Ano: 2011 Vol. 77 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (8º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 44 a 50
Membrana do biopolímero da cana-de-açúcar: avaliação experimental na orelha média
Sugarcane biopolymer membrane: experimental evaluation in the middle ear
Autor(es): Débora Lopes Bunzen Mayer1; Juliana Gusmão de Araújo2; Mariana de Carvalho Leal3; Silvio da Silva Caldas Neto4; Rafael Figueiredo Ataíde5; Roberto José Vieria de Mello6
Palavras-chave: implantes absorvíveis, inflamação, materiais biocompatíveis, orelha média, timpanoplastia.
Keywords: absorbable implants, inflammation, ear, middle, biocompatible materials, tympanoplasty.
Resumo:
O desenvolvimento dos biomateriais é importante na cirurgia. O comportamento de uma nova membrana derivada da cana-de-açúcar será avaliado na orelha média do rato. Objetivos: Analisar a interação da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar na mucosa da orelha do rato. Material e Método: Estudo experimental, prospectivo e pareado com 24 ratos Wistar. A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar foi inoculada na orelha média direita e a fáscia autóloga na orelha esquerda. Os ratos foram subdivididos em 3 grupos de 8 e sacrificados com 4, 8 e 12 semanas após a cirurgia. Foi realizada uma análise histológica da mucosa da orelha média e da membrana timpânica. Resultados: Houve reação inflamatória no grupo experimental com exsudato subagudo em 50% dos casos e 30% exsudato crônico; 20% estava normal. A inflamação foi intensa inicialmente, mas diminuiu no decorrer do tempo. No grupo controle houve apenas um caso de exsudato. Miringoesclerose na membrana timpânica foi observada em ambos os grupos. A biomembrana foi absorvida tardiamente em comparação com a fáscia. Conclusões: A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar causou reação inflamatória na orelha média, com regressão no tempo tardio do experimento e fibrose leve. Futuros estudos podem direcionar seu uso na otorrinolaringologia.
Abstract:
New developments on biomaterials are important in surgery. The behavior of a new membrane produced from sugarcane will be evaluated in the middle ear of rats. Aim: This study analyzed the results from the interaction of the sugarcane-base biopolymer membrane in the middle ear of a rat. Materials and Methods: We ran an experimental, prospective, paired study with 24 Wistar rats. The sugarcane-base polymer membrane was inoculated in the right ear; and an autologous fascia in the left ear. The rats were divided in 3 groups of 8, and slaughtered at 4, 8 and 12 weeks after surgery. Histological analyses were performed on the rats' middle ear mucosa and their tympanic membranes. Results: There was an inflammatory reaction on the experimental group and middle ear subacute exudate in 50%of the cases; 30% chronic exudate; and 20% was normal. In the control group there was only one case of exudate. The inflammation was initially described as intense, but it decreased over time. Myringosclerosis was observed in both groups. The sugarcane biopolymer membrane was absorbed later when compared with fascia. Conclusion: The sugarcane biopolymer membrane induced an inflammatory reaction in the middle ear which decreased over time, and mild fibrosis. Future studies can indicate its use in otolaryngology.
INTRODUÇÃO
Os materiais utilizados na cirurgia podem ser classificados em biológicos e sintéticos, segundo a sua origem orgânica ou não1. O material biológico pode ser autólogo, quando obtido do próprio indivíduo; homólogo, quando obtido de outros indivíduos da mesma espécie ou heterólogo, tecido de outra espécie animal2.As principais cirurgias em otologia que necessitam de biomateriais são aquelas para reparo da perfuração da membrana timpânica (MT) e para reconstrução da cadeia ossicular.
Os materiais autólogos utilizados para enxerto são gordura, pericôndrio, cartilagem, dura-máter, periósteo do osso temporal e fáscia2-4. A fáscia do músculo temporal é um dos enxertos autólogos mais utilizados5. Um fator limitante no uso de materiais autólogos é a dificuldade de serem usados em cirurgias revisionais2.
Deste modo, outros materiais estão sendo estudados para serem utilizados como enxerto, como materiais de suporte ou como adjuvantes na cicatrização da ferida operatória na cirurgia da orelha média. Os materiais biocompatíveis utilizados para substituir os tecidos humanos ou para ajudar na cicatrização de feridas provocam algum grau de inflamação. Essa inflamação, contudo, não deve ser de grande intensidade, mas suficiente apenas para provocar a reparação tecidual.
O Epidisc® e o Epifilm® são membranas confeccionadas a partir de um éster do ácido hialurônico, mas com resultados insatisfatórios quando usadas como enxerto na timpanoplastia6. Membranas confeccionadas da proteína da seda, da matriz tecidual da bexiga, e do intestino do porco estão entre as novas propostas7-9. Substâncias desenvolvidas através da biologia molecular, como os fatores de crescimento presentes na fase inflamatória da cicatrização da MT, também estão sendo testados10,11.
Dentro deste contexto de novos biomateriais surge o biopolímero. Um polímero é uma macromolécula composta de vários monômeros. Os polímeros derivados de óleos vegetais, como o látex, já estão sendo testados em seres humanos. Na cirurgia otológica, uma membrana do látex da seringueira foi utilizada para forrar a neocavidade cirúrgica na timpanomastoidectomia com cavidade aberta e promoveu cicatrização precoce da ferida12.
O biopolímero da cana-de-açúcar é composto de vários exopolissacarídeos, sendo 87,6% de glicose. Os polissacarídeos são sintetizados e excretados pela Zoogloea sp., quando esta bactéria permanece em um meio rico em melaço da cana-de-açúcar13.
O biopolímero in natura, com açúcares residuais, foi utilizado como curativos no tratamento de feridas acidentais em cães. Os curativos promoveram: aumento do tecido de granulação, controle da infecção e diminuição do tempo de cicatrização14. Posteriormente este biopolímero foi purificado e tratado, resultando em um tecido homogêneo, estável, com baixa toxicidade e com características físicas e químicas que atendem às especificidades morfofuncionais de diferentes tecidos15.
O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. A possibilidade de um novo material biocompatível, capaz de ser utilizado na cirurgia otológica, produzido a partir de uma matéria-prima abundante em nosso país motivou esta pesquisa.
MATERIAL E MÉTODOS
Vinte e quatro ratos albinos (Rattus norvegicus albinus), machos, da linhagem Wistar, pesando de 335 a 440g (média de 392g), com cerca de quatro meses de idade. O desenho do estudo foi experimental, prospectivo e pareado. Como critério de exclusão foi considerado qualquer alteração na orelha média ou alteração na MT (perfuração ou miringoesclerose).
Nas orelhas do grupo experimental (lado direito), a MT foi perfurada na sua parte tensa com introdução de uma fita da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar de 3mm de comprimento e 1mm de espessura. Nas orelhas do grupo controle (lado esquerdo contralateral), foi introduzida a fáscia abdominal autóloga com as mesmas dimensões da membrana do biopolímero e da mesma forma que descrito no grupo experimental.
Os ratos foram subdivididos, aleatoriamente, em três grupos, com oito animais em cada grupo: grupo t1 (sacrifício após 4 semanas da cirurgia), grupo t2 (sacrifício após 8 semanas) e grupo t3 (sacrifício após 12 semanas). Após o sacrifício, as bulas timpânicas foram submetidas ao processamento histoquímico com descalcificação e inclusão em parafina. A coloração das lâminas foi feita com Hematoxilina e Eosina (HE). Em algumas lâminas, foi feita, além da HE, a solução Sirius red e Pícrico aquoso pelo método de rotina do Picrosirius Red (PSR).
A histocompatibilidade foi avaliada por um patologista experiente, e teve como critérios a intensidade da reação inflamatória provocada e a presença de fibrose do tecido em contato com o material. Foram observados sinais de inflamação e fibrose na mucosa e na MT. A possibilidade de a membrana do biopolímero da cana-de-açúcar ser absorvida na orelha média dos ratos também foi observada.
O tipo de reação inflamatória foi dividido em agudo, subagudo e crônico. O padrão histológico agudo caracteriza-se por exsudação de líquido e proteínas plasmáticas (edema) e a migração de leucócitos, predominantemente neutrófilos. O padrão crônico é caracterizado pela presença de linfócitos, macrófagos, proliferação de vasos sanguíneos, fibrose e necrose tecidual. O tipo subagudo é definido pela reação inflamatória com componentes do padrão agudo e crônico simultaneamente.
Alguns critérios semiquantitativos foram adotados. A intensidade do processo inflamatório foi descrita a partir da observação da celularidade no exsudato, da extensão do processo pela cavidade da bula timpânica e pela presença de necrose celular. A intensidade da atividade inflamatória foi assim classificada: nula - ausência de sinais inflamatórios, leve - exsudato com infiltração celular em pequena quantidade, reação envolvendo até 1/3 da luz da bula, ausência de necrose; moderada - exsudato com infiltração celular em quantidade moderada, reação envolvendo entre 1/3 e 2/3 da luz da bula, presença de pouca necrose; intensa - exsudato com infiltração celular em grande quantidade, reação envolvendo mais que 2/3 da luz da bula, necrose celular intensa.
A fibrose caracterizou-se pela presença de fibroblastos e deposição de colágeno na matriz extracelular. A fim de confirmar a presença da fibrose, em algumas lâminas selecionadas pelo patologista, além da coloração HE, também foi utilizada a coloração PSR. A fibrose subepitelial da bula foi classificada em leve, moderada e intensa.
Na avaliação do grau de absorção do material na bula timpânica foi considerado: nulo- presença do material sem sinais de absorção; absorção leve- fragmentação periférica com infiltração celular do material; absorção moderada- fragmentação central com infiltrado celular; absorção intensa- total fragmentação do material; absorção completa- ausência do material.
O presente estudo teve aprovação integral do Comitê de Ética em Experimentação Animal do Centro de Ciências Biológicas onde foi realizado o experimento e está registrado sob o protocolo nº 23076.019069/2008-11.
RESULTADOS
Resultados descritivos do grupo controle
O epitélio ciliado da mucosa estava preservado ou apresentava edema leve em 18 casos. No entanto, em duas orelhas no grupo t1 e quatro no grupo t2 encontrou-se um edema subepitelial com características de reação inflamatória inespecífica. Não foi observada fibrose.
A MT encontrava-se histologicamente com padrão normal na maioria das orelhas estudadas ou com espessamento leve da camada intermediária. Sinais de miringoesclerose foram vistos em seis orelhas.
Na luz da bula timpânica foi encontrado um caso com exsudato, no tempo t1, considerado de grau moderado. A fáscia foi encontrada em apenas quatro orelhas, duas em t1 e uma em cada um dos outros tempos (Figura 1).
Figura 1. Grupo controle. Fotomicrografia da fáscia aderida à mucosa da bula timpânica. LB= luz da bula; OT = Osso temporal; seta fina= fáscia. HE(aumento 100x).
Resultados descritos do grupo experimental
Houve sinais de inflamação na bula timpânica, com características de reação subaguda e crônica. Não foi encontrada alteração que indicasse processo inflamatório exclusivamente agudo. Houve exsudato subagudo em aproximadamente 50% dos casos, 30% exsudato crônico e em 20% dos casos não foi encontrada reação (Figuras 2 e 3).
Figura 2. Grupo experimental com 4 semanas - Fotomicrografia do exsudado subagudo de grau moderado ao redor da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar. BP= Biopolímero da cana-de-açúcar. N= necrose celular. HE(aumento de 100x)
Figura 3. Grupo experimental com 12 semanas - Fotomicrografia da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar na bula timpânica sem sinais de reação inflamatória. OT= osso temporal; seta larga= biopolímero da cana-de-açúcar. HE(aumento de 40x).
O processo inflamatório do tipo subagudo foi observado em 11 orelhas (Figura 2). Foram cinco casos em t1 e seis casos em t2. A intensidade da reação subaguda foi descrita como leve em três casos, moderada em cinco e intensa em três casos, segundo os critérios semiquantitativos adotados.
O processo inflamatório crônico foi observado em seis orelhas (três casos em t1, um em t2 e dois em t3). A presença de células gigantes caracterizou essa reação como tipo corpo estranho (Figura 4). A intensidade da reação crônica foi descrita como leve em todos os casos.
Figura 4. Grupo experimental reação crônica - Fotomicrografia de um fragmento da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar sendo englobado por células gigantes tipo corpo estranho. BP= biopolímero da cana-de-açúcar. LB= luz da bula. Seta fina=célula gigante. HE(aumento de 1000x).
O epitélio colunar ciliado estava preservado ou apresentava edema leve em 16 orelhas do grupo experimental. As alterações da mucosa foram localizadas e não se estendiam a todo o espaço aéreo da bula timpânica, no entanto, o ponto em contato direto com o material apresentava maior reatividade (Figura 5).
Figura 5. Grupo experimental com 8 semanas - Fotomicrografia da membrana timpânica espessada na sua porção em contato com a membrana do biopolímero da cana-de-açúcar. Exsudado subagudo moderado circundando o biomaterial. BP= biopolímero da cana-de-açúcar; LB= luz da bula; CAE= canal auditivo externo; seta grossa= reação inflamatória; seta fina=martelo. HE(aumento 40x).
A MT permaneceu normal ou com espessamento leve em 13 orelhas. As alterações histológicas observadas foram compatíveis com miringoesclerose de grau variado.
Em relação à atividade fibroblástica, a maioria dos casos foi classificada histologicamente como fibrose leve. Houve um espessamento mais acentuado da mucosa, com deposição de colágeno observado na coloração PSR, em apenas duas orelhas, uma no tempo t1 e outra em t2.
Resultados analíticos
Na Tabela 1 comparam-se os dados da intensidade do exsudato da bula com biopolímero e fáscia, com diferença estatisticamente significante entre eles.
A análise da absorção dos materiais pode ser vista na Tabela 2. Notou-se que a membrana do biopolímero da cana-de-açúcar degradou-se ao longo do tempo, com fragmentação intensa em dois casos de t2 (Figura 6) e três casos de absorção completa em t3.
Figura 6. Sinais de absorção do biomaterial - Fotomicrografia da desorganização estrutural da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar e sua absorção parcial, observada na bula timpânica com 8 semanas. BP= biopolímero da cana-de-açúcar; seta larga= exsudato inflamatório. HE (aumento de 40x)
Na Tabela 3 observamos apenas o grupo experimental e o grau de atividade inflamatória ao longo do tempo. Houve diferença estatística entre os tempos do experimento com diminuição do exsudato em t3.
DISCUSSÃO
A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar foi utilizada na cirurgia otológica, inicialmente, como enxerto livre lateral em chinchilas. Nesta situação houve fechamento da perfuração crônica da MT semelhante ao grupo controle16. No estudo atual, a membrana foi posicionada medial a MT com o intuito de avaliar seu comportamento na mucosa da orelha média. Para isso, comparou-se com a fáscia que é um material autólogo amplamente utilizado em cirurgia otológica. Houve reação inflamatória com presença de exsudato na maioria dos casos do grupo experimental, com diferença estatisticamente significativa com o grupo da fáscia autóloga (Tabela 1).
A bula timpânica do rato é semelhante anatomicamente e histologicamente a orelha média humana17. O estudo das reações dos materiais na mucosa da bula timpânica dos ratos é importante, pois permite prever o comportamento da mucosa da orelha média dos seres humanos frente às diversas substâncias.
Sabe-se que esta mucosa apresenta resposta inflamatória intensa à maioria dos agentes agressores. Um estudo foi feito inoculando-se substâncias inertes, bactérias patogênicas e não-patogênicas na orelha média dos ratos. Os autores não encontraram diferenças importantes na intensidade da resposta inflamatória em relação a cada substância, exceto quando havia uma bactéria viva18. Concluiu-se que independente do tipo de substância em contato com a mucosa da orelha do rato, esta é altamente reativa, existindo a possibilidade de se produzir uma otite média18.
O exsudato visto ao redor da membrana do biopolímero da cana-de-açúcar é compatível com aquele observado em outros materiais semi-sintéticos. Trabalhos que compararam a membrana do biopolímero com e-PTFE e polipropileno evidenciaram reação inflamatória de intensidade semelhante19,20. A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar provocou reação inflamatória mais intensa que a fáscia, um material biológico autólogo. Talvez se tivéssemos comparado o biopolímero com outro biomaterial o resultado seria diferente.
A camada interna da MT está em contiguidade com a mucosa da orelha média e reage aos mesmos estímulos. Miringoesclerose esteve presente em ambos os grupos. Provavelmente, o espessamento da MT foi secundário à perfuração da mesma. Pode-se inserir material na bula timpânica através do acesso retroauricular, com trefinação do osso posteriormente, contudo, escolhemos uma via com menor trauma tecidual e mais rápida tecnicamente. Se houvesse um terceiro grupo submetido apenas à perfuração, mas sem inoculação de material, poderíamos identificar melhor se as alterações da MT seriam resultantes do contato com os materiais ou da manipulação cirúrgica.
A intensidade da inflamação diminuiu com o tempo (ver Tabela 3). A bula timpânica, no final do experimento, recuperou-se da reação inicial, e apresentou-se sem exsudato e com pouca fibrose. Apesar da reação inflamatória moderada/intensa ser encontrada em 33% dos casos, a membrana do biopolímero da cana-de-açúcar aparentemente causou menos fibrose que o relatado nos materiais de suporte tipo Gelfoam®®21,22. Um material de suporte serve de apoio ao enxerto e permanece no local apropriado até a cicatrização do tecido, sem causar fibrose ou aderências na orelha média.
Um estudo sobre um novo material para sling pubovaginal comparou o biopolímero da cana-de-açúcar com o polipropileno e dividiu os animais em dois grupos de 30 e 90 dias19. Como resultado, o autor encontrou reação inflamatória intensa com 30 dias e reação inflamatória mais leve com 90 dias. Tais dados são semelhantes ao presente estudo, onde a partir de 12 semanas (90 dias) foi observada a diminuição da atividade inflamatória.
Na Tabela 2 evidencia-se que a fáscia foi absorvida muito mais facilmente que o biopolímero, sendo esta diferença estatisticamente significante. A fáscia é um tecido vivo, e necessita de nutrição para manter-se. Na luz da bula não encontrou condições ideais para manter-se, possivelmente necrosou e foi absorvida.
A membrana de biopolímero da cana-de-açúcar é um material inerte, e permaneceu íntegro na maioria dos casos. Contudo, foi observada a degradação do mesmo a partir do tempo t2, com sua absorção em três casos no tempo t3. A capacidade de ser absorvida ou substituída no leito cruento foi observada quando da utilização da membrana do biopolímero na substituição da dura-máter em ratos. Nesta situação houve tendência à absorção com sinais de desarranjo da arquitetura original e substituição da mesma por fibrose20.
Uma característica importante nos biomateriais é a sua capacidade de integração com os tecidos vivos. A membrana de látex com polilisina, um tipo de biopolímero, foi utilizado experimentalmente em cães para correção de defeitos esofágicos. A biomembrana promoveu a cicatrização do tecido, com desprendimento espontâneo do leito cruento tão logo houve neoformação completa na extensão coberta por ela23. A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar aparentemente não é expelida, mas absorvida pelos tecidos. Uma possibilidade futura seria avaliar sua integração como enxerto ou como prótese na orelha média.
A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar provocou reação inflamatória na orelha média dos ratos, com intensidade maior que a fáscia autóloga. Outros estudos precisam ser feitos a fim de verificar a possibilidade do seu uso na cirurgia otológica, como enxerto em timpanoplastia, material de suporte, ou mesmo para confecção de prótese para reconstrução ossicular.
CONCLUSÃO
A membrana do biopolímero da cana-de-açúcar provocou reação inflamatória na orelha média dos ratos com remissão no tempo tardio do experimento. A possibilidade do seu futuro uso na cirurgia otológica necessita de mais estudos.
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1. Mestrado, Professora Substituta da Disciplina de ORL da UFPE.
2. Otorrinolaringologista, Residente do 3º ano do serviço de Residência Médica do Hospital das Clínicas da UFPE.
3. Doutorado, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Agamenon Magalhães.
4. Livre-Docente, Chefe da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da UFPE.
5. Acadêmico do curso médico da UFPE.
6. Doutorado, Professor Associado do Serviço de Patologia do Hospital das Clínicas da UFPE.
Programa de Pós-Graduação em Cirurgia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco
Endereço para correspondência:
Rua Comendador Bento Aguiar 166 apto. 306
Madalena Recife PE 50750-390
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 22 de janeiro de 2010. cod. 6888
Artigo aceito em 3 de abril de 2010.