Ano: 2011 Vol. 77 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (6º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 711 a 715
Laringoplastia com balão em crianças com estenose subglótica em evolução: experiência de um hospital terciário
Balloon laryngoplasty in children with acute subglottic stenosis: experience of a tertiary-care hospital
Autor(es): Claudia Schweiger1; Mariana Magnus Smith2; Gabriel Kuhl3; Denise Manica4; Paulo José Cauduro Marostica5
Palavras-chave: criança, dilatação com balão, laringoestenose
Keywords: balloon dilatation, child, laryngostenosis
Resumo:
O manejo da estenose subglótica (ESG) em crianças continua sendo um desafio para os otorrinolaringologistas. A laringoplastia com balão (LPB) consiste num procedimento endoscópico, descrito inicialmente em 1984, para tratamento de estenoses da via aérea alta, apresentando várias vantagens em relação a outras técnicas cirúrgicas e com resultados promissores. Objetivo: Apresentar a nossa experiência com a realização de LPB em pacientes pediátricos com ESG. Material e Método: Estudo prospectivo de pacientes pediátricos com diagnóstico de ESG pós-extubação em evolução (ainda com tecido de granulação). Realizou-se laringoscopia direta sob anestesia geral e dilatação do segmento estenótico com cateter de angioplastia. Os pacientes foram acompanhados e nova laringoscopia foi realizada uma semana após o procedimento inicial. Resultados: Foram incluídas no estudo oito crianças no período de junho de 2009 a outubro de 2010. Destas, quatro apresentavam ESG Grau 3, três apresentavam ESG Grau 2 e uma, ESG Grau 1. Na laringoscopia direta de revisão, apenas duas apresentavam ESG residual assintomática (Grau 1), sendo que as outras seis apresentavam via aérea normal e estavam assintomáticas. Conclusão: A LPB parece ser um tratamento efetivo para ESG em evolução. Necessitamos mais estudos para sabermos a eficácia, a segurança e as indicações deste procedimento.
Abstract:
Management of subglottic stenosis (SGS) in children is still a challenge to Otorhinolaryngologists. Balloon laryngoplasty (BLP) is anendoscopic procedure, first described in 1984 for the treatment of airway stenosis. It shows promising results and seems to be more effective than other procedures. Aim: To present our experience with BLP in children with SGS. Material and Method: Prospective study of children diagnosed with acute subglottic stenosis, i.e., stenosis with granulation tissue. They underwent direct laryngoscopy under general anesthesia and dilatation of the stenotic segment with angioplasty balloon. They were followed up and a second laryngoscopywas performed one week later. Results: Eight children were included in this study between June 2009 and October 2010. Four had Grade 3 SGS, three had Grade 2 SGS and one had Grade 1 SGS. By the second examination, two children presented with asymptomatic Grade 1 SGS, while the other six presented with normal airway and remained asymptomatic. Conclusion: BLP seems to be an effective treatment for acute SGS. We need more studies to refine our knowledge concerning efficacy rates, safety and indications for balloon dilatation.
INTRODUÇÃO
A partir do final da década de 1950, a intubação endotraqueal (IET) prolongada passou a desempenhar um importante papel no manejo de distúrbios respiratórios em crianças e adultos criticamente doentes, e esta se tornou a principal causa de estenose laríngea. A estenose da região subglótica parece ser a mais comum em crianças, devido ao fato de que esta é a região mais estreita da via aérea nesta faixa etária1.
O manejo da estenose subglótica (ESG) em crianças continua sendo um desafio para os otorrinolaringologistas, e várias técnicas cirúrgicas abertas e endoscópicas já foram relatadas. O uso de técnicas endoscópicas oferece a vantagem de ser menos invasivo e não deixar cicatrizes externas, mas os índices de sucesso são variáveis.
Dentre as opções endoscópicas para tratamento, encontramos o uso de laser de CO2 ou yag laser para ressecção da estenose, dilatações com velas e broncoscópios rígidos e, mais recentemente, com balões de angioplastia.
A laringoplastia com balão (LPB) consiste num procedimento endoscópico, descrito inicialmente em 19842, para tratamento de estenoses da via aérea alta. Esta técnica vem sendo usada, desde então, para o tratamento das estenoses secundárias à intubação prolongada, reestenoses pós-reconstruções laringotraqueais e pós-ressecçõe cricotraqueais com anastomose término-terminal, com resultados encorajadores3-5. Uma grande variedade de balões para dilatação foi testada, dentre eles o cateter de embolectomia de Fogarty e uma série de cateteres de angioplastia2,6,7.
A dilatação pode ser feita pela visualização direta com laringoscopia ou broncoscopia7 ou pelo controle fluoroscópico3,5. Ela mostra-se paliativa em alguns casos (transformando uma ESG Grau 3 de Myer & Cotton8 em Grau 2 ou 1) e curativa em outros9.
Desde sua primeira descrição na literatura, a LPB vem sendo testada em estenoses subglóticas, geralmente com séries pequenas de pacientes, mas a maioria mostrando resultados animadores.
O nosso objetivo é apresentar a experiência do Serviço de Otorrinolaringologia com a realização de LPB em pacientes pediátricos com ESG pós-intubação e em evolução.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram incluídos no estudo oito pacientes pediátricos com diagnóstico de ESG pós-intubação Grau 1-3 de Myer & Cotton8 em evolução, isto é, ESG ainda com tecido de granulação, no período de junho de 2009 a outubro de 2010. Estes pacientes foram identificados por meio de um estudo de coorte realizado pelo nosso grupo de pesquisa, em que realizamos nasofibrolaringoscopia em todos os pacientes após a extubação em nossa Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, desde 2005. Estes pacientes, após a nasofibrolaringoscopia, são acompanhados e, se apresentarem alterações neste exame ou sintomas de obstrução das vias aéreas superiores no seguimento, são submetidos à laringoscopia direta e, se diagnosticada qualquer alteração, submetidos a tratamento específico.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da nossa instituição sob número 05-266.
Técnica
Inicialmente, realizou-se uma laringoscopia direta para diagnóstico e graduação da ESG, com a utilização de laringoscópios pediátricos e óptica de 0 grau e 4mm de diâmetro. O paciente encontrava-se sedado e permanecia em ventilação espontânea durante o procedimento, recebendo oxigênio complementar por cateter nasal. Feito o diagnóstico e indicada a dilatação com balão (estenose aguda - em evolução -, com tecido de granulação, menor do que grau 4), procedeu-se à introdução do balão (cateter de angioplastia de 4cm de comprimento e de 10-14mm de diâmetro - Figura 1) através do laringoscópio, sob visualização direta. O balão foi posicionado na subglote (Figura 2) e inflado com soro fisiológico até a pressão de 2atm. O balão permaneceu inflado por 30 segundos a 2 minutos sendo, após, desinflado e retirado da via aérea.
Figura 1. Cateter de angioplastia usado nas laringoplastias com balão.
Figura 2. Laringoscopia direta com óptica de zero grau mostrando cateter sendo introduzido na laringe, com o balão desinflado.
Visualizava-se, então, a subglote com a óptica para ver o resultado imediato. Se este fosse satisfatório, retiravase o laringoscópio e o paciente era acordado. Se o diâmetro da via aérea ainda não estivesse adequado para uma boa ventilação, a dilatação era repetida. Se após a segunda dilatação, a via aérea ainda não estivesse adequada, o paciente seria encaminhado para outro tipo de tratamento. O paciente permanecia com corticosteroide oral por 7 dias após o procedimento, e omeprazol por tempo indefinido, até a resolução completa da patologia. Nova laringoscopia direta para revisão da subglote era realizada 7 dias após a dilatação e novamente sempre que o paciente apresentasse sintomas. Os pacientes foram acompanhados por, no mínimo, 6 meses após a primeira dilatação.
RESULTADOS:
Na Tabela 1, visualizam-se os detalhes da história clínica de cada um dos pacientes: idade, causa da intubação endotraqueal, tempo de IET, sintomas apresentados, o tempo transcorrido entre a extubação e a LPB, o tipo e o grau da estenose, o tipo de balão utilizado e o aspecto da laringoscopia direta final do paciente.
Nosso índice de resolução total da estenose em evolução foi de 75% (seis de oito pacientes), mas todas as crianças ficaram assintomáticas no período de seguimento, mesmo as que apresentavam estenose residual Grau 1, não necessitando tratamentos adicionais até o momento.
Na Figura 3, visualizamos o aspecto da laringoscopia direta do paciente WLC antes da LPB (ESG Grau 3), imediatamente após a dilatação, e duas semanas após (ESG Grau 1 assintomática).
Figura 3. Paciente com estenose subglótica Grau 3 com tecido de granulação (3A), tendo sido submetido à laringoplastia com balão (3B - imagem imediatamente após a dilatação e 3C - imagem 2 semanas após o procedimento, com estenose residual Grau 1 posterior).
Não tivemos complicações graves durante os procedimentos.
DISCUSSÃO
Apresentamos nossa série de casos com oito crianças com estenose aguda pós-intubação, submetidas à dilatação com balão de angioplastia. A maioria dos nossos pacientes eram lactentes, previamente hígidos, com tempo curto de IET (3-14 dias) e que utilizaram tubos endotraqueais sem balonete. Um deles apresentou falhas de extubação e, por isso, foi submetido à laringoscopia direta, e todos os outros iniciaram com sintomas de obstrução de via aérea alta de 5 a 60 dias após a extubação, sendo submetidos também à laringoscopia para diagnóstico.
Técnicas endoscópicas para tratamento de estenoses vêm novamente ganhando destaque. A laringoplastia com balão parece ser mais efetiva do que as outras dilatações porque toda a força aplicada é radial, em direção à área estenosada. A ausência de forças de cisalhamento minimiza o trauma subglótico, tanto ao nível da mucosa quanto nas camadas mais profundas, diminuindo, assim, a chance de reestenose10. Além disso, devido ao pequeno diâmetro do balão desinflado, consegue-se passar por áreas extremamente estreitas, sem trauma9. Assim como nas dilatações com velas e broncoscópios rígidos, a dilatação com balão também tem mais sucesso na presença de tecidos cicatriciais imaturos (tecido de granulação), apesar de haver relatos de eficácia em estenose subglótica já estabelecida4,6. A dilatação pode necessitar ser repetida algumas vezes para se alcançar o sucesso esperado2-4,7.
O primeiro caso de LPB para ESG descrito na literatura ocorreu em 1985. Axon et al. relatam o caso de uma criança de 4 anos com diagnóstico de ESG grau 2 pós-intubação, sintomática10. Utilizaram um balão de 6mm de diâmetro e 15mm de comprimento, inflado a 6atm de pressão, deixando-o na subglote até que a saturação da hemoglobina da criança caísse para 80%. A criança permaneceu assintomática após um período de observação de 15 meses.
Durden & Sobol publicaram, em 2007, sua série de 10 pacientes pediátricos com ESG submetidos à dilatação com balão9. Cerca de metade dos casos eram de pacientes com ESG aguda, ainda com tecido de granulação. Mostraram que a LPB é uma técnica efetiva para assegurar agudamente a via aérea gravemente comprometida e parece também resolver completamente os sintomas em uma grande parcela da população pediátrica com ESG, com índices de sucesso comparáveis aos da reconstrução laringotraqueal (cerca de 70%). Os autores não tiveram complicações em suas dilatações, e referem que estas não excluem a possibilidade de se proceder a uma reconstrução laringotraqueal mais tarde, se necessário. Afirmam, ainda, que a LPB não é efetiva em casos de ESG de longa data, ESG congênita ou com envolvimento da cartilagem. Apesar disso, metade dos seus casos com resultado favorável era de ESG madura, sem tecido de granulação. No nosso estudo, não incluímos pacientes com estenose madura, sem tecido de granulação.
Nossos dados, apesar do número restrito de pacientes, também mostram que a LPB é efetiva no tratamento da ESG em evolução (com tecido de granulação) em crianças. Mostramos um índice de resolução total da lesão subglótica em seis dos oito pacientes (75%). Antes de começarmos a utilizar a LPB em nosso Serviço, estes pacientes com disfunção respiratória por estenose subglótica pós-intubação em evolução eram submetidos à laringoscopia direta e, geralmente, à traqueostomia no mesmo momento. Alguns evoluíam para a cura, mas outros desenvolviam estenoses maduras, necessitando cirurgias de reconstrução laringotraqueais posteriormente. Com a LPB, conseguimos evitar a traqueostomia em sete dos oito pacientes e a reconstrução laringotraqueal em todos eles.
Como usamos corticoide via oral e omeprazol em todos os pacientes, não podemos inferir quais os efeitos destas medicações e quais os efeitos da LPB isoladamente. Mas quando tratávamos os pacientes com tecido de granulação subglótico apenas com omeprazol e corticoide, nosso índice de traqueostomias era mais alto. Desse modo, o benefício da LPB é de, no mínimo, estabilizar a via aérea e evitar a traqueostomia até que as medicações consigam diminuir a formação de tecido de granulação.
Apenas duas crianças permaneceram com ESG residual não obstrutiva. Estas crianças permanecem em acompanhamento no nosso ambulatório e até o momento não apresentaram sintomas.
Uma das crianças necessitou de traqueostomia após a LPB, mas isto se deveu à obstrução glótica por abundante tecido de granulação, e não à obstrução subglótica, a qual se resolveu completamente com uma dilatação.
Não tivemos complicações durante os procedimentos, apesar de já terem sido relatadas complicações como atelectasia, sangramento e ruptura da crinoide em estudos com animais11.
CONCLUSÃO
A LPB parece ser um procedimento seguro e eficaz para o tratamento da ESG em evolução pós-intubação em crianças. Mais estudos são necessários para sabermos qual é realmente o índice de sucesso deste procedimento Figura 3. Paciente com estenose subglótica Grau 3 com tecido de granulação (3A), tendo sido submetido à laringoplastia com balão (3B - imagem imediatamente após a dilatação e 3C - imagem 2 semanas após o procedimento, com estenose residual Grau 1 posterior).
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1. Otorrinolaringologista Mestrado em Ciências Médicas: Pediatria pela UFRGS, Médica Contratada do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Preceptora da Residência Médica do HCPA, Médica Contratada do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Preceptora da Residência Médica em Otorrinolaringologia do HCPA.
2. Otorrinolaringologista Mestrado em Ciências Médicas: Pediatria pela UFRGS, Preceptora da Residência Médica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do RS, Preceptora da Residência Médica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do RS.
3. Otorrinolaringologista Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da UFRGS Preceptor da Residência Médica do HCPA, Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da UFRGS Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do HCPA.
4. Otorrinolaringologista Mestranda em Ciências Médicas: Pediatria pela UFRGS, Fellowship em Laringologia e Voz pelo HCPA, Mestranda em Ciências Médicas: Pediatria pela UFRGS Fellow em Laringologia e Voz do HCPA.
5. Pneumologista Pediátrico Pós-Doutorado em Pneumologia Pediátrica, Professor do Departamento de Pediatria da UFRGS, Preceptor da Residência Médica do HCPA, Professor do Departamento de Pediatria da UFRGS, Preceptor da Residência Médica em Pediatria do HCPA.
Hospital de Clínicas de Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Endereço para correspondência:
Rua Barão de Ubá, 59/702, Bela Vista
Porto Alegre - RS. CEP: 90450-090
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 7 de fevereiro de 2011. cod. 7564
Artigo aceito em 28 de julho de 2011.