Ano: 2011 Vol. 77 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (4º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 559 a 562
Síndrome de Ortner: - série de casos e Revisão da Literatura
Ortner's syndrome: - case series and literature review
Autor(es): Vijayalakshmi Subramaniam1; Adarsha Herle TV2; Navisha Mohammed3; Muhammad Thahir4
Palavras-chave: doenças cardiovasculares, nervo laríngeo recorrente, rouquidão.
Keywords: cardiovascular diseases, hoarseness, recurrent laryngeal nerve.
Resumo:
Há mais de um século, Ortner descreveu um caso de síndrome cardiovocal, no qual ele atribuiu um caso de imobilidade da prega vocal esquerda à compressão do nervo laríngeo recorrente causada por dilatação do átrio esquerdo em um paciente com estenose valvar mitral. Desde então, o termo Síndrome de Ortner tem sido usado para descrever qualquer condição cardíaca intratorácica nãomaligna que resulte no envolvimento do nervo laríngeo recorrente - geralmente por estiramento, contração ou compressão, causando paralisia vocal. Não é surpreendente que o nervo laríngeo recorrente esquerdo, com seu curso mais longo, contornando o arco aórtico, seja mais frequentemente afetado que o direito - que cursa ao redor da artéria subclávia. Objetivos: Discutir a patogênese da rouquidão resultante de lesão cardiovascular que envolve o nervo laríngeo recorrente, juntamente com uma revisão da literatura. Materiais e Métodos: Este trabalho relata uma série de quatro casos de Síndrome de Ortner resultantes de diferentes causas. Tipo de estudo: Estudo de Casos. Resultado: A Síndrome de Ortner pode representar uma causa de rouquidão em pacientes com doenças cardiovasculares. Conclusão: Apesar de rouquidão ser frequentemente encontrada em ambulatórios de otorrinolaringologia, sua etiologia associada ao aparelho cardiovascular é pouco frequente. Laringoscopia indireta dever ser empregada rotineiramente em todos os casos de doenças cardíacas.
Abstract:
More than a century ago, Ortner described a case of cardiovocal syndrome wherein he attributed a case of left vocal fold immobility to compression of the recurrent laryngeal nerve by a dilated left atrium in a patient with mitral valve stenosis. Since then, the term Ortner's syndrome has come to encompass any nonmalignant, cardiac, intrathoracic process that results in embarrassment of either recurrent laryngeal nerve-usually by stretching, pulling, or compression; and causes vocal fold paralysis. Not surprisingly, the left recurrent laryngeal nerve, with its longer course around the aortic arch, is more frequently involved than the right nerve, which passes around the subclavian artery. Objectives: To discuss the pathogenesis of hoarseness resulting from cardiovascular disorders involving the recurrent laryngeal nerve along with the findings of literature review. Materials and methods: This paper reports a series of four cases of Ortner's syndrome occurring due to different causes. Design: Case study. Result: Ortner's syndrome could be a cause of hoarseness of voice in patients with cardiovascular diseases. Conclusion: Although hoarseness of voice is frequently encountered in the Otolaryngology outpatient department, cardiovascular- related hoarseness is an unusual presentation. Indirect laryngoscopy should be routinely performed in all cases of heart disease.
INTRODUÇÃO
A rouquidão causada por paralisia do nervo laríngeo recorrente foi primeiro descrita em 1897, por Norbert Ortner, um médico austríaco, em um paciente com doença da valva mitral (estenose mitral e hipertrofia atrial esquerda). Diversos processos cardiopulmonares associados à paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo já foram descritos nos últimos 100 anos. Hoje, a síndrome também é conhecida como síndrome cardiovocal.
Aqui apresentamos uma casuística de quatro relatos de casos de síndrome de Ortner causada por estenose mitral, estenose mitral combinada com regurgitação mitral, corpulmonale com hipertensão pulmonar secundária e aneurisma do arco aórtico. No presente trabalho, discutiremos os achados da revisão da literatura associados a distúrbios cardiovasculares afetando o nervo laríngeo recorrente e a patogênese da rouquidão.
CASO 1
Homem, 38 anos de idade, com rouquidão e tosse com expectoração, com dois meses de duração. Ele também queixava dispneia aos esforços físicos nos últimos 2 anos e nunca fumou. Ao exame físico, notou-se pressão arterial e frequência cardíaca, ambas dentro da faixa de normalidade. O batimento da ponta cardíaca tinha um som característico de uma pancadinha, e estava deslocado para baixo e para fora da posição normal. Um abaulamento paraesternal esquerdo revelou indicação clínica de hipertrofia ventricular direita. O componente pulmonar da segunda bulha cardíaca estava palpável. Sob ausculta, a primeira bulha e o componente pulmonar da segunda bulha estavam perfeitamente audíveis. Um sopro médio-diastólico estava audível na região apical. O exame otorrinolaringológico revelou paralisia da prega vocal esquerda em posição paramediana. A imagem radiográfica de incidência póstero-anterior (PA) revelou cardiomegalia. Ecocardiografias, bidimensional e no modo M (Modo de movimento temporal), mostraram artéria pulmonar (32mm) e átrio direito dilatados e uma valva mitral calcificada (Área do orifício da valva mitral = 0,634 cm2). A pressão da artéria pulmonar estava em 48 mm de Hg. Também foi evidenciada discreta estenose mitral.
CASO 2
Um adolescente de 17 anos de idade, diagnosticado com doença cardíaca reumática (estenose mitral com regurgitação mitral), foi encaminhado à clínica de otorrinolaringologia com queixa de rouquidão de duração de 7 meses. Sob exame, ele apresentava elevação da pressão venosa jugular (PVJ). O batimento de ponta cardíaca foi localizado no 5º espaço intercostal esquerdo. Ouvimos um sopro pan-sistólico de grau III/VI na área mitral irradiando para a axila e também localizamos um sopro médio-sistólico na ponta. A laringoscopia indireta mostrou paralisia da prega vocal esquerda. A ecocardiografia evidenciou um átrio esquerdo dilatado com importante estenose mitral e regurgitação mitral.
CASO 3
Um homem de 66 anos de idade, em tratamento para hipertensão há 20 anos, compareceu à clínica de otorrinolaringologia com queixa de rouquidão por 8 meses, aparentemente precipitada por um episódio de resfriado. Ele era tabagista há 40 anos e não tinha qualquer outro sintoma, tais como tosse, dispneia, disfagia ou perda de peso. Sob exame clínico, percebemos pulsação proeminente no lado esquerdo do pescoço do paciente. Não havia linfadenopatia cervical. A laringoscopia indireta revelou prega vocal esquerda paralisada na posição paramediana. A radiografia de tórax em PA revelou uma lesão lobulada mediastinal bem definida do lado esquerdo (Figura. 1). A tomografia computadorizada contrastada mostrou um grande aneurisma sacular lobulado originando do arco aórtico com trombo periférico (Figuras 2 e 3).
Figura 1. Radiografia do tórax em PA mostrando lesão mediastinal bem-definida, lobulada, do lado esquerdo.
Figura 2. TC axial simples do tórax, mostrando grandes massas lobuladas no mediastino anterior.
Figura 3. TC axial contrastada do tórax, mostrando grande aneurisma sacular, lobulado, originário do arco da aorta, com trombo periférico.
CASO 4
Um paciente do sexo masculino, com 55 anos de idade, queixava rouquidão há 8 meses. Ele era tabagista crônico e havia sido previamente diagnosticado com doença pulmonar obstrutiva crônica, com episódios recorrentes de dispneia e tosse nos últimos 20 anos. Ele relatava edema das pernas nos últimos dois meses. Sob exame clínico, havia sinais de congestão venosa sistêmica crônica. A ponta cardíaca foi encontrada no 5º espaço intercostal esquerdo, 1cm lateralmente à linha clavicular média. Um abaulamento paraesternal esquerdo foi percebido a partir de um componente pulmonar palpável da secunda bulha cardíaca. Sob ausculta, a primeira bulha estava normal. O componente pulmonar da segunda bulha estava acentuado. A laringoscopia indireta revelou uma prega vocal esquerda paralisada. A radiografia de tórax evidenciou achados sugestivos de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) com cor pulmonale crônico. A ecocardiografia mostrou uma artéria pulmonar dilatada com hipertrofia ventricular direita. A pressão da artéria pulmonar estava em 27mm de Hg.
DISCUSSÃO
As causas de paralisia do nervo laríngeo recorrente em otorrinolaringologia têm sido classificadas como paralisia não-cirúrgica, paralisia cirúrgica (cirurgias de tireoide/esôfago e intubação); ou uma combinação das duas1.
Em 1897, Ortner descreveu uma casuística de 3 casos de estenose mitral com rouquidão causada por paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo. Ele deduziu que o átrio esquerdo hipertrofiado estava comprimindo o nervo laríngeo recorrente2. Desde então, vários autores têm publicado suas experiências envolvendo o nervo laríngeo recorrente em diferentes distúrbios cardíacos, tais como o complexo de Eisenmenger3, insuficiência ventricular esquerda4, defeito no septo atrial5, persistência do canal arterial (PCA)6,7, hipertensão pulmonar primária8-10, embolismo recidivante da artéria pulmonar11, regurgitação mitral12, mixoma atrial13, aneurisma ventricular esquerdo14, cor pulmonale15 e vários tipos de aneurismas da aorta16-21.
Vários autores têm questionado a explicação oferecida por Ortner com relação à causa da paralisia de prega vocal. A ocorrência de compressão neural entre uma artéria pulmonar dilatada e a aorta ou ligamento aórtico foi sugerida com base em achados radiográficos e de necrópsia.6 À medida que mais casos de rouquidão em pacientes com problemas cardíacos são relatados, mais teorias surgem para explicar suas relações, tais como linfadenite e formação de tecido cicatricial na janela aórtica, causando fixação do nervo, pressão pelo brônquio esquerdo, hipertrofia ventricular direita, aterosclerose da artéria pulmonar, posicionamento anatômico do ligamento arterial5 ou artéria pulmonar dilatada8. Há uma hipótese de que pacientes com doenças cardíacas ateroscleróticas sofreram paralisia súbita do nervo laríngeo recorrente por causa de insuficiência ventricular esquerda de instalação súbita produzida por súbita hipertensão pulmonar com dilatação aguda dos vasos pulmonares. Tal fenômeno já foi chamado dilatação dinâmica. Rouquidão associada à exacerbação cardíaca aguda já foi relatada em pacientes com persistência longa do canal arterial, corroborando a proposição anteriormente descrita7.
Uma vez que lesão lenta ou parcial do nervo pode nem sempre resultar em rouquidão, defendemos o exame rotineiro das pregas vocais em todos os pacientes com doença cardíaca. Se for visualizada paralisia da prega vocal esquerda, pode-se seguramente deduzir que houve um aumento na pressão da artéria pulmonar6.
Devido à raridade da paralisia de prega vocal em pacientes com doença cardíaca, já foi enfatizada a importância de uma artéria pulmonar constantemente dilatada sob tensão22,23.
CONCLUSÃO
A síndrome de Ortner, também conhecida como síndrome cardiovocal, é uma entidade rara, que pode ser secundária a muitos distúrbios cardiopulmonares. A hipertensão pulmonar ou alguma causa que leve à dilatação e aumento da tensão na artéria pulmonar, sendo temporária ou "dinâmica" pode ser responsável pela paralisia da prega vocal. A compressão do nervo entre a aorta e a artéria pulmonar sob tensão é um fator constante em todos os casos. Assim, seria pertinente fazer exame de laringoscopia indireta em todos os casos de doença cardíaca.
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1. MBBS, DLO, Dip NB (Professor Assistente).
2. MBBS, DLO, Dip NB (Cirurgião Otorrinolaringologista).
3. MBBS, DLO, Dip NB (Cirurgião Otorrinolaringologista).
4. MBBS, MS (Professor).
Departamento de Otorrinolaringologia - Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Yenepoya, Campus da Universidade de Yenepoya; Nithyanandanagar PO, Deralakatte, Mangalore-575018, Karnataka, Índia.
Endereço para correspondência:
Dr Vijayalakshmi Subramaniam
Departamento de Otorrinolaringologia - Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Yenepoya, Campus da Universidade de Yenepoya
Nithyanandanagar PO, Deralakatte
Mangalore-575018, Karnataka, Índia
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 24 de agosto de 2010. cod. 7290
Artigo aceito em 1 de setembro de 2010.
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