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Ano:  2009  Vol. 75   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 177 a 181

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Alterações dos potenciais evocados auditivos do tronco encefálico em pacientes com esclerose múltipla

Alterations in early auditory evoked potentials in multiple sclerosis patients

Autor(es): Tania Mara Assis Lima1, Aline Nascimento Crato2, Patrícia Cotta Mancini3, Lília Correa Simões4, Denise Utsch Gonçalves5

Palavras-chave: esclerose múltipla, potenciais evocados auditivos, tronco encefálico.

Keywords: multiple sclerosis, auditory evoked potentials, brainstem.

Resumo:
A presença de alterações nos potenciais evocados auditivos do tronco encefálico (PEATE) em indivíduos com doenças desmielinizantes sugere lesão do tronco encefálico. Objetivos: O objetivo do presente estudo foi avaliar a incidência de alterações auditivas e dos PEATE em indivíduos com esclerose múltipla (EM). Material e Método: Participaram do estudo 16 pacientes do sexo feminino e 9 do sexo masculino com diagnóstico definido de EM. Testes audiométricos e pesquisa dos PEATE foram realizados em todos os indivíduos. Para a classificação dos PEATE utilizou-se a classificação proposta por Jerger (1986) na análise da morfologia das ondas. Forma de Estudo: Estudo de coorte contemporânea com corte transversal. Resultados: Dos 50 PEATE realizados, 70% foram classificados como tipo I (resposta normal) pela classificação de Jerger. Considerando-se como alterados os PEATE dos tipos II, III, IV ou V da classificação de Jerger em pelo menos um dos lados, encontrou-se 31,25% de alterações no sexo feminino e 44,44% no masculino, totalizando 36%. Conclusões: Estes achados enfatizam a relevância do estudo dos PEATE em casos de suspeita clínica de doenças desmielinizantes e naqueles com diagnóstico definido de EM.

Abstract:
Alterations in early auditory evoked potentials (EAEP) in individuals with demyelinating disease are suggestive of lesions in the brainstem. Aim: this study aims to evaluate the prevalence of hearing disorders and altered EAEP in multiple sclerosis (MS) patients. Materials and method: sixteen female and nine male patients with a defined diagnosis of multiple sclerosis took part in this study. All individuals underwent hearing and EAEP tests. The wave forms were categorized according to Jerger (1986). Results: fifty EAEP tests were carried out; 70% were classified as type I (normal response) according to Jerger's criteria. Altered EAEP results in at least one ear were classified into types II, III, IV or V according to Jerger. Females accounted for 31.25% of alterations, and males 44.44%, adding up to 36% of all cases. Conclusions: these findings stress the importance of looking at EAEP in cases where there is suspicion of demyelinating disease and in patients with a defined diagnosis for MS.

INTRODUÇÃO

Os potenciais evocados auditivos do tronco encefálico (PEATE) são potenciais de curta latência gerados no nervo auditivo e vias auditivas do tronco encefálico pela ativação da cóclea nas freqüências de 2000 a 4000Hz após apresentação de estímulos sonoros. Caracterizam-se por uma série de ondas com picos positivos que surgem nos primeiros dez milissegundos (ms) e que representam a somatória da atividade neural de um ou mais sítios, sendo as mais importantes,deforma crescente,as ondas I, III e V1.

Os PEATE encontram-se alterados nas desordens neurológicas sejam elas tumorais, lesões difusas, doenças desmielinizantes ou alterações funcionais2.

A esclerose múltipla (EM) é o tipo mais comum de doença desmielinizante e a principal causa de dano neurológico em adultos jovens. A doença tem um curso lento e progressivo, com períodos de exacerbação e remissão dos sintomas3 que variam enormemente de um indivíduo para o outro, dependendo do local da lesão4.

A realização dos PEATE em indivíduos com doenças desmielinizantes é importante para a avaliação do envolvimento do sistema nervoso central5, sendo a incidência de alterações nos indivíduos com EM variável na literatura. A onda I é quase sempre normal em pacientes que não apresentam perda auditiva. As anormalidades encontradas em pacientes com EM incluem: prolongamento das latências das ondas e dos intervalos interpicos, diminuição da amplitude da onda V, diminuição da razão das medidas da amplitude das ondas V/I, e desaparecimento da onda V6.

O objetivo do presente estudo é avaliar a incidência de alterações auditivas e dos PEATE em indivíduos com esclerose múltipla, avaliando-se os limiares auditivos e as latências absolutas, intervalos interpicos, características, morfologia e replicabilidade das ondas.


MATERIAL E MÉTODO

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFMG-COEP sob protocolo número 052/2004. Participaram do estudo 16 pacientes do sexo feminino e 9 do sexo masculino provenientes do Centro de Investigação em Esclerose Múltipla (CIEM), com diagnóstico de EM clinicamente definido (EMCD) de acordo com os critérios propostos por Poser7. As formas clínicas foram classificadas segundo Lubin e Reingold8. A idade do grupo feminino variou de 33 a 53 anos, com média de 42,6 anos e do masculino de 24 a 56 anos, com média de 38 anos.

Os pacientes foram submetidos à avaliação, que constou de anamnese, exame clínico otorrinolaringológico, timpanometria, audiometria tonal e pesquisa dos PEATE.

Para classificação das timpanometrias, foram seguidos os critérios de Russo9, e os de Davis e Silverman10 para as audiometrias.

Para pesquisa dos PEATE utilizou-se estímulo acústico de 1024 cliques, apresentados por transdutor supraural TDH-39, de polaridade rarefeita, duração de 100ms, e intensidade de 60dB de nível de pressão sonora acima do limiar psicoacústico de cada indivíduo. A apresentação do estímulo foi monoaural, mascarado com ruído branco contralateral em intensidade de 30dB NPS.

Foram utilizados filtros de passa alto em 3000Hz e passa baixo em 100Hz. Os cliques foram apresentados com ritmo de estimulação em 13,1/seg na orelha direita, seguido da orelha esquerda.

Para a definição dos limites de normalidade dos PEATE foram utilizados os critérios definidos por Munhoz.11

As ondas foram classificadas de acordo com Jerger12:

Tipo I: resposta normal; todas as ondas (I-V) presentes com latências e intervalos interpicos normais.
Tipo II: prolongamento de intervalo I-V.
Tipo III: degradação da forma das ondas; morfologia pobre; picos de difícil identificação e/ou amplitudes diminuídas; e/ou razões de amplitude anormais.
Tipo IV: desaparecimento das últimas ondas; ausência das últimas ondas, primeiras ondas presentes com latências normais.
Tipo V: resposta extremamente anormal ou somente onda I normal.


RESULTADOS

Dos 25 pacientes do estudo,56% apresentaram a forma surto remissiva da doença, conforme demonstrado na Tabela 1.Sessenta e oito por cento dos pacientes apresentaram limiares auditivos tonais dentro da normalidade e as perdas auditivas nos demais não interferiram na aquisição dos PEATE (Tabela 2 e 3).










Dos 50 PEATE realizados, 70% foram classificados como tipo I. Em 6,25% do sexo feminino e em 11,11% do masculino, encontrou-se prolongamento do intervalo interpico I-V, sendo considerados como tipo II. Em 5,55% dos pacientes do sexo masculino encontrou-se degradação da forma das ondas, com morfologia pobre, sendo considerado como tipo III. Ondas classificadas como tipo IV não foram encontradas e tipo V, que representa maior anormalidade nos traçados, ocorreu em 18,75% do sexo feminino e em 22,22% do masculino (Tabela 4).




Considerando-se como alterados as avaliações com PEATE dos indivíduos que apresentaram os tipos II, III e IV em pelo menos um dos lados, encontrou-se 31,25% de alterações no sexo feminino e 44,44% no masculino, totalizando 36% (Tabela 5).




Os valores individuais das latências absolutas e intervalos interpicos dos indivíduos com EM encontram-se nos Quadros 1 e 2.







DISCUSSÃO

A perda auditiva na EM caracteriza-se por ser neurossensorial e bilateral em 85% dos pacientes3. No presente estudo, a audiometria tonal apresentou-se alterada em 32% (8) dos pacientes, sendo 87,5% neurossensorial e bilateral e 12,5% perda condutiva de grau moderado à esquerda devido à perfuração timpânica. Este dado é similar ao estudo realizado por Jerger12 no qual a audiometria apresentou-se alterada em 39% dos pacientes com EM, sendo todas perdas auditivas neurossensoriais.

Os sintomas neurológicos da EM são diversos, variáveis de caso para caso e no curso da doença. No Brasil, Lana-Peixoto e Lana-Peixoto13 encontraram 34% de alterações do tronco encefálico em indivíduos com quadro compatível à forma definida de EM na fase inicial e em 45% na fase de evolução da doença. Papais-Alvarenga et al.14 encontraram 28,4% de alterações do tronco encefálico na fase inicial da EM e 28,5% na fase de evolução da doença. Tilbery et al.15 encontraram sinais e sintomas de alterações do tronco encefálico em 32% dos pacientes na fase inicial e em 52% dos pacientes na fase evolutiva da EM.

No nosso estudo foram encontrados alterações dos PEATE em 9 pacientes(36%) em uma ou ambas as orelhas, sendo 31,25% do sexo feminino e 44,44% do masculino. Em 66,7% desses pacientes, a anormalidade ocorreu bilateralmente. No estudo realizado por Jerger12 foram encontrados 52% dos indivíduos com alterações dos PEATE em uma ou ambas as orelhas, sendo que em 68,75% desses indivíduos a anormalidade era bilateral. No estudo realizado por Santos et al.16 foram encontradas alterações em 58,62% indivíduos em uma ou ambas as orelhas, sendo 60% de alterações no sexo feminino e 56% no masculino.

No presente estudo a alteração mais comumente encontrada foi a tipo V12, ocorrendo em 18,75% no sexo feminino e 22,22% no masculino. No estudo de Jerger12,o tipo II esteve presente em 6,5%, o tipo III em 8%, o tipo IV em 16,1 e o tipo V em 13% dos pacientes. No estudo realizado por Santos16, o tipo II esteve presente em 32,8%, o tipo IV em 5% e o tipo V em 7% dos pacientes.


CONCLUSÃO

A análise de 25 indivíduos com EM clinicamente definida mostrou que 36% apresentam alterações do tronco encefálico quando avaliados através da pesquisa dos PEATE, enfatizando a relevância do seu estudo em casos de suspeita clínica de doenças desmielinizantes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hall JW, Mueller G. Auditory brainstem response. In: Audiologists' desk reference: diagnostic audiology principles and procedures. San Diego: Singular Publishing Group.; 1997. p. 319-87.

2. Hood L. Clinical applications of the auditory brain response. San Diego: Singular Publishing Group.; 1998. p. 67-91.

3. Hall JW. Neurodiagnosis: central nervous system. In: Hall J W. Handbook of auditory evoked responses. Massachusetts: Allyn and Bacon; 1992. p. 419-72.

4. Smith CR, Schapiro R. Neurologia. In: Kalb RC. Esclerose Múltipla: perguntas e respostas. São Paulo: Abem; 2000. p. 27-59.

5. Chiappa KH. Evoked potentials in clinical medicine, 3th ed. Philadelphia: Lippicott-Raven.; 1997. p. 1-30.

6. Nuwer MR. Evoked potencial in multiple sclerosis. In: Raine CS, McFarland HF, Tourtellotte WW. Multiple Sclerosis: clinical and pathogenetic basis. London: Chapman e Hall.; 1997. p. 43-55.

7. Poser CM, Paty DW, Scheinberg L, McDonald I, Davis FA, Ebers GC, et al. New diagnostic criteria for multiple sclerosis: guidelines for reseach protocols. Ann Neurol. 1983;13:227-31.

8. Lublin FD, Reingolg SC. Defining the clinical course of multiple sclerosis results of international survey. Neurology. 1996;46:907-11.

9. Russo ICP. Achados imitanciométricos em pré-escolares de níveis sócio econômico baixo, médio e alto: estudo comparativo. Acta AWHO. 1988;4:229-35.

10. Davis H, Silverman SR. Hearing and Deafness. New York: Copyright,1970.

11. Munhozms L, Frazza MM, Silva MLG, Ganança MM, Caovilla HH. Avaliação audiológica avançada: audiometria de altas freqüências, otoemissões acústicas e testes de processamento auditivo central. Atualidades em Geriatria.; 1998. p. 13-18.

12. Jerger JF, Oliver TA, Chmiel RA, Rivera VM. Patterns of auditory abnormality in multiple sclerosis. Audiology. 1986;25:193-209.

13. Lana-Peixoto MA, Lana-Peixoto MI. Is multiple sclerosis in Brazil and Asia alike? Arq Neuropsquiatr. 1992;4:419-25.

14. Papais-Alvarenga RM, Santos CMM, Abreu JS, Siqueira H, Camargo SMGG, Almeida AMV, et al. Esclerose múltipla: perfil clínico e evolutivo no município do Rio de Janeiro. Rev Bras Neurol. 1995;2:75-87.

15. Tilbery CP, Felipe E, Baldauf CM, Peres MFP. Esclerose múltipla: análise clínica e evolutiva de 214 casos. Arq Neuropsquiatr. 1995;53:203-7.

16. Santos MAR, Lana-Peixoto MA, Munhoz MSL, Almeida AVA. Avaliação dos potenciais evocados auditivos do tronco encefálico na esclerose múltipla. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61:392-7.








1 Doutora em Otorrinolaringologia, Prof. Adjunta do Depto. Otorrinolaringologia FM UFMG.
2 Fonoaudióloga.
3 Mestre em Lingüística, Professora assistente do Departamento de Fonoaudiologia da FM UFMG.
4 Fonoaudióloga do setor de Audiologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
5 Doutora em Medicina Tropical, Profa. Adjunta do Depto. de Otorrinolaringologia da FM UFMG. Faculdade de Medicina da UFMG Hospital das Clínicas da UFMG.
Endereço para correspondência: Tânia Mara Assis Lima - Rua do Ouro 229/502 30220-000 Belo Horizonte MG.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 7 de julho de 2007. cod.4645
Artigo aceito em 2 de novembro de 2007.

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