Versão Inglês

Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (22º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 670 a 674

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Plasticidade do sistema auditivo: considerações teóricas

Plasticity of the auditory system: theoretical considerations

Autor(es): Vanessa Kappel1; Ana Clara de Paula Moreno2; Ceres Helena Buss3

Palavras-chave: audição, perda auditiva, plasticidade neuronal.

Keywords: hearing, hearing loss, neuronal plasticity.

Resumo:
A plasticidade auditiva refere-se à capacidade de ocorrerem mudanças anatômicas e/ou funcionais no sistema responsável pela transmissão das informações auditivas. O sistema auditivo é frequentemente requisitado em situações de comunicação e para possibilitar melhor desempenho na comunicação do indivíduo com perda auditiva é importante conhecer como o sistema auditivo reage a diferentes estímulos. Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre a plasticidade auditiva, a fim de buscar conhecimento sobre a capacidade e a possibilidade do sistema auditivo desenvolver respostas plásticas, bem como investigar a existência de evidências da plasticidade auditiva. Metodologia: Realizou-se uma revisão de literatura, por meio de pesquisa bibliográfica em periódicos nacionais e internacionais, livros e teses. Foram consultadas diferentes bases de dados, como MEDLINE, SCIELO, BIREME, PUBMED e LILACS e utilizadas 24 publicações, desde a década de 90 até os dias atuais, considerando-se a relevância de cada documento para o assunto em questão. Conclusão: Os relatos e achados demonstraram que o sistema auditivo apresenta capacidade de se reorganizar quando há uma variação, seja por diminuição, por aumento ou condicionamento dos estímulos sonoros. Isso evidencia a ocorrência da plasticidade do sistema auditivo.

Abstract:
Auditory plasticity refers to the possibility of anatomical and/or functional changes in the system where transmission of auditory information takes place. The auditory system is often required in communication; it is important to learn how the auditory system reacts to stimuli in order to improve performance in individual communication of subjects with impaired hearing. Aim: To review the literature on auditory plasticity and the possibility and ability of plastic responses in the auditory system; also to review the evidence of auditory plasticity. Methodology: A review of the Brazilian and international literature (journals, books, and graduate studies) was carried out. The MEDLINE, SCIELO, BIREME, PUBMED, and LILACS data bases were consulted, as well as 24 papers from the 1990s to the present date; each paper was assessed for relevance to the topic. Conclusion: The findings showed that the auditory system is able to reorganize itself if there is variation, whether by by reducing, increasing, or conditioning of sound stimuli. This is evidence of plasticity in the auditory system.

INTRODUÇÃO

A neuroplasticidade é a capacidade de o sistema nervoso se adaptar a diferentes estímulos. Esta vem sendo muito pesquisada atualmente. A capacidade de mudanças anatômicas e/ou funcionais no sistema responsável pelas informações auditivas é denominada plasticidade auditiva1.

Sabe-se que a deficiência auditiva diminui a capacidade de perceber os sons, ocasionando muitas limitações, tanto no desenvolvimento do indivíduo como nos aspectos sociais e emocionais2,3.

O sistema sensorial auditivo tem sido analisado em diversos estudos acerca da capacidade de desenvolver respostas plásticas a distintos tipos de lesão4.

Em virtude da importância do sentido da audição e do grande número de indivíduos de diferentes faixas etárias diagnosticados com perda auditiva, bem como a neuroplasticidade ser um tema atual e relevante, buscaram-se dados científicos sobre evidências da plasticidade do sistema auditivo.

Realizou-se uma revisão de literatura, por meio de pesquisa bibliográfica em periódicos nacionais e internacionais, livros e teses. Foram consultadas diferentes bases de dados, como MEDLINE, SCIELO, BIREME, PUBMED e LILACS por meio das seguintes palavras-chaves: "audição, perda auditiva e plasticidade neuronal". No decorrer da pesquisa, referências bibliográficas importantes, citadas nos documentos já pesquisados, também foram consultadas. Nesta revisão, após leitura e análise, foram utilizados 24 trabalhos publicados, desde a década de 90 até os dias atuais, considerando-se a relevância de cada documento para o assunto em questão.

A Audição

O sistema auditivo é formado pelo órgão sensorial da audição, pelas vias auditivas do sistema nervoso e por estruturas cerebrais que recebem, analisam e interpretam as informações sonoras5, sendo frequentemente requisitado em situações de comunicação. Por meio da linguagem, o homem consegue entender o mundo que o rodeia, organizar o seu universo, transmitir e abstrair pensamentos e sentimentos, compreender o outro, interagir no meio e adquirir conhecimento. Sendo assim, quanto mais estímulos sonoros recebermos, mais preparados estaremos para interagir com outros indivíduos 2,3.

No entanto, nem sempre temos a integridade completa do sistema auditivo. O impacto desta privação sensorial na vida de um indivíduo é significativo, pois esta não afeta somente a capacidade deste em compreender adequadamente as informações sonoras, mas principalmente o modo de se relacionar com seu meio e sua cultura. Além disso, essa privação sensorial provoca alterações biológicas, psicológicas e sociais2,6,7.

Neuroplasticidade

"Plástico" deriva do grego "plastikós", que significa moldado. De acordo com o Oxford English Dictionary, ser plástico refere-se à habilidade de passar por mudanças de forma. O primeiro autor a introduzir o termo plasticidade nas neurociências, em referência à susceptibilidade do comportamento humano para modificação, foi William James (1890), em The Principles of Psychology. Esse autor relata ainda que a "plasticidade [...] significa a posse de uma estrutura débil o bastante para ceder a uma influência, mas forte o bastante para não ceder tudo de uma só vez. Cada fase relativamente estável de equilíbrio em tal estrutura é marcada pelo que podemos chamar de um novo conjunto de hábitos. A matéria orgânica, especialmente o tecido nervoso, parece provida de um grau extraordinário de plasticidade desse tipo; e assim podemos estabelecer sem hesitação como nossa primeira proposta o seguinte: que os fenômenos do hábito nos seres vivos se devem à plasticidade (p. 68)"1.

De acordo com autores1, a plasticidade cerebral pode ser definida como a capacidade de o sistema nervoso central de se adaptar, tendo habilidade para modificar sua organização estrutural e funcional. Os autores referiram, ainda, que a plasticidade cerebral é a propriedade intrínseca do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência e às modificações do ambiente.

O comportamento e a experiência correspondem à atividade de todos os neurônios através do cérebro. São as redes neurais que fornecem um meio muito eficiente, espacialmente compacto e preciso de processamento de sinais de input e geração de respostas8.

Segundo Kaas9, há nos sistemas sensoriais conexões neurais ordenadas entre os receptores neurais periféricos, localizados em vários níveis do cérebro, formando mapas sensoriais. A atividade dos neurônios em um local particular do córtex somatossensorial é evocada pela estimulação de um dedo, por exemplo. Esses mapas são modificados quando a superfície do receptor periférico se altera. Caso ocorra remoção de entrada, como no caso de um membro amputado, a sua área de representação somatotópica no córtex sensitivo ou motor não fica silenciosa, outros receptores sensoriais respondem pelos neurônios centrais que, anteriormente, respondiam por aqueles danificados. Sendo assim, ocorreu a plasticidade, ou seja, a reorganização do mapa sensorial.

Autores1 referiram que a plasticidade está sempre ativa. Por isso, entender que a plasticidade é uma faculdade do cérebro que somente pode ser ativada em resposta a uma lesão para promover a recuperação funcional ou compensar pela função perdida é um erro. Desta forma, a plasticidade está sempre ocorrendo quando vivenciamos novas experiências. Depois de uma lesão cerebral, o comportamento continua sendo consequência do funcionamento do cérebro todo e, assim, consequência de um sistema nervoso plástico.

Antigamente, pensava-se que a plasticidade não ocorria em pessoas de idade avançada e que estaria bastante diminuída no sistema nervoso do adulto. Porém, atualmente, observou-se que o sistema nervoso de uma pessoa adulta mostra também capacidade de se alterar e de se adaptar a várias situações. Espera-se que os processos plásticos tenham menos eficiência com o decorrer da vida, no entanto, os mecanismos de plasticidade não terminam definitivamente nesta ou naquela idade, ocorrendo também durante a terceira idade. Devido a esse fator, não é correto limitar uma faixa etária para iniciar as intervenções terapêuticas10-12.

Na década de 50, referia-se que o aprendizado da linguagem só seria possível até a idade de 10-12 anos, isto é, a plasticidade era normalmente associada a períodos críticos. A afirmação mencionada baseava-se na ideia de que o sistema nervoso teria um período finito de desenvolvimento e que determinadas habilidades não poderiam ser desenvolvidas além de um período de crescimento específico da criança. Hoje em dia, se questiona essa concepção10,13.

Plasticidade do Sistema Auditivo

Segundo Musiek et al. Hare14, pode-se definir a plasticidade do sistema auditivo como sendo a modificação por meio do aprimoramento de células nervosas pelas influências do meio ambiente.

O sistema auditivo não está completamente desenvolvido ao nascimento e sua maturação ocorre lentamente após o início do funcionamento da orelha interna. A capacidade de plasticidade dos neurônios que compõem os sistemas sensoriais é fundamental durante a fase inicial da vida, tanto no período intrauterino quanto no neonatal, garantindo a consolidação do seu desenvolvimento4,15.

Em relação aos sistemas sensoriais, pode-se observar plasticidade tanto no tecido neurossensorial do receptor periférico quanto nas vias centrais4. Essa plasticidade do sistema auditivo provoca mudanças de propriedades fisiológicas, bioquímicas e/ou anatômicas dos neurônios centrais, em função da demanda de transmissão de informações acústicas, além de ser um fenômeno biodinâmico. Assim, a reorganização do sistema auditivo ocorre quando há uma variação na entrada auditiva (input), seja por diminuição da entrada de estímulos, nos casos de lesões cocleares, ou por aumento, quando há uma nova entrada auditiva como, por exemplo, durante o desenvolvimento pós-natal e após a colocação de implante coclear ou prótese auditiva16.

Mecklenburg & Babighian13 avaliaram os resultados longitudinais de uma pesquisa realizada na Medical School of Hannover em um grupo de deficientes auditivos adultos que receberam implantes cocleares após terem ficado surdos por mais de 20 anos. Em relação à plasticidade auditiva, concluiu-se que a estabilidade neural referente à idade pode sofrer alteração e que o processo de mudança plástica no sistema nervoso auditivo parece tornar-se mais lento em sistemas nervosos maduros, persistindo no decorrer da vida.

Segundo Musiek & Berge17, um dos tipos de plasticidade é a desenvolvimental. Esta ocorre quando o cérebro não maturado começa a processar a informação sensorial até o período adulto. Estudo recente18, sugere que o sistema auditivo humano exibe plasticidade desenvolvimental também no tronco encefálico, não somente no córtex. Essa descoberta é interpretada dentro dos diferentes contextos relacionados a estímulos e experiências.

As alterações nas propriedades anatômicas ou fisiológicas do sistema auditivo central podem ser induzidas pela perda auditiva neurossensorial (plasticidade primária), pela reintrodução do estímulo auditivo (plasticidade secundária) ou pelo condicionamento2,19.

Plasticidade Primária

Segundo Willot19, a plasticidade primária refere-se àquela induzida pela perda auditiva, porém não se sabe como exatamente esta afeta a audição do ser humano. Quando reorganizados os mapas frequenciais, mais neurônios são direcionados para as frequências que ainda podem ser escutadas. Isso permite que o sistema auditivo continue a responder a sons com benefícios para a audição. Mesmo assim, as respostas continuam inadequadas, já que um número anormal de neurônios é excitado por um estímulo específico, modificando a codificação neural natural. A capacidade de codificar os sons ainda permanecerá afetada sob dois aspectos: se o sistema não mais reconhecer que vários neurônios estão agora respondendo às frequências erradas e fizer associações novas apropriadas entre estímulo e resposta neural.

Evocada pelo estímulo binaural, a plasticidade de interações, entre excitação e inibição, deveria ter também um impacto na percepção, sendo isso particularmente importante para privação associada ao uso monoaural de aparelhos auditivos. É citado como exemplo que a habilidade da orelha sem aparelho auditivo de evocar respostas centrais ficaria enfraquecida, enquanto que a habilidade da orelha estimulada permaneceria aumentada. Ocorreria, assim, um desequilíbrio de respostas neurais que permitiria que a orelha com aparelho auditivo acampasse os neurônios binaurais à custa da orelha menos estimulada. Com o passar do tempo, isso poderia resultar em privação. Sendo assim, o termo privação não seria o mais correto, é a associação da plasticidade com a privação que causa uma diminuição da audição pela orelha sem aparelho19,20.

Autores atribuem um valor primordial à protetização precoce e à estimulação equilibrada entre as orelhas e sugerem que perdas auditivas bilaterais simétricas com adaptação de aparelho auditivo monoaural podem se tornar assimétricas em consequência da estimulação assimétrica2,21.

Plasticidade Secundária

Estudos que avaliam os efeitos da privação e da estimulação auditiva sobre a percepção auditiva têm evidenciado de forma irrefutável que o desenvolvimento e o funcionamento do sistema auditivo estão relacionados à quantidade e à qualidade da entrada auditiva (input)2. Rodrigues & Miranda11 referiram que para facilitar o desencadeamento dos mecanismos de plasticidade é essencial fornecer estímulos adequados para o sistema nervoso.

Se o sistema auditivo central é capaz de se reorganizar após uma lesão, questiona-se se a reintrodução do estímulo auditivo com o uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares tem o potencial de provocar a plasticidade auditiva.

Estudos sobre plasticidade sugerem que o aumento do estímulo auditivo proporcionado pela amplificação sonora pode induzir à plasticidade secundária, contribuindo para os efeitos da aclimatização19-21.

Segundo Munro & Lutman22, a aclimatização se refere ao período que vem após a adaptação dos aparelhos auditivos, quando ocorre uma melhora progressiva das habilidades auditivas e reconhecimento de fala decorrente das novas pistas, disponíveis ao usuário da amplificação sonora.

Caso ocorra a plasticidade primária benéfica com um indivíduo, a amplificação poderá ter um efeito negativo, pelo menos inicialmente, pela distorção entre o estímulo acústico e respostas auditivas que inicialmente eram usadas com vantagem pelo sistema auditivo. As frequências que anteriormente não eram ouvidas voltam a ser percebidas por intermédio dos aparelhos auditivos, ocorrendo disputa pelos neurônios antigos. Assim, a codificação neural dos sons pode apresentar novos problemas19.

Na organização do sistema auditivo central, podem ocorrer mudanças entre a aquisição da perda auditiva e o momento no qual são adaptados os aparelhos auditivos. Antes que o sistema auditivo tenha se reorganizado e a oportunidade para melhorar a audição tenha passado, os aparelhos auditivos deveriam ser adaptados. A amplificação sonora proporciona o aumento do estímulo auditivo, podendo induzir à plasticidade secundária, contribuindo, assim, para os efeitos da aclimatização3.

Empregar a reintrodução do estímulo para induzir plasticidade secundária, retornando os mapas representacionais a seus devidos lugares, seria o verdadeiro objetivo dos aparelhos auditivos. Caso a plasticidade fosse considerada como um instrumento clínico, seriam duplos os efeitos do uso dos aparelhos auditivos: a restauração da sensibilidade e a alteração do sistema auditivo central19.

Segundo Mecklenburg & Babighian13, a plasticidade auditiva é importante para o tratamento de indivíduos surdos de todas as idades que recebem implante coclear, porque se relaciona com a habilidade do sistema nervoso de se adaptar a estímulos artificiais. Esses fatos demonstram a capacidade de o sistema nervoso central se adaptar a novas sensações auditivas, após períodos variáveis de privação.

Comprovando a plasticidade do sistema nervoso auditivo e evidenciando fisiologicamente este fato, Boéchat2 realizou um estudo verificando a interferência do tempo de privação e tempo de estimulação na variação da sensibilidade auditiva para tons puros e índice percentual de reconhecimento de fala (IPRF). Foram avaliados 72 sujeitos, com idades entre 10 a 86 anos, diagnosticados com perdas auditivas neurossensoriais assimétricas bilaterais ou unilaterais. Desses, 43 indivíduos eram usuários de prótese auditiva na pior orelha e 29 não usuários de prótese auditiva na pior orelha. Realizaram-se avaliações audiológicas (inicial, intermediária e final). Foram analisadas as variações para sensibilidade de tom puro e IPRF entre os grupos no período máximo de 6 anos em relação ao tempo de estimulação, tempo de privação, grau de assimetria entre orelhas e grau da perda auditiva. Como resultado, a autora verificou que o grupo usuário de prótese auditiva teve menor variação dos limiares tonais e melhores IPRF. Com isso, concluiu que houve tanto uma plasticidade por privação auditiva nos não-usuários de prótese auditiva na pior orelha, como uma plasticidade secundária após estimulação auditiva nos usuários. Além disso, foi observado que há um maior ganho no uso de prótese auditiva nos dois primeiros anos após a introdução do estímulo auditivo, enquanto os efeitos negativos da privação se apresentam gradualmente ao longo do tempo de maneira homogênea. A autora considerou que a quantidade e a qualidade de estímulo determinam o desenvolvimento e a manutenção do sistema nervoso auditivo central. Ressaltou, ainda, a importância da estimulação auditiva binaural.

Relacionada à plasticidade auditiva, Amorim & Almeida21 realizaram um estudo com 16 indivíduos com perda auditiva bilateral simétrica neurossensorial ou mista de grau moderado a grave, na faixa etária entre 17 e 89 anos de idade. Em uma das etapas deste estudo, foram analisadas 24 orelhas comparando os valores médios dos IPRF obtidos em cada orelha em três momentos da pesquisa: antes da adaptação das próteses auditivas, após 4 semanas e 16/18 semanas. Observou-se, neste estudo, um aumento nos valores de reconhecimento de fala ao longo do tempo de uso das próteses auditivas, mostrando uma melhora que pode ter relação com a ocorrência da plasticidade cerebral, porém não houve diferença estatisticamente significante entre os IPRF. Ainda neste estudo, foram relacionados e comparados os resultados dos IPRF obtidos nos 8 indivíduos que optaram pela adaptação monoaural, comparando os seus valores médios dos IPRF obtidos nas orelhas protetizadas e nas orelhas não protetizadas nos três momentos da pesquisa. Os resultados não foram significantes, porém os achados mostram que ocorreu uma melhora no desempenho das habilidades do reconhecimento de fala nas orelhas protetizadas e uma piora nas orelhas não protetizadas, ao longo do tempo. Com isso, sugeriu-se a existência da aclimatização nas orelhas protetizadas e de privação sensorial nas orelhas não protetizadas. Nos 8 indivíduos que optaram pela adaptação binaural, foram comparados os valores médios dos IPRF em cada orelha (direita e esquerda), entre os três momentos da pesquisa. Os resultados não foram estatisticamente significantes, contudo, a média do IPRF de ambas as orelhas aumentou ao longo da amplificação, exceto a média do IPRF da orelha direita, em que houve um decréscimo após 4 semanas de uso de amplificação. As autoras21 salientam que embora os resultados obtidos nessa pesquisa não tenham sido significantes, estes concordam com os achados de Boéchat2.

Condicionamento

Segundo autores19,23, o condicionamento também é uma forma de neuroplasticidade, sendo fundamental no treinamento das habilidades auditivas. Este condicionamento tem a capacidade de modificar os mapas frequenciais e de criar novas conexões como respostas às solicitações a que é submetido. Correlacionado ao aprendizado, a repetição favorece o aumento do número de sinapses presentes nos circuitos neuronais envolvidos.

Pesquisas demonstraram que, após o treinamento auditivo, houve melhora das habilidades auditivas. A influência ambiental, mais especificamente o treinamento auditivo, foi capaz de estimular as estruturas neurais relacionadas ao desempenho das habilidades auditivas treinadas, beneficiando assim o indivíduo. Sendo assim, a plasticidade neural foi fundamental nas melhoras obtidas com o treinamento auditivo17,24,25.


CONCLUSÃO

O profissional que atua na habilitação e/ou reabilitação do indivíduo com perda auditiva deve ter conhecimento da ocorrência da plasticidade do sistema auditivo, bem como considerá-la um importante instrumento clínico. Desta forma, a possibilidade de ocorrer a plasticidade auditiva primária, secundária e/ou por condicionamento deve ser levada em consideração na prática clínica. Portanto, é lícito admitir que estudos vindouros neste tema serão de extrema utilidade, a fim de proporcionar, por intermédio de novos achados, maior conhecimento acerca do fenômeno da plasticidade do sistema auditivo. Nesse estudo de revisão de literatura, pôde-se evidenciar que o sistema auditivo é capaz de se reorganizar quando há uma variação na entrada do estímulo auditivo, seja por diminuição ou por aumento deste. Com isso, os indivíduos portadores de perda auditiva e que necessitam de próteses auditivas ou implante coclear poderão ser beneficiados nos aspectos sociais, emocionais e intelectuais, com consequente melhora da qualidade de vida.


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1. Graduação, Fonoaudióloga.
2. Graduação, Fonoaudióloga.
3. Doutorado, Fonoaudióloga e Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 10 de dezembro de 2009. cod. 6833
Artigo aceito em 31 de janeiro de 2010.

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