Versão Inglês

Ano:  2011  Vol. 77   Ed. 2  - Março - Abril - (10º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 201 a 213

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Avaliação otorrinolaringológica e fonoaudiológica na abordagem da disfagia orofaríngea: proposta de protocolo conjunto

Otolaryngology and Speech Therapy evaluation in the assessment of oropharyngeal dysphagia: a combined protocol proposal

Autor(es): Patrícia Paula Santoro1; Cristina Lemos Barbosa Furia2; Ana Paola Forte3; Elza Maria Lemos4; Roberta Ismael Garcia5; Raquel Aguiar Tavares6; Rui Imamura7

Palavras-chave: avaliação, laringoscopia, transtornos de deglutição.

Keywords: evaluation, deglutition disorders, laryngoscopy.

Resumo:
Disfagia é um sintoma que envolve uma gama de alterações anatômicas e funcionais, que deve ser abordado de maneira multidisciplinar para garantir melhor avaliação e tratamento, prevenindo as complicações potenciais. Objetivo: Utilização do protocolo de avaliação clínica e videoendoscopia da deglutição, realizado em conjunto por otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos, no Ambulatório de Disfagia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica da Instituição. Material e Método: Estudo retrospectivo da utilização do protocolo de anamnese e exame físico otorrinolaringológico e fonoaudiológico, complementados pela videoendoscopia da deglutição. Foram avaliados 1332 pacientes no período de maio de 2001 a dezembro 2008, sendo 726 (54,50%) indivíduos do sexo masculino e 606 (45,50%) do sexo feminino. As idades variaram de 22 dias a 99 anos, com uma média de idade de 59,4 anos. Resultados: Foram identificados 427 (32,08%) pacientes com deglutição normal, 273 (20,48%) com disfagia leve, 224 (16,81%) com disfagia moderada e 373 (27,99%) pacientes com disfagia grave, além de 35 (2,64%) exames inconclusivos. Conclusão: O protocolo de avaliações otorrinolaringológica e fonoaudiológica integrado permitiu uma abordagem minuciosa e complementar do paciente disfágico, em relação a classificações do distúrbio de deglutição, além de auxiliar na abordagem terapêutica.

Abstract:
Dysphagia is a symptom associated with an array of anatomical and functional changes which must be assessed by a multidisciplinary team to guarantee optimal evaluation and treatment, preventing potential complications. Aim: The aim of the present study is to present the combined protocol of clinical and swallowing videoendoscopy carried by ENT doctors and speech therapists in the Dysphagia Group of the ENT Department - University Hospital. Materials and Methods: Retrospective study concerning the use of a protocol made up of patient interview and clinical examination, followed by an objective evaluation with swallowing videoendoscopy. The exam was performed in 1,332 patients from May 2001 to December 2008. There were 726 (54.50%) males and 606 (45.50%) females, between 22 days and 99 years old. Results: We found: 427 (32.08%) cases of normal swallowing, 273 (20.48%) mild dysphagia, 224 (16.81%) moderate dysphagia, 373 (27.99%) severe dysphagia and 35 (2.64%) inconclusive exams. Conclusion: The combined protocol (Otolaryngology and Speech Therapy), is a good way to approach the dysphagic patient, helping to achieve early and safe deglutition diagnosis as far as disorder severity and treatment are concerned.

INTRODUÇÃO

A disfagia decorre do comprometimento de qualquer uma das fases da deglutição (preparatória, oral, faríngea e/ou esofágica). O desequilíbrio da deglutição pode gerar graves complicações pulmonares, desnutrição e desidratação, processos relacionados com altos índices de morbidade e mortalidade1.

Muitos estudos vêm sendo realizados com o intuito de estabelecer ações preventivas, visando minimizar essas complicações. Para isso, é muito importante a avaliação detalhada da deglutição, composta pela avaliação clínica e complementada com exames objetivos de propedêutica armada, como a videoendoscopia da deglutição (VED)2,3. Quando essas avaliações são realizadas por uma equipe multiprofissional integrada, o diagnóstico é mais preciso e o paciente beneficiado.

A anamnese dirigida para os distúrbios da deglutição tem por objetivo esclarecer aspectos etiológicos, clínicos gerais e o desempenho do paciente durante a alimentação. Assim, a coleta desses dados permite ao avaliador levantar hipóteses para obtenção de um possível diagnóstico etiológico, ter conhecimento sobre a presença de afecções associadas, a integridade dos aspectos cognitivos, os distúrbios broncopulmonares e o estado clínico geral do paciente.

O exame clínico visa facilitar a compreensão da dinâmica da deglutição, e é composto por procedimentos específicos de avaliação das estruturas anatômicas envolvidas e do funcionamento de suas fases4. Inicia-se verificando aspectos de postura, tônus, mobilidade e sensibilidade das estruturas que participam do processo da deglutição, sendo esta considerada uma avaliação indireta, uma vez que não há oferta de alimento. Em seguida, realiza-se uma avaliação com oferta de bolos alimentares em diferentes quantidades e consistências, que busca analisar a dinâmica da deglutição, inter-relacionando suas diferentes fases5.

Preconiza-se a complementação da avaliação clínica com métodos objetivos. Em nosso serviço, realiza-se de rotina a VED, que permite detectar possíveis alterações anatômicas e/ou funcionais das estruturas envolvidas no processo de deglutição. Avalia, também, a eficácia da deglutição e a integridade dos mecanismos de proteção das vias aéreas, ao simular uma refeição com oferta de alimentos de diferentes consistências e quantidades, mantendo-se uma visão direta pelo aparelho de fibronasofaringolaringoscopia3,6,7. Configura-se um bom exame rastreador do mecanismo de deglutição, envolvendo uma tecnologia simples, barata e prática. Nos últimos anos a VED se tornou uma técnica validada para avaliação da fase faríngea da deglutição, evidenciando sensibilidade e especificidade equivalentes ao tradicional Videodeglutograma, em muitas de suas variáveis8.

Estudos evidenciam que a avaliação clínica fonoaudiológica mostrou-se sensível para detectar e classificar alterações das fases preparatória, oral e faríngea. Esses dados, somados aos da análise pela VED, permitem a avaliação objetiva da fase faríngea da deglutição e, consequentemente, um diagnóstico mais completo e preciso9.

O objetivo do presente trabalho é apresentar o protocolo de avaliação clínica e de VED, realizado em conjunto por otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos, no Ambulatório de Disfagia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica da Instituição.


CASUÍSTICA E MÉTODOS

O presente protocolo de estudo foi aprovado com registro n. 412/02 pela Comissão de Ética para Análise de Projeto de Pesquisa - CAPPesq, da Instituição. Todos os participantes do protocolo de estudo foram previamente esclarecidos pelo pesquisador responsável, em linguagem acessível e respeitando-se todas as orientações da referida comissão, aceitando espontaneamente participar da pesquisa.

Foram realizadas no período de maio de 2001 a dezembro de 2008, 1332 avaliações utilizando-se o Protocolo Conjunto de Avaliação da Deglutição.

O protocolo foi composto pela identificação do paciente, anamnese, exames otorrinolaringológico e fonoaudiológico integrados, e avaliação objetiva pela VED.

Anamnese

Na entrevista inicial, foram obtidas informações sobre: diagnóstico das afecções de base, principais queixas, histórico e evolução do quadro, tratamentos e exames realizados, condições de saúde geral, queixas específicas quanto à deglutição (fases oral, faríngea e esofágica), condições de alimentação (consistência, postura, utensílios e intercorrências), via de alimentação (oral ou alternativa), características vocais, além de questões relacionadas ao estado nutricional e a pneumonias de repetição.

Avaliação Clínica - Subjetiva e Objetiva

Em ambas as avaliações realizadas (subjetiva e objetiva), o procedimento de preparo das consistências, postura do paciente e oferta da dieta para avaliação da deglutição foi semelhante. A única diferença entre os procedimentos foi o uso de corante (anilina comestível de cor azul) na avaliação videoendoscópica.

Preparo das consistências

Foram utilizados bolos alimentares corados com anilina azul (corante comestível) nas consistências de líquido, líquido engrossado, pastoso e sólido. A consistência de líquido correspondeu ao oferecimento de água filtrada, à temperatura ambiente. Para se atingir as consistências de líquido engrossado e pastoso foi utilizado o espessante alimentar à base de amido, adicionado a água filtrada em temperatura ambiente, respeitando-se a padronização de consistências do produto Thick-easy (Fresenius-Kabi): Líquido engrossado: 4,5g do espessante para 100mL de água; Pastoso: 9,0g do espessante para 100mL de água. A consistência de sólido foi obtida com o oferecimento de biscoito "água e sal" (Figuras 1A e 1B).


Figura 1a. Preparo da consistência de líquido engrossado, obtida com a utilização do espessante alimentar.


Figura 1b. Preparo da consistência pastosa, obtida com a utilização do espessante alimentar.



Posicionamento do paciente

Para a realização das avaliações, o paciente foi orientado a permanecer em posição sentada, com controle do segmento cefálico em posição de leve ventroflexão, simulando sua posição durante uma refeição normal (Figura 2). Quanto aos pacientes acamados, as avaliações foram realizadas com o decúbito o mais elevado possível, tentando se aproximar de 90°.


Figura 2. Posicionamento do paciente para a realização da Videoendoscopia da Deglutição. Paciente sentado, com controle da região cervical em leve ventroflexão.



Oferecimento dos bolos alimentares

Os bolos alimentares foram oferecidos aos indivíduos conforme a sequência:

  • Líquidos (3mL, 5mL, 10mL e goles livres);

  • Líquidos engrossados (3mL, 5mL, 10mL e goles livres);

  • Pastosos (3mL, 5mL e 10mL);

  • Sólidos (¼ de biscoito "água e sal", correspondendo a 3,6cm3 de sólido).


  • Bolos alimentares líquidos, líquidos engrossados e pastosos foram oferecidos em seringa graduada, com a amostra colocada diretamente na cavidade oral do paciente. O sólido foi oferecido em pedaço de tamanho padronizado. Ao final da avaliação, quando possível, foram oferecidos goles livres de líquido e líquido engrossado.

    A sequência da consistência e da quantidade de alimento oferecido variou de acordo com os dados obtidos na anamnese e no decorrer da avaliação clínica, para não expor o paciente a risco desnecessário de aspiração.

    Avaliação Clínica Subjetiva

    A avaliação clínica da deglutição foi realizada pelo fonoaudiólogo, e composta por duas etapas distintas: avaliação indireta (sem oferta de alimento) e avaliação direta (com oferta de alimento).

    Na primeira etapa, realizou-se exame por meio de perguntas objetivas, observação, toque e solicitação de movimentos ao paciente, a fim de se verificar os seguintes aspectos:

  • Estado geral do paciente (motor, cognitivo e comunicação);

  • Respiração: tipo e modo;

  • Órgãos fonoarticulatórios (tônus, postura e mobilidade de língua, lábios, bochechas, mandíbula e palato mole; condições dentárias; sensibilidades táteis, térmicas e gustativas das regiões facial, intraoral e faríngea; aspecto do palato duro; qualidade vocal);

  • orais (vômito e tosse);

  • Deglutição de saliva (automática, voluntária, sialorreia, xerostomia, engasgos, tosses, alteração de qualidade vocal - voz molhada).


  • A avaliação clínica com dieta foi realizada oferecendo-se alimento ao paciente, nas quantidades e consistências apresentadas anteriormente. Foram avaliados, por meio de observação e toque, os seguintes aspectos: espontaneidade de abertura de boca, capacidade de vedamento labial, eficiência da mastigação, eficiência da mobilidade de língua no preparo do bolo alimentar, ocorrência do disparo do reflexo de deglutição com o início da fase faríngea, presença e eficiência da elevação laríngea, presença de pigarro, engasgos ou tosse, antes, durante ou após a deglutição, presença de resíduo em cavidade oral.

    Avaliação Clínica Objetiva (VED)

    Foi realizada pelo otorrinolaringologista a avaliação estrutural da anatomia faringo-laríngea e funcional da deglutição, utilizando-se o aparelho de fibronasofaringolaringoscopia, exame denominado VED. O exame contou com o acompanhamento fonoaudiológico para sua realização.

    Todos os exames foram gravados em mídia de DVD, permitindo revisões e digitalizações das imagens obtidas. Foi utilizado um equipamento videoendoscópico convencional composto por:

  • Aparelho televisor SEMP®, 10 polegadas, colorido, modelo TV 1022FAVU11;

  • DVD vídeo recorder Panasonic® DMR - E55

  • Microcâmera Toshiba® A43, acoplada a um adaptador para endoscópio Machida®, modelo CA - 34VS2;

  • Fibronasofaringolaringoscópio flexível Machida® 3,2mm;

  • Fonte metal hilide Welch Allyn®


  • O aparelho de fibronasofaringolaringoscopia foi introduzido pela fossa nasal mais ampla do indivíduo, sem a utilização de anestesia tópica, para não interferir na sensibilidade faringo-laríngea.

    A rotina de realização do exame de VED seguiu o protocolo descrito por Langmore10:

    Inicialmente, realizou-se uma avaliação da rinofaringe, visão panorâmica faringo-laríngea, e avaliação da sensibilidade faringo-laríngea. Foram observados: fechamento velofaríngeo à fonação e à deglutição, capacidade de clareamento de saliva e secreções, sinais de aspiração de saliva, condições do fechamento glótico e da mobilidade das pregas vocais. Desta forma, o aparelho de fibronasofaringolaringoscopia foi mobilizado amplamente para permitir esta avaliação estrutural detalhada, de forma semelhante à realizada tradicionalmente na prática otorrinolaringológica (Figuras 3A, 3B e Figuras 4A, 4B).


    Figura 3a. Posicionamento do aparelho de fibronasofaringolaringoscopia para a avaliação estrutural de rinofaringe.


    Figura 3b. Visualização das estruturas da rinofaringe e do fechamento velofaríngeo.


    Figura 4a. Posicionamento do aparelho de fibronasofaringolaringoscopia para a avaliação minuciosa faringo-laríngea.


    Figura 4b. Visualização das estruturas faringo-laríngeas e do fechamento glótico.



    Posteriormente, foram observadas as capacidades e limitações relacionadas à deglutição, para as quatro consistências de alimentos descritas anteriormente. Esta fase também compreendeu uma visão panorâmica faríngea, laríngea e subglótica ao final da avaliação, atentando-se para a ocorrência de aspiração antes, durante ou após a deglutição. Foram avaliadas as questões referentes aos principais eventos das fases oral e faríngea da deglutição: mobilidade da base da língua, contenção do alimento na cavidade oral, refluxo nasal de alimento, presença de resíduos após a deglutição e o local de ocorrência, penetração laríngea, aspiração laringotraqueal do bolo alimentar e o número de deglutições necessárias para o clareamento completo do bolo alimentar. Também foram avaliadas manobras posturais e de proteção de via aérea (queixo para baixo, cabeça para trás, cabeça rodada ou inclinada, além das manobras supraglótica, super-supraglótica, esforço, Mendelson e deglutições múltiplas) testadas durante a avaliação da deglutição para cada caso específico e sua eficácia.

    Para a avaliação funcional da deglutição, o aparelho de fibronasofaringolaringoscopia foi posicionado mais superiormente na faringe, posteriormente à úvula. Considerando-se que, no momento exato da deglutição, a laringe se eleva e se anterioriza, buscou-se evitar o toque do aparelho nas estruturas faringo-laríngeas, que poderia desencadear o reflexo nauseoso, com consequente comprometimento da dinâmica da deglutição (Figuras 5A e 5B).


    Figura 5a. Posicionamento do aparelho para a avaliação funcional da deglutição.


    Figura 5b. Visualização panorâmica das estruturas faringo-laríngeas para a avaliação funcional da deglutição.



    Ao ocorrer a contração das paredes faríngeas sobre o aparelho de fibronasofaringolaringoscopia, observou-se um bloqueio à passagem da luz, com reflexão da mesma e, consequentemente, o impedimento da visualização direta dos eventos da deglutição, denominado 'fase de clarão' (white-out) (Figuras 6A e 6B).


    Figura 6a. A Fase de Clarão ("White out"): bloqueio da passagem do feixe de luz devido à contração faríngea.


    Figura 6b. Visualização endoscópica da Fase de Clarão ("White out").



    Por fim, as observações feitas durante as duas etapas da VED permitiram a classificação endoscópica da disfagia orofaríngea.

    Parâmetros qualitativos observados

    Avaliação estrutural (sem oferta alimentar) pela VED: fechamento velofaríngeo, estase salivar em valéculas e recessos piriformes, sinais de aspiração de saliva, redução da sensibilidade faringo-laríngea, alteração do fechamento glótico e/ou da movimentação das pregas vocais, sinais faríngeos e laríngeos sugestivos de lesão por refluxo gastroesofágico.

    Avaliação funcional (com oferta alimentar) pela VED: Fase oral da deglutição: alteração da mobilidade da base da língua e escape precoce do bolo alimentar.

    Fase faríngea da deglutição: refluxo nasal, resíduos pós-deglutição, penetração laríngea, aspiração laringotraqueal, reflexo de tosse.

    Teste de manobras posturais e de proteção de via aérea.

    Parâmetros quantitativos observados

    Número de deglutições: espontâneas, solicitadas e o total de deglutições para o clareamento completo do bolo alimentar.

    Classificação clínico-endoscópica da disfagia

    Classificação clínico-endoscópica da disfagia11: foi realizada levando-se em consideração todas as variáveis obtidas nas etapas anteriores do exame:

  • Deglutição Normal (grau 0): contenção oral normal, reflexos presentes, ausência de estase salivar, alimentar e aspiração, menos de três tentativas de propulsão para clareamento do bolo.

  • Disfagia Leve (grau 1): estase pós-deglutição pequena, menos de três tentativas de propulsão para clareamento do bolo, ausência de regurgitação nasal e penetração laríngea;

  • Disfagia Moderada (grau 2): estase salivar moderada, maior estase pós-deglutição, mais de três tentativas de propulsão do bolo, regurgitação nasal, redução da sensibilidade laríngea com penetração em vestíbulo laríngeo, porém sem aspiração laringotraqueal;

  • Disfagia Grave (grau 3): grande estase salivar, piora acentuada de resíduos pós-deglutição, propulsão débil ou ausente, regurgitação nasal, aspiração traqueal.



  • RESULTADOS

    Foram realizadas, no período de maio de 2001 a dezembro de 2008, 1332 avaliações por meio do Protocolo Conjunto de Avaliação da Deglutição, sendo 726 (54,50%) indivíduos do sexo masculino e 606 (45,50%) do sexo feminino. As idades variaram de 22 dias a 99 anos, com uma média de idade de 59,4 anos. Foram identificados 427 (32,08%) pacientes com deglutição normal, 273 (20,48%) com disfagia leve, 224 (16,81%) com disfagia moderada e 373 (27,99%) pacientes com disfagia grave. Em 35 (2,64%) pacientes não foi possível e/ou conclusível a realização da VED, sendo os principais motivos que inviabilizaram a realização do exame: não visualização da região glótica (Tu, laringomalácia...), hiper-reflexia / náusea / vômitos, reflexo vaso-vagal, taquidispneia, sonolência (efeito colateral de medicação ou oscilação de estado cognitivo), recusa alimentar, choro intenso, não colaboração.


    DISCUSSÃO

    A disfagia é um sintoma que envolve uma gama de alterações anatômicas e funcionais, que deve ser abordado de maneira multidisciplinar. Várias especialidades da área de Saúde devem trabalhar conjuntamente para garantir a avaliação e o acesso a todos os fatores que envolvem a questão, assim como tomar as condutas necessárias que possibilitem o controle da disfunção, prevenindo as complicações potenciais, como a desnutrição, a desidratação e a pneumonia aspirativa.

    Discorrendo especificamente sobre a disfagia orofaríngea, cabe à equipe multidisciplinar12:

    Certificar-se da presença da disfagia,

    Identificar possíveis etiologias para a disfunção,

    Descartar componentes estruturais (cistos, tumores, paralisias de prega vocais, entre outros),

    Certificar-se da integridade funcional da estruturas anatômicas e funcionais envolvidas na deglutição orofaríngea,

    Avaliar o risco de pneumonia aspirativa.

    Neste contexto, faz-se necessário abordar a importância da avaliação e atuação conjunta otorrinolaringológica e fonoaudiológica, buscando esclarecer dados de anamnese e exame físico, atentando para as comorbidades e alteração das estruturas anatômicas e pares cranianos envolvidos no processo de deglutição. Realizar a avaliação clínica específica, por meio da observação geral do paciente, da investigação da funcionalidade dos órgãos fonoarticulatórios e do acompanhamento do momento de alimentação do paciente, quando possível, avaliando condições posturais, manejo dos utensílios, dificuldades em relação às consistências e quantidades, assim como identificar manobras facilitadoras do processo de deglutição13. Complementar a avaliação com dados de propedêutica armada, com a realização da VED, fazendo uma avaliação objetiva de alterações estruturais e funcionais relacionadas. Propor condutas clínicas e/ou cirúrgicas que visem auxiliar o processo da deglutição. Conduzir o processo de reabilitação do paciente disfágico, treinando exercícios, manobras protetivas e facilitadoras para a adaptação do mecanismo de deglutição à realidade do indivíduo.

    O exame funcional da deglutição por fibronasofaringolaringoscopia - FEESS® - Fiberoptic Endoscopic Examination of Swallowing Safety, descrito por Langmore et al. (1988)10, configura-se uma modificação no enfoque do exame de fibronasofaringolaringoscopia utilizado há décadas na prática otorrinolaringológica. Este exame permite detectar aspiração e determinar a segurança da alimentação oral, por meio da observação direta da deglutição pela visão nasofibrofaringolaringoscópica.

    Em nosso serviço, optou-se por denominá-lo videoendoscopia da deglutição (VED)11. O exame de VED envolve uma tecnologia barata, prática e eficaz para a avaliação da deglutição, podendo ser realizado em crianças desde os primeiros dias de vida até a idade adulta, e em qualquer ambiente (pacientes à beira do leito, internados em unidades de terapia intensiva, em homecare). Apresenta boa concordância diagnóstica quando comparado a outras metodologias8. Pode ser realizado repetidas vezes, de maneira sequencial, permitindo monitorar a evolução do paciente, retirar a sonda nasoenteral de maneira mais segura e documentada, contraindicar a alimentação via oral ou a própria realização de outros exames para a avaliação da deglutição num primeiro momento, contribuir na prevenção da pneumonia aspirativa3,14,15.

    Os principais aspectos observados durante a avaliação fonoaudiológica funcional são o disparo do reflexo de deglutição, sensação de alimento parado e voz "molhada"/tosse/pigarro. Esses aspectos podem ser correlacionados respectivamente com o reflexo de deglutição (fase de clarão), presença de resíduo faríngeo e penetração/aspiração, principais resultados observados pela VED16-18.

    Optou-se pela padronização da dieta oferecida, permitindo uma uniformidade protocolar que facilitasse o processo de avaliação e permitisse a realização de trabalhos científicos homogêneos19-21.

    Foram enumerados os passos para avaliação anatômica e funcional de fossas nasais, cavidade oral, fechamento velofaríngeo, faringe e laringe, por meio das avaliações complementares, subjetiva e objetiva, conferindo aos examinadores boas informações da integridade estrutural e funcional orofaríngea, assim como da sensibilidade e reflexos de proteção, imprescindíveis para uma deglutição segura22. Foram observadas: obstruções mecânicas, alteração de movimento lingual, alteração do fechamento glótico, estase salivar em cavidade oral, faringe e laringe, aspiração salivar franca ou comprometimento evidente da sensibilidade local, podendo-se optar por interromper a avaliação, sem expor o paciente ao risco de aspiração das amostras de alimentos corados10,22-24.

    Durante a avaliação funcional da deglutição propriamente dita, com o auxílio da VED, foi possível obter maior riqueza de detalhes da fase faríngea da deglutição, que corresponde à fase de intersecção dos tratos aéreos e digestivos, onde é imprescindível a integridade dos mecanismos protetivos das vias aéreas, prevenindo a aspiração. Também foi possível localizar topograficamente o sitio da alteração, o momento da deglutição em que as alterações foram mais evidentes e significantes, a consistência mais difícil de ser deglutida, além de manobras facilitadoras que apresentaram impacto positivo no mecanismo de deglutição para cada caso. Os achados resultantes das avaliações determinaram a segurança e eficácia da deglutição, possibilitando sua classificação.

    A fase oral da deglutição envolve a participação da musculatura lingual, sendo a maior responsável pela propulsão do bolo alimentar em direção à faringe e, consequentemente, chave para a eficácia do disparo do reflexo da deglutição e da fase faríngea como um todo25. Achados mais frequentes de alteração da fase oral estão relacionados à função inadequada da língua, hesitação lingual, diminuição de sua mobilidade, falta de elementos dentários, próteses mal adaptadas, alteração do vedamento labial26. São consideradas importantes as questões relacionadas à redução da sensibilidade oral, interferindo na fase oral como um todo27. Dados de literatura consideram que o comprometimento da propulsão lingual pode estar relacionado com a ocorrência de escape precoce, alteração de mobilidade de base de língua e resíduos pós-deglutição28. Sabe-se que o exame de VED não avalia a fase oral da deglutição de maneira minuciosa, podendo-se obter informações indiretamente, pela observação do escape precoce e da alteração da mobilidade de base de língua. Nesta fase é a avaliação clínica que irá fornecer as informações sobre o controle voluntário relacionado com a movimentação lingual, o preparo do bolo alimentar na cavidade oral e o transporte para a faringe, permitindo efetivamente avaliar a integridade da fase oral.

    A fase faríngea da deglutição envolve uma integração complexa de modalidades neuromusculares e sensoriais. A grande indicação da VED diz respeito à avaliação minuciosa desta fase, que contém os principais mecanismos de proteção das vias aéreas, confirmando a ocorrência de penetração ou aspiração silente, em indivíduos que não apresentaram sinais ou sintomas clínicos29,30.

    O estudo das disfunções da deglutição necessita de uma atuação multidisciplinar, sendo que, neste contexto, salientamos o trabalho conjunto de otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos. A importância de se aplicar um protocolo é ter parâmetros bem estabelecidos para se propor uma classificação para o grau de disfagia, auxiliar na comunicação entre os profissionais, avaliar a melhor terapêutica para cada caso, além de observar de maneira objetiva a evolução do paciente.


    CONCLUSÕES

    As avaliações otorrinolaringológica e fonoaudiológica integradas no contexto da disfagia sob forma de protocolo conjunto permitem uma abordagem minuciosa e complementar do paciente disfágico, em relação ao diagnóstico etiológico, definição de conduta e seguimento do paciente. A avaliação clínica se mostrou um bom rastreador das alterações da deglutição, enquanto que o exame de VED permitiu um refinamento diagnóstico objetivo, auxiliando no entendimento do processo fisiopatológico e na condução terapêutica do paciente disfágico.


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    1. Doutora em Medicina pela FMUSP, Médica assistente ORL - HCFMUSP. Médica responsável pelo Ambulatório de Disfagia - ORL - HCFMUSP
    2. Doutora em Ciências - Oncologia pela FMUSP, Supervisora da Especialização em Disfagia no HCFMUSP pelo Depto. de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da FMUSP. Coordenadora do Programa de Atendimento do Paciente Disfágico - Prefeitura do Município de São Paulo Secretaria Saúde - Região Sudeste
    3. Mestre em Ciências pela FMUSP, Fonoaudióloga colaboradora do Ambulatório de Disfagia - ORL - HCFMUSP
    4. Doutoranda em Medicina pela FMUSP, Médica Colaboradora do Ambulatório de Disfagia - ORL - HCFMUSP
    5. Doutoranda em Medicina pela FMUSP, Médica Colaboradora do Ambulatório de Disfagia - ORL - HCFMUSP
    6. Doutora em Medicina pela FMUSP, Médica Colaboradora do Ambulatório de Disfagia - ORL - HCFMUSP
    7. Doutor em Medicina pela FMUSP, Médico Assistente ORL - HCFMUSP. Chefe do Grupo de Bucofaringolaringologia - ORL - HCFMUSP

    Endereço para correspondência:
    Patrícia Paula Santoro
    Av. Dr. Arnaldo 1927 Sumaré
    01255-000 São Paulo SP
    E-mail: psantoro@interotos.com.br

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 19 de abril de 2010. cod. 7014
    Artigo aceito em 2 de agosto de 2010.


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