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Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 326 a 329

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Acesso endoscópico para tratamento de mucoceles fronto-etmoidais

Endoscopic endonasal approach for fronto-ethmoidal sinus mucoceles

Autor(es): Rodrigo P. Santos(1),
Luiz H. F. Barbosa(2),
Marco A Belfort(3),
Ricardo G. Ferri(4),
Luiz C. Gregorio(5)

Palavras-chave: cirurgia, mucocele, fronto-etmoidal

Keywords: surgical access, mucocele, fronto-ethmoidal

Resumo:
Introdução: A mucocele, lesão benigna expansiva decorrente do acúmulo de secreção em cavidade fechada, é uma afecção rara em otorrinolaringologia, acometendo principalmente os seios frontal e etmoidal. Podemos dividir a etiologia em forma obstrutiva e inflamatória. Objetivo: Avaliar a eficácia do tratamento cirúrgico para mucoceles fronto-etmoidais pela técnica endoscópica isolada. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Foram estudadas a apresentação clínica, evolução e resultado de 13 casos de mucoceles durante o período de janeiro de 2000 a abril de 2001. Resultado: Dos pacientes tratados, 7 tinham como etiologia a forma inflamatória e 2 a forma obstrutiva, todos apresentando proptose como queixa principal. Dois pacientes apresentaram complicações oftalmológicas, sendo necessária concomitante a marsupialização endoscópica, a descompressão de órbita. Nenhum paciente apresentou recidiva após acompanhamento que variou de 7 a 22 meses. Conclusão: A via endoscópica é efetiva no tratamento cirúrgico das mucoceles e evita complicações das técnicas usadas anteriormente.

Abstract:
Introduction: The mucocele is an expansive benign tumor due to the filling of a closed cavity with mucus. Frequently involving the fronto-ethmoidal sinus, it is a rare otolaryngological condition. The etiology is divided into inflammatory and obstructive causes. Aim: To evaluate the endoscopic endonasal surgical approach for fronto-ethmoidal sinus mucoceles. Study design: Clinical prospective. Material and method: Thirteen patients were followed during the period of January of 2000 to April of 2001, regarding the clinical findings, evolution and surgical results. Results: All patients presented proptosis as the major symptom. Seven patients had the inflammatory form and two the obstructive one. Two patients presented ophthalmologic complications and underwent orbital decompression associated with the endoscopic endonasal technique. There were no recurrences in our study. Conclusions: The endoscopic endonasal approach for fronto-ethmoidal sinus mucoceles is an effective treatment for the disease, avoiding the complications of the early techniques.

Introdução

O termo mucocele, que foi introduzido por Rollet (1896), caracteriza uma lesão benigna, cística e expansiva, de revestimento epitelial, resultado do acúmulo de secreção mucosa dentro de uma cavidade bloqueada1.

A mucocele é caracterizada por um crescimento lento por muitos anos, a não ser que apresente uma complicação, como uma infecção. Quando a mucocele se torna infectada, transforma-se em mucopiocele6. É condição relativamente incomum e ocorre mais freqüentemente na região fronto-etmoidal, provavelmente em função do complexo sistema de drenagem destes seios, seguido pelo maxilar e esfenoidal4. Afeta homens e mulheres sem predileção de sexo, e na maior parte na terceira e quarta décadas, podendo também acometer crianças2.

O fator obstrutivo na área de drenagem do seio é creditado como causa deste bloqueio da cavidade. Como etiologia, podemos dividir em obstrutivas propriamente ditas: pólipos, trauma, cirurgia e compressão tumoral; e inflamatórias: infecção, degeneração cística, aumento de secreção mucosa e causa alérgica6.

Podem ter origem primária ou secundária. A primária seria originada de uma glândula mucosa da submucosa, porém esta origem não é muito aceita devido a alguns fatos como a presença de poucas glândulas mucosas no seio frontal e estudos histológicos que não mostraram evidências de cistos de retenção preexistentes na origem da mucocele. A origem secundária, na qual as mucoceles são consideradas como conseqüência da obstrução da drenagem do seio, tem se mantido como a principal causa dessa doença9.

A mucocele causa sintomas quando as paredes sinusais estiverem com erosão (principalmente a parede supero-medial da órbita), provocando abaulamento da pele ou alterações do globo ocular4. As mucoceles fronto-etmoidais com freqüência levam à proptose ocular, podendo ainda invadir fossas nasais e fossa craniana anterior. Para diagnóstico pode-se utilizar radiografia ou ultra-som, porém a definição diagnóstica é dada pela tomografia computadorizada e ressonância magnética10.

O tratamento é essencialmente cirúrgico, desbloqueando-se a cavidade e restabelecendo a comunicação com as fossas nasais.

Material e Método

Foram tratados no setor de Rinologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - EPM, entre janeiro de 2000 e abril de 2001, 13 (treze) pacientes com diagnóstico de mucocele fronto-etmoidal, pela técnica endoscópica endonasal. Foram utilizados na cirurgia endoscópica endoscópio rígido de 4mm Hopkins Machida de 0 e 30o e Storz de 45o. As cirurgias foram realizadas sob anestesia geral e foi utilizada solução tópica de adrenalina 1:1000 para vasoconstrição, realizada palpação da lesão com elevador de Freer ou aspirador, realizando a abertura da mucocele com aspiração da secreção presente em seu interior (mandada para análise laboratorial). Após a abertura da mucocele, usou-se pinça cortante angulada pra garantir a ampla marsupialização. No pós-operatório foi utilizado um endoscópio rígido Hopkins Machida de 30o para inspeção e limpeza da cavidade, com retornos no sétimo dia pós-operatório, quinzenalmente no primeiro mês e mensalmente até obter bom aspecto cicatricial da cavidade.

Resultados

Dos treze casos operados, nove são do sexo masculino e quatro do sexo feminino com idades entre 13 e 68 anos (média 41,3 anos), sendo 7 pacientes com mucocele do lado direito e 6 com a patologia do lado esquerdo. 4 pacientes apresentavam como causa etiologia a forma obstrutiva, sendo 1 por tumor e 3 por trauma; os outros 9 pacientes apresentaram a forma inflamatória (Tabela 1).


Tabela 1. Distribuição dos pacientes segundo idade, causa, lado acometido, complicação, recidiva e acompanhamento.


Todos os pacientes tinham como diagnóstico mucocele fronto-etmoidal, com longo período de história clínica, sendo os principais sintomas diplopia e proptose unilateral. Dois deles apresentaram complicações oftalmológicas, sendo um abscesso orbitário, com fixação ocular e baixa da acuidade visual (apenas percepção luminosa) e um abscesso subperiostial, com diminuição da movimentação ocular e baixa da acuidade visual, sendo necessário realização de descompressão orbitária em ambos os casos no mesmo ato cirúrgico. Todos foram submetidos a tomografia computadorizada em cortes coronais e axiais, de acordo com protocolo da Instituição, no pré-operatório, tendo um paciente realizado ressonância magnética para diagnóstico diferencial de patologia do sistema nervoso central. Os pacientes saíram da cirurgia sem tampão nasal, e sem apresentar quaisquer tipos de complicações. Os dois pacientes submetidos à descompressão orbitária obtiveram resolução do quadro infeccioso, fizeram uso de Ciprofloxacina, Clindamicina e Betametasona no período de internação hospitalar e derivados das Quinolonas por três semanas após a alta. Um dos pacientes apresentou melhora da acuidade visual e o outro manteve apenas percepção luminosa. O acompanhamento dos pacientes ainda está sendo realizado regularmente com exames endoscópicos, até esse momento não foi observado recidiva da patologia.


Figura 1. Corte coronal de ressonância magnética mostra mucocele frontal-etmoidal.


Figura 2. Corte axial de ressonância magnética mostrando mucocele frontal.


Figura 3. Corte coronal de tomografia computadorizado mostrado mucocele frontal.


Figura 4. Corte coronal de tomografia computadorizado mostrando pansinusite e mucocele fronto-etmoidal.


Figura 5. Corte coronal de tomografia computadorizada mostrando pansinusite e mucocele fronto-etmoidal.


Figura 6. Corte axial do paciente da figura 5.


Figura 7. Corte coronal de tomografia computadorizada, mostrando mucocele de recesso frontal.


Figura 8. Corte axial de tomografia computadorizada mostrando excenoidite.


Discussão

Os fatores etiológicos são comumente citados na literatura e podem ser divididos naqueles relacionados à obstrução do recesso frontal e aos associados com inflamação. O exame histológico da mucosa da mucocele demonstrou a presença de inflamação crônica, fibrose e um balanço dinâmico entre a mucocele e a interface óssea onde a atividade osteoclástica e osteoblástica resulta em osteólise, neoformação óssea e esclerose3.

Segundo algumas publicações de aspectos histológicos de mucoceles fronto-etmoidais haveria uma mudança do epitélio de revestimento desta, na qual o epitélio pseudoestratificado progressivamente passaria a colunar baixo ou cubóide com presença de ocasionais globlet cells, ocasionada pela pressão erosiva da obstrução8. Uma nova teoria surgiu em 1991, na qual além da obstrução, a infecção com inflamação crônica participaria na patogênese da mucocele através de linfócitos e monócitos que, estimulados pela infecção, produziriam o aumento de prostaglandinas e colagenase em fibroblastos do epitélio mucoso e, assim, estimulariam a reabsorção óssea e expansão da mucocele8.

O diagnóstico é realizado através da história clínica que é de longa duração e com largo espectro de sintomas, e dentre eles, o oftalmológico é de maior expressão, sendo a proptose ocular e a diplopia os de maior importância, podendo nos casos de infecção concomitante levar à diminuição da acuidade visual, como aconteceu em 2 pacientes em nosso estudo. O diagnóstico por imagem como exame auxiliar é de grande valia, não podendo ser dispensada a tomografia computadorizada. Esta ajuda no diagnóstico precoce possibilita visualizar a extensão da lesão e a presença de complicações, principalmente o acometimento do sistema nervoso central e da cavidade orbitária. A ressonância magnética diferencia o tecido cerebral e as estruturas orbitárias da lesão nasal.

O tratamento é essencialmente cirúrgico e visa desbloquear a cavidade e restabeler a comunicação com as fossas nasais. Recentemente observa-se uma tendência pela cirurgia via endoscópica. Esta vem substituir a cirurgia via externa até há pouco tempo utilizada, na qual a mucocele fronto-etmoidal era abordada pela incisão de Lynch-Howarth ou por retalho osteoplástico. O procedimento de Cadwell-Luc era reservado para os raros casos de mucocele maxilar. O acesso endoscópico confere um número de vantagens, entre elas a diminuição da permanência hospitalar. Com esta técnica evitam-se também as potenciais complicações dos acessos externos. Entretanto, nem todas as mucoceles fronto-etmoidais são passíveis de resolução por via endoscópica pura, sendo necessárias, em alguns casos de cirurgia prévia, patologia nasosinusal significante, presença de fístula cutânea e ostiomielite importante, o emprego da técnica combinada6.

A cirurgia endoscópica é considerada atualmente o tratamento de escolha das mucoceles de seios paranasais, porém, dependendo da experiência do cirurgião e da presença de complicações, procedimento endoscópico único pode não ser possível, sendo que a via combinada, nestes casos, produz ótimos resultados a longo prazo7.

Para se assegurar o bom resultado da cirurgia, os pacientes são vistos de 7 a 10 dias pós-operatórios e semanalmente para verificar a cicartazação satisfatória da cavidade6.
Conclusão

Com a realização do diagnóstico precoce, a ajuda dos métodos de imagem e o domínio da técnica pelo cirurgião otorrinolaringologista, o acesso endoscópico único leva à diminuição da morbidade no tratamento da mucocele, que é eminentemente cirúrgico.

Referências Bibliográficas

1. Canalis JG, Zajtchuk JT, Jenkins HA. Ethmoidal mucoceles. Arch Otolaryngol 1978; 104:268-91.
2. Diaz F, Latchow R, Duvall AB. Mucoceles with intracanial and extracanial extensions: Report of two cases. J Neurosurg 1978; 48:248-8.
3. Granato L, Lessa RM, Rios OAB, MarinhoV. Mucocele e piocele dos seios paranasais e concha média. Relato de três casos. Rev. Bras ORL 2001;67(1):101-6.
4. Kennedy DW, Josephonson JS, Zinreich SJ, Mattox DE, Goldsmith M.M. Endoscopic sinus surgery for mucoceles: A viable alternative. Laringoscope 1989;99:885-95.
5. Krishnan G, Kunar G. Fronto ethmoid mucoceli: one year follow-up endoscopic fronto ethmoidectomy. J Otolaryngol 1996;25(1):37-40.
6. Lund VJ. Anatomical considerations in the etiology of fronto-ethmoidal mucoceles. Rhinology 1987;25:83-8.
7. Lund VJ.Endoscopic Management of paranasal sinus mucoceles. J Laryngol Otol 1998;112:36-40.
8. Lund VJ, Milroy CM. fronto-ethmoidal mucoceles: a histopatplogical analysis. J Laryngol Otol 1991;105:921-3.
9. Natvig VJ, Larsen TE. Mucocele of paranasal sinuses. J Laryngol Otol 1978;92:982-1075.
10. Stiernberg CM, Bailey BJ, Calhoun KH. Management of invasive fronto-ethmoidal sinus mucoceles. Arch Otolaryngol 1986;112 (10):1060-3.




1 Mestre em Otorrinolaringologia pela Unifesp-EPM.
2 Residente do 3º ano do Departamento de Otorrinolaringologia da Unifesp-EPM.
3 Residente do 1º ano do Departamento de Otorrinolaringologia da Unifesp-EPM.
4 Pós-graduando - nível de mestrado do Departamento de Otorrinolaringologia da Unifesp-EPM.
5 Docente do Departamento de Otorrinolaringologia da Unifesp-EPM, chefe do setor de Rinologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Unifesp-EPM.

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Apresentado no II Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, agosto de 2001, Goiânia.

Endereço para correspondência: Luiz Henrique Fonseca Barbosa - Rua Loefgreen, 1654 ap. 81, Vila Clementino - São Paulo - CEP 04040-002 - e-mail: luizhenrique.otor@epm.br

Artigo recebido em 19 de novembro de 2001. Artigo aceito em 24 de janeiro de 2002.

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