Ano: 2009 Vol. 75 Ed. 2 - Março - Abril - (11º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 228 a 230
Paralisia facial associada à otite média aguda
Facial paralysis associated with acute otitis media
Autor(es): Fernando Kaoru Yonamine1, Juliane Tuma2, Rogério Fernandes Nunes da Silva3, Maria Claudia Mattos Soares4, José Ricardo Gurgel Testa5
Palavras-chave: otite média, paralisia facial.
Keywords: otitis media, facial paralysis.
Resumo:
A otite média aguda com paralisia facial não é uma associação muito freqüente. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi avaliar a evolução da paralisia facial decorrente de otite média aguda. Forma de Estudo: Clínico retrospectivo. Material e Método: Foram estudados 40 pacientes com esta associação de patologias, num total de 2758 casos de paralisa facial atendidos neste período no setor de distúrbios do nervo facial. Todos os pacientes foram avaliados clinicamente com dados epidemiológicos, prognósticos e evolutivos. Resultados e Conclusão: A paralisia foi súbita em 95% dos casos. A recuperação foi de 85% para o grau I (House-Brackman) e 15% para o grau II (House-Brackman). O tratamento foi clínico com antibiótico e corticoterapia com bons resultados. Nos pacientes com mau prognóstico elétrico a descompressão do nervo facial fez com que a evolução fosse favorável.
Abstract:
Acute otitis media with facial paralysis is not a very frequent association. Aim: the goal of the present investigation was to asses the evolution of facial paralysis caused by acute otitis media. Study format: clinical-retrospective. Materials and Methods: we studied 40 patients with this association, from a total of 2758 cases of facial paralysis seen during this time in the department of facial nerve disorders. All the patients were clinically assessed and had epidemiological data, prognostics and evolution. Results and conclusion: the paralysis was of sudden onset in 95% of the cases. Recovery was of 85% for grade I (House-Brackman) and 15% for grade II (House-Brackman). Treatment was clinical, with antibiotics and steroids - yielding good results. In those patients with electrical bad prognosis, facial nerve decompression turned their evolution into a favorable one.
INTRODUÇÃO
A paralisia facial periférica (PFP) associada à otite média aguda (OMA) não é muito freqüente nos dias atuais devido à introdução dos antibióticos1,2. Atingem de 1% a 4% dos casos de paralisias faciais das diversas casuísticas3-5.
É mais comum em crianças, pois é a faixa etária mais acometida pela OMA com uma incidência estimada de 0,004%. No adulto, a ocorrência de OMA não é tão comum, mas essa faixa etária tem até 10 vezes mais chance de desenvolver PFP como complicação6.
Com relação ao tratamento, o uso de antibioticoterapia endovenosa com ou sem corticosteróides e realização de miringotomia nos casos de membrana timpânica íntegra são universalmente aceitos. É com relação ao tratamento cirúrgico que existe controvérsia, pois sua efetividade é baseada em experiências pessoais e relatos de caso.
OBJETIVO
Estudar retrospectivamente os casos de paralisia facial periférica associada a otites médias agudas, além de observar aspectos epidemiológicos, prognósticos e evolutivos.
MATERIAL E MÉTODO
Trabalho submetido ao Comitê de Ética e Pesquisada UNIFESP e aprovado sobnúmero 01807/07.
Foram analisados 2758 casos de PFP atendidos em um hospital terciário desde 1987. Desse total, 40 pacientes (1,45%) tiveram a PFP decorrente de OMA.
Todos os pacientes foram avaliados clinicamente para a comprovação diagnóstica da otite média aguda, e foram classificados de acordo com a graduação de House-Brackmann na fase inicial e no final do tratamento.
O prognóstico da paralisia foi baseado em testes elétricos com estimulador de Hilger ou eletroneurografia.
A topografia da lesão foi avaliada através de estudo do lacrimejamento, do reflexo estapediano e de exames de imagem (principalmente nos casos encaminhados para cirurgia).
O tratamento clínico constou de antibioticoterapia de amplo espectro para a cobertura das bactérias mais comuns nas otites agudas, associado a corticosteróides. O uso de colírios e pomadas para proteção ocular também foi indicado.
O tratamento cirúrgico constou de miringotomia e/ou mastoidectomia para descompressão do nervo facial, sem a abertura de sua bainha quando na fase aguda da otite com a presença de secreção purulenta.
RESULTADOS
O aparecimento da paralisia facial associado à otite média aguda foi predominantemente agudo e súbito em 38 (95%) pacientes.
Dos 40 pacientes, 16 eram do sexo masculino (40%) e 24 do feminino (60%), a idade variou de 4 meses a 67 anos, com média de 15 e moda de 3 anos.
O grau inicial da paralisia foi: 1 GVI (2,5%), 12 GV (30%), 15 GIV (37,5%), 11 GIII (27,5%) e 1 GII (2,5%).
Pelos testes topográficos observou-se 90% de casos infrageniculados contra somente 10% de suprageniculados.
O prognóstico da paralisia facial periférica através dos testes eletrofisiológicos foi bom em 32 (80%) pacientes, os quais receberam tratamento com antibiótico e em 4 destes também foi associada a miringotomia e aspiração da secreção. Em 8 (20%) pacientes que demonstraram aos testes elétricos mau prognóstico, foi realizada mastoidectomia com descompressão do nervo facial em suas porções timpânica e mastóidea sem a abertura da bainha do nervo. Nos 8 pacientes submetidos à descompressão foi observada área de deiscência e de edema na porção timpânica do nervo facial.
A recuperação do quadro de paralisia facial periférica foi de 34 (85%) para o grau I (H-B) e 6 (15)% para o grau II (H-B). Não houve outras evoluções menos favoráveis. Em 4 (10%) pacientes já existia otorréia purulenta à admissão, sendo que em nenhum destes houve a necessidade de descompressão.
De 16 casos onde foram colhidos materiais para bacteriologia observamos: 9 (56,25%) sem crescimento bacteriano, 4 (25%) haemophilus influenza, 1 (6,25%) pneumococo, 1 (6,25%) staphylococos e 1 (6,25%) streptococos.
Todos os pacientes avaliados apresentaram evolução favorável sendo que em 32 (80%) pacientes a evolução para a cura não foi maior que 3 meses.
Nos pacientes que foram submetidos a descompressão do nervo facial a evolução foi mais lenta, mas associada ao treinamento fonoterápico e fisioterápico a evolução final foi semelhante ao grupo não-operado que apresentava melhor prognóstico elétrico.
DISCUSSÃO
Dos 2758 pacientes atendidos com PFP, 40 eram decorrentes de complicação de uma OMA, ou seja, 1,45%. Makeham et al.5, em um estudo analisando as causas PFP, encontrou uma taxa de 1% decorrente da OMA. Cerca de 28 pacientes (70%) tinham idade inferior a 12 anos, mostrando que há uma maior incidência nessa faixa etária, a mais acometida pela OMA, como já demonstrado na literatura6,7. A grande maioria dos casos (90%) teve a lesão do nervo facial abaixo do gânglio geniculado, provavelmente, pois é essa região que está em contato direto com a infecção.
A maioria das culturas de secreção da orelha média (56,25%) foi estéril, pois nesses casos o paciente já se encontra com terapia antibiótica. Com relação às culturas positivas, a flora encontrada foi a mesma de uma OMA sem complicação, com o predomínio de haemophilus influenza, dados parecidos com os obtidos na literatura6,8,9.
Em relação ao tratamento da PFP como complicação da OMA é consenso entre a maioria dos autores que a atitude conservadora é a mais indicada. O uso de antibioticoterapia via endovenosa contra os germes mais comuns da OMA é sempre indicado juntamente com o uso de corticosteróides para o tratamento da maioria dos pacientes, embora não exista comprovação científica para o uso desse último10. A miringotomia com ou sem a colocação do tubo de ventilação também tem indicação nos casos que a membrana timpânica esteja íntegra (7,10). Ellefsen et al.6, estudando 23 crianças com PFP decorrente da OMA, encontrou 20 pacientes com a membrana timpânica intacta. O tratamento clínico foi suficiente para 80% dos nossos pacientes, e todos evoluíram para melhora total da paralisia. O tratamento cirúrgico (mastoidectomia com ou sem descompressão do nervo facial) tem indicação reservada aqueles pacientes que tem piora dos sintomas de OMA ou da paralisia facial mesmo com o tratamento clínico e também se o paciente mantém paralisia grau VI após três semanas de tratamento6,7,10. Os pacientes que apresentarem mau prognóstico nos testes eletrofisiológicos também tem indicação de cirurgia3.
Nos 8 pacientes submetidos à mastoidectomia e descompressão do nervo facial foi observado no intra-operatório áreas de deiscência óssea e edema da porção timpânica do nervo facial, e isso corrobora com a teoria de Tschiassny descrita por Zinis et al.10, onde o envolvimento infeccioso do nervo facial ocorre através de deiscência óssea e comunicação neurovascular entre orelha média e nervo facial. Nager et al.11, em revisão sobre as variações anatômicas do nervo facial, encontrou 55% de deiscência do canal de falópio; isso nos leva a pensar em outras mecanismos fisiopatológicos, já que a paralisia periférica como complicação de OMA é raridade4,6. Outra teoria diz que a infecção leva à compressão nos vasos que nutrem o nervo facial e isso poderia levar a uma isquemia local e infarto nervoso e conseqüente paralisia12. Joseph e Sperling1, analisando as teorias existentes para explicar sua fisiopatologia, conclui que o principal mecanismo seria envolvimento direto do nervo, seja por toxinas bacterianas ou virais, envolvimento direto do nervo pela infecção ou reativação de um possível vírus latente. Provavelmente mais de um mecanismo deve estar envolvido na fisiopatologia.
Todos os pacientes operados evoluíram para a melhora da PFP, independente do grau inicial da paralisia.
CONCLUSÃO
Avaliando os resultados concluímos que:
1. A PFP decorrente da OMA é rara;
2. O tratamento com antibióticos e corticosteróides foi eficiente na maioria dos pacientes;
3. A mastoidectomia com a descompressão do nervo facial nos casos de mau prognóstico elétrico levou a uma melhora da PFP.
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1 Residente do terceiro ano do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Mestre em Otorrinolaringologia.
3 Mestre em Otorrinolaringologia.
4 Mestre em Otorrinolaringologia. Pós-Graduando nível Doutorado do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
5 Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Setor de Otologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Endereço para correspondência: Fernando Kaoru Yonamine - Rua Mourato Coelho 590 apto 507 Pinheiros 05417-001 São Paulo SP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 1 de outubro de 2007. cod.4836
Artigo aceito em 10 de novembro de 2007.