Ano: 2009 Vol. 75 Ed. 3 - Maio - Junho - (16º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 407 a 413
Estimulação a ar na perfuração timpânica: estudo da inversão nistágmica
Air stimulation in tympanic perforation: inverted nystagmus study
Autor(es): Lucia Kazuko Nishino1, Lidio Granato2, Carlos Kazuo Taguchi3
Palavras-chave: ar, eletronistagmografia, perfuração da membrana timpânica, testes calóricos.
Keywords: air, electronystagmography, tympanic membrane perforation, caloric tests.
Resumo:
A inversão de respostas durante a estimulação a ar quente é o achado mais controverso que aparece na prova calórica de indivíduos com perfuração da membrana timpânica. Nestes casos, poucos estudos exploraram as possíveis interferências nos achados da prova calórica, trazendo controvérsias de interpretação no resultado do exame. Objetivo: Este trabalho teve o objetivo de analisar a estimulação calórica a ar em indivíduos com perfuração da membrana timpânica em comparação com indivíduos hígidos, sem esta alteração. Material e Método: Estudo prospectivo, não-randomizado, no qual foram avaliados 48 indivíduos sem queixas vestibulares, sendo 33 indivíduos com membrana timpânica perfurada unilateralmente e 15 indivíduos sem nenhuma alteração na membrana timpânica. Resultados: 39,39% dos indivíduos apresentaram inversão de respostas na prova calórica a ar quente. Na ausência deste fenômeno as respostas das nistágmicas foram simétricas. Conclusão: As respostas nistágmicas na prova calórica em indivíduos com perfuração da membrana timpânica foram similares aos indivíduos hígidos, com exceção da presença de inversão de respostas na prova calórica quente.
Abstract:
Response inversion during warm air stimulation is the most controversial finding seen in caloric tests of individuals with tympanic membrane perforation. In such cases, very few studies explore the possible interferences found in the caloric test, bringing about controversies in the interpretation of test results. Aim: This paper aimed at analyzing warm air stimulation effects in individuals with tympanic membrane perforation in comparison with normal healthy controls. Materials and Methods: Prospective, non-randomized study in which 48 individuals without vestibular complaints were assessed, 33 had one tympanic membrane perforated and 15 had no ear drum alteration. Results: 39.39% of the individuals had response inversion found during the warm air test. In the absence of this phenomenon, nystagmus responses were symmetrical. Conclusion: Nystagmus responses to the caloric test in individuals with tympanic membrane perforation were similar to those from healthy controls, with the exception of the fact that they had inverted responses in the warm caloric test.
INTRODUÇÃO
A prova calórica é considerada o teste mais importante na bateria de testes do exame vestibular pois é capaz de realizar o topodiagnóstico da lesão vestibular. Muito se avançou para diminuir a intolerabilidade desse procedimento, substituindo a estimulação com água pela estimulação a ar. Esse método foi primeiramente instituído para a realização de exames em indivíduos que não podiam receber o estímulo calórico com água no meato acústico externo, principalmente, nas perfurações da membrana timpânica1-5.
Os estimuladores calóricos a ar foram desenvolvidos para realizar um exame seguro e fidedigno, que pudessem ser comparados com a estimulação a água. Ficaram bastante confiáveis e suas respostas bem mais toleráveis para os pacientes6-8.
Nos últimos anos, muitos autores3,5,9,10 têm proposto e estudado a aplicação sistemática do uso da estimulação a ar na prova calórica na eletronistagmografia, substituindo a clássica irrigação com água. Essa substituição se deve a vários motivos, como a possibilidade de realizar o teste em indivíduos com alterações na orelha média e externa, além da praticidade da técnica e maior tolerabilidade dos pacientes, principalmente se realizado em crianças sem trazer maiores desconfortos.
Porém, estudos em indivíduos com alteração na orelha média foram pouco explorados7,9,11-13, sendo que as investigações que foram realizadas indicavam possíveis interferências nos achados da prova calórica, trazendo controvérsias de interpretação no resultado do exame.
Diante da abertura de novas possibilidades ocasionadas com o uso da estimulação a ar, faz-se necessária uma melhor compreensão das possíveis respostas das provas calóricas em indivíduos com perfuração da membrana timpânica.
O presente estudo teve a intenção de analisar a estimulação calórica a ar na perfuração da membrana timpânica sem otorreia, em indivíduos sem alterações vestibulares, em comparação com indivíduos hígidos.
MATERIAL E MÉTODO
Estudo clínico observacional tipo caso-controle, não-randomizado aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisas com parecer n°170/05.
Foram estudados 48 indivíduos, sendo 15 hígidos, para o grupo controle e 33 com perfuração da membrana timpânica unilateral, sem otorreia evidente e sem outra doença concomitante para o grupo de estudo. Todos os indivíduos foram avaliados no período de 2006 e 2007, no setor de Fonoaudiologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Instituição.
Os indivíduos com perfuração da membrana timpânica foram encaminhados pelo médico otorrinolaringologista, que realizou a avaliação neuro-otológica completa, para afastar qualquer comprometimento vestibular central ou periférico.
Todos os indivíduos foram esclarecidos sobre os objetivos deste estudo e convidados a participar do mesmo, o qual foi iniciado após a concordância e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Os participantes da pesquisa foram submetidos à anamnese (anexo 2) para a observação dos critérios de inclusão e exclusão, além da avaliação otorrinolaringológica no dia do exame vestibular, que constou de otoscopia, onde foi caracterizada a extensão, por porcentagem, do tamanho aproximado da perfuração na membrana timpânica e a constatação de ausência de otorreia.
A avaliação audiológica básica foi realizada no audiômetro de dois canais AC-40 da marca Interacoustics, composta de: audiometria tonal liminar e logoaudiometria (Limiar de Reconhecimento de Fala - LRF e Índice de reconhecimento de Fala - IRF). A avaliação do exame vestibular (vectoeletronistagmografia), que compõe uma bateria de testes: pesquisa do nistagmo de posição, calibração dos movimentos oculares, pesquisa do nistagmo espontâneo de olhos abertos e fechados, do nistagmo semiespontâneo, dos movimentos sacádicos, do rastreio pendular, do nistagmo optocinético, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica com ar (42ºC e 18ºC) com 80 segundos de duração.
Para a realização da prova calórica os indivíduos foram avaliados na posição sentada com a cabeça fletida 60° para trás, com registro do nistagmo pré-calórico para descartar qualquer interferência cérvico-vestibular. Durante a estimulação a ar, nos indivíduos com perfuração da membrana timpânica, iniciou-se o teste em metade dos indivíduos com a estimulação a quente e na outra metade com estimulação a frio. Este procedimento foi realizado a fim de verificar se haveria uma relação do possível desconforto com a temperatura do estímulo. Na presença de eventual inversão de respostas em qualquer estimulação, após o registro desse nistagmo, a cabeça desses indivíduos foi colocada 180° para frente a fim de verificar a reatividade do sistema vestibular.
Todas as provas foram registradas e analisadas pelo computador, que realizou a medida automática do ganho, latência, precisão e velocidade angular da componente lenta do nistagmo, além de todos os cálculos necessários em cada uma das provas. Na prova calórica foram consideradas como simétricas os valores menores que 33% para Preponderância Labiríntica (PL), 22% para os de Preponderância Direcional do Nistagmo (PDN) e 30% para a simetria das provas frias.
O equipamento computadorizado da vectonistagmografia digital utilizado incluiu, além do programa específico (VECWIN), uma barra luminosa que apresenta os estímulos visuais. Os estímulos para a prova calórica foram realizados com o otocalorímetro NGR05, ambos da marca Neurograff Eletromedicina Ind. & Com. Ltda. Os parâmetros de normalidade utilizados foram do programa do equipamento, ou seja, 2°s para valores absolutos de hiporreflexia e 19°/s para hiper-reflexia em valores absolutos, além das correções de Costa et al., que consideraram 24°/s para valores de hiper-reflexia14.
Os sujeitos selecionados foram orientados a não ingerir alimentos que contivessem cafeína e bebidas alcoólicas, 48 horas antes do exame, a evitar o fumo e medicamentos não-essenciais, como antivertiginosos, ansiolíticos e antidepressivos, além de permanecer em jejum durante as quatro horas anteriores ao exame. Os que não cumpriram as orientações foram reorientados e remarcados para nova data.
Dos indivíduos avaliados, foram excluídos aqueles que apresentavam perda auditiva sensório-neural, otorreia evidente, doenças ou obstruções do meato acústico externo, tonturas e presença de nistagmo espontâneo e semiespontâneo.
Os indivíduos que fizeram parte do grupo controle passaram também pela avaliação prévia do médico otorrinolaringologista que descartou qualquer alteração na orelha média, além da avaliação clínica completa.
Os dados foram analisados estatisticamente pelo programa EPI-INFOâ versão 3.3.2. A amostra foi calculada para detectar uma razão de ODDS RATIO de 1,5. Para a análise dos dados não-paramétricos foi utilizado o Teste Exato de Fisher e para os dados paramétricos na análise das médias e desvio padrão foi utilizado o Teste t-Student. Em toda a análise foi utilizado o nível de significância menor que 5%. Nos resultados estatisticamente significativos foram utilizados os asteriscos (*) logo após o valor do p.
RESULTADOS
Em relação ao gênero, análise estatística dos grupos controle e de estudo foram homogêneos (Tabela 1).
Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa no Teste Exato de Fisher (p=0,2848) entre os grupos.
A média e o desvio padrão das idades do grupo controle (36,73±11,25) e do grupo de estudo (34,76±10,23) não apresentaram diferença estatisticamente significativa (p=0,5506) no Teste t-Student.
Os resultados das provas oculomotoras e da PRPD estavam todos dentro dos padrões de normalidade estabelecidos pelo programa e estes não foram estudados neste experimento.
O tamanho da amostra foi calculado pela razão de odds ratio =1,65; IC95% 0,67-4,04)
Dos 48 indivíduos estudados, 45 (45/48; 93,75%) apresentaram respostas simétricas entre as estimulações frias e três (3/48; 6,25%) apresentaram respostas assimétricas, sendo todas estas do grupo de estudo, onde dois indivíduos tiveram respostas nistágmicas maiores do lado perfurado e um indivíduo do lado não-perfurado. A presença de assimetria nos grupos não foi significante (p=0,3154), após a aplicação do Teste Exato de Fisher (Tabela 2).
As médias dos resultados da VACL das estimulações frias foram estudadas nos dois grupos, apresentando semelhanças entre si. As médias dos valores da VACL dos nistagmos na estimulação fria não tiveram diferenças estatisticamente significativas (p=0,5212), baseado no Teste t-Student (Tabela 3).
Em 35 indivíduos (20 do grupo de estudo e 15 do grupo controle) foi realizado o estudo das quatro estimulações, sendo excluídos desta análise 13 indivíduos, todos do grupo de estudo, (13/33; 39,39%) com inversão de respostas na prova quente. No grupo dos 35 que realizaram as quatro estimulações foi encontrado somente um indivíduo com preponderância direcional do nistagmo maior que 22% para o lado perfurado. A presença de alteração nos resultados das quatro estimulações não teve diferença estatisticamente significativa entre os grupos estudados, no Teste Exato de Fisher (p=0,5714).
Foi também estudada a média dos resultados das quatro estimulações utilizando a fórmula de Jongkess. Sendo encontradas as médias da VACL para o grupo controle de 11,65±5,35 e para o grupo de estudo 13,61±7,49. As médias da VACL dos resultados de todas as estimulações do grupo de estudo comparados com os grupos controle, não apresentaram diferenças entre os grupos no Teste t-Student (p=0,3966).
Dos 33 indivíduos do grupo de estudo, 17 (17/33; 51,51%) tinham perfuração da membrana timpânica no lado esquerdo e 16 (16/33; 48,48%) do lado direito.
Nos resultados da VACL das provas quentes e frias foram encontrados para o valor mínimo 2,60°/s na estimulação quente e para o valor máximo 33,90°/s na estimulação fria. Não sendo observado nenhum valor de hiporreflexia (valor menor igual a 2°/s), mas encontrado valores de hiper-reflexia (valores acima de 24°/s) nas provas frias.
Foram analisadas as respostas nistágmicas medindo a velocidade angular da componente lenta entre o lado perfurado e o íntegro, tanto nas respostas das calóricas quentes quanto nas frias. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes dos dois lados, sendo p=0,3249 para as estimulações quentes e p=0,1906 para as estimulações frias no Teste Exato de Fisher.
A hiper-reflexia com valores maiores que 24°/s ocorreu em seis orelhas somente nas provas frias do grupo de estudo. Do lado da perfuração ocorreu em dois (2/33; 6,06%) indivíduos e em quatro (4/33; 12,12%) do lado oposto à perfuração da membrana timpânica. A presença de hiper-reflexia do lado perfurado não foi significante no Teste Exato de Fisher (p=0,4680)(Tabela 4).
Durante a estimulação a ar, oito (8/33;24,24%) indivíduos referiram desconforto durante a estimulação na orelha com perfuração da membrana timpânica. Dos 16 indivíduos que foram submetidos primeiramente à estimulação quente, três (3/16; 18,75%) referiram desconforto na estimulação quente e um (1/16; 6,25%) referiu na estimulação fria. Já com a estimulação fria realizada inicialmente, 17 indivíduos foram avaliados, três (3/17; 17,65%) referiram desconforto na estimulação fria e um (1/17; 5,88%) referiu na estimulação quente.
Treze (13/33; 39,39%) indivíduos do grupo de estudo apresentaram inversão de respostas durante a prova calórica quente, o que foi estatisticamente significativo (p=0,0029*) no Teste Exato de Fisher.
Em todos os indivíduos (n=13) que apresentaram inversão de respostas, a cabeça foi fletida 120° para frente para verificar se a respostas nistágmicas eram originários do labirinto, em 100% dos casos houve mudança na direção do nistagmo, comprovando a reatividade do sistema vestibular periférico.
Com relação ao tamanho da perfuração e a inversão de respostas, a média para ambos os grupos foram parecidas, não havendo relação do tamanho da perfuração com a presença ou não de inversão de respostas (p=0,6734) no Teste t-Student (Tabela 5).
DISCUSSÃO
A prova calórica ainda continua sendo o teste mais importante da bateria dos testes do exame vestibular2,15. Várias publicações estabeleceram valores de referência indicando índices de normalidade para a prova calórica a ar14-18. Apesar de a prova calórica a ar ter sido instituída para que indivíduos com perfuração da membrana timpânica pudessem ser avaliados, poucos estudos foram realizados nestes casos7,9,11-13,19. A maioria dos estudos com estimulação a ar foi realizada em indivíduos com membrana timpânica íntegra e se mostraram semelhantes ao uso da água3,4,6-10,16-18,20. Porém, ainda temos que apresentar a possibilidade de viés na comparação destes parâmetros, uma vez que muitos pesquisadores utilizaram seus experimentos com a eletronistagmografia.
Os valores da VACL das estimulações fria e quente foram calculados pelo programa da Neurograff® e também pela fórmula de Jongkess. Em nosso trabalho, observamos que tanto no lado com perfuração da membrana timpânica como no lado íntegro, as VACLs foram semelhantes (Tabela 2 e 3), não se observando diferença de respostas na presença da perfuração, dados estes que concordam com a literatura12.
Notamos, também, que as perfurações das membranas timpânicas não favoreceram o aparecimento de respostas hiper-refléxicas, mesmo na presença das de grandes extensões, o que foi discordante de alguns autores13, que referiram que perfurações extensas causam respostas exacerbadas. As respostas hiper-refléxicas encontradas por estes autores podem estar relacionadas com o tempo utilizado nas estimulações calóricas, uma vez que usaram 105 segundos, podendo estar proporcionando respostas nistágmicas maiores que a de nosso estudo que utilizamos 80 segundos. Outros estudiosos9, utilizando tempo e temperaturas iguais ao de nosso experimento também encontraram a hiper-reflexia em 38% dos casos por eles estudados, discordando de nossos achados.
A estimulação calórica, em alguns casos, provocou incômodos. No nosso estudo, o relato de dor ou desconforto foi referido por 24,24% dos indivíduos, e este mesmo fenômeno também observado6,20 em indivíduos, porém sem perfuração da membrana timpânica. Por outro lado, autores9,11,13,19 não referiram este tipo de relato nos casos por eles estudados. A presença de desconforto com a estimulação em orelhas com perfuração da membrana timpânica parece estar relacionada com a primeira estimulação e não com a temperatura quente ou fria, pois notamos isto em seis dos oito casos que referiram desconforto, ou seja, 75% dos indivíduos com perfuração da membrana timpânica referiram desconforto na primeira estimulação. Isto não impediu a finalização da estimulação calórica, porém este fato deve ser considerado na hora da realização do exame.
Em nosso trabalho, nos indivíduos com perfuração da membrana timpânica, o nistagmo aparecendo na direção do lado oposto ao esperado na prova quente foi frequente (39,4%), o que foi dissonante da literatura1,19,21-23 que descreveu o nistagmo invertido como raro. Porém, outros autores7,11,13,19 referiram que a inversão de respostas em perfurações era mais frequente, possivelmente devido à presença de otorreia, sem caracterizar afecções centrais. Além disso, nossos indivíduos com inversão de respostas não apresentavam nenhuma característica central, verificada na avaliação do sistema vestibular, por toda bateria de testes, assim como na anamnese.
Apesar de não estar descrito na literatura, houve o interesse em verificar se o tamanho da perfuração da membrana timpânica poderia facilitar a inversão de respostas durante a estimulação calórica, porém não foram encontradas diferenças estatísticas que justificassem essa teoria. A presença de inversão de respostas apareceu tanto em pequenas como em grandes perfurações (Tabela 5).
Chamou-nos a atenção, porém, a possibilidade de conclusões diagnósticas errôneas nos casos de inversão de respostas nas perfurações da membrana timpânica, devido à confusão que poderia ocorrer pelo desconhecimento do efeito dessa inversão de respostas pela maioria dos profissionais que atuam nesta área.
A inversão de respostas nas estimulações quentes em membranas timpânicas perfuradas ocorre devido à evaporação fria da umidade eventual da mucosa da orelha média11. Estes autores estudaram amplamente esse fenômeno, descrevendo que o fluxo de ar quente em contato com a mucosa úmida ocasiona, pela evaporação, um esfriamento local. Esta temperatura mais fria é transmitida para a endolinfa, causando o aparecimento de nistagmo para o lado contrário ao esperado. Para esse fenômeno utilizaram o termo nistagmo secundário, que aparece após uma resposta primária invertida, mais apropriado que os usados por outros autores13,19 que o definiram como nistagmo invertido, o que pode trazer inferências errôneas, uma vez que esse termo é utilizado na presença de doenças centrais1,19,21-23. Porém, nistagmo secundário também não nos parece o melhor termo para esse fenômeno, uma vez que pode ser confundido com a fase secundária que é a reação nistágmica fugaz de direção geralmente oposta e que sucede, com ou sem intervalo, à reação pós-calórica. Definição também muito parecida ao que acontece na perfuração da membrana timpânica, que chamamos de resposta paradoxal, porém de causa diferente que também pode ser de origem central24.
Convém ressaltar, ainda, que esse fenômeno realmente ocorre na estimulação quente, pois neste estudo não encontramos a inversão de respostas em nenhuma estimulação fria.
Em nosso estudo, o índice de inversão de respostas foi superior (39,39%; 13/33) ao encontrado em outro estudo19 que relatou apenas 10,57%, e também nos que não encontraram esse efeito em nenhum de seus casos9,12.
Não observamos a presença de hiporreflexia em valor absoluto (menores ou igual a 2°/s) em nenhum dos casos estudados; vale ressaltar que a presença de inversão de respostas na prova a ar quente não está relacionada com a hipofuncionalidade do sistema, portanto não se deve considerar ou definir este labirinto como deficitário, pois seria um erro diagnóstico importante.
A prova calórica com estímulo a ar foi criada para atender ao processo diagnóstico vestibular de indivíduos com perfuração da membrana timpânica ou outras doenças de orelha média, porém deparamo-nos com uma escassa literatura que explore todas as características e intercorrências que podem ser encontradas nestas condições. Destacamos que nossa pesquisa demonstrou viabilidade de execução da avaliação vestibular em perfurações da membrana timpânica, porém, outros fatores associados, que ocorrem nas diversas alterações da orelha média, devem ser mais bem estudados com o intuito de esclarecer essas possíveis influências e minimizar um possível erro diagnóstico.
Assim, cabe ainda ressaltar, que, nas alterações da orelha média, variações funcionais e ou orgânicas interferem, em diferentes graduações e de difícil controle e mensuração, nos resultados de qualquer processo diagnóstico, no qual a prova calórica está incluída.
Mais estudos devem ser realizados para melhor compreender o que as alterações da orelha média podem ocasionar nos resultados da prova calórica. Modelos físicos devem ser mais bem investigados, assim como modelos biológicos.
CONCLUSÕES
A estimulação a ar frio não acarretou alteração quanto à VACL do nistagmo quando comparada às membranas íntegras.
A ocorrência da inversão de respostas na estimulação a ar quente das membranas timpânicas perfuradas foi frequente.
Na ausência de inversão de respostas na estimulação quente os resultados pós-calóricos, em todas as estimulações, foram similares aos do grupo controle.
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1 Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Fonoaudióloga responsável pelo setor de Otoneurologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
2 Doutor, Professor Doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
3 Doutor, Professor Doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 7 de janeiro de 2008. cod 5664
Artigo aceito em 2 de fevereiro de 2009.