Ano: 2009 Vol. 75 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (12º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 685 a 693
Levantamento do perfil das habilidades auditivas de um grupo de sujeitos com história de uso de drogas ilícitas
Auditory skill analysis of a group of subjects with history of illicit drug use
Autor(es): Daniela de Lucas Rosseto1, Silvana Cristina Ribeiro2, Mônica Pires de Castro Mendonça3, José Antônio A. de Oliveira4, Ana Cláudia Mirândola Barbosa Reis5, Sinésio Grace Dutra6
Palavras-chave: atenção, audição, córtex auditivo, drogas.
Keywords: attention, hearing, auditory cortex, drugs.
Resumo:
Drogas ilícitas afetam o sistema nervoso central causando alterações nas funções cognitivas, de atenção e memória. Objetivo: Caracterizar a habilidade de atenção seletiva auditiva de sujeitos que fizeram uso de drogas ilícitas e verificar se o tempo de uso das drogas influencia o grau de alteração. Materiais e Métodos: Estudo de coorte, transversal, retrospectivo. Avaliação de 19 sujeitos masculinos, com idade entre 16 a 47 anos, usuários de drogas ilícitas. Teste estatístico "Mann-Whitney". Procedimentos: Entrevista inicial, avaliação otorrinolaringológica, avaliação audiológica, avaliação do processamento auditivo - teste de dissílabos alternados/SSW. Resultados: De acordo com a análise estatística houve diferença extremamente significativa no número de erros apresentados nas quatro condições de escuta, quando comparados o grupo pesquisa e o grupo controle (normais). Entretanto, quando comparados os sujeitos do grupo pesquisa entre si, considerando o tempo de uso de drogas, segundo análise estatística não houve diferença significativa do número de erros. Conclusão: O uso dos testes de avaliação do processamento auditivo - SSW demonstrou ser sensível para identificar e auxiliar no diagnóstico da habilidade que se encontra alterada, em função da ação deletéria das drogas ilícitas sobre o SNC. O tempo de uso das drogas não é fator determinante no grau da alteração.
Abstract:
Illicit drugs affect the central nervous system by introducing alterations in cognitive, attention and memory functions. Aim: this paper aims to characterize the auditory selective attention skills of subjects with history of illicit drug use and check whether the amount of time for which these subjects took drugs impacts the severity of the encountered alterations. Materials and method: this is a cohort, cross-sectional retrospective study. Nineteen male subjects with history of drug use and ages ranging between 16 and 47 years were analyzed. Statistical test: 'Mann-Whitney'. Procedure: initial interview, ENT examination, audiological examination, auditory processing assessment - Staggered Spondaic Word Test - SSW. Results: extremely significant statistical differences were found in the number of errors found in the four listening conditions when control and case group findings were compared. However, when case group subject findings were compared, no statistically significant difference was found. Conclusion: the used auditory processing tests - SSW - were sensitive enough to capture and assist in the diagnosis of alterations introduced by the deleterious impact of drug use upon the CNS. The time for which subjects used drugs is not a determining factor on alteration severity.
INTRODUÇÃO
A linguagem é a função primordial do desenvolvimento humano e constitui um pré-requisito para sua aquisição e desenvolvimento a integridade anatomofisiológica do sistema neurológico e do sistema auditivo, associada aos fatores como nível intelectual, aspectos psíquicos, desenvolvimento emocional, estimulação de linguagem, convívio social.
Dentre as funções a serem desenvolvidas pelo ser humano, a audição é a que, inicialmente, se destaca no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem verbal, por possibilitar a percepção dos estímulos sonoros. Tais estímulos são captados pela orelha e conduzidos à área cerebral correspondente, onde são analisados e interpretados pelo indivíduo. A interpretação dos estímulos sonoros fornece significado aos sons ambientais e de fala, torna o indivíduo capaz de desenvolver a linguagem interna e a comunicação, por meio da fala e da escrita, o que, sem dúvida, facilita a convivência social.1,2
Ao nascimento, as estruturas do sistema auditivo (orelhas e áreas auditivas do córtex cerebral) encontram-se formadas, porém a função auditiva só se desenvolve no momento em que a criança é exposta à estimulação sonora. Tal exposição favorece o desenvolvimento das habilidades do processamento auditivo e de percepção de fala. Quando há alterações no sistema auditivo, dois tipos de distúrbios da audição podem ocorrer: a perda ou deficiência auditiva e/ou a desordem do processamento auditivo.2,3
O processo de maturação das estruturas do sistema auditivo central inicia-se no momento em que a criança é exposta aos estímulos auditivos, principalmente os linguísticos, finaliza por volta dos doze anos, quando as habilidades auditivas encontram-se desenvolvidas.3
As habilidades auditivas envolvidas no processamento auditivo central e relacionadas ao desenvolvimento da linguagem são descritas como: atenção seletiva, detecção do som, discriminação auditiva, localização, reconhecimento, compreensão, memória, fechamento auditivo e figura-fundo auditiva.4
O processamento auditivo pode sofrer alterações por privações das experiências acústicas durante as primeiras etapas de desenvolvimento, e tais privações podem ocorrer por diversos fatores, tais como: perdas auditivas neurossensoriais, distúrbios neuroplásicos, neurinoma do acústico e outras; perdas auditivas condutivas; alterações neurológicas determinadas por encefalopatias ou por sequelas de infecções como meningite e encefalite.5,6
Outros fatores que podem causar alterações no processamento auditivo são: a condição social e ambiental de pobreza, problema médico/emocional e abuso de drogas.6
Indivíduos com desordem apresentam problemas nas habilidades de comunicação oral e de leitura/escrita, em funções cognitivas como atenção e memória, dificuldades de aprendizagem e comportamentos imaturos e de isolamento que dificultam o convívio social.
Considera-se, então, que as desordens do processamento auditivo podem estar relacionadas a agentes etiológicos, que podem causar lesões no sistema nervoso central, dentre eles encontram-se as drogas ilícitas.
Em particular, as drogas alteram a percepção, o humor e as sensações, induzindo, ainda que temporariamente, sensações de prazer, de euforia, ou aliviando o medo, a dor, as frustrações, as angústias e outros, por ação direta em diferentes áreas do sistema nervoso central.7
As drogas ilícitas atuam principalmente no cérebro. Produzem alterações psíquicas cuja qualidade e intensidade vai variar, principalmente, de acordo com o tipo e com a quantidade de droga, com as características pessoais de quem as ingerem, com as expectativas que se tem sobre seus efeitos e com as circunstâncias em que são ingeridas. É importante ressaltar que as drogas ilícitas também atuam em outros órgãos do corpo como o coração, os intestinos, os vasos sanguíneos; porém seu uso é procurado principalmente pelos efeitos que causam no sistema nervoso central.8
As drogas podem ser classificadas em lícitas e ilícitas e, no Brasil, frequentemente são consideradas ilícitas as drogas cujo comércio e consumo são proibidos por lei, como a maconha, o crack, a cocaína, a heroína e outras. Consideram-se drogas lícitas aquelas cuja lei permite que sejam comercializadas e consumidas, como: a nicotina, o álcool e os psicofármacos.9
No presente estudo, o conceito de drogas ilícitas foi utilizado para designar as substâncias psicoativas que, quando absorvidas pelo organismo por diferentes vias, tanto oral quanto por inalação, endovenosa e outras, alteram o funcionamento do sistema nervoso central do sujeito.
As alterações provocam mudanças no senso de percepção e no estado de consciência do usuário, uma vez que essas substâncias podem atuar como estimulantes, depressoras ou perturbadoras do sistema nervoso central.9
Algumas substâncias mais reconhecidas como psicoativas e utilizadas com maior frequência são a cocaína, a maconha, o crack, o Dietilamida do Ácido Lisérgico (LSD) e a heroína.
A cocaína é um alcaloide extraído das folhas da coca e outras plantas semelhantes, que são nativas da região amazônica e andina. Os efeitos da cocaína não são uniformes, dependem da dose utilizada, da biodisponibilidade e da duração da ação da cocaína, que, por sua vez, dependem da forma de administração utilizada e de diferenças individuais.10 A cocaína é absorvida pelas mucosas com facilidade, de modo a produzir uma sensação tópica de frio e anestesia, pelo simples contato com o pó. A aspiração nasal provoca pequenas hemorragias nasais e irritação das mucosas, e a vasoconstrição prolongada e sucessiva necrosa o tecido, provocando lesões como rinite atrófica até perfuração do septo nasal, com profunda epistaxe.11-I A droga age sobre o sistema nervoso central, de modo significativo no córtex cerebral, estimulando e provocando fenômenos motores que chegam ao grau de convulsões epileptiformes; altera o psiquismo, produzindo fenômenos subjetivos e efeitos como excitação, euforia, loquacidade, riso sardônico e falsas sensações; esses efeitos, porém, são transitórios pois, logo em seguida, ocorrem depressão, fadiga, torpor e sonolência.12-I
A maconha refere-se a um cigarro feito com folhas, caule, frutos e sementes de uma planta chamada cannabis sativa, cujo princípio ativo ou o alucinógeno principal é o tetra-hidrocanabinol-THC. Com o seu uso pode ocorrer hipersensibilidade a estímulos sensoriais e, principalmente, alterações da percepção temporal. Os efeitos fisiológicos da maconha são bastante característicos, como exemplo a dilatação dos vasos das conjuntivas, que torna os olhos muito congestionados. Pode ocorrer, ainda, fraqueza muscular, tremores finos das mãos e alterações do equilíbrio e da marcha. Estudos no campo da imunologia provaram que a maconha diminui a defesa natural do organismo, altera os cromossomos com prejuízos genéticos, altera o regulador de hormônios, podendo acarretar impotência e esterilidade temporária, além da ação deletéria causada no sistema nervoso central.11-IIA intoxicação canábica acarreta mudanças no funcionamento dos processos cerebrais como: perturbações da memória, alterações do pensamento e sentimentos de estranheza, despersonalização e alucinações por ação direta no sistema nervoso central.12_II
O crack não é uma droga nova, mas um novo método de administração de cocaína; é obtido a partir do produto final da cocaína - misturando-o com bicarbonato de sódio e água e aquecendo essa mistura produz-se o crack. Contém 75% de cocaína pura; pode ser fumado em cachimbos especiais; seus efeitos são tão rápidos que equivalem ao uso endovenoso; leva o indivíduo rapidamente à dependência, à loucura e à morte.13
Geralmente, é a primeira droga ilícita com a qual o usuário inicia a trajetória do vício.14
O LSD - Dietilamida do Ácido Lisérgico é considerada a droga mais potente, é chamada de droga psicotomimética ou psicoléptica porque pode provocar um estado em que há uma cisão da personalidade, simulando os sintomas de esquizofrenia.15
A heroína é obtida a partir da morfina (principal constituinte do ópio e uma das mais potentes drogas analgésicas); é um pó branco e amargo. Os efeitos obtidos são: torpor e tonturas, misturadas com sentimentos de leveza e euforia; pode provocar também náuseas e vômitos, mas esses sintomas desaparecem após pouco tempo de uso. Quando há dependência, há necessidade de repetir as injeções a cada quatro/seis horas a fim de prevenir os desprazeres da abstinência, que são: cólicas, angústia, dores pelo corpo, letargia, apatia e medo. Doses excessivas podem induzir a um estado comatoso. Há a hipótese de que essa droga produz alguma alteração permanente em nível molecular, pois as recaídas são muito frequentes e, assim, essa alteração explicaria a persistência do desejo de retornar à droga.15
A ação das drogas ilícitas sobre o sistema nervoso é devastadora, por ser ele um órgão processador de informações. No córtex cerebral chegam impulsos provenientes de todas as vias de sensibilidade que aí se tornam conscientes e são interpretadas.16
O córtex cerebral é dividido em quatro regiões ou lobos e essas diferentes partes desempenham funções distintas. As zonas do córtex frontal esquerdo estão relacionadas com a execução da fala e da escrita, e as zonas do córtex temporal e occipital esquerdo são envolvidas na percepção e compreensão da linguagem falada ou escrita. O córtex auditivo primário apresenta como característica a capacidade de discriminar frequências e intensidades sonoras; possui um padrão temporal e está envolvido com a localização da fonte sonora, na percepção da fala e no desenvolvimento das habilidades do processamento auditivo e das habilidades de consciência fonológica.17
Diferentes tipos de problemas, como diferentes tipos de localização, resultam em diferentes tipos de alterações do processamento auditivo.18
Estudos que descrevem as alterações neuropsicológicas apresentadas pelos usuários de drogas ilícitas, referem como as mais frequentes os déficits das funções cognitivas de atenção, memória, dificuldades na fluência da fala e, tais alterações são similares às encontradas em pacientes com alterações do sistema nervoso central (pré-frontais e temporais).19-21
Com relação aos motivos que levam um indivíduo experimentar drogas são descritos com maior frequência aspectos como: fatores individuais associados a fatores contextuais, como baixo nível sócio-econômico, parentes usuários e amizades inadequadas.22
Na audição está envolvida uma rede neural complexa, ao longo das vias auditivas centrais e, as habilidades auditivas necessitam da integridade das referidas vias para processarem os estímulos de fala.23
Assim surge o questionamento sobre o quanto o uso de drogas ilícitas poderia também gerar um Quadro de alteração do processamento auditivo central. Tal questionamento gerou o presente trabalho, que teve por objetivo caracterizar a habilidade de atenção seletiva auditiva dos sujeitos que fizeram uso de drogas ilícitas e, verificar se o tempo de uso das drogas influencia o grau de alteração da referida habilidade.
MATERIAL E MÉTODO
O presente trabalho segue na linha de pesquisa dedutiva, caracteriza-se como estudo descritivo, observacional, transversal, estatístico, comparativo e retrospectivo, com enfoque em procedimentos de diagnóstico. O mesmo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade em que o estudo foi realizado, sob o protocolo número 001-AF/05. Todos os sujeitos que fizeram parte do estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Fizeram parte da população do estudo dezenove sujeitos do sexo masculino, com história de uso de drogas ilícitas. Os sujeitos avaliados encontravam-se internados, em processo de recuperação, em uma instituição especializada, ou eram ex-usuários e faziam parte de um grupo de indivíduos recuperados, que auxiliavam ou trabalhavam na instituição, localizada em um município do interior de São Paulo.
Foram selecionados somente indivíduos do sexo masculino pelo fato da referida instituição não possuir instalações para abrigar indivíduos do sexo feminino. Os critérios de inclusão foram: o sujeito ter condições de manifestar conscientemente o desejo de participar do estudo; não apresentar perda auditiva periférica.
Os materiais utilizados foram os protocolos para anotações dos dados coletados na entrevista com os sujeitos e nos exames realizados. Os equipamentos utilizados foram: otoscópio: marca HEINE mini 2000; audiômetro de dois canais (AC-33 - fone: TDH-39); impedanciômetro eletroacústico modelo AZ 7 (marca Interacoustic); sonda modelo AZP 7-11, marca SIEMENS, e impedanciômetro eletroacústico modelo ZODIAC (marca Madsen); CD player - marca Aiwa, modelo CSD-A170; Compact disc (volume 2) para testar habilidades do processamento auditivo do Manual de avaliação do Processamento Auditivo Central.24 Todos os equipamentos de avaliação encontravam-se devidamente calibrados dentro dos parâmetros, segundo as seguintes normas técnicas: ANSI S3.6- 1996/ ISO-389- 1991/ ISSO-8798/ANSI S3.43- 1992.
Os procedimentos para coleta de dados seguiram a seguinte ordem:
1º) Apreciação e Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade.
2º) Contato com a Diretoria da Instituição de Recuperação de Usuários de Drogas Ilícitas.
3º) Convite aos sujeitos que preenchiam os critérios de inclusão, os quais se encontravam na fase, do período de internação, que poderiam ser levados até o local onde a pesquisa foi realizada - Laboratório de Audiologia Clínica de uma Universidade do Interior de São Paulo.
4º) Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por todos os sujeitos participantes.
5º) Entrevista inicial ou anamnese: com objetivo de obter informações que auxiliassem a descrição do perfil da população do estudo, segundo as seguintes características: idade, tempo de uso de drogas, tipo de drogas utilizadas, motivo que os levou ao contato com as drogas ilícitas e, o tempo de abstinência (Quadro 1, Quadro 2, Quadro 3 e Quadro 4).
6º) Avaliação otorrinolaringológica: com objetivo de descartar alterações que acometem o sistema auditivo periférico e que poderiam impedir a realização da avaliação dos exames da audição.
7º) Avaliação Audiológica (audiometria tonal limiar, logoaudiometria, imitanciometria): para determinar os limiares auditivos; pesquisar o grau de recepção e reconhecimento de estímulos de fala; e pesquisar as condições de orelha média. A normalidade nos testes audiológicos é pré-requisito para aplicar o teste de avaliação do Processamento Auditivo.
8º) Avaliação do Processamento Auditivo através do Teste dos Dissílabos Alternados - SSW, padronizado para o português.25
Com relação às características dos sujeitos da presente amostra, os dezenove sujeitos selecionados apresentaram condições audiológicas normais e a média de idade do grupo foi de vinte anos e quatro meses. Dezesseis sujeitos iniciaram o uso de drogas ilícitas com idade inferior aos 15 anos. A maconha foi droga inicial para a maioria dos sujeitos, que passaram associá-la com o uso de outro tipo de droga, conforme está demonstrado o Quadro 3. No referido Quadro observa-se que 80% dos sujeitos utilizaram três ou mais tipos de drogas ilícitas concomitantemente,
Para análise dos resultados do Teste dos Dissílabos Alternados, utilizou-se a comparação do levantamento do número de erros nas quatro condições de escuta do teste (Direito Não Competitivo; Direito Competitivo; Esquerdo Competitivo; Esquerdo Não Competitivo), conforme o modelo proposto na literatura.26 A escolha da referida forma de análise está relacionada à dificuldade em padronizar um grupo controle, composto por sujeitos verdadeiramente não-usuários de drogas ilícitas, com o uso apenas do procedimento de entrevista, sem a realização de testes farmacológicos.
A pesquisa utilizada como parâmetro de comparação verificou o desempenho de ouvintes normais no Teste dos Dissílabos Alternados em português, a partir do levantamento do número de erros em cada condição. A autora avaliou cem indivíduos audiologicamente normais, na faixa etária de dezoito a trinta e nove anos, e grau de escolaridade não inferior ao primeiro grau completo. Dos cem sujeitos, cinquenta eram do sexo feminino e cinquenta, do sexo masculino.26
Assim, os resultados do total do número de erros encontrados em cada condição de escuta foram comparados com os resultados dos dezenove primeiros sujeitos da população masculina da referida pesquisa.26 Tais resultados foram selecionados, pelo fato dos respectivos sujeitos apresentarem características semelhantes (faixa etária, sexo e grau de escolaridade) com os sujeitos do presente estudo.
Os resultados dos dezenove sujeitos descritos na pesquisa utilizada como parâmetro de comparação26 constituíram o grupo controle (GC) e os resultados dos sujeitos da presente amostra constituíram o grupo pesquisa (GP).
Para a comparação do número total de erros, entre as duas amostras, foi realizada uma análise a partir da soma do número total de erros apresentados nas quatro condições de escuta (Direito Não-Competitivo; Direito Competitivo; Esquerdo Competitivo; Esquerdo Não-Competitivo). Assim, os resultados obtidos nesta análise foram comparados entre os grupos controle e pesquisa e, submetidos à análise estatística.
A comparação entre os grupos teve o objetivo de observar se, estatisticamente, haveria diferença significante no número de erros apresentados pelo grupo de sujeitos que fizeram uso de drogas, com relação aos descritos como normais, na literatura.26Não foi realizada a análise caracterizando os resultados do Teste dos Dissílabos Alternados como normal ou alterado, pois tal tipo de análise não contemplaria a observação da ação deletéria do uso de drogas ilícitas ao sistema nervoso central e às habilidades auditivas.
Para análise sobre a influência do tempo de uso de drogas associado ao desempenho dos sujeitos no Teste dos Dissílabos Alternados, subdividiu-se o grupo pesquisa em dois subgrupos: grupo pesquisa I (no qual fizeram parte os sujeitos com tempo de uso de drogas entre quatro e oito anos) e grupo de pesquisa II (constituído por sujeitos que fizeram uso de drogas de oito anos e um mês a trinta anos e seis meses). A análise entre os subgrupos I e II do grupo pesquisa verificou se a variável tempo interferiria no número total de erros por condição de escuta, apresentado pelos sujeitos que fizeram uso de drogas por mais tempo.
O teste estatístico utilizado foi o Teste de Mann-Whitney27, o qual é indicado quando se comparam dois conjuntos de informações numéricas, em amostras independentes, e não se deseja fazer suposições acerca da distribuição dos dados.
RESULTADOS
Na apresentação dos resultados, encontra-se nomeado de grupo controle os dados extraídos da literatura26, e os índices de erros apresentados pelos sujeitos do presente estudo estão sob a denominação de grupo pesquisa.
O Quadro 5 apresenta a análise dos resultados do Teste dos Dissílabos Alternados, dos dois grupos (controle e pesquisa), de forma individualizada, por sujeito.
Para comparar os resultados do grupo pesquisa com os do grupo controle, utilizou-se a soma total do número de erros de cada grupo, nas quatro condições de escuta, além da análise percentual das médias de erros, também nas quatro condições. Tal comparação encontra-se representada no Quadro 6.
Os sujeitos do grupo pesquisa foram subdivididos em dois grupos a fim de constatar se o tempo de uso de drogas influencia no número total de erros. O grupo pesquisa foi subdividido em grupo de pesquisa I, que foi constituído pelos sujeitos que fizeram uso de drogas entre quatro e oito anos, e grupo de pesquisa II, constituído pelos sujeitos que fizeram uso de drogas de oito anos e um mês a trinta anos e seis meses. Os resultados de tal comparação encontram-se demonstrados no Quadro 7.
A análise comparativa da média total de erros, cometidos pelos sujeitos do grupo pesquisa, está descrita na Tabela 1 e Tabela 2. Na Tabela 1, na análise estatística, foi observada uma diferença extremamente significativa, ou seja, p< 0.001 quando comparados o grupo pesquisa e o grupo controle (normais) nas condições: direita não-competitiva e direita competitiva. Nas condições de escuta esquerda competitiva e esquerda não-competitiva, essa diferença foi muito significativa, ou seja, p< 0.01.
Na análise estatística da Tabela 2, não foi constatada uma diferença significativa (p< 0.05) nas três condições de escuta: Direita Não-competitiva, Direita Competitiva e Esquerda Não-competitiva, quando comparados o grupo I e o grupo II (subgrupos do grupo de pesquisa). Entretanto, na condição de escuta Esquerda Competitiva, o teste estatístico acusou uma diferença significativa, ainda que a diferença numérica seja pequena; tal fato justifica-se pela variabilidade entre os grupos.
DISCUSSÃO
A maturação do sistema auditivo central ocorrerá por volta dos 12 anos, quando as habilidades auditivas encontram-se desenvolvidas.3 Considerando os dados da entrevista, observa-se que onze sujeitos iniciaram o uso de drogas ilícitas antes dos 15 anos, período em que o sistema auditivo central ainda está em processo de maturação anatomofisiológica dos hemisférios cerebrais e do corpo caloso. A ação deletéria sobre tais estruturas e funções pode ter alterado também o final do processo da neuromaturação.
No presente estudo, a análise do motivo que propiciou os indivíduos fazerem uso de drogas, evidenciou a curiosidade e a influência de amigos como fatores mais frequentes. Tal aspecto também é encontrado na literatura, onde são descritos como aspectos motivacionais características individuais, problemas afetivo-emocionais, familiares usuários, baixo nível sócio-cultural, associados à presença de amigos "desviantes".9,22
Com relação à análise comparativa dos resultados do teste dos dissílabos alternados, observou-se que o número de erros para as quatro diferentes condições de escuta, entre o grupo pesquisa e o grupo controle (normais), apresentou uma diferença estatística extremamente significativa nas condições Direita não-competitiva e Direita Competitiva. Na condição Esquerda Competitiva e Esquerda não-competitiva, a análise demonstrou uma diferença muito significativa. Tais diferenças confirmam que a ação deletéria das drogas sobre o sistema nervoso central, também afeta a parte auditiva do sistema. Uma vez que não há como comprovar a pré-existência de desordem nas habilidades do processamento auditivo antes do uso das drogas, pode-se afirmar que a ação deletéria das drogas sobre o sistema auditivo central desencadeou ou agravou alterações já existentes.
Habilidades do processamento auditivo central, cognitivas, de resolução de problemas, atenção e fluência verbal dependem da integridade do sistema nervoso central e, tal integridade pode ser alterada por inúmeros fatores, dentre eles, as drogas lícitas e as ilícitas, como observado no presente estudo e, coincide com os achados da literatura.19,21
A droga age sobre o sistema nervoso central de maneira intensa, perigosa e de modo significativo no córtex cerebral, o que corrobora para confirmar a relação da possibilidade das drogas acarretarem prejuízos no Sistema Auditivo Central.6,9,12
Um aspecto observado no presente estudo foi o fato do maior tempo de uso das drogas não demonstrar um aumento significativo no número de erros. Tal aspecto é justificado pelo fato da dependência estar relacionada a fatores de riscos da biodisponibilidade, do contexto social e familiar, os quais variam de pessoa para pessoa como é descrito na literatura.9,10,22
CONCLUSÃO
Os resultados do presente trabalho demonstram que a ação deletéria da drogas no sistema nervoso central (SNC) afeta significativamente o sistema auditivo, desencadeando alterações do processamento auditivo central, ou agravando alterações já existentes. Porém, o maior tempo de uso de drogas ilícitas não demonstrou agravar a alteração que tais drogas provocam na habilidade auditiva.
Conclui-se que o teste de dissílabos alternados em português é um procedimento de avaliação da habilidade auditiva, que auxilia na investigação dos efeitos que o uso de drogas pode causar ao sistema nervoso central.
Os achados do presente estudo suscitam a necessidade da realização de novos estudos que possam esclarecer e caracterizar a relação entre o uso de drogas ilícitas com as alterações do sistema auditivo central, visando promover o desenvolvimento de procedimentos que auxiliem o processo de reabilitação dos indivíduos ex-usuários de drogas.
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1 Fonoaudióloga, Aluna do Curso de Especialização em Audiologia da Universidade de Franca.
2 Fonoaudióloga. Aluna do Curso de Especialização em Audiologia - Universidade de Franca - Unifran.
3 Doutoranda pelo Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP-USP. Docente do Curso de Fonoaudiologia - Universidade de Franca - Unifran.
4 Professor / Doutor, Professor Titular do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP-USP.
5 Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana: Fonoaudiologia pela Unifesp/EPM. Docente do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP-USP.
6 Doutor em Cirurgia Clínica pela da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP-USP. Neurocirurgião. Docente do Curso de Fonoaudiologia - Universidade de Franca - Unifran.
Universidade de Franca e Programa de Pós-Graduação do do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP-USP.
Endereço para correspondência:
Mônica Pires de Castro Mendonça
Rua Antônio Grisol Lopes, 1910
Bairro Santo Agostinho Franca SP 14401-340
Email: monicapires@unifran.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 8 de maio de 2008. cod. 5839
Artigo aceito em 28 de janeiro de 2009.