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Ano:  2010  Vol. 76   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 450 a 453

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Resultados audiológicos do implante coclear em idosos

Auditory results from cochlear implants in elderly people

Autor(es): Valéria Oyanguren1, Maria Valéria Goffi Gomes2, Robinson Koji Tsuji3, Ricardo Ferreira Bento4, Rubens Brito Neto5

Palavras-chave: assistência a idosos, audição, implante coclear.

Keywords: health of the elderly, hearing, cochlear implants.

Resumo:
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população de idosos cresceu 47,8% na última década no Brasil. Parte desta população tem surdez severa a profunda, não se beneficiando com o uso dos aparelhos auditivos convencionais. Desse modo, torna-se necessária a indicação do implante coclear. Objetivo: Analisar os benefícios do implante coclear nos idosos com relação à audibilidade, ao reconhecimento de fala e ao uso do telefone. Material e Método: Estudo retrospectivo transversal por meio da análise de prontuários de pacientes com faixa etária acima de 60 anos usuários de implante coclear há pelo menos 1 ano. Resultados: Foram analisados 14 prontuários. A média de idade dos pacientes foi de 63,07 anos. A média dos limiares tonais entre 500Hz,1kHz,2kHz e 4kHz antes da implantação foi de 113dBNA. Nenhum dos pacientes, antes de implantar, conseguia discriminar frases em contexto aberto e fechado, apenas 3 conseguiam fazê-lo com uma média de 17% de acertos. Após um ano de uso de implante, a média dos limiares em campo passou a ser de 34 dBNA, a discriminação de frases em contexto aberto de 93,57% e 71% dos pacientes já conseguiam estabelecer uma conversa ao telefone. Conclusão: Os pacientes idosos usuários de implante coclear apresentaram ganhos auditivos relevantes, com melhora significativa da compreensão em contexto aberto e no uso de telefones.

Abstract:
According to data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics, the elderly population grew 47.8% in the last decade in Brazil. A portion of this population has severe and/or profound hearing loss and do not benefit from conventional hearing aids. Thus, the use of cochlear implant is required. Aim: To analyze the benefits of cochlear implants in the elderly based on the comparison of primary auditory thresholds before and after the operation, discrimination of sentences in speech and in talking on the telephone. Methodology: Retrospective cohort study, analyzing medical records from patients aged over 60 years, users of cochlear implant for at least 1 year. Results: Fourteen medical records were analyzed. Mean age of patients was 63.07 years. The mean pure tone thresholds between 500Hz, 1kHz, 2kHz and 4kHz before the implantation was 113dBHL. None of the patients, before operation, could discriminate sentences in open sets and only 3 scored 17% in closed sets sentence recognition. After one year of implantation, the mean sound field thresholds reached 34dBHL, and open set sentences recognition of 93.57%, while 71% of the patients had become able to have a conversation on the telephone. Conclusion: The elderly users of cochlear implant showed important outcomes, with significant improvement in understanding in the open set and in using the telephone.

INTRODUÇÃO

Segundo dados atuais do IBGE, a população de pessoas de 60 anos ou mais cresceu 47,8% na última década no Brasil, representando 10,5% da população total de nosso país¹.

Junto a esse crescimento da população idosa, nascem novas demandas de melhoria na qualidade de vida e também na adequação dessa população ao mercado de trabalho.

A deficiência auditiva é uma das dificuldades que mais atingem esta faixa etária, podendo ser considerada uma das mais incapacitantes. E isso porque, a perda de audição acarreta diversos problemas, tais como: o isolamento social, a solidão e a depressão, que podem afetar seriamente a qualidade de vida desses indivíduos2,3. Além disso, torna o idoso dependente de terceiros para atividades cotidianas, como, por exemplo, atender ao telefone, sair à rua, assistir televisão, entre outras.

A prótese auditiva convencional é eficaz no tratamento da surdez em diversos graus4. Porém, nos casos de perda auditiva severa e/ou profunda, mesmo a prótese mais potente muitas vezes não consegue suprir as necessidades auditivas desses pacientes, pois estes não apresentam uma reserva coclear suficiente para que possam alcançar limiares auditivos capazes de discriminar os sons da fala e compreender sentenças em formato aberto. Nessas hipóteses a segunda opção é o implante coclear5.

O implante coclear é um dispositivo eletrônico inserido cirurgicamente no órgão auditivo, que faz a função das células ciliadas lesadas ou ausentes produzindo um estímulo elétrico às fibras remanescentes do nervo auditivo6.

O objetivo desta pesquisa foi analisar os benefícios do implante coclear na população idosa, faixa etária em constante crescimento em nosso país, mas pouco citada em estudos direcionados ao implante coclear.


MATERIAL E METODO

Estudo retrospectivo transversal por meio da análise de prontuários de pacientes com faixa etária acima de 60 anos, implantados há pelo menos um ano. Foram descartados pacientes que tinham menos de 60 anos de idade na data da cirurgia e pacientes que usaram o dispositivo por menos de 12 meses.

A Tabela 1 mostra os dados demográficos e características da surdez da população estudada.




Os pacientes eram usuários do dispositivo de Implante Coclear Multicanal da marca Cochlear, modelos Nucleus 22K (N22) e Núcleos 24K (N24).

Foram analisadas as avaliações pré-operatórias e após 12 meses de uso do implante coclear. A avaliação pré-operatória foi realizada com o auxilio de prótese auditiva em uso pelo paciente antes da implantação. A avaliação pós-operatória foi realizada por meio do uso do processador de fala do implante coclear a partir do terceiro mês de uso do dispositivo.

A audiometria em campo livre foi realizada com audiômetro Madsen Midimate 622 ligado a uma caixa acústica por meio de um amplificador da acústica Orlandi.

Os testes de percepção de fala utilizados seguiram um protocolo, do qual constam os seguintes testes: detecção e discriminação dos sons do Ling; discriminação de vogais; teste de reconhecimento de padrões supra-segmentares; teste Four-choice; teste de reconhecimento de sentenças em formato fechado; teste de reconhecimento de sentenças em formato aberto; teste de reconhecimento de monossílabos, além de levantada a utilização do uso do telefone.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, protocolo número 1039/08. Não foi aplicado termo de consentimento, uma vez que a identidade dos indivíduos não foi divulgada.


RESULTADOS

Foram analisados 14 prontuários. Não foram observadas complicações cirúrgicas nos casos da população estudada. A ativação do processador de fala ocorreu 1 mês após a cirurgia. Todos os pacientes foram programados com a ativação de todos os 22 eletrodos intracocleares disponíveis nos dispositivos Nucleus.

Todos utilizam o implante diariamente por no mínimo 8 horas diárias.

A média dos limiares tonais entre 500Hz, 1kHz, 2kHz e 4kHz, antes da implantação, era de 113dBNA (mín. 105dB e máx de 125dB). A média de limiares em campo livre com o uso de AASI foi de 78dBNA (mín. 45dB e máx. de 110dB)(Figura 1).


Figura 1. Resultados obtidos nas audiometrias em campo livre, pré e pós-implantação.



Com o uso de próteses auditivas, a discriminação de vogais, o teste de four-choice e o teste de reconhecimento de monossílabos apresentavam uma média de acertos de 30%, 38% e 4% respectivamente (Tabela 2).




Nenhum dos pacientes antes de implantar conseguia discriminar frases em contexto aberto, e em contexto fechado, apenas 3 conseguiam fazê-lo com uma média de 17% de acertos. Do mesmo modo, nenhum deles era capaz de estabelecer uma conversação ao telefone.

Após um ano de uso de implante, a média dos limiares em campo livre passou a ser de 34 dBNA, como se observa na Figura 1.

A média de acertos na discriminação de vogais passou a ser de 99,5%, no teste de four-choice de 97,8% e o reconhecimento de monossílabos de 61% (Tabela 2).

A discriminação de frases em contexto aberto passou a ser de 93,57% (Tabela 2) e 71% dos pacientes já conseguia estabelecer uma conversa ao telefone (Figura 2).


Figura 2. Porcentagem de pacientes que faziam uso do telefone pré e pós-implante coclear.



DISCUSSÃO

Dentre todos os pacientes implantados em nosso grupo de implante coclear, certamente os idosos compõem a faixa etária de menor incidência de operações realizadas, totalizando apenas 3,33% dos pacientes.

Esta situação se deve principalmente ao receio normalmente observado em pessoas de idade avançada e em seus familiares, em relação à realização de cirurgias. Por outro lado, é também a falta de informação, tanto por parte dos pacientes, como também dos profissionais da área da saúde, um dos fatores que contribuem para o baixo número de cirurgias de implante coclear em idosos.

Os resultados nos pacientes idosos usuários de implante coclear em nosso grupo mostraram ganhos auditivos relevantes, com melhora significativa do reconhecimento de fala em contexto aberto, assim como no uso do telefone em situação cotidiana.

De fato, Pasanisi et al. (20038) realizaram um estudo com 16 pacientes idosos usuários de implante coclear e constataram que, 12 meses após a cirurgia, não foram detectadas diferenças significativas no desempenho entre os idosos e o grupo controle. Djalilian et al. (20029) analisaram 31 pacientes idosos usuários de implante coclear e também observaram grande melhora nos limiares audiométricos similares aos pacientes com menos de 60 anos.

Orabi et al. (200610) demonstraram em seu estudo grande benefício nos testes de percepção de fala e na qualidade de vida dos idosos implantados com base em testes e questionários de qualidade de vida aplicados após a cirurgia (Glasgow Benefit Inventory - GBI e Glasgow Health Status Inventory Questionnaire - GHSI). Estes instrumentos também foram aplicados no estudo de Vermeire et al. (200511) em 25 idosos usuários de implante coclear que demonstraram grande benefício na qualidade de vida similar aos obtidos por jovens usuários.

Alguns aspectos importantes relativos à eventual degeneração neural12-15 e à ineficiência do processamento auditivo central encontrado em indivíduos dessa faixa etária16, devem ser observados e considerados durante a avaliação pré-operatória e ao longo do trabalho da adequação das expectativas antes da cirurgia do implante coclear. Esses aspectos também podem interferir na compreensão da mensagem mesmo após a implantação.

Ainda assim, é certo que, conforme demonstrado pelos achados deste trabalho, a idade do paciente não pode ser considerado um fator excludente, ou de extrema relevância, na decisão da escolha do candidato à cirurgia.


CONCLUSÃO

Os pacientes idosos, usuários de implante coclear, apresentaram ganhos auditivos relevantes com significativa melhora na compreensão em contexto aberto e no uso de aparelhos telefônicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet] Brasília (DF); Disponível em http://www.ibge.gov.br. Acessado em Julho/2009.

2. Raina P, Wong M, Massfeller H. The relationship between sensory impairment and functional independence among elderly. BMC Geriatr. [periódico online] 2004;4:3.

3. Savikko N, Routasalo P, Tilvis RS, Strandberg TE, Pitkala KH. Predictors and subjective causes of loneliness in an aged population. Arch Gerontol Geriatr. [periódico online] 2005;41(3):223-33.

4. Russo IEP, Almeida K, Freire KGM. Seleção e adaptação da prótese auditiva para o idoso. In: Almeida K, Iório MEM. Próteses auditivas: fundamentos teóricos e aplicações clínicas. 2.d. São Paulo: Lovise; 2003. p. 385-410.

5. Bento RF, Brito Neto R, Castilho AM, Goffi-Gomez MVS, Giorgi SB, Guedes MC. Resultados auditivos com o implante coclear multicanal em pacientes submetidos a cirurgia no HCFMUSP. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(5)632-7.

6. Bento RF, Miniti A, Leiner A, Sanchez TG, Oshiro MS, Campos MIM, Goffi-Gomez MVS, Nunes CAS, Oyama HTT. O implante coclear FMUSP-1: apresentação de um programa brasileiro e seus resultados preliminares. Rev Bras Otorrinolaringol. 1994;60:1-16.

7. Goffi-Gomez MVS, Guedes MC, Sant'Anna SBG, Peralta CGO, Tsuji RK, Castilho AM et al. Critérios de seleção e avaliação médica e audiológica dos candidatos ao implante coclear: Protocolo HCFMUSP. Arq Otorrinolaringol. 2004;7(3):197-204.

8. Pasanisi E, Bacciu A, Vincenti V, Guida M, Barbot A, Berghenti M. T, Bacciu S, et al. Speech recognition in elderly cochlear implant recipients. Clin Otolaryngol Allied Sci. 2003;28(2)154-7.

9. Djalilian HR, Smith SL, King SC. Cochlear implantation in the elderly: results and quality-of-life assessment. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2002;111(10):890-95.

10. Orabi AA, Mawman D, Al-Zoubi F, Saeed SR. Cochlear implant outcomes and quality of life in the elderly: Manchester experience over 13 years. Clin Otolaryngol. 2006;31(2):116-22.

11. Vermeire K, Brokx PL, Wuyts FL, Cochet E. Quality-of-Life Benefit from Cochlear Implantation in the Elderly. Otol Neurotol. 2005;26(2):188-95.

12. Gatehouse S. The contribution of central auditory factors to auditory disability. Acta Otolaryngol. 1991;476:182-8.

13. Jerger J, Chimiel R, Allen J, Wilson A. Effects of age and gender on dichotic sentence identification. Ear Hear. 1994;15(4):273-350.

14. Cheesman MF, Hepburn D, Armitage JC, Marshall K. Comparison of growth of masking functions and speech discrimination abilities in younger and older adults. Audiology. 1995;34(6):321-33.

15. Magalhães ATM, Goff Gomez MVS. Índice de Reconhecimento de Fala na Presbiacusia. i- Int Otorrinolaringol. 2007;11(2):169-74.

16. Sanchez ML, Nunes FB, Barros F, Ganança MM, Caovilla HH. Avaliação do processamento auditivo em idosos que relatam ouvir bem. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(6):896-902.









1. Especialista em audiologia, Fonoaudióloga do grupo de implante coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2. Doutora, Fonoaudióloga da divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Coordenadora da equipe de fonoaudiologia do grupo de implante coclear do HCFMUSP.
3. Doutor, Médico otorrinolaringologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coordenador do Grupo de Implante Coclear do HCFMUSP.
4. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da FMUSP.
5. Professor Livre-Docente Colaborador da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência:
Rua Capote Valente 432 - conj. 14 Pinheiros
São Paulo SP 05409-001

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 20 de agosto de 2009. cod. 6584
Artigo aceito em 21 de setembro de 2009

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