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Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (22º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 808 a 808

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Síndrome de Ramsay Hunt após otoplastia

Ramsay Hunt syndrome following otoplasty

Autor(es): Marco Antônio Rios Lima1; Jacinto de Negreiros Júnior2

Palavras-chave: herpes zoster, herpes zoster da orelha externa, paralisia facial.

Keywords: ear, external, herpes zoster, herpes zoster oticus.

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Ramsay Hunt (SRH) é caracterizada pela associação de Herpes-zoster oticus com paralisia facial periférica aguda.1 A sua fisiopatologia está ligada à reativação do vírus varicela-zoster (VVZ) no gânglio geniculado do nervo facial1,2.

Diferentes procedimentos cirúrgicos têm sido descritos na literatura como fatores desencadeantes da reativação viral1,2.

Descrevemos o qual acreditamos ser o primeiro caso relatado de SRH sucedendo-se à otoplastia, enfocando seu diagnóstico, tratamento e evolução.


APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente de 12 anos, sexo masculino, previamente hígido, foi submetido à otoplastia bilateral para correção de orelhas em abano. Evoluiu inicialmente sem intercorrências, com retirada dos pontos no 14º dia pós-operatório (PO).

No 25º dia PO, foi observada leve dificuldade no fechamento do olho esquerdo. O paciente relatou aparecimento de vesículas em pavilhão auricular esquerdo há 3 dias associado à otalgia e hipoacusia ipsilateral. Há 2 dias, notou dificuldade na movimentação facial à esquerda. Tinha história de varicela aos 4 anos de idade sem complicações. Ao exame físico, apresentava paralisia facial periférica à esquerda, House Brackmann grau III, além de lesões crostosas em pavilhão auricular esquerdo (Figura 1). A otoscopia revelou hiperemia e edema difusos em conduto auditivo externo esquerdo, impossibilitando visualização da membrana timpânica. Pavilhão auditivo direito e a otoscopia ipsilateral sem alterações. Oroscopia e rinoscopia anterior normais. Apresentava Rinne negativo à esquerda com Weber lateralizado para o mesmo lado.


Figura 1. Herpes-zoster oticus.



Iniciou-se tratamento da SRH com Dexametasona 4mg/dia via oral por 7 dias com desmame progressivo (28 dias de corticoterapia, conforme protocolo do serviço), Aciclovir 2g/dia (7 dias) e colírio lubrificante ocular à esquerda.A otite externa foi tratada com gotas otológicas (Ciprofloxacino 0,2% + hidrocortisona 1% - 10 dias). Foram solicitados hemograma completo e sorologias. Uma semana depois, apresentava resolução completa das lesões em pavilhão auricular esquerdo, bem como da otite externa ipsilateral. A audiometria tonal mostrou limiares auditivos normais em ambas as orelhas. O hemograma mostrou leucocitose (16.100) sem desvios. As sorologias mostraram IgG positivo e IgM negativo para Herpes I e II, mononucleose e citomegalovírus; sorologia negativa para HIV. Evoluiu com recuperação progressiva da mímica facial, apresentando resolução completa da paralisia facial na quarta semana após o diagnóstico.Realizou a sorologia para Herpes-zoster (imunoensaio enzimático) apenas 1 mês após o início do quadro que revelou IgM negativo e IgG positivo em altos títulos (2.556 - referência até 0,2).


DISCUSSÃO

A SRH é rara na infância, com uma incidência de aproximadamente 5 casos/100.000 habitantes/ano. No entanto é a segunda causa mais comum de paralisia facial não traumática3.

Atualmente, acredita-se que a reativação viral seja uma importante causa de paralisia facial no PO tardio1. Após a primoinfecção, o VVZ permanece latente nos gânglios sensoriais do nervo facial (VII) e do nervo trigêmeo (V)2. Intervenções cirúrgicas nas proximidades do trajeto do nervo facial, como cirurgias da orelha média e orelha interna, desencadeariam a reativação viral e paralisia facial pela estimulação direta do nervo VII1. Também são relatados casos de paralisia facial periférica tardia induzida pelo VVZ após cirurgias orofaciais e procedimentos dentários, sendo aventada, nesses casos, uma infecção viral ascendente pelo nervo lingual2.

Pode-se hipotetizar que a otoplastia tenha desencadeado a reativação viral pela estimulação direta do nervo VII (concha auricular) 4, ou pela estimulação do nervo V (ramo auriculotemporal)4, que transmitiria o estímulo via nervo corda do tímpano ao facial.

O diagnostico é fundamentalmente clínico5. A realização de exames complementares pode corroborar ou confirmar o diagnóstico. No presente caso, o diagnostico sorológico não pode ser firmado pela dificuldade do paciente em realizar a sorologia no momento do diagnóstico. No entanto, os altos títulos de anticorpo IgG anti-VVZ encontrados 1 mês após o início do quadro são altamente sugestivos da reativação viral. Resposta sorológica não é sempre detectada em pacientes com SRH2. São relatados padrões variáveis de resposta imunológica do hospedeiro ao vírus6.


COMENTÁRIOS FINAIS

Descrevemos um caso de paciente que desenvolveu a SRH no pós-operatório tardio de otoplastia bilateral, obtendo melhora completa do quadro após tratamento clínico. É importante o acompanhamento próximo dos pacientes submetidos a cirurgias otorrinolaringológicas e cérvico-faciais, visando a um diagnóstico precoce, bem como adequada condução dos casos e otimização do prognóstico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Gyo K, Honda N. Delayed facial palsy after middleear surgery due to reactivation of varicella-zoster virus. J Laryngol Otol. 1999;113(10):914-5.

2. Furuta Y, Ohtani F, Fukuda S, Inuyama Y, Nagashima K. Reactivation of varicella-zoster virus in delayed facial palsy after dental treatment and oro-facial surgery. J Med Virol. 2000;62(1):42-5.

3. Kim D, Bhimani M. Ramsay Hunt syndrome presenting as simple otitis externa. CJEM. 2008;10(3):247-50.

4. Zorzetto NL. Anatomia da orelha. In: Costa SSD, et al. Otorrinolaringologia - Princípios e Prática. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.26.

5. Sandoval CC, Núñez FA, Lizama CM, Margarit SC, Abarca VK, Escobar HR. Síndrome de Ramsay-Hunt en Pediatría: Reporte de cuatro casos y revisión de la literatura. Rev Chil Infectol. 2008;25(6):458-64.

6. Aizawa H, Ohtani F, Furuta Y, Sawa H, Fukuda S. Variable patterns of varicella-zoster virus reactivation in Ramsay Hunt syndrome. J Med Virol. 2004;74(2):355-60.










1. Médico Residente de ORL (R3).
2. Mestrado, Médico assistente e Coordenador do Programa de Residência médica em otorrinolaringologia do Hospital das Forças Armadas de Brasília.

Hospital das Forças Armadas de Brasília.

Endereço para correspondência:
Marco Antônio Rios Lima
S.M.T, conjunto 16, casa 5
Taguatinga - DF. 72023-480

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 12 de outubro de 2010. cod. 7370
Artigo aceito em 7 de novembro de 2010.

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