Ano: 2008 Vol. 74 Ed. 4 - Julho - Agosto - (20º)
Seção: Artigo de Revisão
Páginas: 606 a 612
Enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular
Migraine associated with auditory-vestibular dysfunction
Autor(es): Renato Cal1, Fayez Bahmad Jr2
Palavras-chave: enxaqueca, sistema vestibulococlear, vertigem.
Keywords: migraine, vestibulocochlear system, vertigo.
Resumo:
A associação de distúrbios da audição e equilíbrio com enxaqueca é reconhecida desde a Grécia antiga quando Aretaeus da Capadócia em 131 a.C., fez uma descrição precisa e com detalhes desta ocorrência durante uma crise de enxaqueca. Uma revisão ampla das manifestações otoneurológicas da enxaqueca é apresentada, usando as mais recentes publicações com respeito à epidemiologia, apresentação clínica, fisiopatologia, métodos diagnósticos e manejo desta síndrome. Objetivo: Descrever a entidade clínica "Enxaqueca associada a Disfunção Auditivo-vestibular" no intuito de ajudar médicos otorrinolaringologistas e neurologistas no diagnóstico e no manejo clínico dessa doença. Comentários Finais: Uma forte associação existe entre sintomas otoneurológicos e enxaqueca, sendo a enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular a causa mais comum de vertigem episódica espontânea (não-posicional). Os sintomas podem variar bastante entre pacientes tornando um desafio diagnóstico para o otorrinolaringologista. Esta entidade geralmente se apresenta com ataques de vertigem espontâneos ou posicionais, durando de segundos a dias com sintomas de enxaqueca associados. Uma melhor elucidação da ligação entre os mecanismos vestibulares centrais e os mecanismos da enxaqueca em si, além da descoberta de defeitos em canais iônicos em algumas causas de enxaqueca, ataxia e vertigem, podem levar a um entendimento maior da fisiopatologia da enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular.
Abstract:
The association between hearing and balance disorders with migraine is known since the times of the ancient Greeks, when Aretaeus from Cappadocia in 131 B.C, made an accurate and detailed description of this occurrence during a migraine episode. We present a broad review of migraine neurotological manifestations, using the most recent publications associated with epidemiology, clinical presentation, pathophysiology, diagnostic methods and treatment for this syndrome. Aim: to describe the clinical entity: "Migraine associated with auditory-vestibular dysfunction" in order to help otorhinolaryngologists and neurologists in the diagnosis and management of such disorder. Final Remarks: There is a strong association between neurotological symptoms and migraine, and the auditory-vestibular dysfunction-associated migraine is the most common cause of spontaneous episodic vertigo (non-positional). Symptoms may vary broadly among patients, making it a diagnostic challenge to the otorhinolaryngologist. This entity usually presents with positional or spontaneous vertigo spells, lasting for seconds or days, associated with migraine symptoms. A better understanding of the relationship between central vestibular mechanisms and migraine mechanisms, besides the discovery of ionic channel disorders in some cases of migraine, ataxia and vertigo, may lead to a better understanding of migraine pathophysiology associated with audio-vestibular disorder.
INTRODUÇÃO
A associação de distúrbios da audição e equilíbrio com enxaqueca é reconhecida desde a Grécia antiga quando Aretaeus da Capadócia em 131 a.C., fez uma descrição precisa e com detalhes da ocorrência de ambos durante uma crise de enxaqueca.1 Em 1861, em seu artigo clássico, Prosper Ménière descreve a presença de sintomas da síndrome de Ménière (SM) em pacientes portadores de enxaqueca.2 Liveing, em 1873 voltou a relatar uma clara associação entre vertigem e enxaqueca, e desde então, relatada por vários autores: Gowers et al., 1907; Symonds et al., 1926; Graham et al., 1968; Kayan et al., 1984, definindo o conceito de que vertigem, déficit de audição e zumbido faziam parte dos sintomas apresentados por alguns pacientes portadores de enxaqueca.3-6
Bickerstaff, em 1961, introduziu o conceito de Síndrome da Enxaqueca Basilar caracterizada por cefaléia occipital com sinais ou sintomas de disfunção de pares cranianos e/ou tronco encefálico, como: distúrbios visuais, vertigem, ataxia, distúrbios da fala, zumbido e alterações sensoriais nas extremidades.7
Distúrbios no equilíbrio de vários tipos têm sido relatados durante a crise de cefaléia em portadores de enxaqueca, como vertigem rotacional, vertigem posicional, tontura, intolerância à movimentação cefálica, além de outras formas menos comuns.4,8-16
Pacientes com diagnóstico clássico de enxaqueca que apresentam ou apresentaram na infância ou na vida adulta quadros de cinetose parecem ser mais susceptíveis a desenvolver crises de enxaqueca4,16,-21.
Dentre os distúrbios auditivos relatados, a fonofobia (intolerância a ruídos intensos) e hiperacusia (sensibilidade anormal a ruídos) como descritas primeiramente por Tissot em 1778 (citado por Sachs et al., 1970), podem estar relacionadas ao estresse causado pela cefaléia.1
No entanto, atualmente, diversos otologistas e neurologistas têm se deparado com pacientes que apresentam quadro clínico de cefaléia, tipo enxaqueca com episódios de tontura, muitas vezes até mesmo vertigem, plenitude aural, sintomas auditivos e zumbido. Esses pacientes levaram a descrição de uma nova entidade clínica, que na língua inglesa possui diversas denominações, entre elas: migraine associated dizziness, migraine related dizziness, migraine related vertigo, migrainous vertigo, migraine-anxiety related dizziness e migraine associated cochleo-vestibular dysfunction.6,14,20,22-24
Na ausência de referências sobre o tema em língua portuguesa, os autores escolheram por denominar essa entidade de "Enxaqueca associada a Disfunção Auditivo-vestibular". Fato esse em virtude de que muitos pacientes apresentam quadro vestibular diverso do real conceito de vertigem, podendo variar desde uma sensação de desequilíbrio, instabilidade, vertigem e em alguns casos desordens cocleares como zumbido, disacusia flutuante e plenitude auricular.
A fisiopatologia da enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares ainda não foi totalmente esclarecida, mas suas manifestações clínicas ocorrem nas mais diversas formas.23 Normalmente esses pacientes apresentam sintomas que vão desde episódios de tontura ou quadros de vertigem aguda e constante desequilíbrio, perda auditiva neurossensorial, zumbido, plenitude aural e até disacusia flutuante. Vale lembrar que esses sintomas muitas vezes se confundem com os sintomas clássicos da Síndrome de Ménière (SM). Trata-se então, de uma síndrome que intermedeia outras duas síndromes: Enxaqueca com Aura e Síndrome de Ménière, sendo muitas vezes, o diagnóstico diferencial entre essas três entidades um verdadeiro desafio (Figura 1 e Quadro 1), requerendo muita experiência e conhecimento do profissional de saúde sobre os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos destas três entidades.22,25-27
Figura 1. Associação entre as Síndromes.
OBJETIVO
O objetivo do presente estudo é descrever a entidade clínica "Enxaqueca associada a Disfunção Auditivo-vestibular" no intuito de ajudar médicos otorrinolaringologistas e neurologistas no diagnóstico e no manejo clínico dessa síndrome.
Com base nesse objetivo os autores fizeram uma revisão sobre os sinais e sintomas, achados clínicos vestibulares para diagnóstico e tratamento desses pacientes com base em dados da literatura e na experiência clínica adquirida em um hospital terciário de referência para distúrbios otoneurológicos nos Estados Unidos.
Epidemiologia
Dados epidemiológicos reforçam a importância cada vez maior atribuída à enxaqueca associada à disfunção auditivo-vestibular nos últimos anos. Estudos recentes mostram que enxaqueca é uma das doenças com maior morbidade em todo o planeta acometendo cerca de 4-6,5% dos homens e 11,2-18,2% das mulheres tanto nos Estados Unidos como na Europa.26,28 Fazendo uma correlação entre Enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular e Síndrome de Ménière (SM), podemos verificar que a incidência da SM nos Estados Unidos é cerca de 5-15 indivíduos para cada 100.000, o que leva a uma incidência de 0,015%. Usando esses dados, podemos presumir que se 1% dos pacientes com enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular tivessem episódios de vertigem o suficiente para procurarem assistência médica, os médicos ainda diagnosticariam 15 vezes mais pacientes com esta entidade do que com SM.25 A literatura médica internacional não dá a relevância devida à entidade, o que sugere que essa patologia seja não diagnosticada em muitos casos. Um estudo desenvolvido por Lipton et al. em 2002 com uma amostra de 4.376 pacientes mostrou que a enxaqueca acomete indivíduos na faixa etária mais produtiva de suas vida entre os 30-39 anos (25,7%), 40-49 anos (24,4%) e 18-29 anos (22,3%), levando-nos a crer na importância do perfeito diagnóstico e conduta terapêutica dessa doença.28
Essa ligação se torna ainda mais evidente quando analisamos estudos epidemiológicos realizados com pacientes portadores de enxaqueca: 28 a 36% dos pacientes apresentam quadro de tontura associado e 25 a 26% apresentam quadro de vertigem.26 De forma similar 36% dos pacientes que se queixam de tontura podem ser enquadrados nos critérios clínicos de enxaqueca e 61% dos pacientes com vertigem de causa desconhecida também se enquadram nos critérios clínicos para enxaqueca.24 Em dois estudos tipo caso-controle com 10 pacientes, Furman et al. evidenciaram o fato de que tontura e vertigem ocorrem em 54% dos pacientes com enxaqueca e em apenas 30% dos pacientes com outros tipos de dores de cabeça, como a cefaléia tensional23,29, reforçando a hipótese de co-morbidade entre enxaqueca e distúrbios cócleo-vestibulares.
Aspectos Clínicos e Diagnósticos
Muitas pessoas e até mesmo vários profissionais de saúde ainda têm em mente aquela idéia de que enxaqueca é uma cefaléia unilateral, pulsátil, com distúrbios visuais e auditivos, geralmente associado a náuseas e vômitos. Não que esse conceito esteja errado, muito pelo contrário, ele continua sendo o aspecto mais conhecido da enxaqueca com aura, segundo os critérios adotados pela Sociedade Internacional de Cefaléia (International Headache Society [IHS]) e descritos em 1988.30 Porém, atualmente, médicos pesquisadores atribuem à enxaqueca um aspecto mais abrangente, como sendo uma alteração global de percepção sensorial desenvolvida pelo indivíduo. Podendo ser incluído qualquer sintoma relacionado com déficit de percepções sensoriais, como distúrbios auditivos, olfativos, visuais, táteis, gustativos e posturais.6,23,28
Diferenciando enxaqueca com aura da enxaqueca com disfunção auditivo-vestibular
A primeira diferença que deve ser avaliada para diferenciar um quadro clínico de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular de uma enxaqueca com aura clássica é quanto à duração da cefaléia. Nos quadros de enxaqueca clássica os sintomas podem durar de poucos segundos até 60 minutos, enquanto que nos casos de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular, os sintomas geralmente persistem por horas, dias e até mesmo semanas. Pacientes adultos que apresentam quadro clínico de enxaqueca associado a disfunção vestibular geralmente relatam vertigem espontânea ou de posição, às vezes iniciando com um quadro de vertigem espontânea e posteriormente se transformando em posicional.6 Um dado importante é que essa vertigem de posição difere da vertigem observada nos quadros de vertigem postural paroxística benigna (VPPB) quanto à duração. Normalmente pacientes com enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular descrevem sensação vertiginosa por todo o tempo em que a cabeça permanecer na devida posição-gatilho, ao contrário dos quadros de VPPB onde a vertigem tem duração apenas de alguns segundos. Intolerância a movimentos é outro aspecto bem característico de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular muito similar com os aspectos clínicos da cinetose (sensação de desequilíbrio, ilusão de movimento e náusea agravada por movimentação cefálica).31 Vertigem visual induzida por telas de cinema, iluminação como a de lojas e shoppings centers e telas de computadores também são muito características nos quadros de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular.
Quanto à duração dos ataques de vertigem, esses podem variar bastante, indo de minutos até 2 horas (46,4%), várias horas ou semanas (30,4%).22 Lembrando que alguns indivíduos muitas vezes levam semanas a meses para se recuperar totalmente de um ataque vertiginoso. Esses ataques podem ocorrer com uma freqüência de dias, semanas, meses ou até mesmo anos de intervalo. No entanto, quando os achados clínicos tem duração entre 5 e 60 minutos, a diferenciação entre enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular e um quadro de enxaqueca com aura pode ser mais complicado.
A arma mais importante do médico para fechar o diagnóstico de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular continua sendo uma boa história clinica. Em 2001, baseado nos critérios estabelecidos para o diagnóstico de enxaqueca da Sociedade Internacional de Cefaléia (IHS), Neuhauser et al. 2001, publicou em seu clássico artigo científico os critérios clínicos adotados para o diagnóstico desta entidade.32 Nesse trabalho, que talvez até hoje, seja o que mais contribuiu para a padronização diagnóstica dessa entidade clínica, os autores definiram critérios diagnósticos de Enxaqueca associado à vestibulopatia para estas duas formas: definida e provável. O método utilizado por esses autores foi avaliar pacientes de três grupos distintos, o primeiro com pacientes presentes ao ambulatório de distúrbios vestibulares (n=200), o segundo grupo era composto de pacientes com quadro de enxaqueca (n=200), segundo os critérios da IHS e o terceiro grupo eram pacientes da clínica ortopédica do mesmo hospital que apresentavam as mesmas faixas etárias dos pacientes do grupo 1 (grupo controle / n=200). Depois de avaliar esses grupos, os autores propuseram os seguintes critérios para classificar a enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular (Veja Quadro 2).
Esses critérios são adotados pela maioria dos autores e serviços internacionais na tentativa de padronização do diagnóstico da enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular.14-16,21-23,26,33,35 Mais recentemente, Marcus et al. (2003) desenvolveram um questionário baseado nos critérios estabelecidos por Neuhauser, para servir como uma ferramenta de triagem para pacientes com quadros de alterações vestibulares, onde o diagnóstico de enxaqueca associada à vestibulopatia é cogitado.33
Vários autores já tentaram realizar estudos de avaliação vestibular e auditiva em pacientes com diagnóstico de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular, buscando estabelecer um padrão de achados vestibulares que ajudasse o diagnóstico clínico dessa entidade, ou mesmo na tentativa de utilizar testes de função vestibular para diferenciar enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular de estágios iniciais de SM.16,20,22,23,36,37,38
Diferenciando Enxaqueca associada a Disfunção Auditivo-vestibular da Síndrome de Ménière
Battista, em 2002, realizou uma análise audiométrica dos achados audiométricos em 76 pacientes com enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular e 34 pacientes com diagnóstico de Síndrome de Ménière. Como resultado observou que apesar de haver algumas descrições na literatura descrevendo alterações auditivas nos pacientes com enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular, a maioria deles apresentam níveis auditivos normais, enquanto que nos pacientes com Síndrome de Ménière isso não é observado (considerando que a flutuação auditiva faz parte do quadro clínico típico da Síndrome de Ménière).22
Outro estudo feito por Furman et al., com pacientes com enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular realizando uma bateria de testes vestibulares e encontrou uma alteração nas provas de avaliação da função vestíbulo-espinhal utilizando posturografia. Os pacientes com enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular mostraram um aumento de balanço quando comparado com os dois grupos controle, principalmente no Sensory Organization Test 4,5 e 6 (Equitest®), enquanto que os mesmos pacientes apresentaram movimentos óculo-motores e respostas calóricas normais durante os intervalos entre os quadros vertiginosos23,29, enquanto que alterações na prova da cadeira rotatória mostraram-se mais freqüentes do que achados anormais na eletronistagmografia (ENG).20,37
Já Dimitri et al. realizou uma análise de multivariáveis na tentativa de determinar uma diferença entre enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular e SM utilizando testes vestibulares. Concluiu que uma resposta vestibular reduzida durante a prova calórica e alterações na prova da cadeira rotatória foram significativas em 91% dos casos para fazer essa diferença entre enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular e SM.38 Em resumo, não parece haver um padrão típico nos testes vestibulares para determinar o diagnóstico de enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular, reforçando assim, cada vez mais, a importância de uma boa história clínica. Testes vestibulares como ENG, cadeira rotatória, eletrococleografia (ECoG) e potenciais evocados miogênicos vestibulares (VEMP) podem contribuir ou reforçar uma hipótese diagnóstica já estabelecida com a anamnese. Já para a diferenciação entre enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular e SM, perda auditiva progressiva, continua sendo o melhor método de diferenciação entre essas duas desordens.
Tratamento
Estabelecido o diagnóstico de enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular, inicia-se o aconselhamento terapêutico desse paciente. De forma geral os pacientes que apresentam esta entidade respondem de maneira positiva aos tratamentos já estabelecidos para enxaqueca.21,39,40 O primeiro passo para alcançar o controle dos sintomas é convencer os pacientes a ingressarem no chamado "migraine lifestyle", que é caracterizado por mudanças nos hábitos de vida do paciente, focando principalmente alterações dietéticas, exercícios físicos e sono regular. Dentre as mudanças dietéticas podemos citar: redução ou eliminação do aspartame, chocolate, cafeína e álcool.40 A prática de exercícios físicos, diminuição do nível de estresse e melhora nos padrões de sono também são fundamentais.39 No caso dessas medidas comportamentais não funcionarem, o médico pode recorrer a medicações para o controle dos episódios vertiginosos. Nessa situação, dispomos de medicações ditas como supressores da enxaqueca (benzodiazepínicos, beta bloqueadores, antidepressivos tricíclicos, etc.) e os abortivos (principalmente os sumatriptanos). As medicações abortivas correspondem a uma excelente classe, com efeitos benéficos no tratamento da enxaqueca, mas quando se trata de enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares eles muitas vezes não são empregados pelo fato das crises vertiginosas ocorrerem frequentemente como aura da cefaléia.13 Sendo assim, as drogas supressoras da enxaqueca são mais utilizadas na prática otoneurológica.
Talvez o dado de maior relevância no tratamento da enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares foi publicado em 2002, num estudo retrospectivo que mostrou que mais de 72% dos pacientes apresentam melhora ou remissão completa dos sintomas após a introdução do tratamento "passo-a-passo".21 Esse tratamento consiste inicialmente na introdução de alterações dietéticas e posterior início do uso de drogas supressoras de enxaqueca, como antidepressivos tricíclicos em baixa dose, bloqueadores de canais de cálcio e os beta-bloqueadores.
A eficácia dessas medicações usadas no tratamento da enxaqueca associada a disfunção auditivo-vestibular está diretamente relacionada com a capacidade dessa droga em combater ou abortar as cefaléias.13 Na verdade, ainda não estão disponíveis na literatura médica estudos clínicos prospectivos, randomizados, duplo-cego e placebo controlados que comparem a eficácia de diferentes drogas no tratamento exclusivo da enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares, por isso cada médico otoneurologista utiliza a sua própria experiência no manejo dessa síndrome.
Os autores reforçam a idéia de que para manejar de forma correta a enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares, o médico tem que estar ciente dos efeitos adversos e reações de algumas medicações que normalmente não fazem parte do arsenal típico utilizado pelo otorrinolaringologista no seu dia-a-dia. Por isso é recomendável iniciar sempre com a menor e mais leve abordagem farmacológica necessária.
O primeiro passo do tratamento será a recomendação de iniciar todas as medidas comportamentais, incluindo dieta, hábitos regulares de sono, diminuição do nível de estresse e atividade física regular por um período de pelo menos um mês. Caso após esse período o paciente continue apresentando episódios regulares de enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares, será introduzida a terapia medicamentosa. A droga de preferência dos autores são os antidepressivos tricíclicos, em especial a nortriptilina, numa dose de 10mg/dia antes de dormir, tentando assim minimizar os principais efeitos adversos da droga que são sonolência e xerostomia. Esse paciente deve manter essa dosagem por pelo menos duas semanas, sendo posteriormente necessário um aumento da dose caso o mesmo continue tendo crises de enxaqueca. A maior parte dos pacientes obtém benefícios, sem apresentar efeitos colaterais com uma dosagem entre 30 e 70mg/dia.
A segunda droga de preferência dos autores são os beta-bloqueadores, tendo como principal representante o Propanolol. Inicialmente é utilizado na dosagem de 40mg/dia, sendo que na maioria dos pacientes a dose final é em torno de 80mg/dia. É importante reforçar que a maioria dos pacientes com diagnóstico de enxaqueca associada a sintomas auditivo-vestibulares são mulheres jovens, e vale lembrar que essas pacientes, em sua maioria, já apresentam uma tendência à hipotensão, tornando o uso de beta-bloqueadores um risco a mais. Em suma, o que deve ficar claro é que cada paciente deve ter uma abordagem diferenciada, levando em consideração dados como idade, sexo, co-morbidades, etc. tendo em vista a necessidade de utilização da menor dosagem capaz de controlar a doença, sem causar efeitos adversos significantes.
Um estudo publicado por Reploeg et al., em 2002, mostrou que 100% dos pacientes que apresentam enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular relatam alguma melhora dos sintomas de vertigem e desequilíbrio após a introdução de alguma terapia dessas propostas.21 Outro estudo realizado com 53 pacientes portadores de enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular mostrou que a eficácia das medicações para controle dos sintomas vestibulares eram diretamente proporcionais com a capacidade de alívio da cefaléia.13 Um tópico muito discutido ultimamente no tratamento desta entidade é a real importância da terapia de reabilitação vestibular nesses pacientes. Diversos autores publicaram nos últimos anos trabalhos mostrando benefícios da terapia de reabilitação vestibular em pacientes com enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular.34,39,41,42.
COMENTÁRIO FINAL
Enxaqueca associada a disfunção cócleo-vestibular é uma entidade que nos últimos anos esta sendo muito estudada por otoneurologistas do mundo inteiro em virtude de suas características clínicas muito similares à diversas outra doenças otoneurológicas, principalmente a síndrome de Ménière.
Por tratar-se de síndrome recentemente descrita, a maioria dos otorrinolaringologistas ainda não está habituada ao seu diagnóstico, devendo este fazer parte do diagnóstico diferencial das vertigens e ser também lembrado durante manejo de pacientes portadores de enxaqueca.
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1 Médico Otorrinolaringologista, Pesquisador do Departamento de Otologia da Massachussets Eye & Ear Infirmary.
2 Médico Otorrinolaringologista Aluno de Pós-Graduação, Doutorado, da FM da UnB, Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário de Brasília Pesquisador do Departamento de Otologia da Massachussets Eye & Ear Infirmary.
Endereço para correspondência: Renato Cal - 243 Charles Street 4th Floor Room 468 Boston MA USA Zip Code 02114.
O autor é financiado pelo CNPQ - MEC (Bolsa de Doutorado) - Fayez Bahmad Jr.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 29/8/2006 e aprovado em 5/11/2006 20:54:58.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 29 de agosto de 2006. cod. 3363.
Artigo aceito em 5 de novembro de 2006.