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Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 299 a 302

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Radioterapia para câncer glótico inicial e resgate cirúrgico após recorrência

Radiotherapy for early glottic cancer and salvage surgery after recurrence

Autor(es): Paulo Pontes1; Osíris de Oliveira Camponês do Brasil2; Francisco de Souza Amorim Filho3; Bruno Teixeira de Moraes4; Antonio Pontes5; José Caporrino Neto6

Palavras-chave: laringectomia, neoplasias laríngeas, radioterapia, recidiva local de neoplasia, terapia de salvação.

Keywords: laryngectomy, laryngeal neoplasms, radiotherapy, neoplasm recurrence local, salvage therapy.

Resumo:
O câncer glótico inicial pode ser efetivamente tratado com radioterapia ou com cirurgia, contudo a recidiva é uma possibilidade quando utilizada qualquer uma das formas terapêuticas. Objetivo: Avaliar o resultado da radioterapia como tratamento inicial no controle do carcinoma epidermoide de prega vocal (T1) e a eficácia do resgate cirúrgico (endoscópico ou externo) após a falha deste tratamento. Material e Método: Foi realizado estudo retrospectivo a partir da análise de prontuários de 43 pacientes portadores de carcinoma epidermoide da glote com estadiamento T1, submetidos à radioterapia como tratamento inicial e com seguimento mínimo de cinco anos. Resultados: A taxa de recidiva após radioterapia foi de 30,2% dos casos, com intervalo médio de diagnóstico de 29,5 meses. Como opção para tratamento de resgate, os pacientes foram submetidos à laringectomia parcial externa ou endoscópica com taxa de controle de 77,7% e 25%, respectivamente. Conclusão: Nossos casos apresentaram altas taxas de recidiva após radioterapia e a laringectomia parcial externa mostrou-se mais eficaz para o resgate cirúrgico.

Abstract:
Early glottic cancer can be effectively treated with radiation or surgery, but recurrence is a possibility when using any of the treatment modalities. Aim: To assess the outcome of radiotherapy as initial treatment in the control of squamous cell carcinoma of vocal cord (T1) and the effectiveness of salvage surgery (endoscopic or open) after treatment failure. Materials and Methods: A retrospective study was based on the analysis of medical records from 43 patients with T1 squamous cell carcinoma of the glottis, radiotherapy as initial treatment and follow-up period of five years. Results: The rate of recurrence after radiotherapy was 30.2% of the cases, mean diagnosis interval was 29.5 months. As an option for salvage treatment, patients underwent open partial laryngectomy or endoscopic surgery with control rates of 77.7% and 25% respectively. Conclusion: Our cases showed high rates of recurrence after radiotherapy and open partial laryngectomy was more effective for the salvage surgery.

INTRODUÇÃO

A neoplasia maligna da laringe é uma das enfermidades mais frequentes no segmento de cabeça e pescoço, está representada em 90% dos casos pelo carcinoma epidermoide e tem uma relação direta com o consumo de tabaco e álcool na sua gênese.

Acomete com mais frequência a região glótica, aproximadamente 64% dos casos estão alojados neste sítio, e qualquer alteração ou desarranjo epitelial provocado pelo tumor ocasionará modificações no movimento vibratório das pregas vocais, levando à disfonia. Dos tumores glóticos, 56% são diagnosticados em sua fase inicial (T1)1.

O câncer inicial da glote pode ser efetivamente tratado com radioterapia ou com cirurgia (endoscópica ou externa) e proporciona um dos melhores índices de cura das neoplasias malignas do trato aerodigestivo. Na casuística de Davis et al2, foi observada uma taxa de controle local de 93% em pacientes com T1 glótico submetidos à cirurgia e de 67% nos pacientes de mesmo estadiamento submetidos à radioterapia. Entretanto, quando considera-se apenas tumores com estadio T1a, alguns autores demonstraram taxas semelhantes de controle com cordectomia e radioterapia, 84% e 77%, respectivamente.3

A abordagem terapêutica não deve restringir-se apenas à cura oncológica, que é o principal objetivo, mas também procurar preservar as funções de respiração, deglutição e fonação.


OBJETIVO

Avaliar o resultado da radioterapia como tratamento inicial no controle do carcinoma epidermoide de prega vocal (T1) e a eficácia do resgate cirúrgico (endoscópico ou externo) após a falha deste tratamento.


MATERIAL E MÉTODO

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição na qual o projeto é vinculado sob número de inscrição 0353/10.

Nesta casuística, foram analisados retrospectivamente os prontuários de 43 pacientes portadores de carcinoma epidermoide da glote com estadiamento T1 (42 homens e 1 mulher), submetidos à radioterapia como tratamento inicial e com o primeiro atendimento realizado no período de 1990 a 2002.

Todos os pacientes foram estadiados pela classificação TNM-UICC 2002, após laringoscopia indireta, obtidas por telelaringoscopia e/ou nasofibrolaringoscopia (arquivadas em vídeo) e confirmação do diagnóstico de carcinoma epidermoide na biopsia / congelação.

Foram excluídos desta análise os casos já tratados inicialmente em outros serviços, tumores de outro estadiamento clínico e tumores de outra linhagem histológica, que não o carcinoma epidermoide.

A rotina do serviço é apresentar todas as modalidades terapêuticas (radioterapia ou cirurgia) ao paciente portador de carcinoma glótico T1, explicando-se as respectivas vantagens e desvantagens, porém a indicação cirúrgica é colocada como opção preferencial do serviço para abordagem desses casos. O tratamento por irradiação consistiu em radioterapia externa na dose de 6000 a 6800 rad em 30-34 frações e indicado de acordo com dois critérios básicos:

  • Condição clínica imprópria à cirurgia (n=12 / 28%)
  • Desejo do paciente (n=31 / 72%)


  • Para análise dos resultados obtidos pela radioterapia, os pacientes foram agrupados segundo a localização do tumor primário nas pregas vocais em:

  • Grupo A - T1a: Tumor sem comprometer a comissura anterior (n=22).
  • Grupo B - T1b: Tumor comprometendo comissura anterior sem ou com invasão do terço anterior da prega contralateral (n=21).


  • Todos os pacientes, após a radioterapia, foram acompanhados por um período de cinco anos ou mais, sendo que nos primeiros seis meses o retorno ambulatorial era mensal. No controle clínico, era realizado novamente laringoscopia indireta, com o objetivo de identificar precocemente qualquer lesão suspeita. A partir do diagnóstico de recidiva tumoral, o caso era notificado no prontuário e o paciente conduzido ao tratamento de resgate o mais breve possível, cuja primeira opção consistia em laringectomia parcial externa (vertical frontolateral) nos casos com ou sem acometimento da comissura. Os pacientes com estadiamento T1a na recidiva que apresentavam condições clínicas insatisfatórias, eram submetidos à ressecção endoscópica do tumor (cordectomia transmuscular), por ser uma abordagem com menor morbidade que a cirurgia externa.


    RESULTADOS

    Os pacientes submetidos à radioterapia (N=43) para tratamento do câncer glótico inicial apresentaram recidiva local em 30,2% (N=13) dos casos. Todos que apresentaram recidivas tratavam-se de homens com média de idade de 58,9 anos. A média do intervalo de tempo entre o início do tratamento radioterápico e o diagnóstico de recidiva local foi de 29,5 meses. O tipo histológico mais frequente foi o carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado (76,9%), seguida do bem diferenciado (23,1%).

    Quanto à localização do tumor primário, o tratamento inicial radioterápico apresentou as seguintes recidivas: no Grupo A, no qual a lesão inicial não comprometia a comissura anterior, houve recidiva em 31,8% (n=7) dos casos (Tabela 1); no Grupo B, no qual a lesão inicial invadia a comissura anterior com ou sem comprometimento da prega vocal contralateral, a recidiva foi 28,5% (n=6) dos casos, ligeiramente menor em relação ao grupo anterior, quando realizado o tratamento radioterápico (Tabela 2).






    Diagnosticada a falha do tratamento radioterápico, os pacientes foram novamente estadiados, apresentando-se semelhantes ao estadiamento prévio à radioterapia com ausência de metástase loco-regional. Quatro pacientes foram encaminhados ao resgate cirúrgico via endoscópica (cordectomia transmuscular), pois apresentavam condição clínica insatisfatória. Nove pacientes foram submetidos à cirurgia via externa (laringectomia vertical frontolateral) sem esvaziamento cervical (Tabela 3).




    Dos casos recidivados tratados por via endoscópica (n=4), houve o benefício da cura em apenas um caso. Os demais (n=3) foram encaminhados, em um segundo momento, à laringectomia total, em virtude de uma nova recidiva. Neste grupo houve a morte por câncer em um caso.

    Nos casos em que a opção terapêutica para o tratamento das recidivas foi a via externa a porcentagem de cura foi maior, sendo os pacientes beneficiados com a laringectomia parcial em 77,7% (n=7). Em 22,2% (n=2) dos pacientes houve nova falha terapêutica e foram encaminhados para laringectomia total. Neste grupo também houve a morte por câncer em um caso.


    DISCUSSÃO

    O tratamento do câncer de laringe sempre deve associar eficiência oncológica e preservação funcional. Tradicionalmente, carcinomas glóticos iniciais (T1) podem ser tratados efetivamente por meio de cirurgia ou radioterapia, com altas taxas de controle local e sobrevivência4,5. Apesar da possibilidade da radioterapia apresentar complicações como edema persistente, estenose glótica ou hipotireoidismo, sua vantagem é que alterações na fonação e deglutição são geralmente menos impactantes do que os procedimentos cirúrgicos6,7. De acordo com Brasil et al8,9, enquanto a radioterapia tende a manter a região glótica como fonte sonora, nos pacientes submetidos a cirurgia esta fonte tende a deslocar-se para a região supraglótica com piora da qualidade vocal, mas com permanência de uma voz aceitável socialmente, principalmente quando há tratamento fonoterápico associado.

    Segundo Bron et al.3, os carcinomas estadiados como T1a apresentam resultados semelhantes de controle local em 5 anos com radioterapia ou cordectomia, 77% e 84% respectivamente. Já nos casos carcinomas T1b, a radioterapia obteve taxa de sucesso menor em relação a cirurgia (laringectomia parcial supracricóide), 66% e 100% respectivamente. Outros trabalhos indicam uma taxa de sucesso da radioterapia em carcinomas laríngeos com estadiamento T1 em torno de 80 a 95%10,11. Nossos resultados com radioterapia para tratamento de tumores T1a e T1b apresentaram índices elevados de recidiva. Por isso, acreditamos ser o tratamento cirúrgico a opção mais satisfatória para controle da doença, principalmente nos casos T1b com suspeita de invasão da comissura anterior.

    Existe uma tendência atual de realizar procedimentos cirúrgicos mais conservadores nos casos de recidivas tumorais pós-radioterapia, ao invés de proceder-se a laringectomia total. Em estudo realizado por Schwaab et al.12, os pacientes com tumores glóticos iniciais(T1a, T1b e T2 com mobilidade preservada de pregas vocais) que apresentaram recidiva à radioterapia foram submetidos à laringectomia total ou parcial (vertical ou subtotal com cricohioidopexia) com controle loco-regional em 5 anos de 77% e 100% respectivamente. Segundo Ganly et al.13, pacientes com recidiva após radioterapia para tumores iniciais, tratados por laringectomia total ou parcial, tiveram taxa de sobrevivência global de 50% e 89% respectivamente, com incidência de complicações semelhantes, demonstrando que pode haver bom controle da doença e preservação de funções laríngeas com cirurgias parciais, quando estas forem viáveis14.

    Dentre as laringectomias parciais, a abordagem endoscópica nos casos de recidiva pós-radioterapia deve ser evitada, tendo em vista o baixo índice de controle da doença loco-regional, além da perda de oportunidade em se realizar cirurgia externa, com preservação parcial da laringe, como demonstrado no presente estudo. Isto explica-se pela dificuldade de se determinar as margens da lesão de forma precisa numa laringe previamente irradiada, associada à limitação de se obter margens amplas.


    CONCLUSÃO

    Em nossos casos, os tumores iniciais de glote (T1) tratados com radioterapia apresentaram elevados índices de recidivas, devendo esta ser uma opção terapêutica, mas evidenciando ao paciente que maiores taxas de cura são obtidas com a cirurgia.

    A laringectomia parcial externa sem esvaziamento cervical constitui uma opção eficaz no tratamento do câncer glótico após falha da radioterapia, em pacientes que persistem com estadiamento T1a ou T1b, apresentando um controle oncológico satisfatório sem a mutilação de uma laringectomia total.


    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Sjögren EV. Epidemiology of head and neck squamous cell carcinoma. In: Baatenburg de Jong RJ, editors Prognosis in head and neck cancer.London: Taylor and Francis; 2006.p.37-70.

    2. Davis RK, Kelly SM, Parkin JL, Stevens MH, Johnson LP. Selective management of early glottic cancer. Laryngoscope. 1990 100(12):1306-9.

    3. Bron LP, Soldati D, Zouhair A, Ozsahin M, Brossard E, Monnier P, et al. Treatment of early stage squamous-cell carcinoma of the glottic larynx: endoscopic surgery or cricohyoidoepiglottopexy versus radiotherapy. Head Neck. 2001;23:823-9.

    4. Harwood AR, Hawkins NV, Keane T, Cummings B, Beale FA, Rider WD, et al.Radiotherapy of early glottic cancer. Laryngoscope. 1980;90:465-70.

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    7. Sjögren EV, Wiggenraad RGJ, Cessie SL, Snijder S, Pomp J, Jong RJB. Outcome of radiotherapy in T1 glottic carcinoma: a population-based study. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2009;266:735-44.

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    9. Brasil OC, Behlau M. Laringectomias parciais verticais: avaliação funcional. Rev Bras Otorrinolaringol. 1999;65:65-76.

    10. Nishimura Y, Nagata Y, Okajima K, Mitsumori M, Hiraoka M, Masunaga S, et al. Radiation therapy for T1, 2 glottic carcinoma: impact of overall treatment time on local control. Radiother Oncol. 1996;40:225-32.

    11. Terhaard CH, Snippe K, Ravasz LA, van der Tweel I, Hordijk GJ. Radiotherapy in T1 laryngeal cancer: prognostic factors for locoregional control and survival, uni- and multivariate analysis. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1991;21:1179-86.

    12. Schwaab G, Mamelle G, Lartigau E, Parise O Jr, Wibault P, Luboinski B. . Surgical salvage treat-ment of T1/T2 glottic carcinoma after failure of radiotherapy. Am J Surg. 1994;168(5):474-5.

    13. Ganly I, Patel SG, Matsuo J, Singh B, Kraus DH, Boyle JO, et al. Results of surgical salvage after failure of definitive radiation therapy for early-stage squamous cell carcinoma of the glottic larynx. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;132:59-66.

    14. Shah JP, Loree TR, Kowalski L. Conservation surgery for radiation failure carcinoma of the glottic larynx. Head Neck. 1990;12:326-31.










    1. Livre-Docente, Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM.
    2. Doutor em Ciências, Professor do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM.
    3. Cirurgião de Cabeça e Pescoço, Doutor em Ciências pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM.
    4. Otorrinolaringologista, Mestrando em Ciências pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM.
    5. Otorrinolaringologista, Mestrando em Ciências pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM.
    6. Doutor em Ciências, Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM.

    Instituto da Laringe (INLAR)

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    Paulo Pontes
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    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 22 de janeiro de 2010. cod. 6890
    Artigo aceito em 8 de dezembro de 2010.

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