Ano: 2010 Vol. 76 Ed. 2 - Março - Abril - (7º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 185 a 192
Fissura palatina reparada: fechamento velofaríngeo antes e durante o som basal
Cleft palate repair: velopharyngeal closure before and during the basal tone
Autor(es): Giseane Conterno1, Carla Aparecida Cielo2, Vanessa Santos Elias3
Palavras-chave: fisiologia, fissura palatina, palato mole, voz.
Keywords: soft, cleft palate, palate, voice.
Resumo:
Portadores de fissura palatina apresentam inadequado fechamento velofaríngeo (FVF), com consequente hipernasalidade vocal que pode ser diminuída com o som basal. Objetivo: Comparar o FVF durante a realização do som basal com a emissão em registro modal, em pacientes com fissura palatina pós-forame reparada. Materiais e Métodos: Estudo de Casos com quatro homens adultos, portadores de fissura palatina pós-forame reparada. Imagens do FVF por nasofaringoscopia, durante a emissão da vogal [a] em registro modal e basal. Julgamento das imagens realizado por quatro otorrinolaringologistas. Resultados: Em três sujeitos, não houve mudança no tipo de FVF entre os registros analisados; as modificações que ocorreram na maioria dos sujeitos referem-se apenas ao grau de movimentação das estruturas envolvidas, pois, em registro basal, o movimento das paredes laterais da faringe se manteve, o movimento da parede posterior da faringe estabilizou, o movimento do véu palatino diminuiu discretamente, e a Prega de Passavant se evidenciou. Conclusões: O tipo de FVF se manteve em três dos quatro sujeitos analisados, quando comparado o registro modal com o basal, havendo modificações no grau da movimentação das estruturas envolvidas, evidenciando a Prega de Passavant.
Abstract:
Patients with palatine fissure have inadequate velopharyngeal closure (VPC), with consequent vocal hypernasality which can be reduced by a basal tone. Aim: to compare VPC during a basal tone with the emission of a modal recording, in patients with repaired post-foramen palatine fissure. Materials and methods: case study with four adult men, all with repaired post-foramen palatine fissure. VPC images through nasal-pharyngoscopy during the emission o f the [a] vowel in a modal and basal recording. The images were studied by four ENTs. Results: in three subjects there was no change in the type of VPC considering the recordings analyzed; the changes which happened to most of the subjects are associated only to the degree of movement of the structures involved, since in the basal recording the movement of the laryngeal lateral walls was kept, the movement of the posterior pharyngeal wall stabilized, the movement of the palatine veil was mildly reduced, and the Passavant fold was evident. Conclusions: The type of VPC was kept in the four subjects analyzed, when we compared the modal and basal recordings, there was a modification in the degree of movements in the structures involved, making it clear the Passavant Fold.
INTRODUÇÃO
O esfíncter velofaríngeo (EVF), que funciona como uma válvula que se fecha de forma esfinctérica, corresponde à área das paredes laterais e posterior da faringe, sendo delimitado anteriormente pelo palato mole1,2.
Este tem como uma das funções separar a cavidade nasal da cavidade orofaríngea3, fator muito importante na produção da fala equilibrada por impedir o escape de ar nasal durante a articulação consonantal4-6.
Fisiologicamente há grande variedade no seu mecanismo de oclusão, podendo ser classificado em quatro diferentes padrões, baseados nos vários graus do movimento palatino e das paredes da faringe: coronal, sagital, circular e circular com prega de Passavant7.
As alterações de fala apresentadas pelos pacientes fissurados são consequência, principalmente, do mau funcionamento do mecanismo velofaríngeo, já que a insuficiência velofaríngea pode causar um desequilíbrio na ressonância oronasal fazendo predominar a voz hipernasal8-10.
Quando o tratamento cirúrgico não resulta em um EVF capaz de manter a ressonância adequada durante a fala9,11, o tratamento fonoaudiológico pode vir a contribuir para a reabilitação desses pacientes fissurados8,12,13, sendo realizado com a utilização de técnicas vocais.
Atualmente, a técnica do som basal é habitualmente utilizada nas disfonias funcionais e orgânico-funcionais14,15, porém, de acordo com alguns autores8,12,16-23 essa técnica também pode vir a auxiliar o fechamento do EVF e, consequentemente, a diminuir a ressonância nasal tão presente na voz dos pacientes fissurados.
Assim, a presente pesquisa visa analisar o fechamento do EVF em pacientes masculinos portadores de fissura palatina pós-forame, reparada cirurgicamente, durante a realização da técnica do som basal e compará-lo com o fechamento durante a emissão em registro modal. Desta forma, busca-se alargar a compreensão das relações entre o uso do registro basal e a fisiologia nasofaríngea.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS
Esta pesquisa caracteriza-se como Estudo de Casos, visando descrever e analisar os resultados obtidos. Os dados brutos (imagens) foram obtidos do Banco de Dados da instituição de origem, sendo o trabalho previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa desta instituição (número 23081.008439/2007-16).
Para a obtenção dos dados brutos do presente trabalho, retirados do Banco de Dados, os pacientes passaram previamente pelos procedimentos descritos a seguir.
Foram levadas em consideração as preocupações éticas, decorrentes da realização de experimentos e avaliações com seres humanos, em cumprimento às determinações da norma 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), por meio da utilização de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) prévio, salvaguardando-se a todos os participantes os direitos de sigilo quanto à identidade e voluntariado.
A amostra constituiu-se em um grupo de estudo composto de quatro indivíduos, voluntários, do sexo masculino, do Banco de Dados, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser esclarecido sobre a pesquisa e ter assinado o TCLE; ser portador de fissura palatina pósforame, reparada cirurgicamente; ser do sexo masculino; e não ter realizado tratamento fonoaudiológico prévio, com a finalidade de evitar que condicionamento muscular tenha sido utilizado para estimular o fechamento velofaríngeo. Os critérios de exclusão foram: ser adolescente ou idoso, com o objetivo de eliminar os períodos de alteração vocal decorrentes tanto da muda vocal, que no homem ocorre aproximadamente entre os 13 e 15 anos de idade24, quanto da presbifonia, que ocorre com o envelhecimento25; apresentar inabilidade de realização da técnica do som basal, considerando-se que toda técnica fonoterapêutica deve ser previamente ensinada, sendo que nem todos os pacientes conseguem realizar todas as técnicas propostas; possuir alterações auditivas, pois a realimentação auditiva tem um importante papel na produção vocal26, de modo que a sua falta ou distorção poderia influenciar o automonitoramento vocal27 e, consequentemente, comprometer a percepção auditiva da hipernasalidade e da execução do som basal; e possuir alterações neurológicas ou outras malformações.
Os seguintes materiais foram utilizados: Termo de Autorização Institucional; TCLE; protocolo de anamnese; avaliação auditiva, que foi realizada por conta de cada paciente, por meio de encaminhamento ao médico otorrinolaringologista; avaliação otorrinolaringológica, através do exame de nasofaringoscopia, com o estudo da função velofaríngea que utilizou: Fita VHS para registro, Televisor Semp Toshiba 14" modelo Lumina Line, Vídeo Cassete Sony (VHS) 4 cabeças - SLV - 66 BR, Rinolaringoscópio RL-100 Welch Allyn, Fonte de Luz - marca Kom Lux Fibras Ópticas - modelo HL2250, tecnologia para converter as imagens de videocassete em cd room, para posterior análise, através de programa de edição Virtual Dub de placa Pinacle PCTV; programa Power Point.
Primeiramente, foi realizada uma anamnese, com o desígnio de investigar os dados de identificação de cada paciente, o diagnóstico ao nascimento, os dados referentes à cirurgia e à realização ou não de fonoterapia prévia, dentre outros aspectos, com o objetivo de selecionar os pacientes por meio dos critérios de inclusão e de exclusão.
Posteriormente, os pacientes receberam uma explicação oral a respeito da importância do estudo em questão, da importância da assinatura do TCLE, dos critérios de inclusão e de exclusão e da técnica terapêutica a ser utilizada. Nessa oportunidade, foram ensinados a realizar a técnica do som basal, sendo monitorados por uma fonoaudióloga.
Cada paciente trouxe uma cópia de sua avaliação auditiva, previamente solicitada pelo médico otorrinolaringologista, em virtude dos critérios de exclusão.
Dos 14 voluntários (cinco do sexo masculino e nove do sexo feminino) a participar da pesquisa, dez foram rejeitados, por não se encaixarem nos critérios de inclusão e/ou exclusão, restando quatro indivíduos do sexo masculino, com idades de 19, 24, 24 e 26 anos que realizaram uma avaliação otorrinolaringológica, por meio do exame de nasofaringoscopia, com o estudo da função velofaríngea.
Essa avaliação constou de dois momentos: no primeiro, os indivíduos foram orientados a emitir a vogal [a] sustentada no registro modal, em tom e intensidade habituais em tempo máximo de fonação27. No segundo, os participantes realizaram emissão em som basal em tempo máximo de fonação16,28. Durante essa avaliação, foram gravadas as imagens da área de fechamento do EVF.
As imagens selecionadas do exame de nasofaringoscopia foram congeladas, digitalizadas e transferidas para o programa Power Point. Cada imagem foi dimensionada arbitrariamente em 12,5 x 10cm2. Isso não implica que a anatomia dos pacientes apresentou essas medidas e sim que as imagens foram ampliadas para favorecer a visualização. Para o cálculo das áreas de fechamento do EVF aplicou-se o programa Vector Works, utilizado no âmbito da arquitetura para calcular uma determinada área automaticamente sobre as dimensões arbitrárias de 12,5 x 10cm2.
A partir das etapas descritas anteriormente, realizadas com os pacientes e cujos dados foram armazenados no Banco de Dados, iniciaram-se os procedimentos da presente pesquisa.
Para a análise do tipo de fechamento velofaríngeo e grau de movimentação das estruturas velofaríngeas realizados pelos pacientes, antes e durante a realização da técnica do som basal, as imagens de antes e de durante o som basal foram avaliadas por três otorrinolaringologistas, considerando-se, para fins de resultado, a opinião em comum, ou a predominante, entre a avaliação dos juízes. Utilizou-se um protocolo específico de avaliação do tipo de fechamento do EVF.
O tipo de fechamento velofaríngeo foi classificado levando-se em consideração os seguintes padrões de fechamento7:
- coronal: participação mais evidente do palato mole;
- sagital: participação mais evidente das paredes laterais da faringe;
- circular: participação mais evidente tanto do palato mole quanto das paredes laterais da faringe;
- circular com prega de Passavant: participação evidente do palato mole e das paredes laterais da faringe, incluindo a parede posterior da faringe com a prega de Passavant.
Cada otorrinolaringologista realizou seu julgamento independentemente do julgamento dos demais (isoladamente), para evitar qualquer parcialidade nos resultados, utilizando-se de protocolo específico e sem saber se a imagem avaliada referia-se ao antes ou ao durante o som basal, nem se elas correspondiam ao mesmo paciente. Além disso, cada imagem foi apresentada duas vezes a cada juiz, ou seja, as imagens de antes e as de durante o som basal de cada paciente apareceram duas vezes aleatoriamente para os juízes, de modo que cada juiz avaliou duas vezes a mesma imagem sem o saber. Além disso, os juízes não conheciam o objetivo da pesquisa. Esses fatos garantiram maior confiabilidade dos resultados.
Um quarto otorrinolaringologista foi solicitado nos casos de empate entre o julgamento dos três primeiros juízes, visto que cada imagem foi julgada seis vezes.
Após as avaliações, em função do reduzido número de pacientes, não foi possível a obtenção de um tratamento estatístico, e os dados encontrados foram analisados de forma qualitativa, o que caracteriza este trabalho como um Estudo de Casos.
As imagens do fechamento velofaríngeo, antes e durante a emissão em registro basal estão expostas nas Figuras de 1 a 8.
Figura 1. Paciente 1: fechamento do EVF em registro modal
Figura 2. Paciente 1: fechamento do EVF em registro basal
Figura 3. Paciente 2: fechamento do EVF em registro modal
Figura 4. Paciente 2: fechamento do EVF em registro basal
Figura 5. Paciente 3: fechamento do EVF em registro modal
Figura 6. Paciente 3: fechamento do EVF em registro basal
Figura 7. Paciente 4: fechamento do EVF em registro modal
Figura 8. Paciente 4: fechamento do EVF em registro basal
Os resultados das avaliações das imagens, julgadas pelos otorrinolaringologistas, classificadas conforme o tipo de fechamento velofaríngeo realizado pelos pacientes e movimentação das estruturas do EVF, antes e durante a realização da técnica do som basal, estão expostos nas Tabelas 1 e 2. Os resultados da área de fechamento velofaríngeo, calculado pelo programa Vector Works estão expostos na Tabela 3.
DISCUSSÃO
O fechamento velofaríngeo é realizado pela tensão do véu palatino e por sua elevação em direção às paredes faríngeas, as quais também se movem em direção a ele3. Porém, como nos indivíduos portadores de fissura palatina os músculos formadores do EVF encontram-se alterados em sua anatomia e fisiologia, não proporcionando funcionamento normal das estruturas ósseas e musculares1,9,29,30, pode-se considerar os fechamentos analisados nesta pesquisa como "tentativa ou tendência de fechamento"31, por entender-se que os casos estudados eram de indivíduos portadores dessa deformidade e o fechamento total do EVF nem sempre ocorreu, nos dois registros pesquisados.
De acordo com a literatura os sujeitos portadores de fissura palatina apresentam o deslocamento do véu bastante diminuído1. Porém, no presente estudo, durante a emissão em registro modal, dois dos quatro pacientes fissurados apresentaram tipo de fechamento velofaríngeo coronal (Tabela 1), o qual apresenta participação mais evidente do palato mole7, e um apresentou o tipo circular com prega de Passavant (Tabela 1), que apresenta participação evidente do palato mole e das paredes laterais da faringe, incluindo a parede posterior da faringe com a prega de Passavant7.
Ainda, sujeitos fissurados apresentam aumento do tipo de fechamento circular ou sagital, o que leva a pensar que o aumento da participação das paredes laterais da faringe poderia ser uma compensação pela disfunção velofaríngea31. Entretanto, na presente pesquisa, somente um paciente apresentou fechamento velofaríngeo do tipo sagital, sendo que o fechamento do tipo circular não foi encontrado em nenhum paciente no registro modal (Tabela 1).
Porém, o fato de dois pacientes fissurados apresentarem tipo de fechamento coronal em emissão modal na presente pesquisa (Tabela 1) concorda com os resultados encontrados em um estudo no qual foram analisados os achados do teste de emissão de ar nasal e nasofaringoscopia em 21 indivíduos operados de fissura pós-forame e transforame incisivo, verificando-se predominância do tipo de fechamento coronal (48%)31. Em relação ao registro modal, o presente trabalho também concorda com outro estudo que encontrou como tipo de fechamento velofaríngeo predominante o coronal, tanto no registro modal quanto no basal16. Em relação ao registro basal, esta pesquisa encontrou fechamento velofaríngeo preponderantemente sagital (Tabela 2) divergindo do estudo citado anteriormente16.
De forma geral, o que se verificou neste estudo, comparando-se o fechamento velofaríngeo em registro basal com o fechamento velofaríngeo em registro modal, foi que o tipo de fechamento se manteve na maioria dos pacientes, havendo modificações no grau da movimentação das estruturas envolvidas.
Pôde-se observar, analisando-se o movimento das estruturas do EVF no grupo, em comparação à emissão em registro modal, que durante a emissão em registro basal o movimento da parede posterior da faringe foi maior e mais estável, bem como a presença da prega de Passavant também foi maior. A movimentação do véu palatino apresentou-se discretamente diminuída e o movimento das paredes laterais da faringe se manteve.
Em função de tais achados é possível supor que durante o som basal a prega de Passavant e a parede posterior da faringe compensam o fato de os pacientes portadores de fissura palatina apresentarem o deslocamento do véu palatino diminuído1, aumentando o fechamento do EVF8,12,16-23 por meio dessas duas estruturas.
Pode-se explicar esse aumento do movimento da parede posterior da faringe e da presença da prega de Passavant, ocasionados pela mudança de registro vocal, através da afirmação de alguns autores de que a produção vocal requer sincronia entre o fechamento da válvula do EVF e da válvula das pregas vocais, ou seja, há uma interrelação fisiológica entre laringe e véu palatino bastante evidente1,32. Uma vez que o registro basal promove maior fechamento glótico33,34 é possível que tenha ocorrido maior atividade muscular do EVF nos pacientes desta pesquisa, ativando mais a parede faríngea posterior e a prega de Passavant.
Vários trabalhos relacionados ao registro basal reforçam essa possibilidade como o estudo realizado em indivíduos adultos, do sexo feminino e sem alterações laríngeas, com o objetivo de verificar o grau de constrição da parte nasal da faringe na emissão em registro basal em comparação com o registro modal. Os resultados deste estudo encontraram maior constrição da parte nasal da faringe durante o registro basal comparado ao modal, além de maior amplitude de movimento do véu palatino e das paredes laterais da faringe e maior contração do músculo da úvula durante o registro basal16.
Outros autores mencionam a utilização da técnica do som basal objetivando o maior fechamento do EVF, já que essa técnica pode agir na parte nasal da faringe de forma isométrica8,12, assim como ocorreu nos pacientes da presente pesquisa, confirmado pelo ganho, em área, no fechamento do EVF durante a emissão em registro basal (Tabela 3).
Em estudo realizado com o objetivo de verificar a mobilidade das estruturas do esfíncter velofaríngeo durante a realização do som basal, a fim de reduzir a hipernasalidade, foi encontrada durante a realização da técnica importante medialização das paredes laterais da faringe, anteriorização da parede posterior da faringe, bem como elevação do palato mole e da úvula, ocasionando o fechamento total do EVF do paciente avaliado20.
Ainda, no trabalho que teve por objetivo verificar a eficácia do uso do som basal sobre o fechamento do EVF de cinco sujeitos adultos portadores de fissura palatina pós-forame reparada cirurgicamente e sem tratamento fonoaudiológico prévio, observou-se um ganho médio de 4,25 cm2 de fechamento em relação à área de fechamento do EVF antes da realização do som basal em quatro dos cinco casos avaliados (imagens com 12X10cm e medidas feitas sobre essas dimensões de imagem). Constando-se, assim, que a técnica do som basal é bastante eficaz para estimular a mobilidade dos músculos e a manutenção do comportamento muscular das estruturas que compõem o EVF, reduzindo a área de escape de ar que provoca a hipernasalidade nos casos de fechamento velofaríngeo inadequado22, fator evidenciado também neste estudo quando comparadas as áreas de fechamento do EVF durante o som basal com o registro modal em todos os pacientes (Tabela 3).
Por meio de resultados obtidos em pesquisa16, afirma-se que o aumento da constrição da nasofaringe, envolvendo o EVF, durante o registro basal deve-se ao fato de que, nesse registro, a laringe fica rebaixada aumentando as dimensões verticais da faringe, sendo necessários ajustes motores em todo o trato vocal para a manutenção da ressonância adequada à emissão do indivíduo. Este aumento da constrição ao nível da nasofaringe durante a emissão vocal em registro basal foi verificado também nos pacientes do presente trabalho.
Ainda, deve-se levar em consideração o trabalho que teve por objetivo estudar a voz metálica considerando os ajustes que ocorrem na velofaringe, faringe e laringe durante essa emissão. Nessa pesquisa, os autores encontraram, dentre os resultados, dez sujeitos que apresentaram abaixamento velar durante a emissão metal e, dentre esses dez sujeitos, nove que apresentaram elevação laríngea concomitante ao abaixamento velar. Assim, inferiram que tais resultados podem estar relacionados à interligação fisiológica entre esses dois ajustes, determinados parcialmente pelo músculo palatofaríngeo35.
A interligação fisiológica determinada pelo músculo palatofaríngeo é um dos fatores que se acredita ter influenciado a maior movimentação da parede faríngea posterior e da prega de Passavant do EVF durante o registro basal, quando comparado ao registro modal nesta pesquisa, visto que esse músculo atua como elevador palatino, abaixador da faringe e abaixador velar1,35 além de contribuir para a formação da prega de Passavant1.
Durante a emissão em registro basal do paciente 1, pôde-se perceber, quando comparada à emissão em registro modal, que houve diminuição do movimento do véu palatino (Tabela 1). Esse episódio explica-se pelo fato de que tal paciente apresentou o tipo de fechamento coronal, que apresenta maior participação do véu palatino7, durante a produção modal, apresentando o tipo de fechamento sagital, que é realizado com maior participação das paredes laterais da faringe7, durante a emissão basal.
Acredita-se ainda que as mudanças na movimentação das estruturas formadoras do EVF durante a produção do som basal, comparada à emissão em registro modal, também tenham ocorrido verticalmente, já que o EVF age de forma tridimensional1,2,10,29.
Tais afirmações são pertinentes ao se analisar um estudo que encontrou na emissão em registro basal de alguns sujeitos participantes que o ponto de contato entre o véu palatino e a parede posterior da faringe visualmente ocorreu num ponto mais superior do eixo crânio-caudal, ou seja, se movimentou verticalmente16.
Com base na afirmação de que a mobilização do véu palatino e o fechamento gerado pela emissão contínua em som basal independem do tipo de fechamento velofaríngeo16, acredita-se que, mesmo não tendo havido, no geral, mudanças no tipo de fechamento velofaríngeo durante a emissão em som basal, houve maior movimentação de algumas estruturas velofaríngeas, o que pode ser responsável pelo maior fechamento do EVF durante esse tipo de emissão, diminuindo a ressonância nasal tão presente e prejudicial à comunicação dos pacientes portadores de fissura palatina8,12,16-23, o que pôde ser confirmado pelo ganho na área de fechamento do EVF observado durante o registro basal, quando comparado ao modal, em todos os pacientes analisados (Tabela 3).
Ainda, deve-se mencionar que, quando colocadas as imagens durante o registro modal e registro basal de cada paciente lado a lado, observa-se grande movimentação das estruturas envolvidas no fechamento do EVF durante o registro basal, em todos os pacientes, maior do que o resultado da movimentação julgada pelos médicos. Esse fato provavelmente se deva ao julgamento cego, imagem por imagem, sem possibilidade de comparação intrapaciente, que foi realizado pelos otorrinolaringologistas na presente pesquisa.
CONCLUSÕES
Com base neste estudo de casos, pôde-se concluir que o tipo de fechamento do esfíncter velofaríngeo se manteve em três dos quatro pacientes analisados, quando comparado o registro modal ao basal.
As modificações que ocorreram na maioria dos casos estudados referem-se apenas ao grau de movimentação das estruturas envolvidas, pois, em registro basal, o movimento das paredes laterais da faringe se manteve, o movimento da parede posterior da faringe estabilizou, o movimento do véu palatino diminuiu discretamente, e a prega de Passavant se evidenciou.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Altmann EBC. Anatomia e fisiologia do esfíncter velofaríngico. In: Altmann EBC. Fissuras Labiopalatinas. 4 ed. São Paulo: Pró-fono. 1997:133-56.
2. Camargo LOS, Rodrigues CM, Avelar JA. Oclusão velofaríngea em indivíduos submetidos à nasoendoscopia na Clínica de Educação para Saúde (CEPS). Salusvita. 2001;20(1):35-47.
3. Cheng N, Zhao M, Qi K, Deng H, Fang Z, Song R. A modified procedure for velopharyngeal sphincteroplasty in primary cleft palate repair and secondary velopharyngeal incompetence treatment and its preliminary results. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2006;59:817-25.
4. Greene MCL. Distúrbios da voz. Aparecida: Manole; 1989.p.503.
5. Conley SF, Gosain AK, Mark SM, Larson DL. Identification and Assessment of Velopharyngeal Inadequacy. Am J Otolaryngol. 1997;18(1):38-46.
6. Zemlin WR. Princípios de Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. São Paulo: Artmed; 2002:244-335.
7. Skolnick ML, McCall GN, Barnes M. The sphincteric mechanism of velopharyngeal closure. Cleft Palate J. 1973;10:286-305.
8. DAgostino L, Machado LP, Lima RA. Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea. In: Filho OL. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997; 829- 60.
9. Matos HM. LA Articulación del habla en individuos con hendiduras labiopalatinas corregidas: estudio de dos casos. Rev CEFAC. 2006;8(2):186-97.
10. Lam DJ, Starr JR, Perkins JA, Lewis CW, Eblen LE, Dunlap J et al. A Comparison of Nasendoscopy and Multiview Videofluoroscopy in Assessing Velopharyngeal Insufficiency. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;134:394-402.
11. Ysunza A. Fisiología de músculos faríngeos posterior a la restauración quirúrgica del esfínter velofaríngeo. Gac Méd Méx. 2005;141(3):195-9.
12. Lima RA, Machado LP, DAgostino L. Abordagem Fonoaudiológica nas Fissuras Labiopalatinas e Inadequações Velofaríngeas. In: Costa HO, Duprat AC, Eckley CA. Laringologia Pediátrica. São Paulo: Roca; 1999;223-33.
13. Parri FJ, Soares-Oliveira M, Aparício LG, Sancho MA, Sarget R, Morales L. Fisura labiopalatina bilateral: Experiencia de un centro con abordaje multidisciplinar. Cirurgia Pediátrica. 2001;14(3):124-26.
14. Pinho SM. Fundamentos em Fonoaudiologia - Tratando os Distúrbios da Voz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.p.128.
15. Behlau M, Madazio G, Feijo D, Azevedo R, Gielow I, Rehder MI. Aperfeiçoamento vocal e tratamento fonoaudiológico das disfonias. In: Behlau M. organizador. Voz: O livro do especialista. vol 2. Rio de Janeiro: Revinter; 2005.p.409-564.
16. Machado LP. Análise Comparativa da Constrição da parede nasal da Faringe em registro Modal e Basal. [Monografia]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina; 1996.
17. Behlau M, Machado L, Guedes Z, Pontes P, Pontes A. Using vocal fry to trat nasality problems. In: Pacific Voice Conference. Tenth Annual, San Francisco, California, 1997.
18. Furia CLB. Reabilitação fonoaudiológica das ressecções de boca e orofaringe. In: Carrara-De Angelis E, Furia CLB, Mourão LF, Kowalski LP. A atuação fonoaudiológica no câncer de cabeça e pescoço. São Paulo: Lovise; 2000.p.209-19.
19. Elias VS, Martins VB, Estrela F. Reabilitação do paciente disfágico em cirurgia de cabeça e pescoço. In: Jacobi JS, Levy DS, Silva LMC. Disfagia - Avaliação e Tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p.233-76.
20. Elias VS, Cielo CA, Knak IS, Faller GJ. Efeito do som basal em um caso de deficiência velofaríngea leve. In: XII Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia, II Congresso Sul-brasileiro de Fonoaudiologia, 2004, Foz do Iguaçu. Anais. Foz do Iguaçu: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2004.
21. Elias VS, Cielo CA. Utilização da técnica do som basal para estimular o fechamento do esfíncter velofaríngico de sujeito portadores de fissura palatina operada. Tema Livre. Congresso Brasileiro de Terapias em Fonoaudiologia, out, Porto Alegre.
22. Elias VS. Eficácia do uso do som basal no fechamento do esfíncter velofaríngeo [Dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2005.
23. Brum DM. Modificações vocais e laríngeas ocasionadas pelo som basal [dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2006.
24. Santos MAO, Moura JMP, Duprat AC, Costa HO, Azevedo BB. A interferência da muda vocal nas lesões estruturais das pregas vocais. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(2):226-30.
25. Soares EB, Borba DT, Barbosa TK, Medved DM, Montenegro ACA. Hábitos vocais em dois grupos de idosos. Rev CEFAC. 2007;9(2):221- 27.
26. Prado AC. Principais características da produção vocal do deficiente auditivo. Rev CEFAC. 2007;9(3):404-10.
27. Bolzan GP, Cielo CA, Brum DM. Efeitos do som basal em fendas glóticas. Rev CEFAC. 2008;10(2):218-25.
28. Carrara E. Análise comparativa da configuração laríngea, perceptual auditiva e espectrográfica acústica da qualidade vocal pré e pós emissão vocal em registro basal. [Monografia] São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina; 1991.
29. Satoh K, Wada T, Tachimura T, Fukuda J. Velar ascent and morphological factors affecting velopharyngeal function in patients with cleft palate and noncleft controls: a cephalometric study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2005;34:122-6.
30. Ysunza A, Pamplona C. Disfunción del esfínter velofaríngeo y su tratamiento. Cirugia plastica. 2006;16(1):62-8.
31. Penido FA, Noronha RMS, Caetano KI, Jesus MSV, Ninno CQMSD, Britto ATBO. Correlação entre os achados do teste de emissão de ar nasal e da nasofaringoscopia em pacientes com fissura labiopalatina operada. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):126-34.
32. Pinho SMR, Joo SH. Distúrbios do fechamento velofaríngeo e alterações laríngeas. Pró-Fono. 1995;7(2):57-9.
33. Blomgren M, Chen Y, Ng M, Gilbert HR. Acoustic, aerodynamic, physiologic, and perceptual properties of modal and vocal fry registers. J Acoust Soc Am. 1998;103:2649-58.
34. Slifka J. Some Physiological Correlates to Regular and Irregular Phonation at the End of an Utterance. J Voice. 2006;20(2):171-86.
35. Hanayama EM, Camargo ZA, Tsuji DH, Pinho SMR. Voz metálica: estudo das características fisiológicas. Rev CEFAC. 2004;6(4):436-45.
1. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana, Fonoaudióloga.
2. Doutora em Linguagem Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Professora adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria-RS.
3. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria-RS, Professora adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Feevala-RS.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 31 de maio de 2009. cod. 6426
Artigo aceito em 8 de novembro de 2009