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Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 3  - Maio - Junho - (10º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 328 a 333

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Prevalência de achados broncopulmonares e otorrinolaringológicos em crianças sob investigação de doença do refluxo gastroesofágico: análise retrospectiva

Prevalence of broncopulmonary and otorhinolaryngologic symptoms in children under investigation for gastroesophageal reflux disease: retrospective analysis

Autor(es): Victor José Barbosa Santos1; Giovana Tuccille Comes2; Tatiana Maria Gonçalves3; Mary de Assis Carvalho4; Silke Anna Thereza Weber5

Palavras-chave: criança, refluxo gastroesofágico, sinais e sintomas respiratórios.

Keywords: child, gastroesophageal reflux, respiratory signs and symptoms.

Resumo:
A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma afecção comum na infância, aumentando as evidências de que o refluxo gastroesofágico seja um cofator importante que contribui para as desordens de vias aéreas, principalmente na população pediátrica. É muito comum serem observadas manifestações em vias aéreas superiores e inferiores. Nosso objetivo é avaliar a presença de sintomas otorrinolaringológicos em crianças com idade de um a 12 anos e suspeita de doença do refluxo gastroesofágico. Materiais e método: Foram avaliados dados de prontuários de pacientes de até 12 anos submetidos à pHmetria de 24 horas de um ou dois canais, locados a 2 e 5 cm do EEI para confirmação de diagnóstico de Doença do Refluxo Gastroesofágico. Resultados: Foram analisados 143 prontuários de crianças que realizaram pHmetria de 24 horas para investigação de DRGE; porém 65 foram incluídas. Os sintomas mais prevalentes nas crianças eram os broncopulmonares, encontrados em 89,2%, de sintomas nasossinusais (72,3%) , otológicos (46,1%) e de infecções de VAS de repetição (44,6%). Quando comparada a presença de cada grupo de sintomas com o resultado da pHmetria, não foi encontrada diferença significativa entre os sintomas e o resultado da pHmetria. Conclusão: DRGE pode se manifestar de diversas maneiras e os sintomas otorrinolaringológicos são frequentes em crianças.

Abstract:
Gastroesophageal reflux disease (GERD) is a common ailment in children, adding up to the evidence that gastroesophageal reflux is an important cofactor in upper airway disorders, especially in the pediatric population. It is very common for it to impact the upper and lower airways. Our goal was to assess the presence of otorhinolaryngological symptoms in children aged between one and twelve years in whom gastroesophageal reflux is suspected. Materials and methods: We assessed data from the charts of patients up to 12 years of age submitted to 24 hour pH measuring of one of two channels, placed at 2 and 5 cm from the LEE in order to confirm the diagnosis of Gastroesophageal Reflux Disease. Results: We studied 143 charts from children who underwent 24 hour pH measuring to investigate GERD; however, only 65 were included. The most prevalent symptoms in the children were bronchopulmonary, found in 89.2%, of sinonasal symptoms (72.3%), otologic (46.1%) and repetition UAW infections (44.6%). When we compared the presence of each group of symptoms of the results from the pH measuring, no significant differences were found between the symptoms and the pH measuring results. Conclusion: GERD can manifest in different ways and otorhinolaryngological symptoms are frequent in children.

INTRODUÇÃO

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma afecção comum na infância e, a cada ano, aumentam as evidências de que o refluxo gastroesofágico seja um cofator importante que contribui para as desordens de vias aéreas, principalmente na população pediátrica. O Consenso Brasileiro da Doença do Refluxo Gastroesofágico (CBDRGE) definiu a DRGE como uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes a ele, acarretando um espectro variável de sinais e sintomas esofagianos e extraesofagianos, associados ou não a lesões teciduais1.

O refluxo dos conteúdos gástricos é uma ocorrência fisiológica que tem lugar mais frequentemente nos lactentes, em especial nos prematuros, e decresce com o progredir da idade, desaparecendo até em média os 24 meses. Quando na presença de condições patológicas, entretanto, seja pela frequência aumentada dos episódios de refluxo, seja pelo maior tempo de exposição da mucosa esofágica ao ácido, ocorrem consequências clínicas e histopatológicas conhecidas como Doença do Refluxo Gastroesofágico2.

O Esfíncter Esofagiano Inferior (EEI) na extremidade distal do esôfago tem atraído interesse às tentativas de explicar por que os lactentes têm maior tendência a manifestar RGE do que crianças maiores e os adultos. Em modelos animais e estudos em humanos sugeriram que, nos recém-nascidos, o músculo do EEI não é mais fraco que o do adulto, porém ocorre um relaxamento impróprio desta musculatura, já que o amadurecimento só vai se processar por volta dos 3 meses de vida, quando o EEI que apresentava localização intratorácica passa a ter uma porção intra-abdominal3.

É muito comum, principalmente em crianças, além da pirose clássica, serem observadas manifestações em vias aéreas superiores e inferiores4-9. Dentre elas, podemos citar pneumonias recorrentes, faringotonsilites de repetição, asma, otite média de repetição, entre outras5-7. Pacientes com refluxo apresentam frequentemente queixas otorrinolaringológicas, como rouquidão, tosse crônica, globus faríngeo, odinofagia, disfagia, entre outros, decorrentes da microaspiração de ácido para a laringe e faringe, além de ocorrer bronco e laringoespasmos vagomediados9,10.

A descrição inicial de uma possível associação do RGE com problemas laríngeos foi feita em 1968 por Cherry & Margulies11, que relataram três casos de pacientes com granulomas laríngeos associados à esofagite de refluxo. Desde então, estudos sugerem manifestações otorrinolaringológicas da doença, tanto em adultos quanto em crianças, tornando bastante evidente que o diagnóstico das manifestações altas desta doença acaba dependendo quase que exclusivamente de um exame otorrinolaringológico minucioso, já que em apenas cerca de 30% dos pacientes com esta forma da DRGE encontram-se alterações esofágicas ou gástricas12. A importância e o impacto dessas manifestações atípicas da DRGE muitas vezes são mal compreendidos, no entanto, estudos de Richter et al. em 1997, mostraram que 10% dos pacientes com rouquidão crônica podem ter DRGE, que essa doença pode estar presente em 30% a 89% dos pacientes com asma, que o refluxo ácido é a terceira causa de tosse crônica e que a DRGE é responsável por 50% dos eventos de dor no peito sem conotações cardíacas13.

Refluxo laringo-faríngeo se refere ao fluxo retrógrado do conteúdo estomacal acima do nível do esfíncter esofagiano superior, causando sintomas relacionados à via aérea superior14 e é um dos fatores mais reconhecidamente relacionados, em adultos e em crianças, ao desenvolvimento de desordens inflamatórias de todo o trato aéreo-digestivo alto15-18.

A monitorização por pHmetria de 24 horas é sugerida como método mais eficiente na investigação do refluxo gastroesofágico da criança, sendo possível, inclusive, combinar a observação de sintomas respiratórios, tendo em vista que o paciente fica sob cuidados e monitorização por 24 horas seguidas segundo indicações do método19,20. No entanto, apesar da alta incidência de refluxo constatado na clínica diária, muitas vezes, não é diagnosticado ou sugerido, devido à grande variabilidade de sintomas.

Informações acuradas a respeito da epidemiologia da DRGE ainda constituem objeto de estudos, em face das dificuldades impostas pela variabilidade dos sintomas e pela falta de um método diagnóstico sensível e específico. Este estudo avaliou a prevalência de sintomas broncopulmonares e otorrinolaringológicas em crianças de até 12 anos submetidas à pHmetria de 24 horas para confirmação diagnóstica de doença do refluxo gastroesofágico, com o objetivo de analisar a associação entre as patologias, como também comparar a frequência destes sintomas nas diversas faixas etárias e entre crianças com pHmetria positiva e as com pHmetria negativa.


MÉTODOS

O estudo recebeu parecer favorável da Comissão de Ética em Pesquisa local sob o protocolo 329/2007 e os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Trata-se de estudo de coorte histórica, com base em dados registrados em protocolos médicos de atendimento ambulatorial, assim como fichas de atendimento em pronto-socorro, dos prontuários de pacientes acompanhados pelo ambulatório de gastroenterologia infantil do serviço de pediatria de um hospital universitário. Foram avaliados prontuários de pacientes acompanhados por queixas digestivas, com forte suspeita de doença do refluxo gastroesofágico, submetidos à pHmetria de 24 horas de um ou dois canais, locados à 2 cm e, quando presente o segundo eletrodo, à 5 cm acima do esfíncter esofagiano inferior para confirmação diagnóstica. Foram incluídas crianças de ambos os sexos na faixa etária de um a 12 anos, todas com queixas clínicas sugestivas DRGE. Foram excluídos pacientes com malformações craniofaciais, fibrose cística, doenças neurológicas, deficiências de imunoglobulinas, alergia ao leite de vaca e intolerância a ácido acetilsalicílico. As crianças foram divididas em três grupos de acordo com a faixa etária, o Grupo I incluindo crianças até 24 meses, o Grupo II de 25 a 72 meses e o Grupo III de 73 a 144 meses (6 a 12 anos).

Dos prontuários foram obtidos os dados: gênero, idade no momento do exame de pHmetria e registros de sinais, sintomas ou hipóteses de diagnósticos clínicos relacionados à via aérea, agrupados em afecções broncopulmonares, como tosse crônica, broncopneumonia de repetição e asma; sintomas otológicos, como otalgias recorrentes, otite antes de um ano de idade e otites de repetição (registro de 3 episódios no período de três meses ou 4 episódios em um ano); sintomas nasossinusais (rinossinusite, prurido e obstrução nasal) e infecções de via aérea superior, como tonsilites de repetição (registro de 6 episódios em 1 ano), laringites e faringites recorrentes. A presença dos sintomas foi descrita para a população estudada como um todo e, para cada faixa etária. Da mesma forma,foi comparada a presença dos sintomas e patologias relatadas com o resultado da pHmetria ( pHmetria positiva ou negativa) em cada faixa etária.

Para comparar a presença das queixas clínicas e sintomas nas diversas faixas etárias, foi utilizado o teste de Qui-quadrado, adotando uma significância de 5% (p<0,05).

Para comparar a presença das queixas clínicas e sintomas entre crianças com pHmetria positiva com as com pHmetria negativa, também foi utilizado o teste de Qui-quadrado, adotando significância de 5% (p<0,05).


RESULTADOS

Foram analisados 143 prontuários de crianças que realizaram pHmetria de 24 horas para investigação de DRGE no período de 1994 à 2007 pelo serviço de Gastroenterologia pediátrica; porém, apenas 65 obedeciam aos critérios de inclusão e exclusão. Das 65 crianças incluídas, 37 eram do sexo masculino; 36 (55%) crianças pertenciam ao grupo I, com idade até dois anos. Somente cinco crianças com idade maior que seis anos (7,7%) foram encaminhadas para pHmetria para investigação de DRGE (Grupo III). A pHmetria foi considerada positiva em 23 (35,4%) crianças, sendo 12 (33,3%) do Grupo I, dez (41%) do Grupo II e apenas uma (20%) do Grupo III. A distribuição quanto a positividade da pHmetria para cada grupo está representada na Tabela 1.




Os sintomas mais prevalentes nas crianças eram os broncopulmonares, encontrados em 89,2%; observou-se prevalência de sintomas nasossinusais (72,3%), de sintomas otológicos (46,1%) e de infecções de VAS de repetição (44,6%). Quando comparada a presença de cada grupo de sintomas com o resultado da pHmetria, não foi encontrada diferença significativa entre os sintomas e o resultado da pHmetria nos grupos estudados.

A presença de sintomas broncopulmoneres foi avaliada para cada faixa etária, e observou-se que no Grupo I, de 36 crianças, 33 (91,6%) apresentaram sintomas; no Grupo II, de 24 crianças, 23 (95,8%) tiveram sintomas, mas somente duas crianças (40%) do Grupo III conforme demostrado na Tabela 2. Quando associada à presença de sintomas respiratórios com o resultado da pHmetria, não foi encontrada diferença significativa entre pHmetria positiva ou negativa.




A presença de sintomas otológicos foi avaliada para cada faixa etária, e observou-se que no Grupo I, de 36 crianças, 16 (44,4%), apresentaram sintomas; no grupo II, de 24 crianças, 12 (50,0%) tiveram sintomas, e duas crianças (40%) do Grupo III. Quando associada à presença de sintomas otológicos com o resultado da pHmetria, não foi encontrado diferença significativa entre pHmetria positiva ou negativa. Quando analisada a presença de otites de repetição, associada a um resultado positivo de pHmetria observou-se uma diferença significativa (p<0,05), vide Tabela 3.




A presença de sintomas nasossinusais foi avaliada para cada faixa etária, e observou-se que no Grupo, de 36 crianças, 25 (69,4%) apresentaram sintomas; no grupo II, de 24 crianças, 19 (79,2%) tiveram sintomas, e três crianças (60%) do Grupo III. Quando associada à presença de sintomas nasossinusais com o resultado da pHmetria, não foi encontrada diferença significativa entre pHmetria positiva ou negativa ( tabela 4). A presença de infecções de repetição foi avaliada para cada faixa etária, e observou-se que no Grupo I, de 36 crianças, 13 (36,1%) apresentaram sintomas; no Grupo II, de 24 crianças, 15 (62,5%) tiveram sintomas, e duas crianças (40%) do Grupo III.




DISCUSSÃO

Inicialmente, acreditava-se que para ocorrer manifestações otorrinolaringológicas altas em DRGE seriam necessárias, além de sintomas gastroenterológicos, esofagite de refluxo e hérnia hiatal. Sendo assim, era possível utilizar exames diagnósticos para confirmação de DRGE, mas não era possível confirmar a hipótese de DRGE em pacientes com queixa exclusivamente otorrinolaringológicas. Porém, testes terapêuticos mostravam-se efetivos nesses pacientes17,18. Koufman21 demonstrou, por fim, que a DRGE pode se apresentar em 2 formas clínicas distintas, sendo uma clássica que cursa com esofagite e a segunda, que pode cursar apenas com sintomas altos, sendo considerada atípica, denominada refluxo laringofaríngeo. Tais sintomatologias seriam explicadas pela anatomia e fisiologia do trato digestivo e do trato respiratório.

Em nosso estudo, todas as crianças tinham forte suspeita clínica de DRGE, porém somente 35% apresentou pHmetria positiva, apesar da elevada frequência de sintomas gastroesofágicos. Nestas crianças, caberia o diagnóstico de DRGE atípica. Outro fator relacionado a não permitir o diagnóstico de DRGE pelo exame padrão-ouro, a pHmetria, seria pelo fato desta identificar somente refluxos ácidos e o comprometimento das estruturas extraesofágicas também poderiam ocorrer por refluxo básico, como demonstrado por Koufman21.

Quando avaliado inicialmente o acometimento de crianças de acordo com as faixas etárias, observamos uma maior prevalência de indivíduos envolvidos no Grupo I (36), embora apenas 33,33% apresente pHmetria positiva. No Grupo III, observamos um grupo pequeno de crianças, com apenas cinco indivíduos. No entanto, nessa faixa etária uma consideração importante a se fazer, principalmente diante de queixas extraesofágicas do refluxo, é se a incidência realmente diminui com essa idade, ou se a DRGE deixa de ser incluída como um diagnóstico diferencial na avaliação desses pacientes.

As manifestações otorrinolaringológicas da DRGE são atípicas, por não lembrarem inicialmente a doença e, por muitas vezes, não cursarem com sintomas digestivos perceptíveis. Na população pediátrica, a dificuldade diagnóstica se acentua devido às limitações de comunicação das crianças pequenas. Os sintomas de cabeça e pescoço mais frequentemente associados à DRGE com manifestações ORL em adultos são a disfonia, pigarro e sensação de corpo estranho na faringe22. Estes sintomas são evidentemente difíceis de caracterizar na população pediátrica, sendo sintomas mais comuns nesta faixa etária o retardo de crescimento e ganho ponderal, tosse e infecções respiratórias ou otológicas de repetição. Neste estudo, foi possível observar uma maior prevalência de sintomas respiratórios, presentes em 89,2% das crianças, seguidos por sintomas digestivos em 80% e nasossinusais em 72,3% que apresentaram sintomas clínicos de DRGE, sendo que otológicos e infecções não se apresentaram de maneira tão frequente, estando presente em, respectivamente, 46,1% e 44,6% das crianças, conforme demonstrado anteriormente na Tabela 1.

Na população pediátrica, alterações da rinofaringe ocorrem com maior frequência, podendo gerar adenoidites e sinusites de repetição e, por contiguidade, da tuba auditiva, otites médias agudas de repetição ou otite média crônica secretora. Em estudo de Megale et al.18 foram avaliadas 45 crianças de ambos os sexos entre 3 meses e 12 anos, em estudo retrospectivo com diagnóstico clínico de DRGE, comprovado por pHmetria de 24 horas. Destas crianças, 51,11% apresentaram sintomas gastroesofágicos, 40% pneumonias de repetição, 46,67% asma, 64,44% apresentaram tosse crônica, 68,88% obstrução nasal, 55,55% secreção nasal, 46,66% prurido nasal, 35,56% otite média aguda recorrente e 24,44% tonsilites recorrentes18. Sendo que a maioria destes sintomas, conforme pôde ser observado no mesmo estudo, obteve significativa taxa de cura, chegando quase à totalidade, uma vez que o refluxo gastroesofágico tenha sido definitivamente tratado, comprovando, mais uma vez, a estreita relação entre a DRGE e os sintomas extraesofágicos18. Dentro dos sintomas otológicos, a DRGE tem sido associada a otites de repetição5-7, sendo que o nosso estudo mostrou relação estatisticamente significativa entre crianças que apresentaram exame de pHmetria de 24 horas com resultado positivo e episódios recorrentes de otite média aguda.

Resultados similares foram encontrados em nosso estudo. Inicialmente, das 65 crianças encaminhadas à pHmetria, 24 obtiveram resultado compatível com DRGE, correspondendo a 36,9% da amostra inicial. Destas, 58,3% apresentaram tosse, 79,1% apresentaram broncopneumonia de repetição, 16,7% apresentaram asma, 8,3% apneia, 83,3% cursaram com sintomas digestivos, 45,8% com rinossinusites, 25% com prurido nasal, 58,3% apresentaram obstrução nasal, 41,6% apresentaram tonsilites e 12,5% apresentaram faringites.

Nosso estudo tem limitações principalmente por ser baseado, retrospectivamente, em relatos e registros de prontuários de crianças acompanhadas pela especialidade de gastroenterologia infantil, sem o foco em afecções otorrinolaringológicas, não podendo, portanto, generalizar os resultados para todas as crianças acompanhadas no ambulatório de otorrinolaringologia.

As manifestações típicas do refluxo incluem regurgitação e vômito e podem ocorrer, além do período noturno, como já citado, no período pós prandial. Segundo Karkos9, em revisão publicada, 50% das crianças normais chegam a apresentar regurgitações com resolução espontânea até o segundo ano de vida. Quando não autolimitado e realmente patológico, o refluxo gastroesofágico comporta-se de maneira muito semelhante entre crianças e adultos9. Em nosso estudo, as queixas digestivas foram encontradas em 80% das crianças estudadas, sendo presente em todas as crianças acima de seis anos. Talvez crianças maiores sejam encaminhadas somente na presença de queixas digestivas, já que os outros grupos de sintomas respiratórios e infecciosos são menos frequentes do que nas outras faixas etárias e os sintomas otológicos e nasossinusais similares a outras faixas etárias.

A falta de significância estatística entre os sintomas extraesofágicos e a Doença do Refluxo Gastroesofágico apresentados no presente estudo, não exclui a importância e a relação desses acometimentos para esses pacientes. A obtenção de dados estatisticamente preditivos positivos quando comparamos otites de repetição e a confirmação de RGE pela pHmetria, porém, já nos sugere que os pacientes podem se beneficiar do tratamento para a DRGE, além da resolução das queixas gastroenterológicas.

Pacientes com refluxo apresentam freqüentemente queixas otorrinolaringológicas, como rouquidão, tosse crônica, globus faríngeo, odinofagia, disfagia, entre outros. Essa sintomatologia extraesofágica é decorrente da microaspiração de ácido para a laringe e faringe, além de ocorrerem bronco e laringoespasmos vagomediados. No entanto, essas manifestações extraesofágicas muitas vezes são subdiagnosticadas ou não relacionadas ao refluxo gastroesofágico por serem de difícil confirmação ou até mesmo assintomáticos em alguns casos.

Nosso estudo chama a atenção para a frequência de afecções otorrinolaringológicas em crianças, à principio, acompanhadas somente por suas queixas gastroenterológicas, principalmente nas de menor faixa etária. É importante que haja uma abordagem multidisciplinar, com profissionais atentos a queixas extraesofágicas, já que as queixas clássicas podem ser mais dificilmente referidas e explicadas pelas crianças e queixas de aparelhos extraesofágicos são comuns em crianças em todas as faixas etárias.


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1. Mestrando do programa de pós-graduação em Bases da Cirurgia da FMB-UNESP, Otorrinolaringologista.
2. Graduanda, Estudante de Medicina.
3. Residente de 3° ano de otorrinolaringologia da FMB-UNESP, Médica Residente.
4. Professora Mestre, Médica da disciplina Gastroenterologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu-Unesp.
5. Professora Doutora em Bases da Cirurgia pela FMB-UNESP, Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu-Unesp.

Projeto realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) de 01 de outubro de 2008 a 30 de setembro de 2009.

Endereço para correspondência:
Victor Santos
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho)
Departamento de oftalmologia, otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço
Distrito de Rubião Júnior S/N

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 7 de abril de 2010. cod. 6990
Artigo aceito em 25 de outubro de 2010.
Bolsa de auxílio concedida pela Fapesp sob o protocolo 08153504-8.

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