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Ano:  2009  Vol. 75   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (15º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 857 a 865

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Desfecho clínico de pacientes tratados por epistaxe com tamponamento nasal após a alta hospitalar

Clinical outcome of patients with epistaxis treated with nasal packing after hospital discharge

Autor(es): Marina Faistauer1, Ângela Faistauer2, Rafaeli S. Grossi3, Renato Roithmann4

Palavras-chave: epistaxe, medicina de emergência, recidiva.

Keywords: epistaxis, emergency medicine, recurrence.

Resumo:
A epistaxe é uma condição clínica frequente, e na maioria dos hospitais públicos, o tamponamento nasal e internação são as condutas iniciais mais comuns. Entretanto, pouco se sabe sobre o seguimento destes pacientes após a alta hospitalar. Objetivo: Verificar o desfecho clínico de pacientes tratados por epistaxe após a alta hospitalar. Material e Método: Foram avaliados prontuários de pacientes internados por epistaxe não-traumática no período de março de 2006 a março de 2007, e todos os pacientes foram solicitados a responder um questionário padrão. Forma de Estudo: Coorte histórica longitudinal. Resultados: De um total de 87 pacientes, 54 responderam ao questionário. A epistaxe recidivou em 37% dos pacientes após a alta. Desses, 70% eram hipertensos, 35% faziam uso de AAS e 55% eram tabagistas. Quarenta por cento apresentaram novo episódio de sangramento na primeira semana pós-alta hospitalar. Destes, 55% retornaram à emergência, sendo que 70% necessitaram de novo tratamento para controle da epistaxe. Conclusão: A recorrência da epistaxe parece não ser incomum, com tempo relativamente curto entre a alta e a recidiva. Estes dados sugerem a necessidade de uma reavaliação do modelo atual de manejo da epistaxe nos hospitais públicos.

Abstract:
Epistaxis is a common clinical condition and in most public hospitals these patients received nasal packing and were admitted to the hospital as initial management strategies. However, little is known about the follow-up of these patients after they leave the hospital. Aim: To identify the clinical outcome of patients treated for epistaxis following discharge. Materials and Methods: We analyzed the results of questionnaires from patients hospitalized for non-traumatic epistaxis between March 2006 and March 2007. Study design: Cohort longitudinal. Results: Fifty-four of eighty-seven patients answered (62%). Epistaxis recurred in 37% of the patients. Of the patients who had recurrent bleeding, 70% were hypertensive, 35% were chronic users of acetylsalicylic acid, and 55% used tobacco. Forty per cent of the recurrences occurred in the first week after discharge, and fifty per cent needed to return to the emergency room. Seventy per cent of those who returned to the emergency room required a second treatment. Conclusions: Recurrence after epistaxis treatment is common and may occur soon after the initial discharge. Although our sample was small, this data suggests the need for a reevaluation of the current treatment mode of patients with epistaxis in the emergency rooms of public hospitals.

INTRODUÇÃO

A epistaxe, definida como qualquer sangramento proveniente da mucosa nasal, é a urgência otorrinolaringológica mais frequente1-11, apresentando uma prevalência ao redor de 10 a 12%1,4,12. A incidência é de aproximadamente 30 pessoas para cada 100.000 habitantes, sendo que mais de 87% dos pacientes vistos pelo otorrinolaringologista são internados8. Essa elevada frequência encontrada é explicada pela rica vascularização do nariz e dos seios paranasais, que recebem suprimento sanguíneo dos sistemas carotídeos interno e externo12.

O sangramento nasal pode ser ocasionado por fatores locais ou sistêmicos. Dentre os fatores sistêmicos, podemos citar a hipertensão arterial, as coagulopatias, as doenças hematológicas e o uso de medicamentos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários. Os fatores locais de maior frequência são: trauma (fraturas nasais ou manipulação digital), infecções de vias aéreas superiores, inalação de ar frio e seco, processos alérgicos nasais, introdução de corpos estranhos na fossa nasal, inalação de irritantes químicos, perfuração septal ou desvio de septo, presença de tumorações (nasoangiofibroma juvenil), aterosclerose dos vasos sanguíneos junto ao plexo de Woodruff e a doença de Osler-Rendu-Weber ou telangectasia sistêmica2,4,13-15.

Existem diversas formas de tratamento, que vão desde a simples compressão manual, passando pelas cauterizações e tamponamentos, até as cirurgias endoscópicas ou microscópicas2.

O hospital de emergências médicas onde realizamos o estudo atende diariamente a vários pacientes com epistaxe de distintas causas e gravidades. A rotina nesse serviço de saúde pública e, que não dispõe de diagnóstico endoscópico, é a limpeza dos coágulos e a inserção de algodão com vasoconstritor seguido de compressão digital. Caso persista o sangramento e não se visualize o vaso para cauterização, realiza-se tamponamento nasal com espuma e preservativo. Internação hospitalar não é rotina. Contudo, pacientes mais idosos ou portadores de doenças sistêmicas descompensados (ex: diabéticos, hipertensos, discrasia sanguínea), ou com epistaxe recorrente de difícil controle, ou mesmo sem condições de manejo a domicílio são rotineiramente internados. O tempo de hospitalização é variável e, em alguns casos, a permanência é superior a 7 dias.

Após a epistaxe estar cessada, o tampão é removido e o paciente observado por mais 12-24 horas. Caso não ocorra sangramento, recebe alta sendo orientado a procurar outro serviço ou posto de saúde para acompanhamento. Portanto, não se dispõe de informações sobre os desfechos no que se refere à epistaxe após a alta hospitalar. A necessidade de novos atendimentos e tratamentos não é conhecida. Na literatura, também não se encontram dados a respeito da evolução após a alta hospitalar de pacientes que passaram por internação hospitalar em decorrência de epistaxe.

Esse estudo tem como objetivo descrever os desfechos após a alta hospitalar de pacientes tamponados e hospitalizados por epistaxe não traumática em um hospital público de emergências médicas. Mais especificamente, visa avaliar a taxa de recidiva de epistaxe, o tempo entre a alta e a recidiva e a necessidade de tratamentos complementares.


MATERIAL E METODOS

O estudo foi realizado no setor de otorrinolaringologia de um hospital público de emergências médicas entre março de 2006 e março de 2007. Trata-se de uma coorte histórico. Todos os prontuários dos pacientes com epistaxe não traumática que foram tamponados e internados no hospital neste período foram selecionados para a amostra.

Para coleta de dados, um questionário detalhado foi elaborado, com especial atenção à forma de tratamento recebida, ao tempo de internação e à recidiva ou recorrência da epistaxe após alta hospitalar (Anexo 1). Através do banco de dados da instituição, os pacientes internados por epistaxe no período determinado foram identificados. Os prontuários foram analisados, buscando os dados de identificação e detalhes do atendimento intra-hospitalar. Após, os pacientes ou seus respectivos responsáveis foram contatados através de ligação telefônica e, quando autorizado mediante a leitura do termo de consentimento, aplicou-se o questionário. Para os pacientes os quais não se teve acesso ao número de telefone, enviou-se correspondências contendo o termo de consentimento, o questionário e um envelope selado para retorno da informação.

As variáveis estudadas incluíram dados pessoais, referentes à história médica pregressa, uso de medicações, internação hospitalar e pós-hospitalização.

O processamento dos dados incluiu a elaboração de arquivo de banco de dados e, a análise foi realizada no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 13.0 com auxílio de estatístico.

As variáveis quantitativas foram descritas através de média e desvio padrão (distribuição simétrica) ou mediana e percentis 25 - 75 (distribuição assimétrica). As variáveis categóricas foram descritas através de frequências absolutas e relativas. Para avaliar as variáveis categóricas em relação ao sexo, recidiva e resolução do problema com o novo tratamento foram aplicados os testes qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher. Na comparação das variáveis quantitativas, foram utilizados o teste t-Student para amostras independentes (distribuição simétrica) ou teste de Mann-Whitney (distribuição assimétrica). O nível de significância adotado foi de 5%, sendo considerado estatisticamente significativos valores de p<0,05.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o processo número 001.020617.07.5.


RESULTADOS

Ocorreram perdas por dificuldades no contato dos casos. A amostra inicial foi de 87 pacientes internados por epistaxe não traumática. Foram analisados os dados dos questionários respondidos por 54 pacientes (62%). Houve uma perda de 38% da amostra inicial. Do total de perdas, estas ocorreram: por falta de conhecimento do número de telefone e endereço (27%); porque se possuía apenas o endereço (70%), mas não responderam as cartas (45% do total de 70%) ou porque o endereço estava incorreto (25% do total de 70%); e por 1 paciente ser morador de rua (3%).

A média de idade da amostra foi de 60,2 anos (desvio padrão de 15,4), com os extremos variando de 13 a 92 anos, sendo o sexo masculino o mais prevalente (53,7%). Em relação às doenças de risco para ocorrência de epistaxe, 68,5% dos pacientes eram hipertensos previamente à internação, bem como 13% eram portadores de diabete melito, 14,8% de doença coronariana, 9,3% de doença psiquiátrica, 14,8% de DPOC, 3,7% de discrasias sanguíneas e 25,9% de doenças diversas. Em se tratando de uso crônico de medicações, 31,5% eram usuários de AAS, 9,3% de anticoagulantes orais, 14,8% de AINES, 50% de anti-hipertensivos e 31,5% de drogas diversas. Quarenta e oito por cento dos participantes eram tabagistas e 9,3% etilistas, não havendo caso de drogadição entre os pacientes.

Os sintomas de rinite alérgica foram prevalentes entre os entrevistados, à medida que 40,7% destes referiram prurido nasal, 29,6% espirros em salva, 24,1% obstrução nasal, 31,5% corrimento nasal e 14,8% faziam uso crônico de gota nasal descongestionante. Treze por cento da amostra havia realizado cirurgia nasal no passado.

A caracterização da amostra conforme o gênero demonstrou uma idade média superior para o sexo masculino (62,5 anos) em relação ao feminino (57,5 anos). Entre os homens, 65,5% eram aposentados e os 34,5% restantes realizavam atividade remunerada, ao passo que 12% das mulheres eram aposentadas, 68% prestadoras de atividade não remunerada e 20%, de atividade remunerada. Estes últimos dados, comparando gênero e ocupação, evidenciaram valores estatisticamente significativos, com o valor de p< 0,001.

A hipertensão arterial sistêmica foi a doença associada à epistaxe mais prevalente para ambos os gêneros, presente em 72,4% dos homens e 64% das mulheres. Em se tratando da medicação mais utilizada, os anti-hipertensivos também foram os mais prevalentes entre os sexos, sendo utilizados por 51,7% dos pacientes do sexo masculino e 48%, do sexo feminino. Grande parte dos homens (51,7%) e das mulheres (44%) eram tabagistas. Dezesseis por cento das mulheres e 10,3% dos homens haviam sido submetidos à cirurgia nasal no passado. (Tabela 1)




Para 50% dos pacientes, o sangramento da internação hospitalar foi o primeiro episódio de epistaxe. Em relação aos demais, 16,7% haviam apresentado apenas 1 caso anterior de sangramento nasal, enquanto que 13% haviam sofrido 2 episódios prévios, 5,6% 3 episódios e 14,8% 5 ou mais sangramentos nasais anteriores à internação.

Em relação ao tamponamento realizado, na grande maioria dos pacientes (98%) foi realizado inicialmente o tamponamento nasal anterior. Os 2% restantes foram manejados com tamponamento nasal posterior. O tamponamento anterior foi realizado com espuma envolta em preservativo e lubrificado com pomada de neomicina e bacitracina. O tamponamento posterior foi realizado com sonda de Foley.

O tempo de internação hospitalar foi equivalente para ambos os gêneros, sendo a epistaxe dessa ocasião a primeira para 55,2% dos homens e para 44% das mulheres. Dos pacientes com história prévia de epistaxe, a maior parte do sexo masculino já havia sofrido 5 ou mais episódios de epistaxe antes da internação hospitalar (17,2%), enquanto que no feminino, a maioria havia apresentado apenas 1 episódio prévio (20%) (Tabela 2). Quanto ao tratamento, todos os homens (considerando 100% o sexo masculino separadamente) e 96% das mulheres (considerando 100% o sexo feminino separadamente) foram manejados com tamponamento nasal anterior.




A epistaxe recidivou em 37% dos pacientes após a alta hospitalar. Destes, todos haviam sido manejados com tamponamento anterior. Do total de mulheres estudadas, 44% recidivaram, ao passo que do total de homens, 31%. A recidiva foi de apenas um episódio em 75% dos casos, não tendo ocorrido variação importante entre os gêneros (Tabela 3). De todos os pacientes com recidiva da epistaxe, 40% apresentaram o novo episódio de sangramento em 1 semana ou menos após a alta hospitalar (Gráfico 1).




Gráfico 1. Tempo transcorrido entre a alta hospitalar e o primeiro episódio de recidiva dos pacientes da amostra.



Cinquenta e cinco por cento dos pacientes com recidiva da epistaxe retornaram à emergência hospitalar em virtude do sangramento, enquanto que 45% desses pacientes não precisaram retornar à emergência (p< 0,001). Dos pacientes que retornaram à emergência hospitalar, 70% necessitaram de novo tratamento para controle da epistaxe, ao passo que 30% não necessitaram (p< 0,001). Dos tratamentos empregados, em virtude da recidiva, 50% realizaram tamponamento nasal, 35,7% submeteram-se à cauterização e 14,3% referiram outros tratamentos. Em nenhum paciente foi empregado cirurgia ou embolização. Para 71,4% dos indivíduos o novo tratamento utilizado foi resolutivo (Tabela 3).

A idade média dos pacientes com recidiva da epistaxe foi de 60,8 anos; entre os que não recidivaram, a idade média foi de 59,9 anos. A mediana do tempo de internação foi equivalente para os dois grupos, sendo a mesma de 3 dias. Dos pacientes com recidiva da epistaxe após a alta hospitalar, 70% eram hipertensos e 20% eram portadores de asma/DPOC, enquanto que entre os que não recidivaram encontramos 67,6% com HAS e 11,8% com asma/DPOC. Nenhum dos pacientes com recidiva da epistaxe era portador de discrasia sanguínea. Em relação às medicações, todas as analisadas apresentaram maior prevalência entre os pacientes com novo episódio de sangramento nasal: 35% faziam uso de AAS, 10%, de anticoagulante, 55% de anti-hipertensivo, 15% de AINE e 30% de outras drogas. Cinquenta e cinco por cento dos pacientes com recidiva eram tabagistas, enquanto que 44,1% dos sem recidiva também eram tabagistas. Quanto aos sintomas de rinite alérgica, não houve diferença importante na ocorrência destes entre os casos de recorrência ou não da epistaxe. Vinte por cento dos pacientes com recidiva haviam sido submetidos à cirurgia nasal prévia, enquanto que 8,8% dos pacientes sem recidiva haviam realizado cirurgia (Tabela 4). O sangramento da internação foi o primeiro para 55% dos pacientes que recidivaram.




DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou uma alta taxa de recidiva de epistaxe após a alta hospitalar (37%). Além disso, demonstrou que na maioria das vezes o sangramento ocorreu na primeira semana após a alta e que cerca de 20% dos pacientes do total da amostra retornaram ao hospital para novo tratamento. Considerando apenas os pacientes com recidiva da epistaxe, 55% retornaram à emergência em função do sangramento e 70% destes necessitaram de novo tratamento após a recidiva. Não temos dados da literatura para comparar os resultados encontrados. Contudo, apesar de ser uma amostra pequena e que impede grandes análises estatísticas, 37% nos parece bastante significativo. As explicações para isso podem decorrer de vários fatores, em especial da população que compõe essa amostra. Os pacientes que são internados por epistaxe, geralmente apresentam quadros mais severos e resistentes do que os pacientes que não são internados. Além disso, a grande maioria deles apresenta doenças sistêmicas e, como se trata de hospital público, não tem condições adequadas de tratamento e acompanhamento destas afecções. Assim sendo, não utilizam medicamentos para o controle da pressão arterial, por exemplo, e em função de exigências de trabalho, não conseguem fazer o repouso muitas vezes necessário no período pós-tamponamento nasal.

Conhecer os desfechos após o tratamento recebido em uma instituição de saúde é muito importante, pois teoricamente possibilitaria avaliar se o manejo empregado está correto ou pode ser melhorado. Observou-se que na grande maioria dos casos que recidivaram, o sangramento ocorreu na primeira semana após a alta hospitalar (40%), o que coloca em questão a conduta atual de dar alta para o paciente 12 a 24 horas após a remoção do tamponamento na instituição analisada. Especulamos que se os pacientes fossem mantidos mais tempo em observação e em repouso no hospital, essas taxas de recidiva poderiam ser menores, assim como a necessidade de tratamento complementar. Contudo, este problema é difícil de ser contornado em função da escassez de leitos nos hospitais públicos e da necessidade de liberação permanente dos mesmos a pacientes mais enfermos. Isto é reforçado pelo fato de que ao retornar à emergência, um novo tamponamento resolveu o problema em 71% dos casos. Muitas vezes quando os pacientes retornam com epistaxe após tratamento recente com tamponamento opta-se por tratamento cirúrgico. Contudo, na instituição do estudo, assim como na maioria dos hospitais públicos, não se dispõe de material adequado tanto para o tratamento cirúrgico, como para o tratamento por embolização, motivos pelos quais os pacientes são retamponados.

Uma vez que o ponto de sangramento é identificado pela rinoscopia anterior, a cauterização do vaso (química, elétrica ou a laser) é a primeira escolha para o tratamento da epistaxe. Quando esse método não é suficiente para controlar o sangramento, pode haver necessidade de tamponamento nasal anterior ou posterior15.

O tamponamento nasal foi introduzido na prática médica por Hipócrates e vem sendo realizado até os dias de hoje como procedimento de rotina nos serviços de emergência15. O tamponamento da cavidade nasal anterior possui eficácia menor do que a cauterização, pois não atua diretamente sobre o vaso sangrante, mas exerce pressão uniforme sobre a mucosa como um todo13. O edema e o processo inflamatório resultantes da presença do tampão atuam impedindo o sangramento15. Existem diversos tampões nasais disponíveis, sendo mais comumente usados os de rayon ou gaze. Outras alternativas são os tampões feitos com dedo de luva preenchidos com gaze, esponja de uso doméstico revestida por preservativo e tampão Merocel4,14. Quando o sangramento é posterior ou quando a tamponamento anterior não é suficiente, há necessidade de tamponamento posterior. Se o tampão posterior não conseguir controlar o sangramento ou, se na sua remoção em ambiente hospitalar após 48-72 horas houver recidiva do sangramento, deve-se considerar a cauterização ou ligadura arterial endoscópica.

A embolização arterial é mais utilizada em tumores nasais vasculares, como o nasoangiofibroma juvenil, em período pré-operatório, para diminuir o fluxo sanguíneo tumoral durante o ato cirúrgico. Pode ser utilizada também em epistaxes severas e persistentes que não respondem ao tratamento clínico4,16-18.

O tamponamento nasal com espuma e preservativo, ou mesmo dedo de luva, é o método mais realizado na maioria dos centros que lida com epistaxe2,7,14-15. É um método rápido e fácil de ser realizado, e mais do que isso, muito barato, fator essencial em serviço de atendimento público. O tempo de permanência do tampão nasal não é absolutamente definido na literatura, contudo a maioria dos otorrinolaringologistas deixa o mesmo por no mínimo 48 horas2,4,14-15. Não nos parece que a remoção prematura do tampão tenha sido a causa desta alta taxa de recidiva, mas sim os fatores discutidos no primeiro parágrafo (pacientes com quadros mais severos e descompensados clinicamente). A conduta no hospital analisado nos pacientes internados por epistaxe é mantê-los tamponados e em repouso absoluto até que ceda o sangramento. Nesse momento, o tampão é removido e o paciente recebe alta em 12 a 24 horas. Este talvez seja um fator a ser reconsiderado. Outro fator é mostrar a partir deste estudo a necessidade de investimento para material de cirurgia endoscópica. Como 20% dos casos retornam à emergência e necessitam novos tratamentos incluindo hospitalização, o tratamento cirúrgico poderia, a médio prazo, representar uma grande economia para o setor público, visto seu maior poder de resolução e menor necessidade de tempo de hospitalização1,11,16-20.

O tempo de internação mediano dos pacientes da nossa amostra foi de 3 dias, conferindo com as informações da literatura3,21. O episódio de epistaxe da internação foi o primeiro para 50% dos pacientes. Não temos dados na literatura para comparar este resultado.

A epistaxe tem uma distribuição bimodal em relação às faixas etárias, com o primeiro pico de incidência durante a infância e o outro por volta dos 50 anos de idade em diante3,13-14. Acreditamos que nossa pesquisa evidenciou apenas um pico, envolvendo os pacientes idosos, devido ao fator internação hospitalar que é resultante de epistaxes de maior gravidade, geralmente em decorrência de doenças sistêmicas, mais prevalentes em indivíduos com faixa etária mais elevada.

Pela análise estatística as características da amostra avaliada não foram diferentes nos pacientes com e sem recidiva da epistaxe, no entanto estes resultados devem ser interpretados com cautela em função da amostra pequena e consequentemente do pequeno poder estatístico. Contudo algumas observações são pertinentes. Sessenta e nove por cento dos pacientes desta amostra eram hipertensos. A literatura mostra claramente uma associação entre HAS e epistaxe5, entretanto a relação de causa e efeito é questionado22. Outros dois fatores de risco para epistaxe que apresentaram altas taxas nesta amostra foram o tabagismo (48%) e o uso de ácido acetilsalicílico (31%). A literatura mostra que há associação entre o uso de ácido acetilsalicílico e a epistaxe4,13-15, sendo que o risco de sangramento nasal aumenta em aproximadamente duas vezes nos pacientes em uso desta medicação22. Quanto ao tabagismo, é citado como fator de risco para epistaxe severa23. Os sintomas relacionados à rinite alérgica apresentaram alta incidência nessa amostra, principalmente o prurido nasal (41%). A epistaxe pode ser desencadeada tanto pelos atos de coçar, espirrar, assoar o nariz, tossir, quanto ao uso de gota nasal descongestionante, fatores estes relacionados aos quadros alérgicos nasais4,13-15.

Várias podem ser as razões para a alta recidiva observada com a técnica utilizada em nossa amostra. Uma delas é que estes são pacientes mais graves que procuram o serviço de urgência e necessitam hospitalização para o tratamento não somente do evento hemorrágico, mas também de comorbidades. Outro aspecto é que o preservativo com espuma (ou esponja?) costuma preencher as porções mais inferiores da cavidade nasal. Alguns casos, onde o sangramento é proveniente de porções mais superiores do nariz podem não ser resolvidos desta forma. Por último podemos também especular que o tempo para remoção do tampão foi precoce demais.

Um erro sistemático identificado nesse estudo ocorreu em relação ao tempo de seguimento. O tempo entre a internação e a entrevista com o paciente não foi considerado, ou seja, pacientes entrevistados em um período mais longo após o episódio de epistaxe da internação possuem risco maior de recidivas em relação aos entrevistados em menos tempo. Outra questão que deve ser apontada é em relação às perdas da amostra quanto à localização em alguns casos e quanto à resposta em outros. Estas foram uma grande dificuldade na realização desse estudo, presente em dois momentos: primeiro, devido à falta de dados que possibilitassem o acesso aos pacientes (telefone, endereço) nos prontuários médicos; e em um segundo momento, pela falta de interesse dos indivíduos em colaborar com a pesquisa, não respondendo às correspondências que continham os questionários.


CONCLUSÃO

A taxa de recidiva de epistaxe não-traumática em pacientes que estiveram tamponados e hospitalizados em um hospital público de emergências médicas foi de 37%. O tempo entre a alta e a recidiva na maioria dos casos ocorreu na primeira semana após a alta hospitalar (40% dos casos) e cerca de 20% dos casos retornam à emergência para nova avaliação e tratamento. Apesar de a amostra ser pequena, estes dados exigem uma reavaliação do modelo atual de manejo da epistaxe na maioria dos hospitais públicos.


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1. Médica, Formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil, ULBRA.
2. Acadêmica do 5º ano da Faculdade de Medicina da PUCRS.
3. Médico Residente de Otorrinolaringologia da ULBRA.
4. Médico Doutor, Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da ULBRA.

Hospital Municipal de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS); ULBRA.

Endereço para correspondência:
Marina Faistauer
Rua Garibaldi 1171/602
Bairro Bom Fim - 90035-052 Porto Alegre - RS

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 24 de setembro de 2008. cod. 6056
Artigo aceito em 25 de fevereiro de 2009.




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