Versão Inglês

Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 3  - Maio - Junho - (14º)

Seção: Editorial

Páginas: 356 a 361

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Reabilitação vestibular por biofeedback no desequilíbrio corporal de origem central

Vestibular rehabilitation with biofeedback in patients with central imbalance

Autor(es): Roseli Saraiva Moreira Bittar1; Camila de Giacomo Carneiro Barros2

Palavras-chave: acidente cerebral vascular, equilíbrio postural, reabilitação, tontura.

Keywords: stroke, rehabilitation, dizziness, postural balance.

Resumo:
As lesões do Sistema Nervoso Central (SNC) determinam importantes prejuízos funcionais na manutenção do equilíbrio e da postura. A reabilitação vestibular e a fisioterapia oferecem benefícios limitados nesses casos. Objetivo: Avaliar a resposta de pacientes portadores de desequilíbrio de origem central à estimulação eletrotáctil da língua por meio do BrainPort®. Casuística e Método: O estudo é prospectivo e configura uma série de casos. Foram avaliados 8 pacientes portadores de desequilíbrio de origem central, 6 homens e 2 mulheres com média de idade de 67,75 anos. Os pacientes foram submetidos à posturografia dinâmica computadorizada (PDC) e submetidos ao treinamento pelo BrainPort®. em duas sessões diárias de 20 minutos, perfazendo um total de 18 sessões. Foram então reavaliados pela PDC e a uma escala análogo visual, que compreendeu remissão dos sintomas, melhora parcial e sem melhora. Resultado: 75% dos pacientes referiram melhora subjetiva. Não houve diferença significante nos parâmetros avaliados da PDC, mas foi observada a melhora do controle postural do centro de massa nesses mesmos pacientes. Conclusão: Os pacientes puderam utilizar o estímulo eletrotáctil para melhorar o seu controle postural.

Abstract:
Central Nervous System disorders may cause important functional unbalance in the maintenance of balance and posture. There is no effective rehabilitation for these symptoms until now. Objective: The aim of this paper is to evaluate the use of tongue electrotactile stimulation on patients with central imbalance using BrainPort. Materials and Methods: This is a prospective case series study. We evaluated 8 patients with central imbalance, 6 men and 2 women, with mean age of 67.75 years. The patients were submitted to Computed Dynamic Posturography (CDP) and then received 18 sessions of electrotactile stimulation by BrainPort® device for 20 minutes, twice a day. Then they were submitted to a new CDP test and to a self-perception scale to assess symptom remission, partial improvement and no improvement at all. Results: 75% of the patients reported being more stable. There was no improvement in the balance control of the mass center in these patients. Conclusion: The patients were able to use the electrotactile stimulus to improve their balance control.

INTRODUÇÃO

O controle postural é uma das mais complexas funções sensoriomotoras do corpo. Para sua perfeita execução, é necessário que as informações vestibulares, visuais e proprioceptivas sejam compreendidas e integradas pelo sistema nervoso central. É da precisão dessas informações e sua integração que depende a execução e manutenção de posturas antigravitacionais e respostas adequadas às perturbações do equilíbrio1. As informações vestibulares são essenciais para a adequação do nosso posicionamento no espaço tridimensional. A percepção espacial e da relação entre objetos em movimento, a integração visual e a memória também dependem das funções vestibulares2,3. As aferências e eferências vestibulares também atuam na coordenação dos movimentos, no senso de orientação interna, sobre o controle do tônus muscular e o alinhamento do segmento corporal4. Na ausência de um sistema vestibular funcional, o sistema nervoso central (SNC) apresenta dificuldade para integrar corretamente as informações provenientes dos outros sistemas aferentes, visual e proprioceptivo.

As lesões do SNC determinam prejuízos sensitivos, motores e cognitivos que culminam com o comprometimento do controle postural, peça-chave dos problemas de mobilidade apresentados pelos pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral (AVC). As dificuldades incluem instabilidade acentuada, distribuição assimétrica do peso e diminuição da capacidade de manter o alinhamento da postura. Dessa maneira, o equilíbrio, a marcha e a mobilidade são alvos de intervenção no processo de reabilitação desses pacientes. Dentre as abordagens possíveis nesses casos, estão as terapias motoras, neurofisiológicas, o uso da plataforma de força, os treinamentos repetitivos e o biofeedback5.

As lesões decorrentes de AVC podem atingir diversas áreas do SNC, incluindo o cerebelo, peça-chave na coordenação e integração entre as aferências e eferências que compõem o equilíbrio. Nas ataxias, poucos são os estudos que relatam os efeitos das terapias de reabilitação, porém, há indícios que o programa de treinamento promove benefícios, mesmo que não alcancem resultados definitivos e melhora completa6.

Na Doença de Parkinson (DP), os sintomas mais incapacitantes envolvem os problemas da marcha e o prejuízo do equilíbrio. Grande significância clínica deve ser atribuída às quedas nos pacientes com DP, que são causadas por mecanismos independentes, porém coexistentes: instabilidade postural, dificuldade com transferência (mudanças de posicionamento), alterações de marcha e síncope ortostática7. O tratamento envolve a farmacoterapia, neurocirurgia e fisioterapia, mas nenhuma dessas modalidades apresenta eficácia quando utilizadas isoladamente.

Na busca de alternativas viáveis para o restabelecimento dos circuitos neuronais comprometidos por doenças que acometem o SNC, estudos recentes têm demonstrado a eficácia de mecanismos alternativos (balance devices) no restabelecimento do equilíbrio corporal. Esses equipamentos possuem a capacidade de informar o SNC a respeito do posicionamento da cabeça, informação que geralmente possui origem vestibular, pela estimulação eletrotáctil da língua8. Para o cérebro interpretar corretamente a informação de um equipamento de substituição sensorial, não é necessário que a informação seja apresentada da mesma forma que o sistema sensorial natural. É necessário apenas que a informação seja captada e codificada em potenciais de ação, desta vez provenientes de um canal de informação alternativo e não do sistema sensorial fisiológico original - em nosso caso, o vestíbulo. Com o treinamento, o cérebro aprende a interpretar adequadamente as informações e utilizá-las à similaridade da percepção dos dados pelo sistema original9.

Após resultados satisfatórios utilizando o equipamento de biofeedback eletrotáctil (BrainPort®) em pacientes portadores de arreflexia vestibular bilateral10, pensamos em verificar a aplicabilidade do equipamento em pacientes com desequilíbrio corporal de origem central. A finalidade da utilização do biofeedback seria a estimulação de vias neurais alternativas que pudessem auxiliar na manutenção do equilíbrio.


OBJETIVO

Descrever o impacto da estimulação eletrotáctil na língua sobre o controle postural de pacientes que apresentam disfunções do SNC e não obtiveram resultado satisfatório com a reabilitação vestibular e/ou fisioterapia.


CASUÍSTICA E MÉTODOS

Esta pesquisa foi previamente julgada e aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq da Diretoria Clínica da Instituição (número 1366/06). O desenho configura o estudo de uma série de casos.

Os indivíduos participantes foram selecionados a partir do Ambulatório de Otoneurologia, onde compareceram para buscar o tratamento de seu desequilíbrio corporal. Todos receberam explanação detalhada a respeito da pesquisa e concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram incluídos os indivíduos que apresentavam distúrbios do equilíbrio corporal secundário a disfunções do SNC, previamente submetidos à fisioterapia e reabilitação vestibular (RV) sem obter melhora clínica satisfatória. Foram excluídos da pesquisa aqueles que apresentavam lesões na cavidade oral e língua, tabagistas, portadores de implantes elétricos como marca-passos cardíacos, ou apresentassem lesões ortopédicas de membros inferiores. Após avaliação clínica e caracterização do desequilíbrio, os pacientes foram submetidos à avaliação quantitativa do equilíbrio por meio da posturografia dinâmica computadorizada (PDC) por duas vezes - antes e após o treinamento pela estimulação eletrotáctil. O protocolo de avaliação utilizado foi o Teste de Integração Sensorial (TIS). Foram realizadas 18 sessões de eletroestimulação de 20 minutos cada uma: duas sessões diárias, três vezes por semana em dias alternados, totalizando 3 semanas. Como variáveis da PDC, foram considerados C5 (condição 5), C6 (condição 6) e IE (indice final de equilíbrio), antes e após o treinamento. Foi ainda observada a oscilação corporal durante as testagens antes e após a estimulação eletrotáctil.

A estimulação eletrotáctil foi realizada no dorso da língua por um equipamento intraoral composto por uma placa de eletrodos com 10 fileiras de dez pontos de estimulação - BrainPort®. A placa é conectada a um acelerômeto que identifica o deslocamento do estímulo por sua superfície, segundo a movimentação cefálica do paciente. O paciente é treinado a centralizar o estímulo na língua e, assim, manter-se na postura ereta. A descrição detalhada do equipamento e do procedimento pode ser encontrada em detalhes na referência de número 11 11.

Após finalizar as sessões de treinamento com a estimulação eletrotáctil, os pacientes responderam a uma escala análogo-visual (EAV) com a finalidade de avaliar o impacto clínico do treino. A autopercepção dos sintomas após o treinamento foi avaliada de acordo com três critérios:

  • Remissão (R): corresponde a 100% de alívio dos sintomas.
  • Melhora parcial (MP): de 50 a 90% de melhora dos sintomas.
  • Sem melhora (SM): menos de 50% de melhora dos sintomas.


  • As etiologias do distúrbio de equilíbrio corporal, idade e gênero dos pacientes estudados podem ser observadas na Tabela 1.




    As medidas objetivas da PDC (C5, C6 e IE) antes e após o treinamento foram comparadas por meio do teste T de Student.


    RESULTADOS

    Descrição dos casos avaliados e sua evolução:

    Paciente 1: AMP - masculino, 69 anos. Histórico de queda com traumatismo crânio-encefálico e anoxia cerebral prolongada. Sua principal queixa era de desequilíbrio e instabilidade. Apresentava marcha atáxica e iniciou o treinamento com dificuldade de permanecer de olhos fechados, mesmo em superfície estável. Após seis sessões (uma semana) conseguia permanecer de olhos fechados em superfície instável (espuma) durante os 20 minutos que utilizava o aparelho. Ficou satisfeito com o treinamento, apresentando melhor estabilidade e mais confiança e segurança para deambular.

    Paciente 2: JCR - masculino, 75 anos, AVC de tronco com hemiplegia. Sua queixa predominante era de desequilíbrio sem outras sequelas. Iniciou treinamento sem condições de manter os olhos fechados em superfície estável. Após 12 sessões (duas semanas) permanecia pequenos períodos com os olhos fechados em superfície instável e ao final das 18 sessões de treinamento foi capaz de permanecer durante 20 minutos de treinamento com os olhos fechados em superfície instável (espuma). Ao final do treinamento relatava estar mais estável e confiante durante a marcha, porém sem remissão completa do desequilíbrio.

    Paciente 3: ACL - masculino, 67 anos, AVC de tronco com hemiplegia. Predomínio de instabilidade e marcha prejudicada principalmente em movimentos bruscos como girar o corpo. Apresentava leve rigidez de marcha e decomposição de passos. No início do tratamento, não era capaz de manter-se de olhos fechados em superfície instável no início do treinamento e foi evoluindo com pequena melhora do equilíbrio no desempenho da tarefa. Ao final das 18 sessões apresentou melhora na estabilidade postural e no desempenho à marcha. Permaneceu a dificuldade em movimentos bruscos, mas em menor intensidade.

    Paciente 4: ND - masculino, 70 anos, Doença de Parkinson. Queixas clássicas de rigidez, bradicinesia e tremores. Não apresentava prejuízo grave do equilíbrio ao início do tratamento. Após a terceira sessão foi capaz de permanecer de olhos fechados em superfície instável (espuma) e evoluiu com ótimo domínio corporal à medida que os desafios posturais foram incrementados. Ao término das 18 sessões da terapia, pôde andar com maior segurança e estabilidade. Persistiram o tremor e a rigidez muscular, que eram os sintomas que mais o incomodavam. Podemos considerar sua melhora como parcial.

    Paciente 5: DJ -feminino, 55 anos, Ataxia cerebelar. Queixa predominante referente à marcha e desequilíbrio. Dependente visual, não era capaz de permanecer em superfície instável com os olhos fechados. Nas 4 últimas sessões adquiriu a capacidade de manter os olhos fechados por curtos períodos durante os 20 minutos da terapia. Sua autopercepção de melhora foi negativa, embora a PDC apresentasse melhora no desempenho às diversas condições de conflito apresentadas.

    Paciente 6: RH - masculino, 66 anos, TB cerebelar. Queixa de tontura tipo desequilíbrio, desencadeada por estímulos visuais. Sintomas predominantes em locais com excessiva informação visual, como ruas movimentadas e supermercados. Desde o início do treinamento foi capaz de executar a tarefa mais difícil de permanecer de olhos fechados em superfície instável. Ao término do tratamento não referiu melhora subjetiva. O desempenho na PDC permaneceu inalterado.

    Paciente 7: AM, masculino, 71 anos, AVC de tronco. Queixa de desequilíbrio e instabilidade. Pouca dificuldade em permanecer de olhos fechados em superfície instável. Conseguiu na primeira semana permanecer os 20 minutos do treinamento executando a tarefa mais difícil. Ao final das sessões referiu melhora subjetiva, embora o desempenho na PDC permanecesse inalterado. Observou-se alinhamento do centro de massa à PDC, concordante com sua autopercepção de resultado da terapia.

    Paciente 8: MD - feminino, 69 anos, AVC tronco, 1 ano de fisioterapia e RV. Queixa de instabilidade e desequilíbrio, caminhava com bengala de um lado e apoiando-se em uma pessoa do outro. Não conseguia manter olhos fechados em superfície firme. Com dez sessões de treinamento era capaz de andar com bengala e sem apoio. Ao final das 18 sessões de treinamento, conseguia permanecer com os olhos fechados sobre espuma, mantendo alguma oscilação corporal. Avaliou seu resultado como melhora na postura estática e marcha mais segura. Ao final do tratamento, queixava-se de fadiga em MMII e não permanecia muito tempo em pé por falta de força na musculatura do MMII acometido.

    Dos 8 pacientes tratados, 6 (75%) apresentaram melhora parcial subjetiva entre 50% e 70%, de acordo com a EAV. Ainda segundo a EAV, dois indivíduos não atingiram 50% de melhora em seu equilíbrio após terapia. Não houve relato de piora e também não foram observados efeitos adversos.

    Quando avaliados os resultados da PDC, os 6 pacientes que referiram melhora subjetiva também apresentaram incremento no IE, medida objetiva de avaliação do equilíbrio (Tabela 2). Observamos que os pacientes 2, 3, 4 e 8 apresentaram queda nas situações de teste na PDC que são realizadas em solo instável (C5 e C6) tanto antes como após o treinamento. O paciente numero 4 foi o único que apresentou melhora de sua performance na condição 5 - solo instável sem apoio visual.




    Não houve diferença significante quando analisadas as médias obtidas antes e após tratamento em C5, C6 e IE. As informações da EAV concordam com os achados do IE, que refletem discreta melhora dos indivíduos estudados.

    Com relação aos pacientes 6 e 7, não houve melhora dos parâmetros avaliados, nem tampouco da EAV. Observou-se, no entanto, que ambos apresentaram melhor posicionamento do centro de massa e menor oscilação corporal após o treinamento (Figura 1).


    Figura 1. Documentação da oscilação corporal do paciente 6 antes e após a estimulação eletrotáctil. As figuras geométricas observadas correspondem ao posicionamento do centro de massa em cada uma das testagens na PDC.



    DISCUSSÃO

    Estima-se que a porcentagem de pacientes que possuem doenças que envolvem o SNC e afetam o equilíbrio varia de 7% a 45% nos serviços especializados terciários nos Estados Unidos. Infelizmente, muito pouco se conhece sobre os efeitos de terapias de reabilitação nesses casos, especialmente se considerarmos a enorme gama de diagnósticos responsáveis pelas disfunções do equilíbrio de origem central12. O desequilíbrio corporal de origem central interfere negativamente na qualidade de vida dos pacientes por inúmeras razões, desde a instabilidade da postura ao comprometimento da marcha. As quedas assumem um papel fundamental no cenário destas doenças, seja por fraqueza muscular, por prejuízo visual, pelo uso da polifarmacologia, por instabilidade neurocardiovascular e ainda por fatores ambientais.

    Nossa amostra apresenta pacientes portadores de desequilibrio corporal com diversas etiologias de origem central, previamente submetidos à RV e que obtiveram resultados limitados. De fato, em estudo retrospectivo anterior, verificamos que nossa casuística geral de pacientes que têm indicação de RV é composta por 13,5% de etiologias centrais. Esses pacientes, quando reabilitados pelos métodos convencionais, não apresentam resultados satisfatórios 37,5% das vezes13.

    Algumas abordagens terapêuticas alternativas têm sido utilizadas em pacientes que apresentam disfunções vestibulares bilaterais com o objetivo de melhorar a performance no controle postural e no equilíbrio. Dentre essas abordagens, está a utilização de equipamentos não implantáveis que funcionam como substitutos sensoriais. Esses equipamentos promovem um neurobiofeedback, ou seja, a retroalimentação da informação de deslocamento que é transformada um em estímulo, que possui caracteristica diferente do estímulo original, proveniente da estimulação vestibular. Esses estímulos alternativos, que informam o deslocamento corporal, podem ser auditivos, galvânicos ou vibrotácteis14-16. Dentre os órgãos que podem funcionar como receptores desses estímulos, está a língua, um terminal sensorial ricamente conectado a estruturas importantes do tronco cerebral. A estimulação de seus terminais tem a capacidade de ativar mecanismos efetivos no controle da postura, embora as redes de distribuição neural em que trafegam essas informações ainda não tenham sido totalmente desvendadas17. A idéia é fornecer pistas alternativas que orientem a correção postural por meio de equipamentos auxiliares que têm a finalidade de substituir a informação vestibular comprometida. Além do processo de reconhecimento do deslocamento do corpo, o biofeedback eletrotáctil na língua promove outro efeito interessante: os pacientes com arreflexia vestibular bilateral que foram tratados pelo método puderam reter o aprendizado adquirido após interromper o uso do equipamento11. Uma vez que foram observados resultados benéficos do equipamento sem efeitos adversos, resolvemos aplicar a tecnologia em pacientes com desequilíbrio de origem central. Essa técnica já é utilizada em outros centros mundiais com sucesso no tratamento de casos que possuem diagnóstico de doenças do SNC18. Nosso intuito foi oferecer alguma melhora adicional, além daquela obtida pela RV convencional, que é muito limitada nesses casos.

    Para a avaliação dos resultados obtidos pelo treinamento, a PDC é a ferramenta de eleição, pois a condição de plataforma móvel (C5) mimetiza exatamente a postura ereta com os olhos fechados sobre espuma - situação de treino que oferece a maior dificuldade para o paciente. É também a condição 5 que simula e documenta o desempenho vestibular, que quando não é adequado termina em queda. Portanto, a queda é a situação posturográfica que traduz a falência da manutenção postural. Como observado no Quadro 2, a maioria dos pacientes apresentava queda nessas condições antes do tratamento pelo biofeedback. Essa observação nos informa a respeito do comprometimento importante da postura que esses indivíduos possuíam ao início do tratamento, a falência da manutenção postural sob situações de conflito sensorial. A queda observada é a consequência imediata da dificuldade de estabilização do seu centro de massa. Mesmo sem uma melhora visível nos índices finais obtidos na análise da PDC, o melhor desempenho quanto à estabilidade corporal, fator fundamental na prevenção de quedas, foi observado em todos os indivíduos (Figura 1). Acreditamos que o aumento da amostra seja capaz de refinar os resultados obtidos, transformando essa observação em significância estatística.

    Dentre os pacientes estudados, o paciente 4, portador de doença de Parkinson, foi quem apresentou os maiores índices de melhora na avaliação à PDC. Embora essa melhora seja observada, o paciente apresentava como sua maior queixa o tremor típico da doença, e, portanto, considerou sua melhora como parcial. Os piores resultados de autopercepção foram observados nos pacientes que possuíam comprometimento cerebelar. Tal ocorrência não é de se estranhar, porque é o cerebelo o grande responsável pela integração e coordenação entre aferências e eferências relacionadas ao equilíbrio corporal. De fato, em nossa experiência clínica, as doenças que acometem o cerebelo são as que apresentam os piores resultados na reabilitação do equilíbrio corporal.

    Os resultados sugerem que alguns pacientes foram capazes de utilizar a estimulação eletrotáctil como pista auxiliar de percepção do posicionamento da cabeça em relação à orientação gravitacional vertical e utilizá-la na manutenção da postura. É válido ainda considerar a melhora subjetiva dos pacientes, de acordo com a EAV, porque os testes instrumentais como a PDC não são capazes de informar a respeito da impressão própria dos pacientes quanto ao desempenho dinâmico, como a marcha, por exemplo. Os valores estatísticos que não mostram diferença entre os resultados antes e após o tratamento corroboram essa idéia. Neste estudo, não retiramos as várias drogas em uso e algumas delas podem ter interferido negativamente na recuperação do equilíbrio porque são medicamentos sedantes do SNC e necessários para esses pacientes para evitar convulsões, por exemplo. Muito embora os resultados tenham sido restritos e abranjam um pequeno número de pacientes, podemos enxergar a possibilidade de utilização de um novo recurso para a abordagem dos indivíduos que apresentavam possibilidade limitada de melhora até então. Acreditamos, ainda, que algumas pequenas modificações no protocolo de aplicação do treinamento, como sessões diárias e períodos mais longos, seriam capazes de fornecer benefícios adicionais aos pacientes. Estudos comparativos são ainda necessários para avaliar não apenas o benefício clínico do equipamento nos diferentes diagnósticos, mas também para estabelecer o tempo de treinamento necessário para uma recuperação mais efetiva.


    CONCLUSÃO

    Alguns pacientes portadores de desequilíbrio corporal de origem central foram capazes de assimilar a informação eletrotáctil e utilizá-la para lapidar seu controle postural. Por não ser um estudo controlado, não podemos determinar o tipo e o alcance dessas mudanças, nem quais ocorreram durante o tratamento com equipamento de biofeedback eletrotáctil. Entretanto, em alguns pacientes foi possível observar a melhora objetiva no controle postural - confirmada pelos resultados da PDC - excedendo os resultados obtidos até então com a fisioterapia e a RV convencionais.


    AGRADECIMENTOS

    Agradecemos ao apoio financeiro da FAPESP (processo 08/54324-3)


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    1. Doutora em Medicina, Assistente doutora do setor de Otoneurologia do HCFMUSP.
    2. Mestre em Medicina, Docente Colaboradora FAEPA - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP.

    Setor de Otoneurologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

    Endereço para correspondência:
    Departamento de ORL do HCFMUSP
    R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6º andar sala 6021
    05403-000 São Paulo SP Brasil
    E-mail: otoneuro@hcnet.usp.br

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 14 de junho de 2010. cod. 7159
    Artigo aceito em 15 de setembro de 2010.
    FAPESP.

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