Ano: 2010 Vol. 76 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (3º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 687 a 694
Audiometria de altas frequências em bombeiros militares com audiometria normal expostos ao ruído
High-frequency audiometry in normal hearing military firemen exposed to noise
Autor(es): Rita Leniza Oliveira da Rocha1; Ciríaco Cristóvão Tavares Atherino2; Silvana Maria Monte Coelho Frota3
Palavras-chave: audiometria, audição, militares, perda auditiva de alta frequência, ruído.
Keywords: audiology, hearing, military activities, hearing loss, noise.
Resumo:
O estudo das altas frequências vem demonstrando sua importância para detecção de danos na orelha interna. Em alguns casos, as frequências convencionais não são sensíveis a alterações da orelha interna em seu estágio inicial. Objetivo: Analisar os resultados dos limiares das altas frequências de indivíduos expostos ao ruído com audiometria convencional normal. Material e Método: Foi realizado um estudo de coorte transversal retrospectivo com 47 combatentes do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro alocados no aeroporto Santos Dumont e 33 militares sem exposição ao ruído. Os grupos foram divididos em duas faixas etárias: 30-39 anos e 40-49 anos. Imediatamente após a audiometria tonal e vocal eram testadas as altas frequências. Resultados: Os resultados mais significativos ocorreram na faixa de 40 a 49 anos, onde o grupo experimental apresentou limiar significativamente maior que o grupo controle 14000Hz (p = 0,008) e 16000Hz (p = 0,0001). Conclusões: Concluiu-se que o ruído interferiu nos limiares das altas frequências, onde todas as médias encontradas no grupo experimental foram maiores do que as do grupo controle. Sugeriu-se que esses dados reforçariam a importância da pesquisa das altas frequências, mesmo com a audiometria convencional normal, no diagnóstico precoce da perda auditiva induzida pela exposição ao ruído.
Abstract:
The study of high frequencies has proven its importance for detecting inner ear damage. In some cases, conventional frequencies are not sensitive enough to pick up early changes to the inner ear.
Aim: To analyze the results of threshold high frequency analysis of individuals exposed to noise with normal conventional audiometry. Materials and Methods: This was a retrospective cross-sectional cohort study, in which we studied 47 firefighters of the Fire Department of Rio de Janeiro, based on Santos Dumont airport and 33 military men without noise exposure. They were broken down into two age groups: 30-39years and 40-49years. The high frequencies were studied immediately after conventional audiometry. Results: The results were most significant in the 40 to 49 years of age range, where the experimental group showed significantly higher threshold values than the control group 14000Hz (p = 0.008) and 16,000Hz (p = 0.0001). Conclusions: We concluded that noise interfered with high frequency thresholds, where all the mean values found in the experimental group were higher than those in the control group. We suggest that these data reinforce the importance of studying high frequencies, even with normal conventional audiometry in the early detection of noise-induced hearing loss.
INTRODUÇÃO
Segundo o National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH)1, a Perda Auditiva Induzida por Níveis de Pressão Sonora Elevados (PAINPSE) é a enfermidade profissional irreversível de maior ocorrência em todo o mundo. Atualmente só existe um método legalmente aceito para se diagnosticar a PAINPSE: a avaliação audiológica subjetiva convencional. Este tipo de perda auditiva tem como características principais a irreversibilidade e a progressão gradual com o tempo de exposição ao risco. A sua história natural mostra, inicialmente, o acometimento dos limiares auditivos em uma ou mais frequências da faixa de 3.000 a 6.000 Hz.
As frequências acima de 8.000Hz são classificadas como altas frequências. As frequências mais altas são as primeiras a serem atingidas em algumas afecções otológicas (presbiacusia, efeitos ototóxicos das drogas, sequela de otite média, perda auditiva induzida por ruído, dentre outras (Dieroff et al.2; Dreschler et al.3, Mattews et al.4, Fernandes et al.5, Ferreira et al.6). Uma das principais aplicações clínicas da audiometria de altas frequências seria a detecção precoce dessas afecções antes mesmo do seu aparecimento na audiometria convencional, onde se pode considerar perda auditiva.
O estudo das perdas auditivas em militares não é inovador, visto que esses trabalhadores estão expostos a condições de trabalho insalubres e adversas. Os bombeiros, por exemplo, convivem diariamente com situações de perigo, expondo constantemente suas próprias vidas. No Estado do Rio de Janeiro, além das inúmeras funções conhecidas pela população, os bombeiros também são os responsáveis pela segurança das pistas dos aeroportos de todo o Estado e pelo socorro marítimo da baía de Guanabara. Esta população sofre com a exposição ao ruído e suas consequências.
A introdução da audiometria de altas frequências (AAF) no protocolo das inspeções de saúde para os grupos expostos ao ruído poderia detectar os trabalhadores predispostos a PAINPSE antes mesmo de serem diagnosticadas alterações através do exame audiométrico convencional, já que vários estudos apontam aumento nos limiares das altas frequências em trabalhadores expostos ao ruído5,7-9.
Ao contrário da audiometria convencional onde podemos classificar a perda de leve à profunda, a audiometria de altas frequências não possui padronização dos resultados. Na tentativa de padronizá-los, Pedalini et al.10 estudaram 158 indivíduos com idades entre 4 e 60 anos sem queixas otológicas. As frequências pesquisadas foram 10, 12,5, 14 e 16KHz. A média dos limiares tonais dessas frequências foi em torno de 10 dB NA para os indivíduos até 30 anos, com piora gradativa dos limiares com o aumento de idade.
Em 2001, Fárfan et al.11 analisaram os limiares das altas frequências (8 a 18KHz) de 100 voluntários entre 15 e 49 anos que não apresentavam queixas otológicas e que tinham limiares audiométricos normais (<25 dB NA). Os valores encontrados para limiares normais foram 25dB NA para as frequências de 8 a 17KHz e de 30 dB NA para 18KHz no audiômetro Amplaid 460. Os autores não encontraram diferenças significativas entre as orelhas direita e esquerda.
Apesar de existirem equipamentos que possibilitem o estudo das altas frequências, existe uma variabilidade enorme nos achados decorrente da metodologia empregada, limitações dos equipamentos, faixa etária, características do ambiente, e variabilidade intraindivíduo. Assim, Sahyeb et al.12 realizaram um estudo com 50 indivíduos (24 homens e 26 mulheres) observando essas variáveis. Foram realizadas quatro avaliações da AAF. Dois examinadores foram responsáveis pela execução de dois exames no mesmo dia, a fim de analisar variabilidades intra-indivíduo. No dia seguinte mais dois exames eram realizados. Assim, tentaram controlar variáveis pertinentes às atividades diárias dos indivíduos. Os resultados demonstraram que não existiram diferenças entre a sensibilidade auditiva de homens e mulheres, para sons de alta frequência, assim como entre as orelhas direito e esquerdo. Os resultados encontrados estão no Quadro 1.
Ainda em busca de uma uniformização, Martinho et al.13 realizaram um estudo com 60 indivíduos com o objetivo de traçar um perfil audiológico nas altas frequências em indivíduos entre 30 e 40 anos com audição normal visando determinar padrões de referência e ainda estabelecer os limites inferior e superior para cada frequência em ambos os sexos. O audiômetro utilizado foi o Interacoustics AC-40 e os fones HV/PRO. Os autores observaram declínio de audibilidade conforme o aumento das frequências (Quadro 2).
Recentemente, Sá et al.14 também sugeriram valores de normalidade para as altas frequências em indivíduos entre 18 e 29 anos. Foi utilizado o audiômetro Amplaid 460 para a análise de 51 sujeitos. Eles não encontraram diferenças significativas entre o sexo masculino e feminino.
As diferenças dos limiares, com o avanço da idade, parece não ser tão evidente na audiometria tonal convencional entre pacientes mais jovens. Estudos como o de Baraldi et al.15 sobre a evolução da perda auditiva com a progressão do envelhecimento, baseado na audiometria convencional, encontraram resultados com maiores prejuízos na faixa etária de 80-89 anos. Os autores estudaram indivíduos a partir de 60 anos de idade, onde 32,2% apresentaram audiometria normal e 28%, perda leve. Nesse caso, a audiometria convencional não seria um método de avaliação tão eficaz quanto as altas frequências para pacientes mais jovens.
Embora a literatura venha mostrando diferenças entre jovens e idosos quanto aos limiares para as altas frequências, essas diferenças não são encontradas da mesma forma em relação ao sexo e Orelha. Carvallo et al.16 realizaram um estudo das AAF em 74 indivíduos com idade entre 18 e 30 anos, 26 homens e 48 mulheres, sem alterações de orelha média com limiares audiométricos até 25dB entre 250 e 8.000Hz. O objetivo do estudo foi verificar diferenças entre os sexos e orelhas. Nos resultados não foram encontradas diferenças significativas entre o sexo masculino e feminino, embora tenha existido uma tendência a limiares melhores para o sexo feminino. Em relação às orelhas não foi evidenciada, neste grupo de indivíduos, diferença entre os limiares tonais obtidos nas orelhas direita e esquerda.
As altas frequências também já foram objeto de estudo na otite média secretora6 e em pacientes com queixas de zumbido17. Em ambos os estudos os limiares das altas frequências apresentaram-se como uma alternativa diagnóstica na identificação precoce de perdas auditivas.
Assim, este estudo tem por objetivo principal comparar os limiares para detecção de tom puro de altas frequências em dois grupos de Bombeiros Militares com exames audiométricos convencionais normais (limiares abaixo de 25dBNA), sendo um grupo de indivíduos sem exposição ao ruído e outro com exposição. A hipótese de que alterações dos limiares das altas frequências podem detectar antecipadamente afecções irreversíveis de orelha interna, motivou o estudo de uma população exposta ao ruído e outra sem exposição. Caso os achados do grupo exposto ao ruído com audiometria tonal liminar normal mostrem diferenças significativas nos limiares das altas frequências em relação ao grupo controle, esse trabalho reforçará a ideia de que a pesquisa das altas frequências pode ser um exame de prevenção para a perda auditiva. A reprodutibilidade de trabalhos demonstrando a importância das altas frequências para detecção precoce da PAINPSE é um dos caminhos para inserção desse exame valioso nos protocolos médico ocupacionais.
MATERIAL E MÉTODO
Este estudo foi de coorte transversal onde foram analisados inicialmente 92 combatentes do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, alocados no destacamento de pista do aeroporto Santos Dumont, com exposição ao ruído intenso, segundo os seguintes critérios de inclusão:
- Idade entre 30 e 49 anos;
- Sexo masculino;
- Audiometria Tonal Liminar normal realizada após repouso auditivo superior a 14 horas (limiares abaixo de 25 dB NA de 250 a 8000Hz);
O grupo controle foi composto por 76 bombeiros alocados em diversas funções dentro da Corporação (administração, saúde, direção, arquivo, atendimento e outros), sem exposição ao ruído intenso, selecionado segundo os mesmos critérios de inclusão do grupo experimental.
Três procedimentos auditivos determinaram a exclusão de 45 bombeiros da amostra inicial e 43 bombeiros do grupo controle. Os mesmos foram excluídos devido a alterações apresentadas na otoscopia, no questionário de triagem e/ou na audiometria tonal. A partir de então, os 47 sujeitos do grupo experimental estudo e os 33 do grupo controle foram submetidos à audiometria de altas frequências no mesmo dia. O grupo de estudo foi, então, dividido em dois subgrupos de acordo com a faixa etária, a saber: Subgrupo 1, 23 bombeiros com idades entre 30 e 39 anos; Subgrupo 2, 24 bombeiros com idades entre 40 e 49 anos. Da mesma forma, o grupo controle (33 bombeiros): Subgrupo 3, 19 bombeiros com idades entre 30 e 39 anos; Subgrupo 4, 14 bombeiros com idades entre 40 e 49 anos.
Todos os procedimentos foram realizados no Hospital Central, que atende todos os Bombeiros e seus dependentes, com o consentimento da Direção Geral de Saúde do CBMERJ e Direção Técnica do Hospital.
Tanto o grupo controle quanto o experimental foram voluntários e informados sobre o objetivo da pesquisa, tendo concordado e assinado o termo de consentimento aprovado pela Comissão Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (Resolução 88/07).
A otoscopia foi realizada pelo Serviço de Otorrinolaringologia; caso fosse normal o bombeiro era encaminhado ao Serviço de Fonoaudiologia. Aqueles sujeitos que apresentaram alterações (presença de cerúmen, perfuração timpânica e outras) ao exame eram atendidos pelo Otorrinolaringologista e excluídos da pesquisa.
Após, o sujeito respondia em aproximadamente 15 minutos a um questionário aplicado pelo Serviço de Fonoaudiologia.
O objetivo principal do questionário foi excluir qualquer fator de risco para perda auditiva que não fosse o ruído ocupacional. Assim, através do questionário foi possível realizar o levantamento das queixas de saúde gerais e auditivas, de outros empregos e de outras funções dentro da própria Corporação, de outras exposições no passado, do uso do equipamento de proteção individual (EPI), e de queixas relacionadas diretamente ao ambiente de trabalho.
A audiometria tonal foi realizada após repouso auditivo de, no mínimo, 14 horas. Na audiometria vocal foram aplicados o Limiar de Recepção da Fala (LRF), e o Índice Percentual de Reconhecimento da fala (IPRF). Nenhum indivíduo apresentou resultado na audiometria vocal incompatível com a audiometria tonal; portanto, nesse critério, ninguém foi excluído.
Imediatamente após a audiometria vocal eram testadas as altas frequências. Foram pesquisadas as frequências de: 9000, 10000, 11200, 12500, 14000 e 16000KHz, onde todos os limiares foram retestados (todos os limiares foram obtidos em duas sequências). A ordem de apresentação das frequências, escolha da orelha e a ordem de reteste foram feitas aleatoriamente para cada indivíduo, para que o cansaço e aprendizado não interferissem no resultado da pesquisa.
O equipamento utilizado tanto para a audiometria tonal e vocal, quanto para a audiometria de altas frequências foi o audiômetro AC-40 da Interacoustics com o fone TDH-39P para audiometria convencional e o fone Koss HV/PRO para audiometria de altas frequências calibrado segundo o padrão ANSI S3,6. O tom warble foi o escolhido para a pesquisa tanto na audiometria convencional quanto nas altas frequências, porque de acordo com os dados de Hamill e Haas18, que estudaram as relações entre o tom pulsátil, contínuo e warble nas determinações dos limiares de 10 a 16 kHz, o tom warble foi o que eliciou limiares melhores nas frequências de 14 e 16 kHz, não havendo diferenças significantes nas demais frequências.
As altas frequências ainda não possuem resultados de normalidade padronizados, como a audiometria tonal, por exemplo. Por isso, foi necessário padronizar limiares de indivíduos audiologicamente normais (grupo controle) com o mesmo equipamento utilizado no grupo experimental. Após a obtenção dos resultados dos limiares de altas frequências do grupo controle e do grupo experimental pode-se fazer a comparação entre os grupos obedecendo a faixa etária: Subgrupo 1 x Subgrupo 3 e o Subgrupo 2 x Subgrupo 4. A análise estatística para comparação dos limiares entre os dois grupos (experimental e controle) foi realizada por meio do teste Mann-Whitney.
Para verificar se existe variação significativa nos limiares da orelha direita para a esquerda foi aplicado o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon.
Foram utilizados métodos não-paramétricos, pois os limiares não apresentaram distribuição normal (distribuição Gaussiana) devido à grande dispersão dos dados e/ou à falta da simetria da distribuição. O critério de significância adotado foi o nível de 5%.
RESULTADOS
Para verificar se existe variação significativa nos limiares da orelha direita para esquerda, a Tabela 1 fornece o nível descritivo (p valor) do teste estatístico (Wilcoxon) por grupo (experimental e controle) e faixa etária (30 a 39 anos e 40 a 49 anos), respectivamente. A variação entre a orelha direita e esquerda foi calculada pela seguinte fórmula: Delta 250Hz = (250Hz da orelha esquerda - 250Hz da orelha direita).
De acordo com a Tabela 1, não existe variação significativa nos limiares entre as orelhas direita e esquerda por grupo e faixa etária ao nível de 5%.
Os dados estatísticos para verificar se existem diferenças significativas nos limiares do total das orelhas (direita+esquerda) entre os dois grupos (experimental e controle), estratificado por faixa etária, foi avaliado pelo teste de Mann-Whitney. As Tabelas 2 e 3 fornecem a média, desvio padrão (DP), mediana, mínimo e máximo dos limiares de cada frequência segundo o grupo (experimental e controle), e o correspondente nível descritivo do teste estatístico (p valor) por faixa etária (30 a 39 anos e 40 a 49 anos), respectivamente.
Assim, os dados referentes as orelhas puderam ser compilados e analisados nas Tabelas (2 e 3) e Gráficos (1 e 2).
Gráfico 1. Comparação entre a mediana dos limiares de audibilidade do grupo experimental e controle na faixa etária de 30-39 anos.
Gráfico 2. Comparação entre a mediana dos limiares de audibilidade do grupo experimental e controle na faixa etária de 40-49 anos.
Observou-se que existe diferença significativa entre os dois grupos nos limiares das frequências cujo valor de p foi destacado em negrito, ou seja, p £ 0,05. Podemos afirmar que:
Podemos observar que existe uma tendência de limiares maiores nas médias das frequências do grupo experimental em relação ao grupo controle em todas as frequências nas duas faixas etárias pesquisadas (Gráficos 3 e 4).
Gráfico 3. Médias da AAF na faixa etária de 30-39 anos dos grupos controle e de exposição ao ruído.
Gráfico 4. Médias da AAF na faixa etária de 40-49 anos dos grupos controle e de exposição ao ruído.
O grupo experimental apresentou limiar significativamente maior que o grupo controle na frequência 16000Hz (p = 0,0009), na faixa de 30 a 39 anos (Tabela 2).
O grupo experimental apresentou limiar significativamente maior que o grupo controle nas frequências de 14000Hz (p = 0,008) e 16000Hz (p = 0,0001), na faixa de 40 a 49 anos (Tabela 3).
Ao compararmos os grupos experimentais e os grupos controles, encontramos piora dos limiares para os grupos de 40-49 anos nos dois casos.
DISCUSSÃO
Não existe dúvida de que existem alterações nas altas frequências nas afecções auditivas sensoriais, resultantes do comprometimento da espira basal da cóclea. A audiometria convencional permite a investigação dos tons puros nas frequências de 250 a 8000Hz. Já a audiometria em altas frequências auxilia na investigação das respostas mais basais da cóclea, uma vez que avalia a audição para as frequências de 9000Hz a 20000Hz. A perda auditiva presente nas frequências altas se explicaria pelo fato da região basal da cóclea ser mais vascularizada, o que a predispõe a efeitos mais evidentes de dano vascular19.
Uma das aplicações clínicas da audiometria em altas frequências é a monitorização da audição em pacientes com presença ou suspeita de alterações audiológicas, tais como: presbiacusia, exposição ao ruído e/ou ototóxicos, sequela de otite média, dentre outros2,6.
A importância do estudo das altas frequências vem sendo comprovada ao longo dos anos através de estudos que mostram limiares maiores de acordo com o aumento da idade, frequência, exposição ao ruído dentre outros comprometimentos de orelhas média e interna. Pouquíssimos estudos, como de Osterhammel et al.20, contestam essas evidências, onde o autor concluiu que a perda auditiva em indivíduos expostos ao ruído não pode ser detectada com a análise das altas frequências.
A padronização dos limiares de normalidade para as altas frequências ainda gera polêmica entre os resultados encontrados pelos vários estudos já realizados12,13,20-23. Há, portanto, necessidade da realização de trabalhos com mesma metodologia para melhor comparação dos dados, a fim de se chegar a uma padronização dos limiares. As variáveis são muitas, como a padronização quanto à calibração do equipamento utilizado (em dB NPS ou NA), limitações dos equipamentos, calibração, posicionamento e tipo do fone, faixa etária, diferenças entre os sexos, dentre outros, para, enfim, permitir uma comparação confiável entre os estudos.
Inicialmente, o grupo controle teria o mesmo número de indivíduos que o grupo experimental, entretanto, esse número ficou reduzido devido à dificuldade de encontrar indivíduos sem nenhum risco para perda auditiva por ruído. Mesmo nas funções administrativas, de saúde, dentre outras, muitos bombeiros já haviam sofrido exposições anteriores, excluindo-os do grupo controle. Devido a questões administrativas, aqueles bombeiros que ficaram inaptos na otoscopia não eram aproveitados posteriormente no estudo.
Apesar deste trabalho não ter tido a intenção de padronizar limiares, a comparação dos limiares dos grupos controle e experimental com os limiares relatados nos trabalhos já realizados com esse fim demonstra valores iguais ou muito próximos aos sugeridos por outros autores11,12,14. Podemos destacar os dados do grupo de exposição ao ruído desse estudo, em comparação com os limiares de normalidade propostos por Sahyeb et al.12. Todos os limiares dos grupos expostos ultrapassam os valores sugeridos para normalidade mesmo para o grupo mais jovem, demonstrando, assim, alterações nas altas frequências dos militares dos dois grupos de exposição. E ainda, ao compararmos o grupo controle com esses mesmos valores, podemos dizer que esses indivíduos estariam dentro da faixa dos valores sugeridos para normalidade das altas frequências. Portanto, os valores dos limiares das altas frequências do grupo de exposição ao ruído com audiometria convencional normal foram maiores do que os limiares das altas frequências do grupo controle tanto no estudo de Sahyeb et al.12 quanto na comparação com os dados deste trabalho.
Resultados similares aos de Sahyeb et al.12 e aos deste estudo foram encontrados por Porto et al.9, onde o grupo exposto ao ruído obteve limiares para as altas frequências superiores aos do grupo controle. Esse foi o único relato encontrado com objetivo similar ao nosso, onde foram estudados dois grupos sem antecedentes auditivos demonstrando que as altas frequências são afetadas antes de aparecerem quedas nas frequências convencionais.
Porto et al.9 e Martinho et al.13 observaram diferenças significativas entre os limiares das orelhas direita e esquerda, o que não foi observado no presente estudo, já que, de acordo com a análise estatística através do teste Mann-Whitney, não foram encontrados valores significativos (p<0,05) que justificassem o estudo das orelhas separadamente. Isto também foi comprovado pelos trabalhos de Fernandes et al.5 e Carvallo et al.16, que também não encontraram diferenças entre os limiares tonais das altas frequências entre as orelhas direita e esquerda. O estudo das orelhas separadamente gera outro viés para padronização dos dados. O ideal seria uma padronização única para as duas orelhas a exemplo do que já temos na audiometria convencional.
A divisão por faixa etária dos grupos foi necessária porque vários trabalhos10,23,25 já demonstraram o aumento dos limiares das altas frequências com o decorrer da idade. Também queríamos observar a existência de diferenças nos limiares nas faixas etárias entre os grupos do estudo: controle x controle, controle x experimental e experimental x experimental. Fazendo a comparação entre as médias dos subgrupos 1 (30-39 anos experimental) e 3 (30-39 anos controle) podemos observar valores maiores em todas as frequências do subgrupo 1 em relação ao subgrupo 3. Isto se repete na análise seguinte onde essa diferença fica ainda mais evidente entre os subgrupos 2 (40-49 anos experimental) e 4 (40-49 anos controle), provavelmente devido à idade mais avançada. Também encontramos aumento dos limiares para o grupo mais velho, evidenciando mais uma vez que as altas frequências são sensíveis ao aumento da idadOs achados para os valores das altas frequências estão de acordo com os de Sá et al.14, que também encontraram limiares maiores para o grupo de 40-49 anos quando comparado ao de 30-39 anos.
Alguns trabalhos utilizaram audiômetros que fornecem os resultados em decibéis Nível de Pressão Sonora (dB NPS). Nosso estudo foi realizado em decibéis Nível de Audição (dB NA). Dessa forma, não foi possível realizar uma comparação dos valores das médias obtidas com a maioria dos estudos realizados até então, mas sim correlacionar com a morfologia das curvas resultantes. Martinho et al.13, embora tenham realizado todo o estudo com o mesmo audiômetro e fones do presente trabalho (Interacoustics AC-40, fone HV/PRO), corrigiram os valores para dB NPS. Mesmo assim, é possível verificar o aumento das médias com o aumento das frequências para faixa etária entre 30-40 anos.
Na faixa etária de 30 a 39 anos, os resultados das médias dos limiares auditivos e o padrão da curva audiométrica apresentaram no grupo experimental uma deterioração progressiva acima de 9000Hz, onde a média máxima foi encontrada na frequência de 16KHz (40,9 dB NA). Esse valor ultrapassa o sugerido por Sahyeb et al.12, e Sá et al.14 para limiares normais de altas frequências. Portanto, está fora do padrão de normalidade proposto por esses autores. A maior média obtida pelo grupo controle foi de 26,3 dB NA e valor de mediana de 30dB. Estes valores estariam de acordo com os valores de normalidade de estudos anteriores12,14 para pacientes sem histórico de exposição ao ruído ou a qualquer outro fator de risco para perda auditiva.
A mediana também foi o valor estatisticamente significante, onde encontramos a de 16000Hz para o grupo de 30-39 anos, e as de 14000 e 16000Hz para o grupo de 40-49 anos, ambos com os maiores valores para o grupo experimental. Esses achados apontam mais uma vez para a piora dos limiares com o aumento da frequência e da idade, visto que estatisticamente o grupo de 40-49 anos foi o que apresentou o maior número de diferenças significativas (p<0,05).
Após a análise estatística, outras frequências (9000-16000Hz) apresentariam diferenças maiores, caso o número de indivíduos de ambos os grupos tivesse sido um pouco maior (n=25 indivíduos), visto que alguns valores ficaram muito próximos de p<0,05. Além disso, não podemos negligenciar os achados clínicos, onde claramente existe uma tendência dos limiares serem piores para o grupo exposto ao ruído para todas as frequências acima de 9000Hz.
Visto o que foi exposto anteriormente, podemos dizer que a audiometria de alta frequência pode ser um instrumento valioso para detecção precoce das perdas auditivas induzidas pelo ruído, visto que os limiares das frequências acima de 8.000Hz são primeiramente afetados quando comparados com as frequências da audiometria convencional (250-8000Hz). Esses achados também demonstram a sensibilidade da AAF para detecção precoce da perda auditiva induzida por ruído, mesmo em um grupo mais jovem e com pouco tempo de exposição ao ruído.
CONCLUSÃO
A partir da análise dos resultados podemos chegar ao final do nosso estudo com dados relevantes sobre as diferenças entre os limiares das altas frequências entre indivíduos expostos ou não ao ruído, com audiometria tonal convencional normal. Podemos concluir que:
- Os grupos expostos ao ruído, independente da faixa etária, mostraram alterações em seus limiares de altas frequências em comparação ao grupo controle.
- A detecção da perda auditiva induzida por ruído através da AAF fica mais evidente com o aumento da idade, mas também pode ser percebida no grupo mais jovem.
- Com o aumento da frequência e da idade houve aumento dos limiares audiométricos tanto na audiometria convencional quanto na de alta frequência.
- Não foram encontradas diferenças significativas entre os limiares das orelhas esquerda e direita entre as frequências de 9000-16000Hz.
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1. Mestre em Fonoaudiologia pela Universidade Veiga de Almeida, Chefe do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Central Aristarcho Pessoa, CBMERJ. Professora e Coordenadora do Curso de Graduação em Fonoaudiologia do Centro Universitário Celso Lisboa Professora e Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Audiologia da Universidade Veiga de Almeida
2. Doutor em Otorrinolaringologia PUC/SP, chefe do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Ipanema, professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Veiga de Almeida
3. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana UNIFESP, Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professora adjunta do Curso de Mestrado da Universidade Veiga de Almeida
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 30 de abril de 2009. cod. 6391
Artigo aceito em 13 de setembro de 2010.