Versão Inglês

Ano:  2010  Vol. 76   Ed. 2  - Março - Abril - (13º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 225 a 230

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Avaliação da sobrevida livre de doença em pacientes com carcinoma epidermoide de laringe submetidos à tratamento radioterápico exclusivo ou associado à quimioterapia

Assessment of disease-free survival in patients with laryngeal squamous cell carcinoma treated with radiotherapy associated or not with chemotherapy

Autor(es): Helma Maria Chedid1, Carlos Neutzling Lehn2, Abrão Rapoport3, Ali Amar4, Sérgio Altino Franzi5

Palavras-chave: carcinoma de células escamosas, neoplasias laríngeas, quimioterapia, radioterapia, taxa de sobrevida.

Keywords: carcinoma, laryngeal neoplasms, disease-free survival, transitional cells, radiotherapy.

Resumo:
No carcinoma epidermoide de laringe em estádios clínicos precoces (I e II), tanto a cirurgia quanto a radioterapia resultam em controle loco-regional significativo. Nos tumores avançados (III e IV), a radioterapia exclusiva tem índices de 32-43% de controle loco-regional. Objetivo: É avaliar a sobrevida livre de doença dos pacientes com CEC de laringe submetidos à radioterapia exclusiva e/ou associada à quimioterapia. Casuística e Métodos: Estudo retrospectivo de 84 casos de CEC de laringe tratados com radioterapia ou quimioterapia concomitante à radioterapia. Cinquenta e três casos foram tratados com intenção curativa e 31 por irressecabilidade da doença. Quanto ao estádio clínico (EC), 12 eram de EC I, 15 II, 21 III e 5 IV. No segundo grupo, 11 casos eram EC III e 20 IV. Resultados: Idade média foi de 60 anos, sendo 84,5% homens. Cinquenta e oito (69,1%) casos tiveram resposta completa e 26 (30,9%) apresentavam doença persistente ou residual. A sobrevida livre de doença há cinco anos foi de 42,5%, sendo de 62,5% nos pacientes com indicação de preservação de órgãos e 9,75 no grupo de doença irressecável. Conclusão: A sobrevida livre de doença a cinco anos dos pacientes submetidos à radioterapia por CEC de laringe foi de 62,5%.

Abstract:
In early stage (I and II) laryngeal squamous cell carcinoma, both surgery and radiotherapy results in significant local and regional control. In advanced tumors (III and IV), radiotherapy alone has local-regional control rates of 32-43%. Aim: To assess disease-free survival in SCC laryngeal carcinoma patients submitted to radiotherapy alone and/or associated with chemotherapy. Materials and Methods: Retrospective study involving 84 cases of laryngeal SCC treated with radiotherapy or chemotherapy together with radiotherapy. Fifty-three cases were treated with intension to cure and 31 because of impossibility to resect the disease. As to clinical stage (CS), 12 were CS I, 15 II, 21 III and 5 IV. In the second group, 11 cases were EC III and 20 IV. Results: Mean age was 60 years, 84.5% were men. Fifty-eight (69.1%) cases had complete response and 26 (30.9%) had persistent or residual disease. Five-year disease-free survival was of 42.5%; 62.5% of the patients with organ preservation indication and 9.75 in the group of irressecable disease. Conclusion: disease-free survival of those patients submitted to radiotherapy because of laryngeal SCC was of 62.5%

INTRODUÇÃO

Os pacientes portadores de carcinoma epidermoide de laringe, nos estádios iniciais (I e II) se beneficiam, tanto com a cirurgia quanto com a radioterapia, com significativos índices de controle loco-regional, principalmente com manutenção da fonação, deglutição e respiração1,2. Nesses tumores precoces (I e II), os resultados de controle loco-regional da doença são semelhantes com a cirurgia ou radioterapia, com índices próximos de 100% nas lesões T1 e variando de 55% a 75% nas lesões T2. A cirurgia de resgate é uma opção nos casos de persistência da lesão pós-radioterapia, mais comumente nas lesões T2.

Em relação à qualidade vocal, especialmente nas lesões de estádio clínico T1, a premissa de que a radioterapia propicia melhores resultados do que a cirurgia não é totalmente verdadeira. Podemos observar frequentemente a presença de fibrose permanente da lâmina própria pósradioterapia, comprometendo a capacidade vibratória da prega vocal, já que esta depende da integridade da mesma. Entretanto, nas lesões T1 pouco infiltrativas de tratamento cirúrgico com cordectomia, podemos obter uma recuperação vocal aceitável, com o desenvolvimento de uma cicatriz que propicia a formação de uma estrutura semelhante à prega vocal e até com capacidade vibratória. Todavia, a literatura apresenta resultados melhores de qualidade vocal nos pacientes submetidos aos protocolos de preservação de órgãos, em relação ao tratamento cirúrgico3.

No carcinoma epidermoide de estádio clínico avançado (III e IV), o tratamento radioterápico apresenta índices de 32% a 43% de controle loco-regional da doença4,5.

Entretanto, o tratamento cirúrgico adjuvante ao tratamento radioterápico pode ser considerado significativo no controle loco-regional, principalmente, nos pacientes com tumores primários extensos com comprometimento maciço da cartilagem tireoide, de partes moles do pescoço, extensão para a base da língua ou na presença de linfonodos cervicais metastáticos.

Este estudo tem como objetivo avaliar a sobrevida livre de doença em pacientes portadores de carcinoma epidermoide de laringe submetidos à radioterapia convencional exclusiva e/ou associada à quimioterapia.


CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo baseia-se na análise retrospectiva de 84 pacientes portadores de carcinoma epidermoide de laringe admitidos no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2004 tratados inicialmente com radioterapia convencional. Os critérios de elegibilidade foram pacientes sem tratamento oncológico prévio, sendo que as indicações de radioterapia convencional foram preservação da função da laringe, recusa ao tratamento cirúrgico e extensão da lesão primária com necessidade de reconstrução com pacientes em más condições clínicas e irressecabilidade. O critériode exclusão foi a presença de metástase a distância na avaliação clínica admissional.

Quanto ao sítio anatômico, em 33 casos eram localizados na glote e 49 na supraglote. Em dois casos, não foi possível a avaliação do sítio anatômico, devido à extensão da doença na apresentação inicial.

O estádio clínico aplicado foi segundo a AJC-UICC (2002), sendo 13 casos de estádio clínico I, 13 II, 24 III e 34 de IV. O tamanho do tumor primário (T) e a presença de linfonodos cervicais (N) foram separados em dois grupos, de acordo com a indicação de radioterapia convencional: no primeiro, os pacientes com recusa ao tratamento cirúrgico e os candidatos à preservação da função laríngea. No segundo grupo, os pacientes que realizaram radioterapia convencional por extensão da doença associada à condição clínica precária e irressecabilidade (Tabela 1).




Os pacientes foram submetidos à radioterapia convencional, com aparelho de acelerador linear e com dose média de 66,7 Gy (19 Gy a 74 Gy). O protocolo utilizado de quimioterapia concomitante preconiza início a partir da décima sessão de radioterapia, com a utilização de cisplatina (CDDP) na dose de 25 a 30mg/m2/semanal, em seis ciclos. Nos casos em que a quimioterapia neoadjuvante foi realizada, indicamos de um a três ciclos, com a utilização de cisplatina (CDDP) na dose de 100 mg/m2, sendo um terço da dose nos primeiros três dias (D1, 2,3), 5-fluorouracil (5FU) na dose de 450 mg/m2 (D1-5) e paclitaxel, dose de 135 mg/m2 (D1).

A avaliação do controle loco-regional foi definido como a ausência de evidência de doença após seis meses do término do tratamento radioterápico. Nos pacientes com evidência de doença nos primeiros seis meses de término de tratamento, foi considerado persistência. Quanto à resposta ao tratamento, considerou-se completa na ausênciade lesão evidente ao exame loco-regional nos primeiros 30 dias do término da radioterapia.

Na análise estatística, para a avaliação da sobrevida foi utilizado o método de Kaplan Meier e para avaliação das diferenças de sobrevida, o método de Wilcoxon. Para realização das curvas de sobrevida, os pacientes com recusa ao tratamento cirúrgico foram considerados candidatos à preservação de órgão. A aprovação do trabalho no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deu-se sob o número 659.


RESULTADOS

O seguimento médio dos pacientes foi de 28,9 meses, sendo que a perda de seguimento às consultas ambulatoriais ocorreu em 10 (11,9%) casos, dentro do período considerado no estudo. Quanto ao gênero, 74 (84,5%) pacientes eram masculinos e 13 (15,5%) femininos, com idade média de 60 anos (37 a 78 anos).

Cinquenta e quatro (64,3%) pacientes foram submetidos à radioterapia exclusiva, 24 (28,6%) à quimioterapia concomitante à radioterapia e seis (7,1%) realizaram quimioterapia neo-adjuvante à quimiorradioterapia.

Quatro pacientes interromperam o tratamento com dose de radioterapia convencional inferior a 40 Gy, sendo em três deles por piora das condições clínicas e um paciente abandonou o tratamento. Ao final do tratamento radioterápico, 58 (69,1%) pacientes apresentavam resposta loco-regional completa e 26 (30,9%) persistência da doença. Estes casos foram distribuídos de acordo com o epicentro da lesão em glote ou supraglote e com a indicação de radioterapia (Tabela 2).




A Tabela 3 exemplifica o tipo de persistência da doença, local, regional ou loco-regional, ao final do tratamento (Tabela 3).




A sobrevida global dos 84 pacientes foi de 47,5% e a sobrevida livre de doença a cinco anos, 42,5%. Em relação à sobrevida livre de doença a cinco anos, de acordo com a indicação de radioterapia, foi de 62,5% nos casosde protocolos de preservação de órgão, enquanto que nos pacientes irradiados pela extensão ou irressecabilidade da doença foi de 9,75% (Gráficos 1 e 2).


Gráfico 1. Distribuição da sobrevida global. - n=84 pacientes


Gráfico 2. Distribuição da sobrevida livre de doença segundo a indicação de - n=84 pacientes, sendo 53 submetidos à radioterapia para preservação da laringe e 31 por extensão ou irressecabilidade da doença.



Para o cálculo da sobrevida livre de doença dos pacientes irradiados, de acordo com o tamanho do tumor primário, foram agrupados os tumores precoces (T1 e T2) e os avançados (T3 e T4) conforme abaixo (Gráfico 3).


Gráfico 3. Distribuição da sobrevida livre de doença segundo o tamanho do - n=84 pacientes, sendo 35 com tumores precoces (T1 e T2) e 49 com avançados (T3 e T4).



Os índices de controle do tumor primário (T) a cinco anos foi 84% nos T1, 44% T2, 37% T3 e zero nos T4.

A sobrevida livre de doença há cinco anos foi de 38% nos pacientes que realizaram radioterapia exclusiva, 49% com a quimiorradioterapia e 45% com a quimioterapia de indução à quimiorradioterapia (p=0,1). Nos tumores com estádio clínico II, sete realizaram radioterapia exclusiva e seis casos de quimiorradioterapia; nos estádios clínicos III e IV, 35 pacientes realizaram radioterapia exclusiva e 24 em associação à quimioterapia (concomitante). Na avaliação da realização de quimioterapia concomitante nos estádios clínicos II, III e IV com o tipo de indicação de radioterapia, obtivemos 8/31 (25,8%) pacientes com indicação por extensão ou irressecabilidade e 21/40 (52,5%) com indicação de preservação de órgão.

Vinte e seis pacientes apresentavam doença persistente ou residual. Ao final da radioterapia, sendo 18 delas locais, quatro regionais e quatro loco-regionais. Quatro deles foram submetidos à cirurgia de resgate do tumor primário, com a realização de duas laringectomias subtotais com cricohioidoepiglotopexia (CHEP). Nesses dois casos as lesões previamente eram de estádios clínicos T1 e T2. Os outros dois pacientes realizaram a cirurgia de resgate em outra instituição, sendo um caso laringectomia frontolateral (T1a prévio) e uma laringectomia total (T2 prévio).

Quanto às recidivas loco-regionais, foram diagnosticados 21 casos, sendo que 10 foram locais exclusivas, cinco regionais exclusivas, cinco loco-regionais e uma local e metástase à distância concomitantes. Seis pacientes foram submetidos à cirurgia de resgate do tumor primário comlaringectomia total ou faringolaringectomia. Dois desses casos eram de lesões previamente de estádios T1, enquanto que as demais eram T3. Em relação aos esvaziamentos cervicais de resgate, foram realizados em dois pacientes com linfonodos clinicamente metastáticos na apresentação inicial. Dois pacientes recusaram cirurgia de resgate.

Foram diagnosticados seis pacientes com metástase a distância, com localização pulmonar em todos os casos e, quanto ao desenvolvimento de segundo tumor primário, foram diagnosticados três casos, sendo dois na cabeça e pescoço.

Na data da última consulta ambulatorial, dentro do período considerado, 29 pacientes morreram pela doença, 18 estavam vivos e com doença loco-regional e/ou metástase à distância, cinco morreram por outras causas e 32 estavam vivos e com controle loco-regional e à distância.


DISCUSSÃO

A radioterapia convencional é uma opção terapêutica de preservação da função laríngea, tanto quanto as cirurgias parciais, nos tumores precoces (T1 e T2). Entretanto, nos tumores avançados (T3 e T4) apresenta piores resultados em relação ao controle loco-regional da doença, especialmente nos casos de linfonodos metastáticos volumosos6.

Goepfert et al.7 demonstraram que os resultados do tratamento com radioterapia são equivalentes ao cirúrgico nas lesões supraglóticas passíveis de laringectomias parciais, com índices de 88,5% nos T1 até 60% nos T4. O M.D. Anderson Cancer Center, Houston (Texas) também demonstrou resultados satisfatórios no controle local da doença nas lesões T1, T2 e em casos de T3 selecionados. No início da década de 90, apresentavam índices de controle local da doença de 100% nas lesões T1, 81% T2 e 61% T3, com a utilização de radioterapia hiperfracionada8.

Na literatura, o controle local nas lesões glóticas T1 apresenta índices superiores a 90%, entretanto, difere de acordo com o comprometimento de uma ou ambas as pregas vocais9,10. Assim, em lesões que comprometem a comissura anterior, há redução expressiva do controle local em relação às lesões restritas a uma prega vocal, com sobrevida livre de doença a cinco anos de 92,3% e 85%, respectivamente10.

O controle local há cinco anos em nossos casos com tumores T1 foi de 84%, sendo que os dois casos que apresentavam persistência da doença ao final da radioterapia foram submetidos à laringectomia fronto-lateral e laringectomia subtotal com cricohioidoepiglotopexia (CHEP) por lesões T1a. Quanto às recidivas locais, foram diagnosticadas três, sendo todas por lesões glóticas e uma delas era previamente T1b. Dois casos foram submetidos à laringectomia total.

O controle local da doença nos tumores T2 de localização glótica submetidos à radioterapia convencionalé variável, entre 55% a 76%, sendo inferior quando comparado à cirurgia no tratamento inicial1,2. Um dos fatores relacionados aos resultados inferiores nos T2 irradiados é a presença de mobilidade das pregas vocais, casos nos quais são observados índices superiores a 70%. Por sua vez, nas lesões com mobilidade reduzida das pregas vocais, a eficácia da radioterapia reduz drasticamente e o retorno à mobilidade normal durante o tratamento é apontado como fator prognóstico independente de menor número de recidivas locais11. Outros fatores relacionados ao prognóstico reservado nestas lesões é a extensão da lesão para a subglote, extensão ao recesso piriforme.2 Uma série na literatura evidenciou que a presença de uma intensidade intermediária de sinal na cartilagem tireoide, nos pacientes com tumores T2, presente na ressonância nuclear magnética, sendo altamente sugestiva de invasão da cartilagem tireoide e pior prognóstico12.

Nos tumores T2 de localização supraglótica, o principal fator relacionado com a resposta completa à radioterapia é o volume da lesão, sendo os melhores resultados observados nas lesões superficiais e de baixo volume. Estudos feitos pela Universidade da Flórida demonstraram controle local de 83% nas lesões com volume inferior a seis cm3, mensurado através de tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética. Já nas lesões com volume igual ou superior a seis cm3, o controle local foi de 46%13.

Em nosso estudo, o controle local a cinco anos das lesões T2 submetidas à radioterapia convencional foi inferior aos resultados da literatura, sendo que não foi evidenciado associação com extensão a subsítios vizinhos, tampouco com a presença de mobilidade reduzida das pregas vocais, no momento da indicação da radioterapia. Todavia, o tempo médio de espera entre a consulta inicial do paciente e a radioterapia foi de 60 dias (acrescido à distância entre o local da radioterapia e o ambulatório médico que, muitas vezes, dificulta a locomoção do paciente), podem ser os fatores responsáveis pela progressão da lesão com paralisia da prega vocal, configurando um tumor T3 ao início do tratamento.

Foram evidenciados cinco casos de persistência da doença ao final da radioterapia convencional, sendo dois deles submetidos à cirurgia de resgate com laringectomia total e laringectomia subtotal com cricohioidoepiglotopexia (CHEP). Em relação às recidivas locais, um de três casos foi submetido à laringectomia total de resgate.

Nos tumores avançados (III e IV) de laringe, o controle local nas lesões T3 é inferior aos do tratamento cirúrgico inicial, sendo aproximadamente de 30% a 40% e coincidente com os resultados encontrados neste estudo4,14. Harwood et al.15 demonstraram que os tumores transglóticos apresentam piores resultados, dentre as lesões de estádio clínico T3, submetidas ao tratamento radioterápico. Com a exclusão dos tumores transglóticos deste estudo, o resultado de controle local elevou-se para aproximadamente 50%. Com a utilização de radioterapia hiperfracionada, o estudo de fase II da ARCON (accelerated radiotherapy, carbogen, nicotinamide) em 100 pacientes portadores de tumores avançados de laringe (T3 e T4), demonstrou que o controle local há três anos foi de 80%16. Uma questão é a exclusão de tumores T4 com extensão para musculatura da base da língua, extravasamento para partes moles do pescoço e destruição grosseira da cartilagem tireoide. Tais fatores provavelmente são os responsáveis pela redução do controle local com radioterapia nas lesões T4, uma vez que a indicação ideal é o tratamento combinado (cirurgia e radioterapia pós-operatória ou radioterapia e cirurgia), além de que grande parte de pacientes necessitam de traqueostomia e/ou utilização de sonda enteral no início do tratamento.

No presente estudo, nenhum caso de persistência da doença foi submetido ao resgate e, das sete recidivas locais, quatro pacientes foram submetidos à laringectomia total de resgate. Uma desvantagem da radioterapia nos tumores T3 de laringe é a maior dificuldade de preservação de sua função na indicação da cirurgia de resgate, especialmente nos casos que previamente seriam candidatos à laringectomia subtotal. Nesta situação, indubitavelmente, a melhor indicação é de laringectomia subtotal inicialmente. Outra questão a ser considerada é a dificuldade do diagnóstico histológico da presença de persistência local da doença, em virtude dos para efeitos da radioterapia, tais como o intenso edema do órgão comumente observado nestes pacientes, até necrose da cartilagem tireoide, retardando o tratamento de resgate. Por sua vez, este fator pode relacionar-se com a progressão da doença e piora do estado geral do paciente, tornando a doença irressecável e/ou paciente inoperável.

Por outro lado, a laringectomia supracricoide com cricohioidoepiglotopexia (CHEP) indicada como tratamento inicial pode cursar com sequelas funcionais, tais como aspiração e ausência de decanulização. Chevalier et al.17 demonstraram uma série de 112 casos de tumores de laringe submetidos à laringectomia supracricoide com cricohioidoepiglotopexia (CHEP) no tratamento inicial, sendo 22 desses tumores de estádio T3. Dentre todos os casos, dois pacientes evoluíram no pós-operatório com traqueostomia permanente, em decorrência de estenose laríngea e foram submetidos à laringectomia total.

Nos casos de indicação de laringectomia subtotal com cricohioidoepiglotopexia (CHEP) nos tumores T2 e T3, independentemente do status linfonodal do pescoço, a cirurgia é o procedimento de escolha de nosso serviço. Em especial nas lesões T3, a laringectomia subtotal tem prognóstico comparável à laringectomia total e com excelentes resultados funcionais, em grande parte dos pacientes. Ainda, as diretrizes do serviço dão prioridade à laringectomia total nas lesões T3, mesmo na presença depescoço N(0) e a radioterapia é oferecida como alternativa de tratamento.

No início dos anos 90, os resultados do Veterans Affairs Laryngeal Cancer Study Group demonstravam 38% de laringectomias totais nos pacientes submetidos à quimiorradioterapia, sendo que 56% foram nos tumores T4, enquanto que nos tumores com estadiamento inferior a T4, o índice de cirurgia de resgate foi inferior a 29%18. Neste estudo, quatro pacientes com tumores T4 apresentaram resposta completa à radioterapia convencional e na vigência de recidiva local, não foram passíveis de cirurgia de resgate. Entretanto, grande parte dos casos que foram submetidos à radioterapia convencional, a indicação foi irressecabilidade/extensão da doença associada a condições clínicas precárias. Este cenário difere de alguns protocolos de preservação de órgãos com doença T4 ressecável e, ainda, os pacientes portadores de lesões com comprometimento maciço da cartilagem tireoide e extravasamento para partes moles do pescoço parecem ser melhor candidatos a tratamento cirúrgico inicial, uma vez que a preservação da função da laringe é evento incomum aos pacientes atendidos neste serviço.

Forastiere et al.19 demonstraram que os pacientes nos estádios clínicos II, III e IV submetidos à quimiorradioterapia e quimioterapia de indução apresentaram maior índice de controle loco-regional da doença, em relação aos pacientes submetidos à irradiação ionizante exclusiva, sendo de 78%, 61% e 56%. É inquestionável a associação de quimioterapia à radioterapia para resultados superiores de controle loco-regional da doença e, neste estudo, os achados são coincidentes. Todavia, o maior número de indicações de radioterapia convencional exclusiva deve-se aos casos de irressecabilidade/extensão e preservação de órgãos em tumores precoces (T1 e T2) com ausência de linfonodos palpáveis.

Em nosso estudo, considerando-se as indicações de radioterapia convencional, dentre os casos de persistências de doença regional no final da radioterapia, nenhum caso foi ao tratamento com esvaziamento cervical. Todos os pacientes apresentavam linfonodos cervicais palpáveis de estádio clínico N3 e/ou irressecabilidade, com permanência da(s) contra-indicação(s) inicial para a cirurgia de resgate.


CONCLUSÕES

Em nosso estudo do tratamento radioterápico convencional associada ou não à quimioterapia, em pacientes portadores de carcinoma epidermoide de laringe, cerca de 63,1% dos casos com indicação de preservação de órgãos com doença ressecável apresentaram sobrevida livre de doença há cinco anos de 62,5%.


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1. Mestre em Ciências da Saúde pelo Curso de Pós Graduação do Hospital Heliópolis, Assistente do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e ORL do Hospital Heliópolis.
2. Doutor em Medicina pela UNIFESP, Chefe do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e ORL do Hospital Heliópolis.
3. Livre-Docente pela Universidade de São Paulo, Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis.
4. Doutor em Medicina pela UNIFESP, Assistente do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e ORL do Hospital Heliópolis.
5. Doutor em Medicina pela USP, Assistente do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e ORL do Hospital Heliópolis.

Hospital Heliópolis.

Endereço para correspondência:
Rua Cônego Xavier 276 10 andar 04231-030
São Paulo SP.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 19 de maio de 2009. cod. 6408

Artigo aceito em 30 de setembro de 2009

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