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Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (19º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 805 a 805

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Fasceíte necrosante cérvico-torácica facial odontogênica

Cervical-thoracic facial necrotizing fasciitis of odontogenic origin

Autor(es): Rui Medeiros Júnior1; Auremir da Rocha Melo2; Hugo Franklin Lima de Oliveira3; Silvana Maria Orestes Cardoso4; Carlos Augusto Pereira do Lagot5

Palavras-chave: face, fasciite necrosante, infecção.

Keywords: face, fasciitis, necrotizing, infection.

INTRODUÇÃO

A fasceíte necrosante (FN) da cabeça e pescoço é uma rara e potencialmente fatal infecção bacteriana do tecido mole, que acomete principalmente indivíduos adultos e idosos, sem predileção por sexo1. Não existem dados confiáveis quanto à sua real incidência na população2.

A maioria dos casos tem origem odontogênica, envolvendo abscessos dentários e doença periodontal crônica, ou faríngea; evoluindo com extensa necrose e formação gasosa no tecido subcutâneo e fascial subjacente, com elevado índice de mortalidade (aproximadamente 40%)2.

Usualmente, revela envolvimento polimicrobiano, podendo ser classificada, nestes casos, em tipo I, quando causada por flora mista de bactérias anaeróbias obrigatórias e outras anaeróbias facultativas não pertencentes ao grupo A, e tipo II, quando do envolvimento de GAS (Streptococcus do grupo A) isolado ou associado ao Staphylococcus aureus3.

Diabetes melito não controlada, doenças vasculares periféricas, hepatopatias e doenças imunológicas são importantes fatores de risco para FN2.Os exames imaginológicos são fundamentais para caracterizar os limites topográficos da infecção e o diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com celulite ou erisipela em seu estágio inicial4. O tratamento bem sucedido envolve o diagnóstico precoce, desbridamento cirúrgico radical de todo o tecido necrótico, antibioticoterapia parenteral de amplo espectro e medidas gerais de suporte agressivas4.


APRESENTAÇÃO DO CASO


Paciente masculino, 37 anos, etilista crônico, apresentou lesão cérvico-torácica facial compatível com celulite e história odontológica pregressa de infecção odontogênica não tratada.

O exame físico locorregional revelou trismo mandibular, aumento de volume endurecido e sensível à palpação em região submandibular, sublingual e submentoniana (bilateralmente) com extensão torácica (Figura 1A). O exame intrabucal evidenciou a presença de múltiplos restos radiculares, além de elementos dentários cariados e periodontalmente comprometidos. Hiperemia, hipertermia, taquipneia, desidratação e leucocitose apontavam para um quadro de sepse. O exame tomográfico (TC) mostrou enfisema subcutâneo característico (Figura 1B).


Figura 1. A) Extensa área eritematosa associada a edema submandibular, submentoniano e sublingual (bilateralmente) com extensão cérvico-torácica. B) Enfisema subcutâneo cervical em TC. C) Remoção dos múltiplos restos radiculares em mandíbula (focos primários da infecção). D) Aspecto da ferida no sexto dia pós-operatório. Notar extensa área cruenta com presença de cavidade purulenta residual.



Assim, foi proposto um tratamento emergencial com desbridamento cirúrgico radical e imediato. No transoperatório, foi colhido material para estudo de cultura e antibiograma, decidindose por deixar as musculaturas cervical anterior e torácica expostas. Ainda, foram realizadas múltiplas exodontias para a remoção do foco primário da infecção (Figura 1C).

Antibioticoterapia empírica foi iniciada com o uso de ceftriaxona e metronidazol. Os exames de cultura e sensibilidade revelaram crescimento de espécies de Klebsiella pneumoniae sensíveis aos antimicrobianos administrados. Desbridamentos complementares de pequenas áreas foram realizados durante as duas primeiras semanas de pós-operatório (Figura 1D).


DISCUSSÃO

O presente relato ilustra um caso de FN odontogênica em paciente etilista crônico que evoluiu rapidamente para a região cérvico-torácica. Whitesides et al.5, em seu estudo, revelaram que 81% dos casos tiveram início a partir dos segundos ou terceiros molares inferiores. Kaul et al.6, analisando 77 casos, encontraram em mais de 70% destes pelo menos uma doença crônica de base.

A hipótese diagnóstica de FN é eminentemente clínica (a partir de edema tegumentar inelástico, hipoestesia e crepitação cutânea, etc.), sendo o diagnóstico definitivo feito pela exploração cirúrgica; pela observação de pouca aderência do tecido subcutâneo, ausência de sangramento e necrose fascial.

Assim, após realização de TC, que revelou enfisema subcutâneo característico e denotou a real extensão da infecção, um tratamento cirúrgico emergencial foi realizado. O procedimento contemplou desbridamento agressivo da região cérvicotorácica facial, tendo como limites a linha mamilar, o ponto médio da clavícula bilateralmente e a base da mandíbula. Durante a abordagem observou-se diminuição da resistência na dissecação e necrose dos planos fasciais, necroses da pele e do tecido subcutâneo, drenagem franca de pus e odor fétido; fechando-se, assim, o diagnóstico de FN.

Um fato raro observado foi o envolvimento bacteriológico isolado por Klebsiella pneumoniae; não caracterizando, desta forma, o padrão polimicrobiano clássico da infecção. A terapia antimicrobiana se mostrou bastante eficaz e, atualmente, medidas adjuvantes, como administração de imunoglobulinas e a oxigenoterapia hiperbárica, também têm sido empregadas3.


COMENTÁRIOS FINAIS

Excepcionalmente, as infecções orais podem culminar em quadros graves e fatais de FN. A evolução dessa condição é rápida, principalmente quando associada a fatores predisponentes. Assim, o adequado tratamento deve contemplar o diagnóstico precoce, a antibioticoterapia de largo espectro, a intervenção cirúrgica radical, sendo recomendável, em muitos casos, o envolvimento de uma equipe multidisciplinar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ord R, Coletti D. Cervico-facial necrotizing fasciitis. Oral Dis. 2009;15(2):133-41.

2. Kuncir EJ, Tillou A, St Hill CR, Petrone P, Kimbrell B, Asensio JA. Necrotizing soft-tissue infections. Emerg Med Clin North Am. 2003;21(4):1075-87.

3. Wolf H, Ovesen T. Necrotizing fasciitis in the head and neck region. Ugeskr Laeger. 2008;170(34):2563-6.

4. Costa IMC, Cabral ALSV, Pontes SS, Amorim JF. Fasciíte necrosante: revisão com enfoque nos aspectos dermatológicos. An Bras Dermatol. 2004;79(2):211-24.

5. Whitesides L, Cotto-Cumba C, Myers RA. Cervical necrotizing fasciitis of odontogenic origin: a case report and review of 12 cases. J Oral Maxillofac Surg. 2000;58(2):144-51.

6. Kaul R, McGeer A, Low DE, Green K, Schwartz B. Population-based surveillance for group A streptococcal necrotizing fasciitis: Clinical features, prognostic indicators, and microbiologic analysis of seventy-seven cases. Am J Med. 1997;103(1):18-24.










1. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital da Restauração, Recife/PE, Cirurgião Bucomaxilofacial.
2. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital da Restauração, Recife/PE, Cirurgião Bucomaxilofacial.
3. Residente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital da Restauração, Recife/PE, Cirurgião-Dentista.
4. Doutora em Biologia Oral pela Universidade de Paris VII, França. Professora do Departamento de Prótese e Cirurgia Bucofacial da Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, Recife/PE.
5. Doutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE, Staff do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração, Recife/PE.

Hospital da Restauração.

Endereço para correspondência:
Rua Dr. Geraldo de Andrade 101 apto. 104 Espinheiro
Recife PE 52021-220

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 17 de maio de 2010. cod. 7090
Artigo aceito em 12 de julho de 2010.

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