo contralateral ainda é um tema controverso2. A extensão do esvaziamento tem impacto tanto na morbimortalidade do tratamento como no controle da doença. O objetivo deste estudo é verificar a prevalência e localização das metástases linfonodais nos tumores da laringe, de acordo com a extensão do tumor primário, considerando a indicação do esvaziamento cervical contralateral.


CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram revisados os prontuários de 272 pacientes com carcinoma epidermoide de laringe atendidos consecutivamente entre janeiro de 1996 e dezembro de 2004, sendo incluídos 104 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico, incluindo o esvaziamento cervical. Foram realizados 161 esvaziamentos cervicais, sendo 65 completos e 96 seletivos. A extensão do tumor primário foi determinada a partir das descrições intraoperatórias, considerando os subsítios anatômicos acometidos e sua relação com a linha mediana. Desta forma, as lesões foram classificadas em dois grupos: lesões com centro na linha mediana e lesões lateralizadas, sendo este último grupo subdividido de acordo com sua relação com a linha mediana. Foram considerados os níveis linfonodais acometidos no exame anatomopatológico, de acordo com a classificação da American Head and Neck Society, bem como as eventuais recidivas regionais isoladas. A classificação dos níveis linfonodais foi realizada por um cirurgião da equipe imediatamente após o procedimento, sendo enviados separadamente para análise histológica. Todos os pacientes foram reestadiados conforme a classificação TNM-2002 da UICC-AJCC, considerando o exame físico na admissão. A análise estatística utilizou métodos descritivos e a análise qualitativa usou o teste exato de Fisher, considerando significantes as diferenças com erro alfa inferior a 5%.


RESULTADOS

A idade média foi de 56 anos (36 a 79), sendo 86 pacientes masculinos e 18 femininos. Quanto ao subsítio anatômico, 66 lesões eram glóticas, das quais 40 eram transglóticas, 35 supraglóticas e três lesões extensas com subsítio de origem não identificado. Quanto ao estadiamento, três pacientes apresentavam estádio I, 19 estádio II, 45 estádio III e 37 estádio IV. O seguimento médio dos pacientes assintomáticos foi de 58 meses, sendo que apenas seis casos tiveram seguimento inferior a um ano.

Entre os 104 casos, 53 (50,96%) apresentaram metástases confirmadas histologicamente. As metástases bilaterais ocorreram em 22 (21%) casos. Os tumores primários com epicentro na linha mediana ou tumores extensos, acometendo todo o órgão, somaram 28 casos, sendo 15 (53%) com metástases bilaterais. Nos 76 casos de tumores lateralizados, ocorreram metástases bilaterais em sete (9%), sendo ocultas em quatro casos. Não houve caso de metástase contralateral isolada.

Nos 76 casos com lesões lateralizadas, somente 29 se submeteram ao esvaziamento bilateral. Dos 47 remanescentes, 12 realizaram radioterapia pós-operatória incluindo o pescoço contralateral. Ocorreram dois (3%) casos de metástases bilaterais em 59 pacientes N0 e cinco (29%) casos entre os 17 pacientes N+ (p=0,005).

Entre os 57 pacientes com lesões glóticas lateralizadas, ocorreram dois casos (3%) de metástases bilaterais, ambos identificados clinicamente. Nos 19 pacientes com lesões lateralizadas da supraglote, foram observadas metástases bilaterais em cinco casos (26%), p=0,009, sendo apenas um identificado no exame físico. A epiglote estava acometida em 15 destes pacientes, sendo que todos os cinco casos com metástases bilaterais tinham acometimento da epiglote. Ocorreram nove recidivas cervicais, com apenas um caso no pescoço contralateral não esvaziado.

O estadiamento T não influenciou significativamente a presença de metástases bilaterais nos tumores lateralizados. Foram observadas metástases bilaterais em 1/19 (5%) dos casos T1 e T2 e em 6/57 (10%) dos casos T3 e T4, p=0,67.

As metástases ocorreram predominantemente nos níveis II e III (Tabela 1). As metástases no nível VI foram detectadas em três casos, porém, o nível VI não foi rotineiramente separado da peça cirúrgica e está subavaliado nesta amostra.




DISCUSSÃO

A baixa morbidade do esvaziamento seletivo permitiu ampliar a indicação do esvaziamento eletivo, embora a realização de esvaziamento bilateral possa multiplicar o risco de complicações com a exposição de ambos os feixes vásculo-nervosos do pescoço. Nesta série, aproximadamente 50% dos pacientes tiveram esvaziamento eletivo contralateral. O esvaziamento cervical e a radioterapia pós-operatória alcançaram o controle regional da doença na maioria dos casos, o que permite discutir a possibilidade do sobretratamento. As lesões de origem glótica, incluindo as transglóticas, apresentam baixa prevalência de metástases contralaterais, mesmo que o tumor primário ultrapasse a linha mediana. Os resultados do presente estudo são semelhantes aos reportados por Marks et al.2. Nos tumores da supraglote, o acometimento da região central determina um risco elevado de metástases contralaterais. Nestes casos, a incidência de metástases contralaterais nas lesões lateralizadas é superior a 20%, mas são infrequentes na ausência de metástases ipsilaterais3,4. O estadiamento patológico ipsilateral (pN) é ainda mais fidedigno quanto ao risco de metástases contralaterais. Quase metade dos pacientes com tumores supraglóticos apresentavam tumores centrais, situação na qual se impõe o tratamento bilateral. Nas lesões lateralizadas, quando há metástases histologicamente confirmadas no lado ipsilateral, as metástases contralaterais ocorrem em até 48% dos casos, enquanto que nas lesões estádio I e II esta frequência é de apenas 5%5,6.

Embora o estadiamento T (TNM - UICC/AJCC) seja importante na definição do risco de metástases ipsilaterais, sua relação com o risco de metástases contralaterais parece ser indireta, considerando que o tamanho do tumor se relaciona com a possibilidade de atingir áreas (subsítios anatômicos) com drenagem linfática cruzada. No presente estudo, o estádio T isoladamente não demonstrou aplicabilidade na indicação do esvaziamento eletivo contralateral, resultado também observado por outros autores nos tumores supraglóticos7,8.

A possibilidade de radioterapia pós-operatória, especialmente quando as características do tumor primário e das metástases ipsilaterais justificariam o tratamento adjuvante, também merece ser considerada em relação ao seu emprego no tratamento do pescoço contralateral. Embora a eficácia da radioterapia no tratamento da doença regional subclínica seja uma evidência indireta, os resultados favorecem seu uso neste contexto1,4,9. Por uma questão de princípios, o tratamento inicial deve ser dimensionado para tratar completamente a doença, enquanto o tratamento adjuvante pode ser dimensionado para áreas de maior risco de recidiva, reconhecendo que a doença em estádio avançado requer tratamento combinado. O esvaziamento eletivo habitualmente é indicado quando o risco de metástases ocultas supera 20%, porém, como na cirurgia da laringe há exposição de ambos os feixes júgulo-carotídeos, um esvaziamento de oportunidade pode ser indicado em situações onde o risco de metástases é menor10. Da mesma forma, a presença de comorbidades, a facilidade de seguimento do paciente e a agilidade no resgate de uma recidiva regional também devem influenciar a decisão de tratar cirurgicamente o lado contralateral. Algumas recidivas já se apresentam como doença irressecável e a realização de esvaziamento eletivo permite melhor controle regional4,6,11-13. Os resultados do presente estudo mostram que aproximadamente 40% dos esvaziamentos eletivos contralaterais, especificamente nos tumores glóticos ou nos supraglóticos N0, poderiam ter sido evitados sem prejuízo do estadiamento, uma vez que se mostraram pN0, mas não é possível determinar se a omissão do esvaziamento cervical afetaria o excelente resultado obtido no controle da doença regional ou mesmo a sobrevida4,13. Não pode ser desconsiderado que na avaliação patológica rotineira podem ocorrer aproximadamente 8% de falsos pN0, uma vez que um único corte no linfonodo é falho na detecção de micrometástases14.

Quanto à extensão do esvaziamento, as metástases se concentram nos níveis IIa e III, que representam a primeira estação de drenagem desses tumores, sendo factível um esvaziamento superseletivo apenas destes níveis no pescoço negativo8,15-17. As metástases isoladas fora destes níveis são raras, ocorrendo em torno de 1% dos casos.


CONCLUSÃO

Concluímos que há maior probabilidade de metástases bilaterais em tumores extensos com comprometimento de todo o órgão ou com epicentro na linha mediana. Os tumores glóticos apresentam baixa frequência de metástases, a despeito de cruzarem a linha mediana. Nos casos com tumores lateralizados, a presença de pescoço N+ e o acometimento da epiglote foram significativos na presença de metástase bilateral.


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1. Doutorado - UNIFESP (Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis).
2. Mestrado - HOSPHEL (Cirurgiã de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis).
3. Doutorado - USP (Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis).
4. Livre Docência - USP (Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis).

Endereço para correspondência:
Ali Amar
Hospital Heliópolis
Rua Casa do Ator, 764/31
São Paulo - SP. CEP: 04546-003

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 3 de dezembro de 2009 . Cod. 6811.
Artigo aceito em 26 de dezembro de 2011.

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