Ano: 2008 Vol. 74 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (10º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 876 a 883
Interação entre grau de perda auditiva e o incômodo com zumbidos em trabalhadores com história de exposição ao ruído
Association between hearing loss level and degree of discomfort introduced by tinnitus in workers exposed to noise
Autor(es): Adriano Dias1, Ricardo Cordeiro2
Palavras-chave: modelos estatísticos, perda auditiva provocada por ruído, zumbidos.
Keywords: occupational noise, noise-induced hearing loss, tinnitus.
Resumo:
Perdas auditivas e zumbidos são dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, que sofrem suas conseqüências não apenas no ambiente de trabalho, mas também em contextos extralaborais. Objetivo: Verificar existência de relação dose-resposta entre perdas auditivas e zumbidos, ou seja, se o aumento destas perdas auditivas está associado ao aumento do incômodo provocado pelos zumbidos. Material e Método: Neste estudo de série de casos, transversal, foram avaliados 284 trabalhadores com exposição ao ruído ocupacional através da audiometria tonal limiar cujos resultados foram categorizados segundo Merluzzi. Aqueles que apresentaram queixas de zumbidos responderam ao Tinnitus Handicap Inventory, adaptado e validado para o português brasileiro. Ajustou-se um modelo linear generalizado para dados binomiais, verificando interação entre os fatores. Resultados: Mais de 60% dos ouvidos apresentaram perda auditiva e mais de 46% apresentaram zumbidos. Verificou-se que as prevalências de zumbido aumentam com a piora dos limiares, bem como o risco de o apresentar. A interação entre ambos, considerando todos os graus de perda auditiva, foi estatisticamente significativa. Conclusão: Os resultados sugerem haver interação estatística entre perda auditiva e zumbidos, com a tendência de que, quanto maior for o déficit auditivo, maior será o incômodo provocado pelo zumbido.
Abstract:
Hearing loss and tinnitus impact the lives of workers in every instance of their lives. Aim: this paper aims to investigate the existence of a dose-response relationship between hearing loss and tinnitus by determining whether higher levels of hearing loss can be associated with increased tinnitus-related discomfort. Materials and method: this cross-sectional case study assessed 284 workers exposed to occupational noise through pure tone audiometry. Test results were categorized as defined by Merluzzi. Individuals complaining of tinnitus answered the adapted and validated Brazilian Portuguese version of the Tinnitus Handicap Inventory. A generalized linear model was adjusted for binomial data to test the interaction between these factors. Results: over 60% of the ears analyzed had hearing loss, while more than 46% of them had tinnitus. Tinnitus prevalence and risk rates increased as pure tone audiometry results got worse. The association between both, considering all hearing loss degrees, was statistically significant. Conclusion: the results point to a statistical association between hearing loss and tinnitus; the greater the hearing loss, the greater the discomfort introduced by tinnitus.
INTRODUÇÃO
O ruído é o agente físico nocivo mais comum encontrado no ambiente de trabalho1-3. A Organização Mundial da Saúde estima que em torno de 15% dos trabalhadores de países desenvolvidos estejam expostos a intensidades deletérias à audição4.
As perdas auditivas, sejam elas provocadas por exposições ocupacionais (como aquelas induzidas pelo ruído) ou por outro agente e seus efeitos, estão entre as maiores dificuldades enfrentadas pelos acometidos, destacando-se aqui os trabalhadores. Dentre os efeitos decorrentes das perdas auditivas, ressaltaremos o zumbido que, ao proporcionar dificuldades inclusive em contextos extralaborais, influencia negativamente a qualidade de vida do trabalhador e das pessoas que o cercam.
O zumbido é definido como "uma ilusão auditiva, isto é, uma sensação sonora não relacionada com uma fonte externa de estimulação"5 ou como "uma ocorrência na ausência de atividade vibratória ou mecânica correspondente nas orelhas média ou interna"6, significando que o zumbido é uma percepção auditiva fantasma, percebida apenas pelo acometido na maior parte dos casos, fato que dificulta sua mensuração. Os zumbidos podem ser percebidos de várias formas e os achados objetivos quanto à sua medida são bastante controversos. Por estes motivos, nenhuma forma de mensuração fidedigna foi incorporada à rotina audiológica. O consenso atualmente em voga é que o som do zumbido, habitualmente, encontra-se próximo à freqüência e intensidade de onde exista perda ou o maior grau de perda auditiva. Ainda com relação às medidas do zumbido, ele não é considerado mais grave somente por ser percebido em forte intensidade7, visto que mais de 80% dos indivíduos queixosos o percebem com menos de 20dB (equivalente a um sussurro), enquanto que menos de 5% o referem em intensidade maior que 40dB8. Os outros fatores que se relacionam como agravantes do zumbido são: o tipo de som, a sua constância, duração e localização9.
Dado que não existe mensuração objetiva fidedigna e tampouco de utilidade clínica, uma das formas de avaliar o zumbido é solicitar ao indivíduo acometido que descreva o som percebido. Na maior parte dos casos ele é relacionado a alguma fonte externa de ruído como insetos, apitos ou microfonias, estouros, barulho de água corrente, rádio ou televisão fora de sintonia, vento, amassamento de papel, chiados diversos e ainda algumas combinações entre eles, os chamados zumbidos múltiplos que, no entanto, são raros. Cerca de 25% dos pacientes referem o zumbido como tom puro8.
A grande variabilidade individual e o grau de interferência na vida cotidiana aliados aos fatos de que a testagem acufenométrica traz poucas informações úteis referentes à gravidade do zumbido10,11, de que não existe relação entre a percepção da intensidade e a queixa da incapacidade por ele provocada12 e que a descrição sonora não possibilita esclarecimentos sobre os casos, motivaram um novo enfoque nas investigações: a avaliação das conseqüências do zumbido através de questionários que pudessem quantificar os déficits psicoemocionais e funcionais provocados, visando à universalização de critérios e as comparações entre populações.
Neste trabalho, para quantificação das perdas auditivas, foi escolhido um critério ocupacional (em função de a casuística ser composta por trabalhadores com história de exposição ocupacional ao ruído), aquele sugerido por Merluzzi et al.13, proposta que divide a área do audiograma em seis setores e permite distribuir e categorizar os resultados audiométricos em oito possíveis configurações ou graus de perda auditiva, conforme a descrição a seguir, visualizada na Figura 1.
Figura 1. Critério de classificação das perdas auditivas induzidas pelo ruído sugerido por Merluzzi et al.(1979).
O grupo 0 de Merluzzi (ou normal) agrupa todos os audiogramas com traçados normais, ou seja, limiares auditivos iguais ou inferiores a 25dB para todas as freqüências examinadas (limiares na área a). O grupo 1 reúne audiogramas cujos limiares de 500Hz a 3kHz estão preservados na área a e os limiares a partir de 4 e/ou 6kHz se encontram abaixo de 25dB, ou seja, nas áreas c ou d (as freqüências de grande importância para a audibilidade social encontram-se preservadas: 500Hz, 1, 2 e 3kHz); o grupo 2, audiogramas onde 500Hz, 1 e 2kHz apresentam limiares contidos na área a; 3kHz deve estar nas áreas e ou f e de 4 a 8kHz podendo estar nas demais áreas (b, c ou d); o grupo 3, audiogramas onde 500Hz e 1kHz apresentam limiares na área a, 2kHz e 3kHz nas áreas e ou f e de 4 a 8kHz podendo estar nas demais áreas (b, c ou d); o grupo 4, audiogramas onde 500Hz apresenta limiar na área a, 1 a 3kHz nas áreas e ou f e de 4 a 8kHz podendo estar nas demais áreas (b, c ou d) e o grupo 5, audiogramas onde não se encontram limiares na área a, ou seja, todos os limiares rebaixados, somado à condição de que as freqüências agudas devem estar mais comprometidas que as freqüências graves e médias. O grupo 6 refere-se a todos os traçados audiométricos que forem sugestivos de dois ou mais agentes patológicos, sendo que um deles deve ser ruído, enquanto que o grupo 7 contempla audiogramas de outras perdas auditivas que sugestivamente não tenham sido induzidas por ruído.
Para avaliação do zumbido, escolheu-se o Questionário de Gravidade do Zumbido (QGZ)14, que é a adaptação para o português brasileiro do Tinnitus Handicap Inventory - THI15, cuja utilização é justificada pelo fato de mostrar-se com excelente validade e com alta consistência interna16,17, além da facilidade e a rapidez na aplicação (cerca de cinco minutos) e a reprodutibilidade (alguns questionários apresentam reserva de direitos autorais, este não). Algumas referências corroboram a manutenção de consistência interna deste instrumento mesmo após traduções e adaptações para outras populações e idiomas11,14,18. O QGZ é composto por vinte e cinco questões, divididas em três grupos. O primeiro considera o componente funcional (F) da incapacidade nos níveis mental (dificuldade de concentração ou leitura), sociolaboral e físico (interferência na audição). O grupo emocional (E) mede as respostas afetivas como frustração, ansiedade, depressão. O último, grupo catastrófico (C), objetiva quantificar o desespero e a incapacidade referida pelo paciente acometido pelo zumbido. São três as opções de resposta para cada uma das questões, pontuadas da seguinte maneira: para as respostas sim, 4 pontos, às vezes, 2 pontos e não, nenhum ponto15.
A somatória dos pontos resultantes das questões vai de 0 (zero ou 0% - todas as respostas sendo não), quando o zumbido não interfere na vida do paciente a 100 (cem pontos ou 100% - todas as respostas sendo sim), quando o grau de interferência é máximo, pode ser categorizada em cinco grupos ou graus de gravidade. De acordo com a categorização proposta por McCombe et al.16 (2001), o zumbido pode ser: desprezível (0-16%), leve (18-36%), moderado (38-56%), severo (58-76%) ou catastrófico (78-100%). As 25 questões e respectivas escalas que compõem o QGZ são apresentadas a na Tabela 1.
Assim, o objetivo deste estudo foi verificar a existência de relação dose-resposta entre perdas auditivas e zumbidos, isto é, se a piora dos limiares audiométricos está associada ao aumento do incômodo provocado pelo zumbido.
MATERIAL E MÉTODO
Para este estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética da instituição responsável sob número 099/2002, a coleta das informações e as testagens audiométricas foram realizadas em dois ambulatórios de audiologia localizados na cidade de Bauru, no sudeste do Brasil. Foram avaliados e entrevistados 284 trabalhadores com histórico de exposição ao ruído ocupacional entre os meses de abril e outubro de 2003. As idades dos trabalhadores variaram de 20 a 72 anos, com média de 42,05 (±12,49) anos e mediana de 42 anos. A distribuição por sexo foi de 70,70% trabalhadores do sexo masculino e 29,30% trabalhadores do sexo feminino.
Os indivíduos primeiramente assinaram o termo de consentimento, quando foram informados sobre a finalidade dos exames e qual seria a utilidade dos respectivos resultados. Após o consentimento, responderam a anamnese, da qual se extraíram antecedentes ocupacionais, incluindo aspectos da exposição ao ruído como tempo e freqüência de exposição, associação com outros agentes, riscos para deficiência auditiva e dados clínicos. Dentre as questões da anamnese, encontrava-se uma que se referia à presença ou ausência de zumbido, cuja resposta afirmativa direcionava a aplicação do Questionário de Gravidade do Zumbido (QGZ)14.
A etapa seguinte foi a avaliação clínica, quando se procedeu a inspeção do meato acústico externo e realizada a audiometria tonal limiar, por via aérea nas freqüências de 250 e 500 Hz, 1, 2, 3, 4, 6 e 8 kHz e por via óssea nas freqüências de 500 Hz, 1, 2, 3 e 4 kHz (se os limiares de via aérea fossem iguais ou maiores que 25dB). O procedimento de teste para ambas as vias foi idêntico, seguindo padrão ISO19 (1989), utilizando-se de audiômetros calibrados de acordo com normas internacionais20 e respeitando tempo de repouso auditivo de, no mínimo, 14 horas. Os audiogramas eram, então, classificados de acordo com o critério ocupacional que se considerou mais sensível dentre vários possíveis21,22, proposto por Merluzzi et al.13 (1979). Assumindo que uma parcela importante das perdas auditivas pudesse ser induzida pelo ruído (PAIR) em função da casuística e históricos ocupacionais, a escolha do método de classificação ainda se justifica por ser considerado o mais adequado para verificar a evolução das PAIR. Dessa forma, somados aos critérios da anamnese, foram utilizados os resultados audiométricos anteriores para mensuração e sugestão etiológica das perdas auditivas.
Com os dados categorizados para a variável da classificação da audição (grupos de Merluzzi de 0 a 5) foram obtidas as freqüências para cada categoria, assim como para a variável dos níveis de zumbido (de ausente a catastrófico).
Consideramos como variável resposta a presença ou ausência de zumbido e como variáveis explanatórias os grupos de Merluzzi. Sendo os grupos de Merluzzi variáveis categóricas ordinais, utilizou-se o ajuste de um modelo logístico com logits acumulados.
Como as freqüências obtidas consideravam a gravidade do zumbido e os grupos de Merluzzi, foi ajustado um modelo linear generalizado para dados binomiais e verificada a interação entre estes dois fatores. Vale ainda destacar que as análises foram realizadas levando em consideração, separadamente, ouvidos esquerdos e direitos, e que foram executadas utilizando o programa SAS, na versão 8.0223.
Foram excluídas as categorias Grau 6 e 7, pois, por definição, não continham trabalhadores com perda auditiva originada exclusivamente em situações ocupacionais e também porque poucos indivíduos neste estudo se enquadravam nestas categorias.
RESULTADO
Os 284 trabalhadores disponíveis para o estudo totalizaram 568 orelhas. Foram excluídas da análise 13 orelhas direitas (4,58%) e 9 (3,17%) orelhas esquerdas por apresentarem classificação graus 6 ou 7 de Merluzzi. Desta maneira, foram objetos desta análise 271 orelhas direitas e 275 orelhas esquerdas.
A Tabela 2 traz informações das freqüências tanto de perda auditiva quanto de gravidade do zumbido. Das 275 orelhas esquerdas, em 106 (38,55%) não havia indício de déficit auditivo, enquanto que em 169 (61,45%) apresentava-se algum grau de perda; para 147 orelhas (53,45%) não havia queixa de zumbido e para 128 delas (46,55%) os indivíduos apresentavam alguma queixa de sua presença.
Para as orelhas direitas (271 orelhas), em 105 (38,75%) não havia indício de perda auditiva enquanto que em 166 (61,25%) apresentava-se algum grau de perda; para 144 orelhas (53,14%) não havia queixa de zumbido e para 127 delas (46,86%) estava presente alguma queixa do sintoma.
Verificou-se que existe um gradiente das queixas de zumbido. A proporção de indivíduos acometidos em relação ao total diminui de acordo com o aumento da gravidade do zumbido, diferentemente do que ocorre com as perdas auditivas, pois a Tabela 2 mostra que o número de indivíduos, por exemplo, com Merluzzi grau 5 (mais grave) é maior que aquele de indivíduos com Merluzzi grau 4 (menos grave).
A Tabela 3 mostra que a prevalência de zumbido dentro de cada grupo de Merluzzi aumenta de acordo com a piora dos limiares (de 27% no grau 0 até cerca de 84% nos graus 4 e 5), assim como as chances de ocorrência de zumbido (por meio de estimativas de odds ratio, respectivos intervalos de confiança e significâncias estatísticas). As odds ratio variaram de 2,16 (no grupo 1) a mais de 13 (nos grupos 4 e 5). Considerou-se, para a construção das Tabelas de contingência e obtenção destas estimativas, como nível de referência o grau 0 de Merluzzi (audição normal) e como fatores de exposição os demais grupos, sempre em análise univariada, além da ocorrência de zumbido.
A motivação deste estudo foi verificar se existe interação (ou relação dose-resposta) entre as informações de achados audiométricos indicativos de perda auditiva e a queixa de zumbido, ou seja, se a evolução das perdas auditivas está associada ao aumento do incômodo provocado pelo zumbido.
A Tabela 4 mostra os testes de interações entre os grupos de Merluzzi e de gravidade do zumbido, tomando por base os estratos mais leves de cada uma das classificações, isto é, os indivíduos que não apresentem perda auditiva nem queixa de zumbido. A interação agrupada (todos os graus de perda auditiva associado a todos os graus de zumbido) apresentou-se estatisticamente significante, entretanto, quando analisadas as combinações (grau de perda auditiva * gravidade de zumbido) isoladamente, nem todas apresentaram significância. Para as orelhas esquerdas 12 pares (57,15%) foram significativos, enquanto que para as orelhas direitas apenas 6 pares (28,57%) apresentaram valores p=0,05. Apesar desta diferença, o teste de diferenças de proporções não se mostrou estatisticamente significante (Z=1,95, valor-p=0,051).
DISCUSSÃO
A perda auditiva induzida pelo ruído é uma das mais prevalentes doenças ocupacionais no mundo24,25. Horg e Raymond26 (2003), em estudo realizado nos EUA, encontraram PAIR em cerca de 60% dos 575 trabalhadores da construção civil avaliados, enquanto que Monley et al.27 (1996), em coleta de informações audiológicas de 89.500 sujeitos da população australiana exposta ao ruído em níveis nocivos, encontraram prevalência de 57,7% de sujeitos com alterações auditivas sugestivas de indução pelo ruído.
A prevalência de PAIR é alta também em países em desenvolvimento, como o Brasil. Andrade e Schochat28 (1988) avaliaram 7043 trabalhadores expostos ao ruído no município de São Paulo, encontrando prevalências entre 30 e 55%, de acordo com o ramo de atividade. Miranda et al.29 (1998), avaliando 7925 trabalhadores de 44 indústrias de diferentes ramos de atividades, na região metropolitana de Salvador, encontraram prevalência geral de PAIR em torno de 36%. Manubens30 (1994) encontrou a patologia em 23% dos 32007 trabalhadores de 150 indústrias de transformação de 16 estados brasileiros.
Além de exposições industriais, alguns estudos envolvendo trabalhadores expostos ao ruído em ambientes não-industriais também foram encontrados. Cordeiro et al.31 (1994) encontraram prevalência de PAIR em torno de 45% entre 292 motoristas e cobradores de veículos coletivos na cidade de Campinas, enquanto que Martins et al.32 (2002), em estudo desenvolvido em Bauru, encontraram a patologia em 37% dos trabalhadores com o mesmo perfil profissional. Também com motoristas e cobradores e em Campinas, Corrêa Filho et al.33 (2002), encontraram prevalência de PAIR ao redor de 33%.
Para o zumbido são ainda mais escassos os dados epidemiológicos, principalmente quando associado às patologias específicas. Sendo assim, torna-se bastante difícil avaliar o impacto social provocado. Estimativas apontam que, no Reino Unido, de 35 a 45% das pessoas já perceberam algum tipo de zumbido34, números próximos aos encontrados nos EUA35. Dentre estes, 8% apresentam distúrbios no sono, 1% alterações graves e 0,5% alterações profundas em suas atividades diárias35. Sabe-se que o zumbido grave é considerado o terceiro pior sintoma que pode acometer o ser humano, sendo superado apenas pelas dores e tonturas intensas e intratáveis36.
A exposição ao ruído é responsável pela causa mais comum de zumbido37,38, referido por cerca de 25% dos indivíduos expostos6,38. Nesta casuística, a prevalência de zumbido encontrada foi de, aproximadamente, 48%, muito superior àquela referida pela literatura. O fato de o zumbido ser subjetivo e que pode sofrer variações de acordo com o estado emocional ou físico do indivíduo39, aliado à escassez de dados epidemiológicos, ao fato de ser sintoma e não doença, à inexistência de métodos de medição objetiva ou de modelos experimentais adequados, são os fatores que mais trazem dificuldades ao estudá-lo.
Diante da escassez de dados epidemiológicos sobre ambos os problemas, o estabelecimento de propostas metodológicas para verificar a associação e a interação entre eles fica bastante restrito.
Entretanto, com os dados obtidos nesta pesquisa, a relação dose-resposta entre perdas auditivas e zumbido foi identificada por intermédio de um modelo estatístico, levando em consideração a evolução do dano auditivo e a progressão da gravidade do zumbido. Ao interpretar os resultados, em especial aqueles apresentados nas Tabelas 3 e 4, conclui-se que são suficientes para demonstrar que nas perdas auditivas mais leves as prevalências de zumbido são menores, além de ocorrerem em menor gravidade e que, em perdas maiores, as chances de ocorrerem zumbidos também são maiores. É possível também depreender frente aos resultados que existe a tendência de ocorrerem zumbidos mais graves principalmente para ouvidos esquerdos, corroborada pela informação da interação agrupada, estatisticamente significante, mostrada na Tabela 4. O fato de nem todas as combinações isoladas não apresentarem significância estatística pode ser devido ao reduzido número de trabalhadores enquadrados em cada par, em função das estratificações. Um fato que chamou a atenção foi uma tendência da relação perda auditiva * zumbido ser mais forte nos ouvidos esquerdos, mesmo que ainda, a estatística da diferença de proporções não tenha resultado significante. Não existe uma explicação formal para esta diferença, visto ser normalmente referida em populações que apresentem exposições ao ruído com predominância unilateral, por exemplo, motoristas, que foi uma categoria profissional que representou menos de 10% da nossa amostra. Serão necessários outros estudos para verificar se esta tendência à unilateralidade é plausível ou se existe algum marcador biológico para o achado.
Mais um aspecto que fala a favor da existência de interação entre as ocorrências é o explicitado pela Tabela 3, que mostra aumentos estatisticamente significantes da chance de ocorrência de zumbidos nos trabalhadores, independente do grau de perda, ao compará-los a indivíduos que não apresentam perda auditiva.
No que se refere às limitações da pesquisa, é relevante a dificuldade na determinação do nexo causal nas perdas auditivas, se induzidas apenas pelo ruído ou associadas à outra(s) etiologia(s). Os critérios considerados no estudo foram os suscitados pela anamnese e pelo histórico ocupacional e audiológico dos trabalhadores, aspectos imprescindíveis na prática clínica, entretanto, frente à complexidade do assunto foram por demais reducionistas. Assim, esta situação deve ser considerada e melhor avaliada em novas abordagens do assunto.
CONCLUSÃO
Os resultados sugerem haver interação estatística entre perdas auditivas e zumbidos, com a tendência de que, quanto pior for a perda maior será o incômodo provocado pelo zumbido, de acordo com a estrutura dos dados e o modelo estatístico selecionado para tal avaliação. Tais resultados corroboram os achados clínicos desta associação, muito embora o estudo seja limitado quanto ao tamanho e características da amostra, fato que pode explicar em parte não encontrar resultados significativos em todos os pares obtidos na estratificação dos dados.
Mesmo diante das fragilidades amostrais, na avaliação do nexo e assim, inferenciais, as estimativas de odds ratio e interação obtidas sugerem que a avaliação foi apropriada e, dessa forma, estimulam o desenvolvimento de novos estudos com casuísticas maiores e melhor definidas, bem como em populações com características diferentes desta, visto que tanto as perdas auditivas quanto os zumbidos são altamente prevalentes na população, condição que facilitará o recrutamento de sujeitos. Dessa forma pode-se verificar se a interação entre estes fatores existe em quaisquer condições ou estádios que os envolvam.
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1 Doutor, Coordenador Técnico.
2 Livre-docente, Professor Associado.
Grupo de Apoio à Pesquisa/Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP.
Endereço para correspondência: Adriano Dias - R. Nelo Cariola 252 Centro Botucatu SP 18603-570.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 26 de junho de 2007. cod.4629
Artigo aceito em 24 de setembro de 2007.