Versão Inglês

Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (11º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 600 a 604

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Adenotonsilectomia em pacientes na fase de crescimento facial: efeitos dentários espontâneos

Adenotonsillectomy in facial growing patients: spontaneous dental effects

Autor(es): Silvia Regina Amorim Pereira1; Silvia Fuerte Bakor2; Luc Louis Maurice Weckx3

Palavras-chave: má oclusão, respiração bucal, tonsilectomia.

Keywords: malocclusion, mouth breathing, tonsillectomy.

Resumo:
Crianças com tonsilas e adenoides hipertróficas podem apresentar efeitos desfavoráveis na oclusão dentária, que tendem a agravar no período de crescimento, tornando imprescindível seu diagnóstico e tratamento precoce. Objetivo: Este estudo clínico prospectivo comparou medidas cefalométricas dos incisivos antes e após a adenotonsilectomia, em respiradores orais. Material e Método: A amostra foi de 38 pacientes de ambos os gêneros, entre 7 e 11 anos, dividida em: grupo oral, com 18 pacientes com hipertrofia obstrutiva da tonsila faríngea e/ou palatinas grau 3 ou 4; grupo controle, com 20 pacientes com respiração nasal. Medidas dentárias angulares e lineares foram comparadas entre os grupos, antes e após adenotonsilectomia, em um intervalo de 14 meses. A análise estatística utilizou os testes t-Student e Wilcoxon para amostras não pareadas, ao nível de significância de 5%. Resultados: A inclinação axial e a posição sagital dos incisivos inferiores aumentaram significativamente no grupo com respiração oral; o posicionamento sagital dos incisivos superiores aumentou significativamente no grupo oral, que ainda obteve aumento significativo de sobremordida. Conclusão: A adenoamigdalectomia se mostrou bastante eficaz na melhora de algumas medidas dentárias, com benefícios aos pacientes em crescimento, prevenindo que más oclusões dentárias tenham difícil tratamento ou se tornem definitivas.

Abstract:
Children with hypertrophic tonsils and adenoids may have adverse effects on dental occlusion, which tend to worsen during the growth period. Diagnosis and early treatment is essential. Aim: Prospective clinical study to compare the cephalometric measurements before and after adenotonsillectomy in mouth breathing patients. Material and Method: We had 38 patients of both genders, aged between 7 and 11 years in our sample, broken down into: oral group, 18 patients with obstructive hypertrophy of pharyngeal tonsil and/or palate grade 3 or 4; control group, 20 patients with normal breathing. Angular and linear dental measurements were compared between the groups in a 14 months interval. We used the "t" Student and Wilcoxon tests for unpaired samples, at 5% significance, for statistical purposes. Results: The sagittal position and axial angle of the lower incisors increased significantly in the group with oral breathing, the sagittal position of the upper incisors increased significantly in the oral group, which still had a significant increase in overbite. Conclusion: Adenotonsillectomy was very effective in improving some dental measurements, with benefits to growing patients preventing malocclusions from becoming difficult to treat or permanent.

INTRODUÇÃO

Os tecidos linfoides geralmente se desenvolvem rapidamente após o nascimento, atingem seu tamanho máximo na fase inicial da infância e começam a regredir por volta dos 8 ou 10 anos de idade1. Em algumas crianças, seu crescimento excessivo pode levar à obstrução do espaço aéreo faríngeo, podendo causar problemas respiratórios, distúrbios de sono, alimentares, de fala e de deglutição2. Crianças com tonsilas e adenoides hiperplásicas tendem ainda a apresentar retroposicionamento mandibular, incisivos inferiores lingualizados e incisivos superiores vestibularizados, aumento da sobressaliência e diminuição de sobremordida3. Estes efeitos na oclusão dentária foram reportados por alguns autores4,5 como resultados consequentes da obstrução da via aérea superior, e que, apesar da autocorreção não ser uma ocorrência comum, podem ocorrer melhoras significantes na arcada dentária após a adenotonsilectomia.

Pacientes não tratados cirurgicamente mantiveram e/ou acentuaram os desequilíbrios morfológicos5. As más oclusões tendem a se agravar durante o período de crescimento, especialmente na transição da fase pré-escolar à fase escolar6. Publicações recentes alertam que crianças com obstruções nasorrespiratórias têm grande tendência a apresentar crescimento vertical da face, mordidas cruzadas, aumento de sobressaliência e estreitamento da arcada7. Há consenso entre autores de que as crianças com hiperplasia de adenoides e tonsilas palatinas podem ter um comprometimento no crescimento facial. Assim o diagnóstico e o tratamento precoces são imperiosos.

O objetivo deste estudo foi comparar os efeitos dentários que ocorreram de forma espontânea antes e após 14 meses da adenotonsilectomia em pacientes portadores de hiperplasia adenotonsilar.


MATERIAL E MÉTODO

O projeto deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Instituição de ensino em que foi desenvolvido, parecer número 0427/04.

1. Amostra: constituída por 38 pacientes de ambos os gêneros, idades variáveis entre 7 e 11 anos, dividida em dois grupos:

- Grupo 1 ou respiração oral: 18 pacientes com diagnóstico nasofibroscópico de hipertrofia obstrutiva da tonsila faríngea (ocupação de 70% do espaço da coana, de acordo com Chami8) e/ou hipertrofia das tonsilas palatinas grau 3 ou 4 (obstrução de 50% a 75% da passagem do ar na orofaringe, ou mais de 75% de obstrução da passagem de ar na orofaringe, de acordo com Brodsky9). Após o diagnóstico, todos os pacientes deste grupo foram submetidos à adenotonsilectomia, por indicação do médico otorrinolaringologista.

- Grupo 2 ou controle: 20 pacientes com respiração nasal comprovada pelo exame nasofibroscópico, realizados na Instituição.

Foram excluídos, de ambos os grupos, pacientes submetidos anteriormente a tratamento ortodôntico e/ou ortopédico e portadores de malformações maxilomandibulares.

2. Análise dentária: medidas obtidas por meio de medições em radiografias cefalométricas em norma lateral. Os pacientes do Grupo 1 foram radiografados antes e 14 meses após a cirurgia, e os pacientes do Grupo 2 foram radiografados em um intervalo de 14 meses. Foram realizadas as seguintes medidas, representadas na Figura 1:


Figura 1. Medidas lineares que analisam o posicionamento do incisivo superior (Is-Apo) e inferior (Ii-Apo) em relação à linha de referência Apo.



- Posição axial do incisivo inferior (Ii.Apo): ângulo formado entre o longo eixo do incisivo inferior e a linha Apo, no sentido axial. A linha APo é formada pelo ponto A (ponto de maior concavidade na maxila) e o ponto Po (ponto mais anterior da sínfise mentoniana).

- Posição ântero-posterior do incisivo inferior (Ii-APo): distância em milímetros entre a borda incisal do incisivo inferior e a linha Apo, no sentido sagital.

- Posição axial do incisivo superior (Is.Apo): ângulo entre longo eixo do incisivo superior e a linha Apo, no sentido axial.

- Posição ântero-posterior do incisivo superior (Is-Apo): distância em milímetros entre a borda incisal do incisivo superior e a linha Apo, no sentido sagital.

- Sobressaliência: distância entre a face vestibular dos incisivos superiores à face vestibular dos incisivos inferiores, no sentido sagital.

- Sobremordida: distância entre a borda incisal dos incisivos superiores e inferiores, no sentido vertical.

3. Análise estatística: para a análise estatística, foi aplicado o teste Kolmogorov-Smirnov para verificar a simetria da amostra, que mostrou não seguir a curva de Gauss. A comparação das medidas dentárias no intervalo de 14 meses foi feita por meio do teste t-Student e de Wilcoxon para amostras não pareadas, ao nível de significância de 5%. O teste t de Student foi utilizado para a comparação entre medidas quando a premissa de distribuição normal foi confirmada, enquanto o teste de Wilcoxon foi utilizado para a comparação das medidas em que não se observou a distribuição normal.


RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a média e o desvio padrão (conforme apresentação convencional com o símbolo "±") das variáveis dentárias estudadas. As medidas do grupo oral foram estudadas antes e após a intervenção cirúrgica, no intervalo de tempo de 14 meses. O grupo nasal foi avaliado antes e após o mesmo intervalo de tempo, para controle e comparação entre os grupos. A Tabela 2 contém os valores de p encontrados para cada comparação, que podem ser significantes tanto para o nível alfa de 0,05 ou 0,01. As Figuras 1, 2 e 3 representam as variáveis lineares, angulares, sobressaliência e sobremordida, respectivamente.






Figura 2 . Medidas angulares que analisam a inclinação do incisivo superior (Is.Apo) e inferior (Ii.Apo) em relação à linha de referência Apo.


Figura 3. Sobremordida (medida vertical) e sobressaliência (medida horizontal).



A primeira coluna da Tabela 2 comparou a média de todos os valores iniciais do grupo Oral com a média de todos os valores iniciais do grupo Nasal, com o objetivo de verificar se os grupos eram diferentes ou não, ao início do estudo. Observamos que as variáveis Ii.APo (º) e a sobremordida foram significantes, nas quais o grupo Oral apresentava inicialmente menor inclinação vestibular e menor sobremordida que o grupo Nasal.

A segunda coluna da Tabela 2 comparou a média de todos os valores finais encontrados e verificamos que não houve diferenças entre os grupos, nos quais as medidas obtidas no grupo Oral se aproximaram ao grupo controle, após ter sido realizada a adenotonsilectomia e terem decorridos os 14 meses para esta nova aquisição de medidas.

A terceira coluna da Tabela 2 comparou a média de todos os valores iniciais com a média de todos os valores finais apenas do grupo Oral. Verificamos que houve diferenças entre o início e o final, antes e após a adenotonsilectomia, com aumento das medidas Ii.Apo (º), Ii-Apo (mm), Is-Apo (mm) e sobremordida, estatisticamente significantes.

A quarta coluna da Tabela 2 comparou a média de todos os valores iniciais com a média de todos os valores finais do grupo Nasal, com diferença estatística na medida Is.Apo (º), cujo aumento é significante.


DISCUSSÃO

A literatura nos sinaliza que a avaliação de medidas dentárias entre respiradores orais e nasais envolvendo o posicionamento dos incisivos apresenta resultados controversos. Linder-Aronson et al.10 verificaram nos respiradores orais a presença de maior inclinação para vestibular dos incisivos superiores em relação à linha NS (Nasium-Sela). No entanto, autores como Tarvonen & Koski11 e Faria et al.12 não encontraram diferenças no posicionamento dos incisivos superiores. Ao compararmos o posicionamento angular e linear dos incisivos de nossa casuística, observamos ao início do estudo que o grupo Oral apresentava inclinação sagital significativamente menor do que o grupo Nasal, e após a adenotonsilectomia não encontramos diferenças no posicionamento dos incisivos entre o grupo Oral e Nasal. Este achado sinaliza uma tendência à normalização do posicionamento dos incisivos no grupo Oral tratado cirurgicamente (Tabela 2, colunas 1 e 2). Tanto as medidas angulares como lineares do grupo Oral se encontravam mais distantes da norma clínica ao início do estudo, podendo indicar que a normalização do padrão respiratório, imposto pela adenotonsilectomia, possivelmente favoreceu a postura e o funcionamento dos músculos orofaciais, com consequente equilíbrio morfológico e melhora do posicionamento dentário.

Em relação à sobremordida, observamos que as medidas iniciais do grupo Oral foram significativamente menores (negativas) em relação ao grupo Nasal, o que indica que este grupo apresenta pacientes com mordida aberta anterior. Este resultado é concordante com estudos de autores, como Linden-Aronson13, Bresolin et al.14, Cheng et al.15, e Trotman et al.16, que igualmente observaram infraoclusão dentária em pacientes respiradores orais. As médias finais não mostraram diferenças entre os dois grupos estudados, o que indica a normalização da sobremordida após o tratamento cirúrgico. Segundo Jefferson17, quando a respiração oral é tratada precocemente, seus efeitos negativos no desenvolvimento dento-esquelético-facial podem ser reduzidos ou prevenidos. Assim, caso os pacientes da amostra Oral não tivessem sido tratados precocemente, provavelmente a mordida aberta anterior seria mantida ou agravada com o crescimento.

Ao compararmos os efeitos dentários que ocorreram com o grupo oral após a adenotonsilectomia (intragrupo), observamos diferenças significantes no posicionamento e na angulação sagital dos incisivos, e ainda na sobremordida, com todos os valores em direção à norma clínica. O grupo Nasal apresentou diferença apenas na inclinação sagital do incisivo superior, provavelmente resultado do próprio crescimento ocorrido no intervalo de tempo estudado; este dado sinaliza a necessidade de acompanhamento ortodôntico a todos os pacientes que se encontrem na fase de crescimento facial.

Este estudo demonstrou que a adenotonsilectomia trouxe benefícios em relação à oclusão dentária ao favorecer o desenvolvimento morfofuncional da face. No entanto, é preciso que o acompanhamento ortodôntico tenha seguimento até a fase final do crescimento facial, pois alguns casos podem necessitar de tratamento ortodôntico associado. A contribuição de otorrinolaringologistas, ortodontistas e fonoaudiólogos é fortemente recomendável para o tratamento da respiração oral18.


CONCLUSÕES

Após a realização da adenotonsilectomia, pudemos observar os seguintes efeitos dentários espontâneos:

1. A inclinação axial e a posição sagital dos incisivos inferiores aumentaram significativamente no grupo com respiração oral, em direção à norma clínica.

2. O posicionamento sagital dos incisivos superiores aumentou significativamente no grupo adenotonsilectomizado, em direção à norma clínica.

3. O grupo Oral obteve aumento significativo de sobremordida, o que significa melhora da tendência à mordida aberta anterior apresentada antes da adenotonsilectomia.

4. A adenotonsilectomia se mostrou eficaz na melhora de algumas medidas dentárias, o que vem a beneficiar pacientes que estejam na fase de crescimento, prevenindo que más oclusões dentárias tenham difícil tratamento ou se tornem definitivas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. Doutora em Ciências pela UNIFESP, Coordenadora do Curso de Especialização em Ortodontia da Faculdade de Pindamonhangaba. Professora do Curso de Pós graduação em Ortodontia da Unicsul - São Paulo.
2. Doutora em Ciências pela UNIFESP, Professora do Curso de Especialização em Ortodontia da Faculdade de Pindamonhangaba.
3. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica, do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, da UNIFESP-EPM, Chefe do departamento de ORL e CCP da UNIFESP-EPM.

UNIFESP - EPM.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 16 de novembro de 2010. cod. 7422
Artigo aceito em 23 de abril de 2011.

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