Ano: 2009 Vol. 75 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (17º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 107 a 110
Válvula fonatória brasileira para traqueotomia: padronização de pressão de diafragma
Brazilian tracheotomy speech valve: diaphragm pressure standardization
Autor(es): Ângela Rúbia Oliveira Silveira1, Marcelo Naoki Soki2, Carlos Takahiro Chone3, Ronny Tah Y Ng4, Eduardo George B. Carvalho5, Agrício Nubiato Crespo6
Palavras-chave: insuficiência respiratória, reabilitação, traqueotomia.
Keywords: airway obstruction, rehabilitation, tracheotomy.
Resumo:
A traqueotomia está indicada em condições com obstrução respiratória alta ou doença pulmonar obstrutiva crônica. As Válvulas Fonatórias (VF) melhoram a comunicação, higienização e umidificação das vias aéreas dos pacientes traqueotomizados. Objetivo: Demonstrar a VF nacional, de menor custo, e sua utilização na reabilitação fonatória desses pacientes, avaliar resistência de abertura pelo diafragma, o que confere melhor conforto ao paciente. Forma de Estudo: Experimental, coorte contemporâneo. Material e Método: A VF foi utilizada em 32 pacientes. A válvula tem diafragma dentro de um corpo em aço inox com encaixes de plástico. Estudou-se grau de conforto respiratório de acordo com a resistência do diafragma da válvula, 40, 50 e 60 shores. Resultados: Obteve-se uso regular da VF acoplada à cânula por todos os pacientes, 26 o fizeram por mais de 12h diárias e destes 14 por 24h diárias. A pressão do diafragma obtida foi de 40 shores para 13 pacientes e 50 shores para 19 pacientes, sem utilização de 60 shores. Conclusão: A VF metálica permite fonação, sem a oclusão digital da cânula, e respiração sob conforto. Obteve-se resistência padronizada do diafragma. Atualmente todos os pacientes do estudo utilizam estas VF com fonação e 43,75% período integral.
Abstract:
Tracheotomy is performed in cases of upper airway obstruction or chronic pulmonary disorders. The Tracheotomy Speech Valves (TSV) improve communication and airway hygiene and humidification of tracheotomized patients. Aim: To show the low cost Brazilian TSV and its use in speech rehabilitation of tracheotomized patients, to evaluate diaphragm opening resistance and comfort to the patient. Study Design: Experimental, contemporary cohort . Materials and methods: The TSV was used in 32 patients. The valve has a diaphragm within a stainless steel body with plastic fittings. We studied the level of respiratory comfort according to the degree of valve diaphragm resistance, 40, 50 and 60 shores. Results: All the patients used the TSV coupled to the cannula in a regular basis, 26 of them did it for more than 12 hours daily and from these, 14 used it for 24h daily. The diaphragm pressure obtained was that of 40 shores for 13 patients and 50 shores for 19 patients. 60 shores was never used. Conclusion: the metal TSV helps with speech without the need for closing the cannula with one's finger, and breathing was comfortable. We achieved standard diaphragm resistance. Currently all the patients from this study use this TSV with speech and 43.75% use it full time.
INTRODUÇÃO
A traqueotomia é uma cirurgia realizada em condições clínicas que acarretam obstrução respiratória alta ou doença pulmonar crônica para propiciar a higiene dos pulmões e diminuição do espaço morto.
Um dos maiores prejuízos acarretados pela traqueotomia é a perda de comunicação verbal ou até o seu desenvolvimento inadequado, no caso de crianças1-6. Nesse caso a comunicação verbal é crítica para o cuidado global, condição psicológica e interação social do paciente4. Especialmente em crianças, pode ocorrer atraso, entre cinco a nove meses de idade, nas capacidades comunicativas2, tanto da linguagem receptiva quanto da expressiva, na presença de traqueotomia5. Outras funções desenvolvidas pelas vias aéreas superiores podem estar comprometidas nos enfermos com traqueotomia como: aquecimento, umidificação, filtração do ar, tosse, espirro, paladar, olfato, deglutição3. Nesta última, demonstrou-se maior aspiração nos pacientes traqueotomizados6-13. Também ocorre a dificuldade de elevação laríngea pelo fato de a cânula prender a laringe à pele da região cervical14.
As válvulas fonatórias (VF) de traqueotomia minimizaram estes prejuízos associados ao procedimento. Existem as válvulas de Passy-Muir, Montgomery, Olympic e Kistner, porém a Passy-Muir apresenta melhor qualidade vocal, verificada tanto pelos ouvintes quanto pelos próprios pacientes4. Também esta apresenta os menores índices de problemas mecânicos4. As VF são unidirecionais e permitem a entrada de ar na inspiração com uma pequena pressão inspiratória. Durante a fonação há seu fechamento e direcionamento do ar para a laringe. Todas são importadas, o que implica alto custo aos nossos pacientes, custo este não coberto pelo Sistema Único de Saúde ou pelos convênios médicos. Desta forma foi desenvolvida uma VF nacional para suprir essa falta, com melhora na qualidade de vida dos pacientes traqueotomizados e sob baixo custo. Havia um falta de padronização da resistência do diafragma para que a VF pudesse ser comercializada já com a pressão de abertura adequada, sem necessidade de ajustes individuais15. O objetivo deste trabalho é apresentar VF de traqueotomia, totalmente nacional, utilizada em trinta e dois pacientes com padronização da resistência de seu diafragma, ou seja, avaliar o grau de conforto respiratório de acordo com a resistência de abertura da válvula.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado estudo coorte contemporâneo. Termo de consentimento foi obtido de todos pacientes deste estudo. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética, número 0715.0.146.000-07, documento número 975/2007.
Trinta e dois pacientes traqueotomizados com cânulas metálicas foram selecionados para utilização da válvula fonatória. A idade dos pacientes variou de cinco a 58 anos, média de 46 anos. As indicações de traqueotomia foram 26 pacientes submetidos a laringectomias parciais (tumores de faringe/laringe), sem a realização de fístula traqueoesofágica, 4 por intubação orotraqueal prolongada, e 2 por paralisia bilateral de pregas vocais. Todos foram observados semanalmente no primeiro mês e depois com 60 e 90 dias após a colocação da VF. Pacientes com estenose laringotraqueal acima da traqueotomia e que necessitam ter o balão da cânula de traqueotomia insuflado permanentemente foram excluídos.
A VF desenvolvida apresenta diafragma, filtro e conexões plásticas montadas dentro de um corpo em aço inox (Figura 1). É adaptável para todas as cânulas metálicas nacionais (Figura 2) por via anterógrada, através de encaixe do adaptador da VF ao cabeçote da cânula interna da cânula de traqueotomia. Apresenta um adaptador para cada número de cânula de traqueotomia. Foram testados diafragmas de 40, 50 e 60 Shores (resistência de abertura da válvula), sendo o diafragma de 40 shores o de menor resistência. Todos os pacientes iniciaram o uso da válvula com 50 shores e, após a primeira semana, de acordo com a dificuldade de inspiração poderiam fazer uso do diafragma de 40 shores ou se houvesse escape de ar haveria a troca para o diafragma de 60 shores. Todos os pacientes foram reavaliados semanalmente no primeiro mês quanto ao conforto de seu uso até estabelecer-se a melhor resistência para o paciente, por meio de questionário específico, que interrogava fonação sem oclusão da cânula, esforço para falar, prática de atividades físicas, freqüência da limpeza da cânula e tosse, dormir com a cânula, falar em público e tempo de utilização diária.
Figura 1. Válvula Fonatória acoplada à cânula de metal.
Figura 2. Diafragma, filtro e conexões.
RESULTADOS
Os trinta e dois pacientes adaptaram-se à VF, com fonação adequada e sem esforço. Foram possíveis atividades físicas esportivas, caminhadas sob esforço e fonação sem necessidade de dígito-oclusão da cânula em todos pacientes. Houve diminuição na quantidade de secreção traqueal exteriorizada pela cânula e todos relataram melhores condições de higiene local, especialmente quanto à tosse e à necessidade de dígito-oclusão em ambientes públicos. As indicações para o uso da VF são as mesmas para pacientes que utilizam cânula metálica de traqueotomia.
Todos os pacientes tiveram boa adaptabilidade da válvula na cânula de traqueotomia e facilidade no manuseio. Não houve relato de acúmulo de secreção, oxidação do material ou dificuldade para respirar. Somente um paciente referiu necessidade de retirada urgente da válvula por travamento do diafragma.
O tempo de utilização da válvula por uso diário foi de 14 paciente com uso integral, 11 pacientes por 16 horas, 1 paciente por 14 horas e 5 pacientes por 10 horas (Tabela 1).
Nenhum paciente necessitou a troca da válvula para 60 shores e 13 pacientes após o uso na primeira semana optaram pela válvula de 40 shores por apresentarem maior conforto inspiratório (Tabela 2).
DISCUSSÃO
Desde 1975 têm sido desenvolvidas técnicas que permitem a fonação em pacientes traqueotomizados12,16,17. As VF podem ser utilizadas no período neonatal com idade mínima de até 13 dias1. Trabalhos anteriores revelam que, quando submetidas a treino e supervisão, crianças traqueotomizadas a partir de 8 meses obtiveram melhora da fala e limpeza pulmonar com o uso da VF, com boa tolerabildade18.
Válvulas permitem fonação mais espontânea sem necessidade de oclusão digital da cânula de traqueotomia. Há melhora na condição psicológica do paciente, especialmente quanto à fonação espontânea e redução na produção de secreção traqueal, com diminuição de tosse produtiva pela traqueotomia, importante principalmente em ambientes públicos19.
A utilização de filtro no interior da válvula, que pode ser trocado semanalmente, como ocorre na VF deste estudo, permite a entrada de ar com menos poluentes nas vias aéreas inferiores. Tem-se observado diminuição no grau de aspiração relacionada à traqueotomia após o uso das VF9,13,15. Em estudo onde foram realizadas videoendoscopia e videofluroscopia em 16 pacientes com traqueotomia e comparados entre si em dois grupos, com VF e sem VF, houve melhora significativa do da deglutição20. Porém há estudos que demonstram a ausência de influência da oclusão do orifício externo da cânula de traqueotomia com a melhora na aspiração10. A VF produz benefícios no reflexo da tosse e há melhora na higiene pulmonar dos pacientes.
As válvulas existentes no mercado são importadas e de difícil aquisição pelo paciente em nosso meio21. A nova VF desenvolvida neste artigo apresenta baixo custo e muitos pacientes poderão ser beneficiados com a mesma com melhora significativa da comunicação verbal e alimentação em público19.
Todos os pacientes deste estudo notaram grande mudança quanto à sua qualidade de vida após o início da utilização da válvula fonatória. Houve possibilidade de seu uso em tempo integral, inclusive durante o sono, em 14 (43,75%) pacientes. Os demais pacientes tiravam a válvula durante o sono. A pressão mais adequada encontrada para o diafragma da VF foi de 40 e 50 Shores. Quanto maior a unidade, maior a resistência do diafragma para abrir-se durante a inspiração.
CONCLUSÃO
A válvula fonatória foi bem adaptada em todos os pacientes com fonação sem dígito-oclusão da cânula de traqueotomia.
A resistência do diafragma de 40 e 50 Shores deve ser considerada como padrão para os pacientes traqueotomizados candidatos a utilizarem a VF.
AGRADECIMENTOS
Ao Sr. Eduardo Luiz de Carvalho, responsável técnico da Indusmed, pela cooperação no desenvolvimento e confecção das válvulas fonatórias deste estudo.
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1 Graduação, Médica residente 2º ano da Disciplina de Otorrinolaringologia Cabeça e Pescoço, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.
2 Graduação, Médico residente 2º ano da Disciplina de Otorrinolaringologia Cabeça e Pescoço, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.
3 Professor Doutor, Coordenador Serviço de Cabeça e Pescoço, Disciplina de Otorrinolaringologia Cabeça e Pescoço, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.
4 Graduação, Médico residente 4º ano da Disciplina de Otorrinolaringologia Cabeça e Pescoço, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.
5 Graduação, Médico Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia Cabeça e Pescoço, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.
6 Professor Doutor, Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia Cabeça e Pescoço, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 6 de setembro de 2007. cod.4771
Artigo aceito em 29 de junho de 2008.