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Ano:  2009  Vol. 75   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 660 a 664

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Manifestações laríngeas da Estomatite Aftoide Recorrente Atípica

Laryngeal manifestations in atypical Recurrent Aphthous Stomatitis

Autor(es): Ivan Dieb Miziara1, Katia Cristina Costa2, Ali Mahmoud3, Raimar Weber4, Niels Salles Willo Wilhelmsen5, Rui Imamura6

Palavras-chave: dapsona, estomatite aftosa, laringe, microscopia de fluorescência.

Keywords: dapsone, aphthous stomatitis, larynx, fluorescence microscopy.

Resumo:
A Estomatite Aftoide Recorrente é definida como úlceras recorrentes e dolorosas na mucosa oral, de aparecimento na infância e adolescência, sem evidências de doenças sistêmicas, presentes quinzenal ou mensalmente por um período mínimo de um ano. No entanto existem quadros sugestivos de Estomatite Aftoide Recorrente que mostram lesões em localizações atípicas, principalmente em laringe, concomitantes àquelas localizadas na mucosa oral. Objetivo: Descrever uma série de portadores de Estomatite Aftoide Recorrente com apresentação atípica em laringe. Forma do Estudo: Estudo de uma série de casos. Método: Pacientes com diagnóstico clínico de Estomatite Aftoide Recorrente, com lesões em mucosa oral e sintomas laríngeos, sem alterações nos exames laboratoriais e sem evidências de doenças sistêmicas, foram submetidos a exame fibroscópico e a biópsia oral e laríngea, complementadas com Imunofluorescência Direta. Resultados: Todos os seis pacientes desta série apresentaram como resultados histopatológicos processo inflamatório agudo e crônico e Imunofluorescência Direta negativas. Conclusão: O acometimento laríngeo na Estomatite Aftoide Recorrente é raro, por isso durante o diagnóstico faz-se necessária uma boa história clínica e um adequado exame físico, incluindo os exames fibroscópicos. Diante de lesões atípicas, faz-se necessário uso de biópsia para estudo histológico e de Imunofluorescência Direta.

Abstract:
Recurrent aphthoid stomatitis is characteristically observed in children and adolescents in the form of painful relapsing ulcers in the oral mucosa unaccompanied by evidences of systemic disease. The ulcers appear every one or two weeks for at least one entire year. Some patients suspected for recurrent aphthoid stomatitis develop lesions in atypical sites - mainly in the larynx - concurrently to the ones found in the oral mucosa. Aim: this study aims to describe a series of recurrent aphthoid stomatitis patients with atypical laryngeal injuries. Study design: this is a case series study. Materials and method: patients diagnosed with recurrent aphthoid stomatitis with oral mucosa ulcers and laryngeal symptoms without altered lab test results and no evidence of systemic disease underwent fibroscopic examination, oral and laryngeal biopsies, followed by specimen evaluation by direct immunofluorescence. Results: all six patients in this series had acute and chronic inflammatory processes according to pathology studies and negative direct immunofluorescence test results. Conclusion: laryngeal involvement in recurrent aphthoid stomatitis is rare. Therefore, during diagnostic examination thorough clinical history and meticulous physical examination accompanied by fibroscopic examination are necessary. When atypical lesions are found, biopsies for histological evaluation and direct immunofluorescence tests are required.

INTRODUÇÃO

A Estomatite Aftoide Recorrente (EAR) é definida atualmente como úlceras recorrentes e dolorosas na mucosa oral, de aparecimento em geral na infância e adolescência, sem evidências de doenças sistêmicas e que estejam presentes quinzenal ou mensalmente por um período mínimo de um ano1. No entanto, não é incomum na clínica diária, depararmo-nos com lesões aftoides que não podem ser classificadas em nenhum tipo de doença ou síndrome.

Lesões orais podem mimetizar outros quadros ou fazerem parte das manifestações clínicas de outras afecções, como por exemplo, no caso das doenças vésico-bolhosas de origem autoimune. Dependendo da fase evolutiva das aftas, estas lesões podem se assemelhar àquelas causadas por Pênfigo Vulgar (PV) ou Penfigoide de Membranas Mucosas (PMM), os quais acometem com relativa frequência a mucosa laríngea2,3.

Nesses casos, frente a quadros sugestivos de EAR, porém com lesões de aspecto inespecífico e/ou concomitantes em laringe, além da história clínica e dos exames físicos e laboratoriais sugere-se a biópsia com estudo histopatológico e por imunofluorescência, a fim de firmarmos o diagnóstico correto.

A Imunofluorescência Direta (IFD) na EAR, como mencionada por Ship4, é de extrema importância para o diagnóstico diferencial entre as formas atípicas de EAR (onde o resultado do exame é negativo) e as doenças vésico-bolhosas (onde o exame apresenta fluorescência positiva no epitélio oral e/ou laríngeo)4.


OBJETIVO

Descrever uma série de seis portadores de lesões orais com história clínica compatível com EAR, porém com apresentações atípicas em laringe que não se enquadram em nenhuma forma de EAR anteriormente descrita.


MATERIAL E MÉTODO

Neste estudo retrospectivo participaram seis pacientes consecutivos, do Grupo de Estomatologia da Divisão de Clinica Otorrinolaringológica de um Hospital Universitário, portadores de lesões aftoides que se apresentaram ou evoluíram de maneira atípica, no período de 2002 a 2004.

Os pacientes assinaram termo de consentimento esclarecido e o estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição sob o número 876/04, como parte de um projeto maior para investigação de aspectos clínicos, laboratoriais e genéticos de pacientes portadores de EAR.

Todos os pacientes foram submetidos a um protocolo composto de anamnese geral e otorrinolaringológica, exame físico, especialmente da cavidade oral, além dos exames fibroscópicos com Nasofibroscópio Flexível Olympus 3,4mm ENF Type P4 e Telescópio de Laringe rígido de 70 graus Storz (Hopkins), acoplados a fonte de luz halógena 250Watts.

Dentre os exames laboratoriais solicitou-se: hemograma completo, coagulograma completo, pesquisa de ferritina sérica, dosagem de G6PD (glicose 6-fosfato desidrogenase), fator anti-núcleo (FAN), fator reumatoide, sorologia para Lues (RSS e Fta-ABS), anti-HIV 1 e 2, dosagem sérica de Imunoglobulinas (Ig) A, G e M, proteína C reativa.

Para afastar outras doenças que afetam a cavidade oral e fazem diagnóstico diferencial com EAR (Doença de Behçet, Pênfigos e Penfigoides, Eritema multiforme etc.) foi realizada biópsia da lesão oral e laríngea.

A biópsia oral foi realizada sob anestesia infiltrativa com xilocaína 2% sem vasoconstritor, com a utilização de um Punch de 4mm de diâmetro, na mucosa adjacente a lesão (perilesional) para IFD e outro fragmento foi colhido na transição entre área ulcerada e área sã da mucosa para exame histológico.

A biópsia da mucosa laríngea foi realizada através de anestesia geral por microcirurgia de laringe, sendo também retirados dois fragmentos para estudo histopatológico e de IFD.

Critérios de inclusão:

  • História clínica compatível com EAR, i.e, surtos de lesões aftoides em cavidade oral, com periodicidade mensal (ou menor), há pelo menos um ano;
  • Presença de lesão aftoide em mucosa oral;
  • Ausência de alterações nos exames solicitados no protocolo;
  • Ausência de sinais clínicos e/ou laboratoriais compatíveis com doença sistêmica que curse com lesão oral.
  • Abstinência de uso de corticosteroide tópico sobre a lesão por, ao menos, duas semanas anteriores à biópsia.


  • Critérios de exclusão:

  • História clínica não compatível com EAR;
  • Presença de alterações nos exames solicitados no protocolo;
  • Presença de sinais clínicos e/ou laboratoriais compatíveis com doença sistêmica que curse com lesão oral.
  • Uso de corticosteroide tópico lesional por menos de duas semanas anteriores à biópsia.



  • RESULTADOS

    Em nossa casuística, todos os pacientes apresentaram "lesões aftoides atípicas", sendo três pacientes do sexo masculino e três do sexo feminino. A faixa etária de aparecimento variou de 22 a 64 anos, sendo a média da faixa etária de 38,8 anos (Tabela 1).




    Todos os exames anatomopatológicos tiveram como resultado presença de lesão ulcerada na mucosa (oral e laríngea) com processo inflamatório agudo e crônico inespecíficos na submucosa. As colorações para pesquisa de fungos/granulomatoses foram negativas, assim como as IFD (Figura 1).


    Figura 1. Imunofluorescência Direta de mucosa oral de paciente com EAR atípica com ausência de fluorescência.



    Em relação aos locais de apresentações destas lesões ulceradas, quatro pacientes estavam no momento do exame físico com lesões orais (Figura 2), algumas em processo de atividade e algumas em processo de cicatrização. Ao mesmo tempo, com os exames fibroscópicos observou que todos os seis pacientes apresentavam lesões laríngeas em sítios variados: epiglote, aritenoides e bandas ventriculares (Tabela 1).


    Figura 2. Lesão aftoide em mucosa oral de paciente com EAR.



    Dentre os sintomas mais referidos pelos pacientes estavam dor, odinofagia e disfagia, sintomas estes esperados para a EAR. A disfonia também foi citada por 66,6% dos pacientes, sendo que todos eles possuíam lesões laríngeas ao exame fibroscópico.

    A apresentação dessas lesões, em sua maioria, eram lesões do tipo major, medindo a menor lesão 1,0cm e a maior 4,0cm.

    A terapêutica utilizada foi com Dapsona 100 mg/dia associada inicialmente ao corticoide oral - Prednisona (30 mg/dia), este último retirado gradualmente após um mês de tratamento.

    Estes pacientes evoluíram com remissão completa das lesões laríngeas e com remissão parcial das lesões orais. Encontram-se em seguimento clínico mensal, sem apresentarem demais intercorrências.


    DISCUSSÃO

    O aparecimento de lesões na laringe na EAR é incomum. Não temos conhecimento de outros estudos que descrevessem o acometimento laríngeo na EAR. Por outro lado, o acometimento laríngeo no Pênfigo Vulgar e em outras doenças vésico-bolhosas de origem autoimune é frequente3.

    Em nosso estudo detectamos lesões aftoides em várias regiões da laringe como epiglote, pregas ariepiglóticas, bandas ventriculares e aritenoides em concomitância com lesões orais (Figura 3 e 4). Deste modo, diante desta apresentação atípica foi essencial o exame de imunofluorescência direta para o diagnóstico diferencial4. Em nossa casuística os resultados das imunofluorescência direta de mucosa oral e laríngea revelaram-se negativos.


    Figura 3. Lesão aftoide atípica em região aritenoidea à esquerda.


    Figura 4. Lesão aftoide atípica em face lingual de epiglote direita.



    Alguns autores definem como "Aftose Complexa" uma entidade caracterizada por presença constante de lesões orais ou presença de lesões orais e genitais concomitantes, com exclusão da doença de Behçet (DB)5-7. Ou seja, a "Aftose Complexa" também seria uma manifestação atípica de EAR. Mesmo assim, no estudo destes autores, com 42 pacientes portadores da "Aftose Complexa" primária, nenhum deles apresentou lesões laríngeas7. Em contrapartida, nenhum dos pacientes em nossa casuística apresentou lesões genitais e/ou outros sinais e sintomas de DB.

    Convém lembrar que o diagnóstico da DB é clínico, sendo necessário o preenchimento de critérios para a confirmação da afecção: afta oral recorrente, úlceras genitais e/ou uveíte e/ou lesões de pele8. O exame histológico das lesões causadas pela doença geralmente mostram vasculite com infiltração perivascular por leucócitos9. Mais uma vez, se encontram poucos casos de acometimento laríngeo por DB. Geralmente são citados por autores quando a doença está avançada e com complicações, como por exemplo, estenose faringolaríngea9-11.

    Podemos encontrar, embora com raridade, lesões laríngeas concomitantes às lesões orais nos quadros extensos e graves de Eritema Multiforme12. Contudo, estas lesões ulceradas são de origem aguda e com um quadro clínico diferente dos nossos pacientes que possuem recorrência das lesões orais.

    Na literatura também se encontram relatos de manifestações laríngeas pela Doença de Crohn (DC)13-15. A DC é uma doença inflamatória granulomatosa que pode envolver qualquer porção do trato gastrointestinal, incluindo até a cavidade oral.

    Os sintomas mais comuns são dores abdominais e diarreia com alternância para obstrução intestinal16. São citados como sítios de manifestações extras gastrointestinais a pele, as articulações e a mucosa respiratória (fossas nasais, hipofaringe e laringe)17.

    O diagnóstico da DC é feito através do quadro clínico e colonoscopia com biópsia cujo resultado é um granuloma inflamatório. O achado mais comum na laringe acometida pela DC é o edema de laringe, sendo menos citados as ulcerações ou os processos granulomatosos13.

    Em nossa casuística nenhum paciente durante todo o tempo de seguimento apresentou sintomatologia suspeita de Doença de Crohn ou de qualquer outra doença inflamatória intestinal. Da mesma maneira, os resultados dos exames histológicos também não foram sugestivos da DC.


    CONCLUSÃO

    O acometimento laríngeo na EAR é raro, por isso durante o diagnóstico faz-se necessária uma boa história clínica e um adequado exame físico, incluindo os exames fibroscópicos. Diante de lesões atípicas, faz-se necessário uso de biópsia para estudo histológico e de IFD.


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    17. Ulrich Ramsey, Goldberg R, Line WS. Crohn's disease: a rare cause of upper airway obstruction. J Emerg Med. 2000;19:331-2.











    1 Professor Livre Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Grupo de Estomatologia da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    2 Médica Otorrinolaringologista. Médica colaboradora do Grupo de Estomatologia da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    3 Médico Otorrinolaringologista. Médico colaborador do Grupo de Estomatologia da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    4 Médico Otorrinolaringologista. Pós-graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    5 Cirurgião Dentista. Pós-graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    6 Médico Otorrinolaringologista. Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 18 de junho de 2008. cod. 5903
    Artigo aceito em 12 de outubro de 2008.

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