Versão Inglês

Ano:  2009  Vol. 75   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (22º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 139 a 146

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Faringotonsilites em crianças: visão de uma amostra de pediatras e otorrinolaringologistas

Pharyngotonsillitis in children: view from a sample of pediatricians and otorhinolaryngologists

Autor(es): Aracy Pereira Silveira Balbani1, Jair Cortez Montovani2, Lidia Raquel de Carvalho3

Palavras-chave: abscesso peritonsilar, criança, febre reumática, streptococcus pyogenes, tonsilite.

Keywords: peritonsillar abscess, child, rheumatic fever, streptococcus pyogenes, tonsillitis.

Resumo:
As faringotonsilites agudas são infecções das vias aéreas superiores comuns na infância. Objetivo: Analisar opiniões e condutas de pediatras e otorrinolaringologistas do Estado de São Paulo em relação ao diagnóstico, tratamento e prevenção das faringotonsilites e suas complicações em crianças. Material e Métodos: Selecionamos aleatoriamente 1370 pediatras e 1000 otorrinolaringologistas do Estado de São Paulo. Aos especialistas foi enviado questionário por correio. Desenho do Estudo: Estudo transversal. Resultados: 95,8% dos pediatras e 91,5% dos otorrinos não solicitam rotineiramente exames para diagnóstico laboratorial das faringotonsilites agudas na criança. Os antimicrobianos mais prescritos pelos pediatras nas faringotonsilites bacterianas foram: penicilina por via oral durante 10 dias (33,6%) e penicilina benzatina em dose única (19,7%). Os antimicrobianos mais prescritos pelos otorrinos para tratamento foram: penicilina por via oral durante 10 dias (35,4%) e penicilina por via oral durante 7 dias (25,7%). A medida de prevenção das faringotonsilites bacterianas considerada muito eficaz por mais da metade dos pediatras e otorrinos foi a cirurgia de tonsilectomia. A faringotonsilite de repetição foi o principal motivo para os otorrinos indicarem cirurgia de tonsilectomia aos escolares e adolescentes (49,3% e 53,4%, respectivamente). Conclusões: É necessário uniformizar condutas de pediatras e otorrinos para diagnóstico e tratamento das faringotonsilites em crianças.

Abstract:
Acute pharyngotonsillitis is a common upper airway infection in children. Aim: To analyze opinions and practices of pediatricians and otorhinolaryngologists from Sao Paulo State, Brazil, concerning diagnosis, treatment and prevention of pharyngotonsillitis and their complications in children. Methods: We randomly selected 1,370 pediatricians and 1,000 otolaryngologists from Sao Paulo State, Brazil. A questionnaire was mailed to the specialists. Study design: Cross-sectional. Results: 95.8% of the pediatricians and 91.5% of the otolaryngologists do not perform routine laboratory diagnosis for acute pharyngotonsillitis in children. The antimicrobials more commonly prescribed by pediatricians for treatment of bacterial pharyngotonsillitis were: oral penicillin for 10 days (33.6%) and s single injection of benzathine penicillin G (19.7%). The antimicrobials prescribed more often by otorhinolaryngologists for treatment were: oral penicillin for 10 days (35.4%) and oral penicillin for 7 days (25.7%). Tonsillectomy was considered the most effective measure for prevention of bacterial pharyngotonsillitis by more than half of pediatricians and otolaryngologists. Repeated pharyngotonsillitis was the main reason for otolaryngologists to indicate tonsillectomy for school-aged children and adolescents (49.3% and 53.4% respectively). Conclusions: It is necessary to standardize the practices of pediatricians and otolaryngologists regarding diagnosis and treatment of pharyngotonsillitis in children.

INTRODUÇÃO

As faringotonsilites agudas são infecções das vias aéreas superiores freqüentes em crianças e adolescentes. Grande parte dos casos, sobretudo nos lactentes, é de etiologia viral (rinovírus, adenovírus, vírus Epstein-Barr, parainfluenza e influenza)1,2.

Dentre as faringotonsilites bacterianas destaca-se a provocada pelo Streptococcus pyogenes, estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield, a qual pode provocar complicações supurativas (adenite cervical; abscesso peritonsilar, retrofaríngeo ou cervical) e não-supurativas (febre reumática, glomerulonefrite difusa aguda e desordens neuropsiquiátricas auto-imunes - PANDAS)3.

De acordo com Santos; Berezin1, os sintomas e sinais clínicos das faringotonsilites são insuficientes para diferenciar a etiologia viral e bacteriana. Ao avaliar 376 crianças de dois a 13 anos de idade com faringotonsilite aguda, atendidas em pronto-socorro de Pediatria, os autores observaram que as petéquias no palato, o exsudato nas tonsilas palatinas e os gânglios cervicais dolorosos eram significativamente mais freqüentes nos casos com cultura positiva para S. pyogenes (24,4% do total), porém estes sinais tiveram baixo valor preditivo positivo (31-49%). Com base apenas no exame clínico o pediatra indicou tratamento com antibiótico para 47% das crianças cuja cultura da secreção da orofaringe resultou negativa. Por outro lado, o médico não identificou a etiologia bacteriana em 21% das crianças cuja cultura foi positiva. Esses resultados indicam a utilidade do diagnóstico microbiológico nas faringotonsilites agudas.

O padrão-ouro para diagnóstico da faringotonsilite estreptocócica é a culturada secreção das tonsilas e parede posterior da orofaringe em placa de agar com sangue de carneiro a 5%2,3. O exame tem sensibilidade superior a 90%, porém o resultado é obtido somente em 24 a 48 horas4.

Uma alternativa para diagnóstico é o teste antigênico rápido. Os "kits" para exame extraem antígenos do S. pyogenes dos "swabs" da orofaringe, fornecendo resultado em poucos minutos. O método possui alta sensibilidade (80-95%) e especificidade (90%)3.

Os títulos de anti-estreptolisina O (ASLO) geralmente se elevam uma semana após a infecção estreptocócica atingem o pico em três a seis semanas e declinam a seguir 3. Segundo Machado et al.5 os limites da normalidade para ASLO variam com a idade do indivíduo, a época do ano, a localização geográfica e prevalência de infecções estreptocócicas na população. Lactentes e pré-escolares apresentam valores mais baixos de ASLO do que os escolares em razão da menor exposição aos antígenos estreptocócicos.

O S. pyogenes é considerado universalmente sensível às penicilinas. Os antimicrobianos de primeira escolha são4: fenoximetilpenicilina (penicilina V oral) ou amoxicilina por 10 dias, ou ainda penicilina G benzatina por via intramuscular em dose única.

Pode haver insucesso no tratamento com penicilina V em até 35% dos casos, principalmente nas crianças menores de seis anos. Segundo Cohen6 os motivos da falha terapêutica são: administração do antimicrobiano em posologia incorreta ou por período inferior a 10 dias, novo contato da criança com indivíduo infectado pelo S. pyogenes, degradação da penicilina pela flora orofaríngea produtora de beta-lactamase, ou erradicação da flora protetora da orofaringe (Streptococcus salivarius e outros estreptococos alfa-hemolíticos). Na suspeita de degradação da penicilina devem ser usados inibidores da beta-lactamase (amoxicilina e clavulanato de potássio, ou amoxicilina e sulbactam).

Para os pacientes alérgicos à penicilina podem ser usados estolato de eritromicina por 10 dias ou azitromicina por 5 dias6. As cepas de S. pyogenes desenvolvem resistência aos macrolídeos rapidamente, e a literatura não recomenda a azitromicina como primeira opção terapêutica4. Sulfonamidas e tetraciclinas não são indicadas para o tratamento da faringotonsilite estreptocócica em razão do alto índice de falha na erradicação bacteriológica2,3.

Graças à antibioticoterapia, menos crianças têm necessitado ser submetidas à cirurgia de tonsilectomia por causa de faringotonsilites bacterianas repetidas. Indica-se a cirurgia quando a criança apresenta sete episódios infecciosos em um ano, cinco episódios/ano em 2 anos ou 3 episódios/ano em 3 anos consecutivos7.

A febre reumática é a principal causa de cardiopatia crônica adquirida em crianças e adolescentes no nosso meio8. O diagnóstico da doença é feito de acordo com os critérios de Jones, determinados pela American Heart Association e revisados em 1992. A presença de dois critérios maiores, ou de um maior e dois menores, associada à comprovação de infecção estreptocócica prévia, é altamente sugestiva de febre reumática (Tabela 1). A coréia é o único critério que, isolado, permite o diagnóstico da doença8. Títulos altos de ASLO apenas indicam infecção recente pelo S. pyogenes, mas, isoladamente, não firmam o diagnóstico de febre reumática aguda nem mensuram a atividade da doença5.




O objetivo deste estudo foi pesquisar as opiniões e condutas de pediatras e otorrinolaringologistas do Estado de São Paulo em relação ao diagnóstico, tratamento e prevenção das faringotonsilites e suas complicações em crianças.


MÉTODOS

Foram selecionados de modo aleatório nos cadastros da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial, respectivamente, 1370 pediatras e 1000 otorrinolaringologistas do Estado de São Paulo. A esses especialistas foi enviado nos meses de agosto a novembro de 2006, por correio, um formulário com as seguintes questões:

a) perfil do profissional: sexo, ano de formatura; titulação acadêmica, local de atuação (Grande São Paulo ou município do interior/litoral); tipo de atividade (em clínica privada, rede pública de saúde, instituição universitária, orfanato, creche, etc.).

b) "Ao atender uma criança previamente saudável com sintomas agudos de dor de garganta e febre, que ao exame físico apresenta hiperemia e exsudato nas tonsilas palatinas (amígdalas), (a) colega solicita rotineiramente algum exame laboratorial para diagnóstico antes de iniciar o tratamento ? (mais de uma resposta possível)".

As alternativas para resposta foram:não solicita exames; pede hemograma completo; pede cultura e antibiograma da secreção da orofaringe; pede teste antigênico rápido para detecção do Streptococcus pyogenes na orofaringe (assinalando se faz o teste no próprio consultório ou encaminha o paciente para um laboratório); pede dosagem de anti-estreptolisina O (ASLO) ou pede outros exames, especificando quais.

c) Opinião sobre o teste antigênico rápido para detecção doStreptococcus pyogenes no diagnóstico dos casos de faringotonsilite aguda em crianças na prática diária. Respostas possíveis: o teste é útil em todos os casos; útil apenas nos casos em que ainda não há exsudato purulento visível nas tonsilas; útil apenas nos casos de crianças institucionalizadas (creches/orfanatos) ou não usa o teste porque ele não está disponível na localidade onde trabalha.

d) "O (A) doutor (a) atende uma criança em idade pré-escolar com sintomas de dor de garganta e febre (38,5oC) há 24 horas, medicada pela mãe com analgésicos e antitérmicos. Ao exame físico a criança apresenta hiperemia e exsudato purulento nas tonsilas palatinas (amígdalas). A criança não tem alergia a nenhum medicamento e consegue deglutir alimentos apesar da dor de garganta. Em se tratando de um caso de faringotonsilite bacteriana, qual é sua preferência para antibioticoterapia (antimicrobiano e duração do tratamento)"?

As alternativas para resposta foram: injeção de penicilina benzatina em dose única; lincomicina injetável; cefalosporina de terceira geração injetável (ceftriaxona); penicilina (ampicilina, amoxicilina) por via oral; penicilina com inibidor da beta-lactamase (amoxicilina clavulanato de potássio, ampicilina sulbactam); cefalosporina de primeira, segunda ou terceira geração por via oral, sulfa e associações (sulfametoxazol trimetoprim); azitromicina; outros macrolídeos (eritromicina, claritromicina) ou outro antimicrobiano, devendo ser indicado o número de doses ou tempo de tratamento para a opção escolhida.

e) "Nos últimos 12 meses o (a) Doutor (a) atendeu alguma criança com abscesso peritonsilar (periamigdaliano) ou adenite cervical como complicação supurativa de faringotonsilite bacteriana?" (não ou sim, informando quantos casos).

f) Nos últimos 12 meses o (a) Doutor (a) atendeu alguma criança com doença reumática como complicação não-supurativa de faringotonsilite estreptocócica? (não ou sim, informando quantos casos).

g) Familiaridade com os critérios para diagnóstico da febre reumática em crianças (excelente, boa, regular ou insatisfatória).

h) Opinião sobre a eficácia das seguintes opções para prevenir a faringotonsilite bacteriana de repetição em crianças: orientações de higiene (não compartilhar louça e talheres com outras pessoas, p. ex.); homeopatia; suplementos de vitaminas; timomodulina (Leucogen®); lisados bacterianos (Biostim®, Broncho-Vaxom®, Estimoral®, etc.); Pelargonium sidoides (Kaloba®, Umckan®); cirurgia de tonsilectomia (amigdalectomia) e tratamento dos portadores assintomáticos do Streptococcus pyogenes que convivem com a criança. Cada opção foi classificada como: muito eficaz, pouco eficaz ou ineficaz.

i) Familiaridade com os resultados das pesquisas recentes para desenvolvimento de uma vacina contra o estreptococo beta-hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes) divulgados na literatura cientifica (excelente, boa, regular ou insatisfatória).

j) Aos pediatras foi perguntado: "O (A) Doutor (a) considera necessária cirurgia de tonsilectomia (amigdalectomia) na criança que já apresentou um episódio de abscesso peritonsilar (periamigdaliano) ou adenite cervical como complicação supurativa de faringotonsilite bacteriana?" (sim ou não).

k) Os otorrinolaringologistas também foram questionados sobre o motivo mais freqüente para indicarem cirurgia de tonsilectomia (faringotonsilites bacterianas de repetição, obstrução das vias aéreas ou tonsilite crônica com caseum/halitose), de acordo com a faixa etária dos pacientes (pré-escolares, escolares, adolescentes e adultos).

l) Comentários sobre diagnóstico e tratamento das faringotonsilites na criança (questão aberta).

A identificação dos participantes no formulário de respostas foi facultativa.

Os dados foram submetidos à análise estatística pelo teste do Qui-quadrado através do programa de computador SAS versão 6.12, adotando-se o nível de significância de 5%.


RESULTADOS

Foram devolvidos preenchidos 294 questionários de pediatras (21,4% do total enviado) e 144 de otorrinolaringologistas (14,4%).

a) perfil dos profissionais

Cento e oitenta e oito pediatras (64%) e 49 otorrinos (34,1%) eram do sexo feminino; 106 pediatras (36%) e 95 otorrinos (65,9%) eram do sexo masculino. A maioria significativa dos pediatras e otorrinos participantes do estudo (80% e 61,8% respectivamente, p<0,0001) formou-se há mais de 15 anos (Gráfico 1). Quanto à titulação acadêmica, houve predomínio de profissionais com residência médica: 248 pediatras (84,4%) e 96 otorrinos (66,7%); p<0,0001.


Gráfico 1. Tempo de formatura dos participantes do estudo.



Atuavam em municípios do interior ou litoral paulista 223 pediatras (75,8%) e 105 otorrinos (72,9%); na Grande São Paulo, 67 pediatras (22,8%) e 33 otorrinos (22,9%); p<0,0001. A maioria dos profissionais trabalhava tanto no setor público de saúde quanto na rede particular (69,8% dos pediatras e 61,1% dos otorrinos), havendo 48 pediatras (16,3%) e 45 otorrinos (31,2%) ligados a instituições universitárias.

b) conduta para diagnóstico de um caso fictício de faringotonsilite aguda na criança

Duzentos e setenta e cinco pediatras (95,8%) e 130 otorrinos (91,5%) responderam que não solicitam rotineiramente exames laboratoriais para diagnóstico da faringotonsilite aguda na criança (p<0,0001). O hemograma completo é pedido por 2,1% dos pediatras e 5,6% dos otorrinos.

Três otorrinos (2%) solicitam o teste antigênico rápido para detecção do Streptococcus pyogenes na secreção da orofaringe, sendo que dois encaminham o paciente para coleta em laboratório e um realiza o teste no próprio consultório. Dois otorrinos (1,3%) solicitam hemograma completo e dosagem de ASLO, e um solicita o hemograma, a dosagem de ASLO e a cultura e antibiograma da secreção da orofaringe.

Apenas dois pediatras (0,6%) solicitam o teste antigênico rápido, colhido em laboratório. Um especialista pede o teste rápido e o hemograma completo; um pede o hemograma completo e a dosagem de ASLO, e um solicita somente a cultura e antibiograma da secreção da orofaringe.

c) opinião sobre o teste antigênico rápido para detecção do Streptococcus pyogenes na secreção da orofaringe

A maioria dos pediatras (76,9%) e otorrinos (69%) não utiliza este método diagnóstico porque ele não está disponível na localidade (p<0,0001).

Dentre os pediatras, 28 (9,6%) consideram o teste útil para diagnóstico em todos os casos; 20 (6,9%) consideram-no útil nos casos em que não há exsudato visível nas tonsilas palatinas e 6 (2,1%) consideram-no útil para diagnóstico em crianças institucionalizadas (em creches ou orfanatos).

Dos otorrinos, 10 (7%) consideram o teste útil para diagnóstico em todos os casos; 17 (11,9%) consideram-no útil nos casos em que não há exsudato visível nas tonsilas palatinas e 13 (9,1%) consideram-no útil para diagnóstico em crianças institucionalizadas (Gráfico 2).


Gráfico 2. Opinião de pediatras e otorrinos sobre a utilidade do teste antigênico rápido para detecção do S. pyogenes no diagnóstico da faringotonsilite aguda em crianças.



d) opções para antibioticoterapia na faringotonsilite bacteriana aguda no pré-escolar

Nesta questão foram mencionadas pelos pediatras e otorrinos, respectivamente, 41 e 32 respostas diferentes.

Os esquemas de tratamento preferidos pelos pediatras foram: penicilina por via oral durante 10 dias (33,6%, p<0,0001), penicilina benzatina em dose única (19,7%), e penicilina por via oral durante 7 dias (9,2%). Nove especialistas (3%) recomendaram o uso de penicilina com inibidor de beta-lactamase durante 10 dias.

Dentre os otorrinos, 51 (35,4%) prescreveram penicilina por via oral durante 10 dias e 37 (25,7%) prescreveram-na por 7 dias. Quatorze (9,7%) recomendaram o uso de penicilina com inibidor de beta-lactamase durante 10 dias, e quatro (2,8%) durante 7 dias. Apenas quatro otorrinos (2,8%) optaram pela penicilina benzatina em dose única.

A azitromicina foi a escolha terapêutica de 7,1% dos pediatras e 4,1% dos otorrinos, com preferência pela administração de três doses. Os tratamentos com cefalosporina de primeira ou de segunda geração durante 7 dias foram mencionados, cada um, por três otorrinos (2%). A lincomicina injetável foi recomendada em dose única por um pediatra, e em cinco doses por um otorrino.

e) atendimento a casos de abscesso peritonsilar ou adenite cervical

Nos 12 meses anteriores à pesquisa essas complicações foram vistas por 109 pediatras (37%), em freqüência que variou de um a 12 casos, e por 65 otorrinos (45,2%), também em número variável (um a 20 casos).

f) atendimento a casos de doença reumática como complicação de faringotonsilite estreptocócica em crianças

Nos 12 meses que precederam o estudo 64 pediatras (21,7%, p<0,0001) e 27 otorrinos (18,7%, p<0,0001) atenderam crianças com febre reumática, em número que variou de um a cinco casos. Um pediatra e um otorrino não responderam a questão.

g) familiaridade com os critérios para diagnóstico da febre reumática

Duzentos e dois pediatras (68,7%, p<0,0001) e 79 otorrinos (54,8%, p<0,0001) consideraram boa sua familiaridade com os critérios para diagnóstico da febre reumática (Gráfico 3). Três pediatras não responderam a questão.


Gráfico 3. Familiaridade dos pediatras e otorrinos com os critérios diagnósticos da febre reumática (FR).



h) eficácia de medidas para prevenção da faringotonsilite bacteriana de repetição em crianças

As medidas de prevenção consideradas mais eficazes pelos pediatras foram: cirurgia de tonsilectomia (55,8%) e tratamento dos portadores assintomáticos do S. pyogenes que convivem com a criança (42,8%). As medidas consideradas ineficazes com maior freqüência foram: uso de vitaminas (48,6%), extrato de Pelargonium sidoides (45,2%), timomodulina (43,2%) e homeopatia (41,8%).

A medida preventiva considerada mais eficaz pelos otorrinos foi a cirurgia de tonsilectomia (84%, p<0,0001); a menos eficaz foi o uso de vitaminas (40,3%) (Tabela 2).




i) familiaridade com a pesquisa para desenvolvimento da vacina contra o S. pyogenes

Cento e quarenta e um pediatras (48%) e 46 otorrinos (32%) avaliaram como boa sua familiaridade com as pesquisas para desenvolvimento da vacina contra o S. pyogenes. Por outro lado, 30,6% dos pediatras e 31,2% dos otorrinos consideraram-na insatisfatória (Gráfico 4).


Gráfico 4. Familiaridade dos pediatras e otorrinos com as pesquisas sobre a vacina contra o S. pyogenes.



j) opinião dos pediatras sobre cirurgia de tonsilectomia no paciente que já apresentou um episódio de abscesso peritonsilar ou adenite cervical

A cirurgia de tonsilectomia em crianças que apresentaram uma complicação supurativa da faringotonsilite bacteriana foi considerada desnecessária por 188 pediatras (64,1%, p<0,0001) e necessária por 87 (29,6%). Dezoito especialistas não responderam.

k) indicações dos otorrinos para cirurgia de tonsilectomia nas diferentes faixas etárias

A principal indicação para cirurgia de tonsilectomia nos pré-escolares foi obstrução das vias aéreas superiores (69,4%, p<0,0001); nos escolares e adolescentes, a faringotonsilite de repetição (49,3% e 53,4% respectivamente), e nos adultos, a tonsilite com halitose e caseum (54,1%) (Gráfico 5). Sete especialistas não responderam a questão.


Gráfico 5. Motivos da indicação da cirurgia de tonsilectomia pelos otorrinos nas diferentes faixas etárias.



l) comentários sobre diagnóstico e tratamento das faringotonsilites na criança

Dois otorrinos afirmaram que o diagnóstico das faringotonsilites é clínico, porém o especialista "raramente palpa o abdômen do paciente", e assim "não constata a hepatoesplenomegalia" nos casos de mononucleose infecciosa. Sete especialistas também julgaram necessário investigar outras afecções nas crianças com faringotonsilites de repetição: respiração bucal, atopia, refluxo gastroesofágico e desnutrição.

Ainda em relação ao diagnóstico, 3% dos pediatras e 4% dos otorrinos queixaram-se do alto custo do kit de teste rápido para detecção antigênica do S. pyogenes, o que dificulta a realização do exame na prática clínica, sobretudo na rede pública de saúde.

A prescrição excessiva de antibióticos para tratamento da dor de garganta em crianças foi o comentário mais freqüente dos pediatras (10,2%) e otorrinos (7%). Dois otorrinos observaram que "muitos pacientes já chegam ao consultório usando antibióticos que foram erroneamente prescritos no pronto-socorro", e um chamou a atenção para a automedicação. Dentre os pediatras, um lembrou a prescrição leiga de antimicrobianos efetuada pelas farmácias, e dois atribuíram o uso excessivo de antimicrobianos pelos médicos em razão: "da impossibilidade de solicitar o retorno da criança para reavaliação nos serviços públicos de grande movimento", da "pressão dos pais" ou da "influência da propaganda da indústria farmacêutica".

Trinta e seis pediatras (12,2%) justificaram que optam entre a penicilina benzatina em dose única e a penicilina por via oral durante 10 dias dependendo: a) do nível sócio-econômico do paciente ("penicilina é uma droga barata e geralmente disponível nos serviços públicos de saúde") ou b) da questão prática de administração do medicamento. Cinco pediatras afirmaram que "muitos hospitais se recusam a administrar a penicilina benzatina quando a prescrição é feita por médico que não pertence ao corpo clínico da instituição". Três médicos alegaram que "há pais que recusam esta injeção para seus filhos"; um disse prescrever a penicilina benzatina "apenas quando a criança apresenta vômitos", e outro colega só a prescreve para "crianças maiores de 4 anos".

Dois pediatras afirmaram que não prescrevem antimicrobianos para tratar faringotonsilite em crianças menores de 3 anos de idade. Também foi comentada a necessidade de orientar os pais a não interromper a antibioticoterapia prescrita pelo médico.

Para prevenir as faringotonsilites de repetição, um pediatra prescreve o levamisole como imunoestimulante, e um recomenda que a criança não mais freqüente a creche. Um otorrino prescreve iodo.


DISCUSSÃO

Ao propor um caso fictício de faringotonsilite aguda na criança, constatamos que 95,8% dos pediatras e 91,5% dos otorrinos participantes deste estudo não solicitam exames para diagnóstico laboratorial. Quando o fazem, geralmente optam pelo hemograma completo.

Como bem lembrou uma pediatra, "o S. pyogenes não é o único patógeno envolvido nas faringotonsilites"9. Entretanto esta é uma bactéria importante a ser pesquisada nos casos de faringotonsilite pelo potencial de causar complicações graves como a febre reumática.

A maioria dos médicos desta amostra afirmou que não utiliza o teste antigênico rápido para detecção do S. pyogenes porque o método não está disponível na localidade. Esta foi a resposta mais freqüente mesmo entre os profissionais da Grande São Paulo. Além disso, 16,3% dos pediatras e 31,2% dos otorrinos entrevistados atuam em instituição universitária, onde seria esperado que o teste fizesse parte da rotina de pronto-atendimento das duas especialidades.

Vários colegas ressaltaram o custo elevado do "kit" para teste antigênico rápido, o que dificulta seu uso rotineiro. É desejável que futuramente estejam disponíveis "kits" comerciais mais baratos, permitindo a utilização em maior número de locais. Isto contribuirá para melhorar o diagnóstico microbiológico das faringotonsilites, evitando a prescrição desnecessária de antimicrobianos a pacientes com infecção de etiologia viral.

Houve grande diversidade de respostas para a questão da antibioticoterapia na faringotonsilite aguda. A penicilina por via oral durante 10 dias foi a terapêutica preferida por pediatras e otorrinos (33,6% e 35,4% respectivamente), mas observamos algumas diferenças na conduta dos dois grupos de especialistas. Pediatras utilizam mais a penicilina benzatina do que os otorrinos (19,7% x 2,8%), enquanto os últimos prescrevem penicilina com inibidor de beta-lactamase com maior freqüência (9,7% x 3%). Embora seja preconizada a antibioticoterapia por 10 dias para erradicação do S. pyogenes da orofaringe, 9,2% dos pediatras e 35,4% dos otorrinos prescrevem tratamento com penicilinas por apenas 7 dias.

A maioria significativa dos profissionais das duas especialidades não atendeu crianças com adenite cervical, abscesso peritonsilar ou febre reumática como complicação de faringotonsilite bacteriana nos 12 meses anteriores à pesquisa. Em contrapartida, um otorrino da Grande São Paulo e outro do interior afirmaram ter atendido 20 casos de adenite ou abscesso peritonsilar nesse período, o que é um dado preocupante.

A maioria dos pediatras e otorrinos (68,7% e 54,8% respectivamente) considerou boa sua familiaridade com os critérios para diagnóstico da febre reumática, fato importante para identificar os casos da doença.

A única medida de prevenção das faringotonsilites bacterianas considerada muito eficaz por mais da metade dos pediatras e otorrinos foi a cirurgia de tonsilectomia. A homeopatia, o uso de vitaminas e a timomodulina foram considerados pouco eficazes pela maior parte dos otorrinos, e ineficazes pela maioria dos pediatras.

O fitomedicamento Pelargonium sidoides foi incluído no estudo porque o fabricante recomenda usá-lo por mais alguns dias após o desaparecimento dos sintomas de IVAS, como "tratamento subseqüente, particularmente no caso de um curso crônico da doença ou recorrência freqüente", a fim de "evitar recorrências". A duração do tratamento não deve exceder três semanas10.

Aproximadamente um terço dos pediatras e otorrinos avaliou como insatisfatória sua familiaridade com as pesquisas para desenvolvimento da vacina contra o estreptoco beta-hemolítico do grupo A, indicando a necessidade de maior divulgação científica desses estudos junto às duas especialidades. Um pediatra comentou que a vacina contra o S. pyogenes está demorando a ser lançada no mercado.

Os otorrinos apontaram que a faringotonsilite de repetição é a principal indicação para cirurgia de tonsilectomia nos escolares e adolescentes. Um especialista comentou que, no futuro, a vacinação contra o S. pyogenes reduzirá o número de pacientes submetidos à cirurgia.

Entre os pediatras, houve diferentes pontos de vista sobre a tonsilectomia. Um profissional afirmou que só considera a cirurgia necessária quando o título de ASLO excede 400 UI/ml, e outro acredita que a extração das tonsilas palatinas é uma "conduta incorreta". Grande parte (64,1%) julga desnecessária a tonsilectomia nas crianças que apresentaram um episódio de complicação supurativa das faringotonsilites. De fato, essa indicação cirúrgica é controversa. Segundo Discolo (2003)3, a recorrência de abscesso peritonsilar durante novos episódios de faringotonsilite nas crianças não operadas varia de 7 a 17%.

Concluindo, a Tabela 3 resume os pontos de vista e condutas de pediatras e otorrinos em relação às faringotonsilites na infância.


CONCLUSÕES

Com base nos resultados deste trabalho, sugerimos que os programas de educação continuada para pediatras e otorrinolaringologistas ampliem a divulgação das pesquisas científicas sobre diagnóstico e prevenção das faringotonsilites, e procurem uniformizar as condutas terapêuticas nas duas especialidades.


AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à diretoria da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial pelo apoio, e a Cinthia Scolastico Cecílio, Lillian Vidotto Barbim e Nilse Ribeiro da Silva pelo inestimável auxílio prático durante a realização da pesquisa.


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1 Doutorado. Professora Voluntária Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
2 Livre-Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
3 Professora Assistente Doutora do Departamento de Bioestatística do Instituto de Biociências da UNESP. Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
Endereço para correspondência: Dra. Aracy P. S. Balbani - Rua Capitão Lisboa 715 cj. 33 18270-070 Tatuí SP.
Fone/fax: (0xx15) 3259.1152 - Email: a_balbani@hotmail.com
Fonte financiadora: Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar (FAMESP).
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 27 de setembro de 2007. cod. 4826
Artigo aceito em 12 de novembro de 2007.

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