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Ano:  2010  Vol. 76   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 178 a 184

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Fístula perilinfática em cobaias: comparação entre evolução natural e correção cirúrgica

Perilymphatic fistula in guinea pigs: natural evolution versus surgical treatment

Autor(es): Ektor Tsuneo Onishi1, Yotaka Fukuda2

Palavras-chave: fístula, janela da cóclea, perilinfa.

Keywords: fistula, round window, perilymph.

Resumo:
As fístulas perilinfáticas ainda constituem um grande desafio quanto ao seu tratamento. Em alguns casos, seu fechamento cirúrgico pode reduzir as sequelas auditivas e vestibulares. Objetivo: Comparar o comportamento de fístulas perilinfáticas de janela coclear em cobaias quanto à evolução natural e fechamento cirúrgico imediato. Material e Método: Estudo experimental. Quarenta cobaias foram submetidas à lesão da membrana da janela coclear e divididas em dois grupos aleatoriamente: fístula aberta (FA) e fístula fechada cirurgicamente (FF). Foram determinadas as amplitudes e latências do potencial de somação (PS) e do potencial de ação (PA) e da relação PS/PA em três momentos: pré-fístula (PRÉ), pós-fístula imediato (PFI) e pós-fístula tardio (PFT). Resultados: Observou-se significativa queda das amplitudes e aumento das latências do PS e PA entre os momentos considerados. Quanto à relação PS/PA, houve diminuição entre PRÉ e PFI mas aumento entre PFI e PFT, ambos significantes. Não houve diferença de comportamento entre os grupos FA e FF. Conclusões: No período considerado, cobaias submetidas a lesões da membrana da janela coclear evoluíram com piora dos potenciais e latências. Apesar da melhora parcial dos parâmetros eletrofisiológicos o fechamento cirúrgico não se mostrou estatisticamente mais efetivo que a evolução natural das mesmas.

Abstract:
Perilymphatic fistulas still represent a major treatment challenge. In some cases, its surgical closure can reduce auditory and vestibular sequelae. Aim: to compare the behavior of cochlear window perilymphatic fistulas in guinea pigs as to their natural evolution and immediate surgical closure. Materials and Methods: Experimental study. Forty guinea pigs were submitted to cochlear window membrane lesion and randomly broken down into two groups: open fistula (OF) and surgically closed fistula (SCF). We found the summation potential (SP) and action potential (AP) latencies and amplitudes and the SP/AP ratio at three times: pre-fistula (PRE), immediate post-fistula (IPF) and late post-fistula (LPF). Results: There was a significant drop in amplitudes and raise in SP and AP latencies among the times studied. As to the SP/AP ratios, there was a reduction between PRE and IPF, both were significant. There was no behavior difference between the OF and SCF. Conclusions: Within the time frame considered, guinea pigs submitted to cochlear window membrane lesions evolved with a worsening in potentials and latencies. Despite the partial improvement in electrophysiological parameters, surgical closure did not prove statistically more effective than natural evolution.

INTRODUÇÃO

Considerada como uma comunicação anormal entre a cóclea e a cavidade da orelha média, a fístula perilinfática (FP) pode originar-se de complicação de otite média crônica, traumatismo cranioencefálico, trauma acústico e barotrauma entre outros, devendo-se ressaltar as fístulas devido a malformações congênitas responsáveis por surtos de meningite de repetição, e as iatrogênicas, relacionadas a cirurgias otológicas, em especial as do estribo1-5.

Tem sido observada uma grande variabilidade quanto à sua expressão clínica, o que dificulta não só o diagnóstico, mas também frustra as tentativas de classificar ou padronizar seus sintomas e sinais. Mais comumente encontramos relatos de disacusia neurossensorial de grau variável, de início súbito ou flutuante, associado à vertigem ou tontura e zumbido. Perdas condutivas também podem ocorrer, com menor frequência1,4,6.

Vários são os tratamentos propostos, assim como os resultados obtidos7,8. Se por um lado há grande preocupação quanto ao custo gerado pelo procedimento cirúrgico e internação, as sequelas a médio e longo prazo da persistência da FP e suas consequências - a necessidade de reabilitação e readaptação do indivíduo com disacusia e vertigem - também não podem ser esquecidas, já que afetam diretamente a qualidade de vida do paciente. Existem evidências de que a normalização da pressão perilinfática é condição para recuperação do labirinto membranoso e melhora precoce dos sintomas vestibulares9-12. Este fato não pode simplesmente ser ignorado, pois consiste em alternativa terapêutica viável que deve ser colocada à disposição dos pacientes, principalmente frente aos pobres resultados obtidos no tratamento das disacusias neurossensoriais de modo geral.

A busca por um diagnóstico mais preciso levou alguns autores a proceder a avaliação da audição de fistulas perilinfáticas experimentais e sua evolução por meio de estudos eletrofisiológicos13-15, em especial a eletrococleografia, com diferentes metodologias e graus de recuperação variáveis16-18.

A grande diversidade de condutas e seus resultados19,20, bem como a necessidade de se obter critérios mais objetivos para escolha do tipo de tratamento a ser instituído nestes casos (cirúrgico ou clínico expectante), nos motivou a desenvolver este trabalho que tem por objetivo comparar os resultados de fístulas perilinfáticas de janela redonda de cobaias mantidas abertas com as fechadas cirurgicamente com gordura, por meio da eletrococleografia.


MATERIAL E MÉTODO

Estudo experimental. Foram selecionadas quarenta cobaias adultas (300 a 500 gramas), do gênero masculino. O projeto foi avaliado e aprovado integralmente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (protocolo número 557/03). As cobaias foram submetidas à anestesia com cloridrato de ketamina (70mg/kg de peso) e cloridrato de xilazina (6mg/kg de peso) por via intraperitoneal. Procedeu-se uma abordagem por via retroauricular através de incisão na pele, divulsão do tecido celular subcutâneo e musculatura até completa exposição da bula mastoidea que foi aberta com motor de alta rotação até que fosse possível a identificação do nicho da janela redonda sob visão de microscópio cirúrgico. O animal foi levado para sala acusticamente tratada para ser submetido a exame de eletrococleografia (click de 0,1 ms a 90 dB NA, filtro passa alto 100 Hz, filtro passa baixo 3 KHz). O estímulo foi feito através de fones TDH 39 posicionados numa distância fixa de dois centímetros do meato acústico externo, e cada registro foi duplicado pelo menos duas vezes para verificar sua exatidão. Após obtenção dos traçados eletrococleográficos (exame pré-fístula - PRÉ), foram submetidos à incisão em cruz da membrana da janela redonda com o auxílio de um microgancho de um milímetro sob visão microscópica, procurando-se não lesar as estruturas membranosas da orelha interna. Foi possível observar saída de perilinfa pela fístula, que não foi removida por aspiração. Logo após a confecção da fístula foi realizado novo exame eletrococleográfico (exame pós-fístula imediato - PFI) e as orelhas divididas aleatoriamente em 2 grupos de estudo: manutenção da fístula (Grupo Fístula Aberta - FA) ou fechamento imediato da mesma (Grupo Fístula Fechada - FF) com tecido gorduroso, cujos fragmentos foram obtidos pela mesma incisão da pele e colocados cuidadosamente sobre a janela redonda. A pele foi suturada em plano único com fio não absorvível. Recuperados da anestesia, os animais foram mantidos em biotério com acesso irrestrito à ração e água, sob temperatura controlada e cuidados de técnico treinado. Após duas semanas, foram novamente anestesiados e abordados por via retroauricular para verificação da cavidade no intuito de afastar a presença de otite média, e realizado novo exame de eletrococleografia (exame pós-fístula tardio - PFT) para comparação dos resultados. Foram analisados os seguintes parâmetros: amplitudes e latências do Potencial de Somação (PS) e do Potencial de Ação (PA) e a relação entre as amplitudes do Potencial de Somação e do Potencial de Ação (relação PS/PA). Os resultados foram analisados estatisticamente através do Teste da Análise de Variância (ANOVA), com nível de significância de 5%.


RESULTADOS

Das quarenta cobaias que iniciaram o estudo, 10 (dez) foram excluídas por evoluírem a óbito no pósoperatório imediato (por complicações anestésicas), ou por terem desenvolvido otite média aguda ou secretora observadas durante a inspeção da bula mastoidea no momento do terceiro exame de eletrococleografia (PFT).

Da amplitude do potencial de somação (PS)

Das trinta cobaias, 9 foram excluídas dos cálculos neste parâmetro por não apresentarem dados analisáveis numericamente (ausência de resposta). A Tabela 1 mostra os valores obtidos para a média, desvio-padrão e tamanho da amostra estudada dos grupos nos diferentes momentos do experimento. Observamos que existe uma semelhança entre as médias obtidas no PRÉ e PFI para os dois grupos, com pequena diferença para os valores num terceiro momento (PFT), maior no Grupo FF. Os resultados da aplicação do Teste de Análise de Variância (ANOVA) com nível de significância de 5% são apresentados na Tabela 2. Houve diferença significante entre momentos, mas não entre os grupos. Através de comparações múltiplas, verificamos que em ambos os grupos ocorre diminuição da amplitude do PS, sendo mais importante entre PRÉ e PFI. Apesar de o Grupo FF ter apresentado uma pequena tendência a recuperação no PFT, não houve diferença estatisticamente significante entre as situações (Gráfico 1).






Grafico 1. Medias (mV) e desvios-padrao (mV) da amplitude do PS segundo os grupos em diferentes momentos (N=21) (Intervalo de confianca para a media: media±1,96 * desvio-padrao / √(n-1)) - Pre - pre-fistula PFI - pos-fistula imediato PFT - pos-fistula tardio



Da amplitude do potencial de ação (PA)

Sete cobaias foram excluídas por não apresentarem dados numericamente analisáveis para este parâmetro. A Tabela 3 mostra os valores obtidos para a média, desviopadrão e tamanho da amostra estudada dos grupos nos diferentes momentos do experimento. Os resultados da aplicação do Teste de Análise de Variância (ANOVA) com nível de significância de 5% são apresentados na Tabela 4. À semelhança do que ocorreu com a amplitude do PS, houve diferença significante entre momentos, mas não entre os grupos. Através de comparações múltiplas, verificamos que em ambos os grupos ocorre grande diminuição da amplitude do PA entre PRÉ e PFI e uma diminuição menor entre PFI e PFT, sem diferença estatisticamente significante entre as situações (Gráfico 2).






Grafico 2. Medias (mV) e desvios-padrao (mV) da amplitude do PA segundo os grupos em diferentes momentos (N=23) (Intervalo de confianca para a media: media±1,96 * desvio-padrao / √(n-1)) - Pre - pre-fistula PFI - pos-fistula imediato PFT - pos-fistula tardio



Da relação entre PS e PA (Relação PS/PA)

Foram consideradas 21 cobaias para esta análise. A Tabela 5 mostra os valores obtidos para a média, desviopadrão e tamanho da amostra estudada dos grupos nos diferentes momentos do experimento. Os resultados da aplicação do Teste de Análise de Variância (ANOVA) com nível de significância de 5% são apresentados na Tabela 6. Houve diferença significante entre momentos, mas não entre os grupos. Através de comparações múltiplas, verificamos que em ambos os grupos os resultados são semelhantes entre PRÉ e PFI e há aumento da relação PS/PA entre PFI e PFT, sem diferença estatisticamente significante entre os grupos (Gráfico 3).






Grafico 3. Medias (%) e desvios-padrao (%) da relacao PS/PA segundo os grupos em diferentes momentos (N=21) (Intervalo de confianca para a media: media±1,96 * desvio-padrao / √(n-1)) - Pre - pre-fistula PFI - pos-fistula imediato PFT - pos-fistula tardio



Da latência do PS

Nove cobaias foram excluídas dos cálculos neste parâmetro por não apresentarem dados analisáveis numericamente. A Tabela 7 mostra os valores obtidos para a média, desvio-padrão e tamanho da amostra estudada dos grupos nos diferentes momentos do experimento. Os resultados da aplicação do Teste de Análise de Variância (ANOVA) com nível de significância de 5% são apresentados na Tabela 8. Houve diferença significante entre momentos, mas não entre os grupos. Através de comparações múltiplas, verificamos que em ambos os grupos há aumento da latência do PS entre PRÉ e PFI e entre PFI e PFT. Embora não significante, observa-se uma tendência a um comportamento diferenciado entre as situações no PFT (Gráfico 4).






Grafico 4. Medias (ms) e desvios-padrao (ms) da latencia do PS segundo os grupos em diferentes momentos (Intervalo de confianca para a media: media±1,96 * desvio-padrao / √(n-1)) - Pre - pre-fistula PFI - pos-fistula imediato PFT - pos-fistula tardio



Da latência do PA

Das trinta cobaias, 7 foram excluídas dos cálculos neste parâmetro por não apresentarem dados analisáveis numericamente. A Tabela 9 mostra os valores obtidos para a média, desvio-padrão e tamanho da amostra estudada dos grupos nos diferentes momentos do experimento. Os resultados da aplicação do Teste de Análise de Variância (ANOVA) com nível de significância de 5% são apresentados na Tabela 10. Houve diferença significante entre momentos, mas não entre os grupos. Através de comparações múltiplas, verificamos que em ambos os grupos há aumento da latência do PA entre PRÉ e PFI e os resultados foram semelhantes entre PFI e PFT. Embora não significante, observa-se uma tendência a um comportamento diferenciado entre as situações no PFT (Gráfico 5).






Grafico 5. Medias (ms) e desvios-padrao (ms) da latencia do PA segundo os grupos em diferentes momentos (Intervalo de confianca para a media: media±1,96 * desvio-padrao / √(n-1)) - Pre - pre-fistula PFI - pos-fistula imediato PFT - pos-fistula tardio



DISCUSSÃO

Consideremos o labirinto como um sistema constituído por ductos e canais preenchidos por endolinfa e perilinfa, delimitado por delicadas membranas. O íntimo contato que existe com estruturas adjacentes faz com que sofra influência direta de forças hidrodinâmicas do sistema arterial, venoso e da pressão do líquido céfalo-raquidiano no espaço subaracnoídeo. Baseado neste princípio, Goodhill6 propôs a existência de duas possíveis rotas ou mecanismos que levariam à ruptura de membranas. A rota explosiva por aumento da pressão liquórica transmitida através do aqueduto coclear ou meato acústico interno e a rota implosiva, onde o aumento de pressão hidrostática na orelha média ocorreria através da tuba auditiva. Estudos e experimentos que se seguiram puderam comprovar essa teoria2,13.

Considerando-se o tipo e grau de lesão à membrana da janela redonda, a revisão de estudos experimentais realizados até hoje mostra que os autores realizaram basicamente a perfuração simples ou ainda pequenas lacerações da mesma1,2,9,10,14,15. Para todos os casos, observou-se uma tendência à cicatrização das lesões após uma variedade de traumas mecânicos, mesmo na presença de otite média, otite serosa ou hemorragia2 num período médio de duas semanas, com recuperação dos parâmetros eletrofisiológicos. Reproduzir lesões de grau semelhante em nosso experimento não seria útil ao objetivo proposto, ou seja, a comparação entre fístulas abertas ou fechadas, dada esta tendência natural e espontânea de cicatrização em cobaias. Optamos, portanto, pela realização de lesões maiores da membrana da janela redonda, na esperança de manter a patência das mesmas por um período maior e suficiente para análise e comparação dos resultados.

A simples lesão da membrana da janela redonda não leva a alterações significativas da audição9,11,13,16. Tal como acontece nas cirurgias da otospongiose onde se provoca uma abertura e exposição das estruturas do vestíbulo e confecção de uma verdadeira fístula perilinfática, sem necessariamente levar a lesão coclear. Como explicar então a perda auditiva relacionada à quebra da integridade da membrana da janela oval ou redonda, induzida experimentalmente ou cirurgicamente, se mesmo nos casos em que há pequeno extravasamento de perilinfa a disacusia não é o resultado obrigatório?

Estas dúvidas já existiam para Simmons3 que postulou a existência de uma segunda lesão em algum ponto do labirinto membranoso, mais especificamente na membrana de Reissner, que ocorreria antes, após ou concomitantemente à primeira na janela oval ou redonda. Esta pequena descontinuidade da membrana de Reissner possibilitaria a mistura de endo e perilinfa, cobrindo uma extensão maior e afetando áreas mais distantes do ponto inicial, anatomicamente perfeitas, mas com prejuízo funcional devido à mudança dos potenciais elétricos celulares. A distância desta lesão a partir da região basal da cóclea seria fator determinante para a configuração do tipo de perda auditiva, e também fator prognóstico quanto ao grau de recuperação, dependendo se sua cicatrização ocorresse antes, depois, concomitantemente à primeira, ou simplesmente não ocorresse. Este mecanismo foi chamado de teoria da dupla quebra das membranas. Estudos desenvolvidos posteriormente trouxeram mais subsídios a esta teoria, pois comprovaram histologicamente o acometimento da membrana de Reissner9,16.

Foi realizada, efetivamente, uma lesão grave da membrana da janela redonda de cobaias no presente estudo. Apesar de não termos realizado a aspiração da perilinfa através do pertuito criado, foi produzido dano suficiente para que ocorresse grande e súbita variação das pressões intracocleares, a ponto de desenvolver lesão secundária do labirinto membranoso como postulado por Simmons. Desta forma, é de se esperar que além das alterações pressóricas da perilinfa e eventual perda de líquido pela fístula, a mistura dos fluidos cocleares levasse a mau funcionamento do mecanismo ativo de contrações das células ciliadas em grande extensão da membrana basilar, com diminuição da amplitude do PS entre PRÉ e PFI como constatado, devido ao menor grau de deflexão desta membrana em resposta ao som. Mas observamos também uma diminuição entre PFI e PFT, ainda que em menor grau, em ambos os grupos (FA e FF) e de modo semelhante. Como explicar este comportamento se não houve perda de líquidos no grupo FF no período considerado? Baseados na tendência natural de recuperação e cicatrização das lesões de membranas das janelas oval e redonda de cobaias1,2,9,10,14, podemos concluir que houve cicatrização das mesmas, inclusive no grupo FA, com recuperação parcial de unidades funcionais adjacentes ao ponto da lesão principal, porém não suficiente para aumentar a amplitude do PS satisfatoriamente, justificando a semelhança quanto ao comportamento nos dois grupos. Ou ainda como proposto por Simmons, houve fechamento da membrana da janela redonda, mas persistência da lesão na membrana de Reissner e da mistura de endo e perilinfa, justificando a piora dos parâmetros. Outra conclusão que podemos chegar é que a lesão do labirinto membranoso é mais importante para a recuperação que a simples perda de perilinfa, assim como defendido por outros autores9,16. O comprometimento das células ciliadas, seja funcional ou anatômico, acarreta aumento da latência do PS, pois o estímulo leva mais tempo para ser formado. Na literatura encontramos poucos estudos que avaliam as variações da amplitude do PS, mas que estão em concordância com os nossos12,16.

De modo semelhante ao que ocorreu com o PS, o PA também sofreria diminuição de sua amplitude e aumento da latência para a mesma intensidade de estímulo sonoro, como ocorreu em nosso experimento, pois houve redução do número de fibras aferentes recrutadas para desencadeamento e formação do potencial. Há de se salientar que a latência do PA está diretamente relacionada à latência do PS. Isso reforça a ideia de que a latência do PA depende da latência do PS e justifica seu aumento em nosso experimento. A diminuição da amplitude do PA também foi observada em estudos anteriores7,9,10,12,14,16.

A comparação dos resultados da relação PS/PA com a literatura aponta divergências. Estudos observaram aumento desta relação7,12,17,18, mas optaram por metodologia diferente da nossa, com lesões puntiformes e menor grau de acometimento coclear. Por outro lado, ao contrário dos outros parâmetros avaliados, houve um aumento significativo da relação entre PFI e PFT. Supondo que houve fechamento da comunicação criada na membrana de Reissner após o período considerado e que apesar do grau de lesão da membrana da janela redonda, esta tenha cicatrizado mesmo nas cobaias em que foi mantida aberta (FA). Esta situação proporcionaria reposição dos líquidos cocleares capaz de recuperar células em sofrimento funcional e restabelecimento das pressões nos compartimentos perilinfáticos a ponto de fazer com que a relação PS/PA aumentasse no PFT. Justifica-se também, dois pontos ainda em aberto. A menor intensidade da queda das amplitudes e latências de PS e PA no PFT, e a tendência a melhores resultados no grupo FF que podemos observar nos gráficos apresentados, ainda que não significativa do ponto de vista estatístico. Cessando-se a perda de perilinfa através da janela redonda, há menor gradiente de pressão hidrostática e menor mistura de endo e perilinfa com maior tendência à cicatrização da lesão da membrana de Reissner. Quanto mais precoce a correção do primeiro defeito, mais rápida a separação dos líquidos e maior a chance de recuperação das células ciliadas em sofrimento funcional. Um estudo a longo prazo talvez mostrasse um comportamento diferente mais evidente entre os grupos.

Esta tendência à cicatrização relativamente rápida e espontânea observada em estudos com cobaias pode levar à falsa impressão de que as FPL não seriam de tratamento cirúrgico no homem. Bons resultados de tratamentos clínicos com corticosteroides em pacientes com surdez súbita aumentam ainda mais o questionamento8 principalmente pela possibilidade de infecção viral19. Mas devemos lembrar que existe uma relação muito evidente entre tempo de diagnóstico e prognóstico dos sintomas auditivos e vestibulares20. Quanto maior o intervalo, maior a perda auditiva residual. Isto é indício claro de que a cirurgia, quando necessária, não pode ser protelada por muito tempo2. Apesar de ter sido indicada precocemente no passado4,5 há uma tendência atual de se protelar a cirurgia por um período que varia de 10 a 14 dias, quando há mais chances de fechamento espontâneo, para então submeter o paciente a procedimento cirúrgico no intuito de melhorar os sintomas1,3. Resta ao médico pesar os riscos e benefícios, com a participação e ciência do paciente, para decidir o tipo de tratamento a ser instituído já que os resultados obtidos no atual estudo são restritos às cobaias, não podendo ser aplicados aos seres humanos.


CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitiram concluir que as fístulas perilinfáticas produzidas pela lesão da membrana da janela redonda de cobaias apresentaram tendência a evoluir naturalmente com piora dos parâmetros eletrococleográficos, mas seu fechamento cirúrgico não mostrou resultados estatisticamente diferentes em relação ao grupo não tratado, durante o período estudado.


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1. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Coordenador do Ambulatório de Zumbido do Departamento de Otorrinolaringologia
e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM.
2. Livre-docente pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, Professor Associado da Disciplina de Otologia e Otoneurologia da UNIFESPEPM. Disciplina de Otologia e Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 30 de abril de 2009. cod. 6392

Endereço para correspondência:
Ektor Tsuneo Onishi
Rua Dr. Tirso Martins 100 conj. 509 Vila Mariana
São Paulo SP 04120-050.

Artigo aceito em 27 de novembro de 2009

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