Versão Inglês

Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (21º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 776 a 779

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Surdez súbita causada por hemorragia intralabiríntica

Sudden hearing loss caused by labyrinthine hemorrhage

Autor(es): Raquel Salomone 1, Taleb Abdu Ali Abu 2, Adriana Gonzaga Chaves 3, Maria Carmela Cundari Bocalini 4, Andy de Oliveira Vicente 5, Paulo Emmanuel Riskalla 6

Palavras-chave: orelha interna, perda auditiva, surdez súbita.

Keywords: vertigo, hearing loss, sudden deafness.

Resumo:
A surdez súbita sensorioneural é uma perda auditiva súbita ou rapidamente progressiva. Na maioria dos casos a etiologia não é descoberta. Uma das causas possíveis de surdez súbita é a hemorragia intralabiríntica que, antes do surgimento da ressonância magnética, não era corretamente diagnosticada. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de surdez súbita causada por hemorragia intralabiríntica e realizar uma revisão da literatura sobre este assunto.

Abstract:
Sudden sensorineural hearing loss is relatively frequent. In most cases, the etiology is not discovered. One of the possible causes for sudden deafness is inner labyrinth bleeding, which was difficult to diagnose before the advent of magnetic resonance imaging. The purpose of this paper is to report a case of sudden hearing loss caused by a labyrinthine hemorrhage, and to present a review of the literature on this topic.

INTRODUÇÃO

A surdez súbita sensorioneural (SSS) é uma perda auditiva súbita ou rapidamente progressiva1, geralmente unilateral que afeta perto de 15 mil pessoas por ano em todo o mundo2. Seu diagnóstico etiológico na maioria das vezes gera polêmica3 e aproximadamente 85% são catalogados como de causas idiopáticas, sendo tratados empiricamente. Sabe-se que 65% dos pacientes podem apresentar melhora espontânea da audição no período de 2 semanas2. A recuperação total da audição ocorre em aproximadamente 25% dos pacientes, porcentagem semelhante a dos casos que não melhoram1-3. A SSS causada por distúrbios hemorrágicos intralabirínticos é extremamente rara e seus relatos na literatura escassos.

Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de SSS provavelmente ocasionado por hemorragia intralabiríntica em um paciente portador de Síndrome de Marfan que fazia uso de terapia anticoagulante e realizar uma revisão da literatura.


RELATO DE CASO

E.F.G, sexo masculino, 40 anos, procurou nosso serviço com queixa de perda de audição súbita em orelha direita há 5 dias. Negava zumbido, vertigem ou plenitude auricular. Refere apresentar síndrome de Marfan e ter sofrido uma cirurgia cardíaca há três anos para colocação de valva aórtica artificial (metálica). Fazia uso de betabloqueador e anticoagulante oral regularmente.

Ao exame físico observou-se a presença de acromegalia e a ausculta cardíaca era compatível com prótese aórtica metálica. A pesquisa do equilíbrio estático e dinâmico foi normal e não foi detectado nistagmo espontâneo ou semi-espontâneo. A audiometria tonal mostrou disacusia sensorioneural profunda em orelha direita (Figura 1). O coagulograma no dia da internação apresentou INR 4 e tempo e atividade de protrombina aumentados. Foi então realizada uma ressonância magnética de ossos temporais em cortes axial e coronal (Figuras 3 e 4) a qual apresentou, em T1 sem contraste endovenoso, hiperintensidade de sinal na cóclea, vestíbulo e porção anterior do canal semicircular lateral de orelha direita típico de derrame sanguíneo intralabiríntico.


Figura 1. Audiometria tonal realizado antes do início do tratamento.



Figura 2. Audiometria tonal realizada após o tratamento medicamentoso.



Figura 3. Ressonância Magnética de ossos temporais, corte axial, com imagem ponderada em T1 sem contraste endovenoso, evidenciando hiperintensidade de sinal na cóclea (seta vermelha), vestíbulo (seta azul) e porção anterior do canal semicircular lateral (seta verde).



Figura 4. Ressonância magnética de ossos temporais, corte axial, com imagem ponderada em T1 sem contraste endovenoso, demonstrando a hiperintensidade de sinal cocleovestibular em orelha direita (setas verdes) e a orelha contralateral com intensidade de sinal normal (setas vermelhas).



O paciente foi submetido a tratamento clínico e evoluiu com melhora da disacusia (de 20 dB) e da vertigem.


DISCUSSÃO

A surdez súbita sensorioneural (SSS) é definida como uma perda audiométrica sensorioneural de 30dB ou mais, em três freqüências auditivas consecutivas que surge no máximo em 72 horas2-3. É tipicamente unilateral4, podendo ser parcial ou completa, súbita ou rapidamente progressiva1.

As causas de SSS podem ser infecciosas (viral ou bacteriana), vascular, imunomediadas (da própria orelha interna ou sistêmica) ou conseqüentes a doenças neurológicas (migrânias, esclerose múltipla), neoplasias ou ototoxidade3.

Com base em estudos histopatológicos, foram criadas 4 teorias para explicar a fisiopatologia das SSS: infecção viral, imunológica, ruptura de membranas e distúrbios circulatórios1-3. A teoria imunológica postula que as células da orelha interna são agredidas por complexos imunológicos de doenças sistêmicas; alguns autores acreditam que o vírus produza um efeito citotóxico direto sobre as células sensoriais da cóclea e/ou induza à produção de complexos auto-imunes1-3, e a falta de suprimento vascular nas células sensoriais da orelha interna pode produzir isquemia cócleo-labiríntica, causando morte de células de estruturas nobres da orelha interna5. A ruptura da membrana de Reissner ou a presença de fístulas perilinfáticas também podem causar SSS.

A etiologia vascular da SSS pode ser hemorrágica ou obstrutiva. A hemorragia intralabiríntica (HIL) é uma rara complicação de pacientes com hematopatias e/ou em terapia com anticoagulantes6,7, como o descrito neste trabalho. O advento da ressonância magnética permitiu realizar o diagnóstico desta afecção com maior acurácia.

De Klein postulou que lesões vasculares centrais poderiam ser causa de distúrbios auditivos5 e Schucknecht et al. afirmou que hemorragias na orelha interna não poderiam ocorrer em indivíduos sãos8.

A HIL é descrita em pacientes com anemia aplasica9, anemia falciforme10, leucemias9-11, secundárias a traumas cranioencefálico10 e após tratamento cirúrgico de Schwannoma vestibular12. Com a presença de sangue na endolinfa e perilinfa há uma mudança na pressão hidrostática alterando o funcionamento e a estimulação nervosa da cóclea13. Kothari6 foi o primeiro autor a relatar um caso de HIL devido ao uso de anticoagulante6. Nosso paciente possui valva cardíaca aórtica artificial (metálica) sendo necessário o uso de anticoagulante.

A RM ponderada em T1 tem grande valor para diagnosticar a HIL. Em exames normais, a perilinfa e a endolinfa aparecem isointensas em relação ao líquor, entretanto, a presença de gordura, baixo fluxo sanguíneo, altas concentrações protéicas e presença de metahemoglobina3 geram imagens hiperintensas em T1. A HIL é mais comumente encontrada no giro basal da cóclea e perto da janela oval14. Para diferenciar lipoma (patologia incomum3,9,14 de HIL pode-se realizar T1 com supressão de gordura.

Até hoje não há estudos atribuindo a causa de HIL a degenerações causadas pela Síndrome de Marfan15.

O tratamento da SSS permanece extremamente controverso mesmo quando identificada sua etiologia. A melhora clínica com o uso de oxigenoterapia hiperbárica, anti-hipertensivos, anticoagulantes, corticosteróides, expansores plasmáticos e medidas higieno-dietéticas não é comprovadamente maior que a cura espontânea1,3,14,15.


CONCLUSÃO

O início súbito de perda auditiva associada a vertigem e a presença de hipersinal dos líquidos labirínticos na RM ponderada em T1 com supressão de gordura é altamente sugestiva de hemorragia intralabiríntica aguda. Esta pequena hemorragia pode ser a primeira complicação causada pela terapia com o uso de anticoagulante.

Em nosso paciente, as evidências são de que a surdez súbita sensorioneural foi desencadeada pela hemorragia devido ao uso de anticoagulante oral, e não por possíveis alterações morfofisiológicas características da síndrome de Marfan.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kallien J, Laippala P, Laurikainen E. Sudden deafness: A comparison of anticoagulant therapye e carbogen inalation therapy. Ann Otol Rhinol Laryngol 1997;106:22-6.

2. Hughes G, Feedman H, Haberkamp T, Guay M. Sudden sensorial hearing loss. Otolaryngol Clin North Am 1996;29:393-405.

3. Herrero JÁ, González FMM, Pimilla MV. Hemorragia Coclear. Causa excepcional de sordera subita sensorioneural. Acta Otorrinolaringol 2002;53:263-368.

4. Toubi E, Bem-David J, Kessel. Autoimune aberration in sudden sensorial hearing loss: association with anti-cardiolipin antibodes. Lupus 1997;6:540-542.

5. Dekleyn. Sudden complet or parcial loss function of the octavus-system in apparently normal person. Act Otolaryngol 1944;32:407-29.

6. Kotheri M, Knopp E, Jonas S. Presumed vestibular hemorrhage secondary to warfarin. Neuroradiology 1995;37:324-5.

7. Seltzer SM. Contrast intrancement of the labyrinth on MR scans in patients whit sudden hearing loss and vertigo. AJNR Am J Neuroradiol 1991;12:13-6.

8. Schuknech H, Igarashi M, Chasin W. Inner ear hemorrhage in leukemia. Laryngoscope 1965;75:662-8.

9. Ogawa K, Kanzaki J. Aplastic anemia and sudden sensorial hearing loss. Acta Otolaryngol 1994;514:85-8.

10. Whitehead R, MacDonald C. Spontaneous laberinthine hemorrhage in sicle cell disease. Am J Neuroradiol 1998;19:1437-40.

11. Sardo I, Tetsuya E. Inner ear hemorrhage and endolymphatic hydrops un a leukemic patient with sudden hearing loss. Ann Otol Rhinol Laryngol 1997;86:518-24.

12. Weissman J. Curtin H, Hirsch B, Hirsch W. High signal from theoric labyrinth on unenhanced magnetic resonance imaging. A JNR Am J Neuroradiol 1992;13:1183-7.

13. Callnec F, Marie JP. Haemorrhage in the labyrinth caused by anticoagulant therapy: case report. Neuroradiol 1996. p. 171-7.

14. Kawamoto S, Bluemeke DA, Trail TA. Thoraco-Abdominal aorta in Marfan syndrome. Radiology 1997;203:727-32.

15. Paparella MM, Berlinjer NT, Oda M. Otological manifestation of leukemia. Laryngoscope 1973;83:1510-26.











1 Médica residente de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA.
2 Médico residente de Otorrinolaringologia.
3 Pós-Graduanda.
4 Médica Otorrinolaringologista, Preceptora das residências médicas de Otorrinolaringologia dos Hospitais CEMA e Servidor Público Municipal.
5 Mestre e Doutorando em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM, Preceptor da residência médica de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA.
6 Mestre Professor Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM, Coordenador e preceptor da residência médica de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 14 de março de 2005. cod. 157.
Artigo aceito em 8 de setembro de 2005.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial