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Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 4  - Julho - Agosto - (15º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 579 a 582

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Achados clínicos e polissonográficos em pacientes com obesidade classe III

Clinical and polysomnographic findings in class III obese patients

Autor(es): Rodrigo de Paiva Tangerina1, Fernanda Louise Martinho2, Sonia Maria Togeiro3, Luiz Carlos Gregório4, Sergio Tufik5, Lia Rita Bittencourt6

Palavras-chave: apnéia do sono tipo obstrutiva, exame físico, obesidade mórbida, polissonografia.

Keywords: morbid, obstructive, obesity, sleep apnea.

Resumo:
A Síndrome da apnéia/hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS) apresenta estreita correlação com a obesidade, porém não está estabelecida uma relação linear de gravidade principalmente em relação aos extremos como na obesidade mórbida. Objetivo: Avaliar os achados clínicos e polissonográficos em pacientes com obesidade classe III e correlacionar esses achados com a presença da SAHOS. Materiais e Métodos: Foram selecionados consecutivamente 45 pacientes com índice de massa corpórea superior a 40Kg/m2. Todos foram submetidos a anamnese, exame físico antropométrico e polissonografia. Os achados foram comparados entre os pacientes com e sem SAHOS. Resultados: 68,9% dos pacientes eram do sexo feminino e 31,1% do masculino. A idade média foi de 46,5 DP 10,8 anos, a média do IMC foi 49 DP 7Kg/m2 e a média da circunferência cervical foi 43,4 DP 5,1cm. Todos os pacientes eram roncadores habituais e 48,9% tinham queixa de hipersonolência diurna. Os achados polissonográficos mostraram que 77,8% apresentaram índice de apnéia/hipopnéia superior a cinco. Apresentaram correlação com a presença da SAHOS: idade mais jovem (p=0,02) e maior circunferência cervical (p=0,004). Conclusão: A prevalência de SAHOS foi elevada, ressaltando a importância da sua investigação em pacientes referenciados para cirurgia bariátrica. O principal marcador da SAHOS foi a circunferência cervical.

Abstract:
The Obstructive Sleep Apnea/Hipopnea Syndrome (OSAHS) is closely related to obesity; a linear relation, however, has not been established, particularly in morbid obesity patients. Aim: To evaluate clinical and polysomnographic findings in a group of class III obese patients, and to relate these findings with the presence or absence of OSAHS. Material and Method: Forty five patients with body mass indexex (BMI) over 40Kg/m2 were selected consecutively. A clinical history, the anthropometric examination and polysomnography were undertaken in all patients. The results of a study group and a control group (with no OSAHS) were compared. Results: The sample consisted of 68.9% female and 31.1% male patients. The average age was 46.5 years (SD - 10.8 years); the average BMI was 49 (SD - 7 Kg/m2) and the average neck circumference was 43.4 cm (SD - 5.1 cm). All subjects were habitual snorers and 48.9% had daytime drowsiness. Polysomnography showed that 77.8% had an apnea/hipopnea index over 5. The findings associated with OSAHS were: younger age (p=0,02) and an increased neck circumference (p=0.004). Conclusion: The prevalence of OSAHS was very high, which emphasizes the importance of investigating this syndrome in patients sent for bariatric surgery. The neck circumference was the best OSAHS marked in this group of patients.

INTRODUÇÃO

A definição atual da Síndrome da Apnéia e Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) segue a classificação da Academia Americana de Medicina do Sono (AAMS) publicada em 20051, mas desde os primeiros trabalhos publicados acerca dessa síndrome a SAHOS sempre esteve relacionada à presença da obesidade2,3. Sabe-se que a SAHOS é, portanto, mais prevalente em indivíduos obesos e de meia idade, acometendo cerca de 4% dos homens e 2% das mulheres na população geral4. AAMS em uma força tarefa de 1999 classificou a SAHOS em graus baseando-se em características clínicas e polissonográficas5. O critério polissonográfico utilizado foi o índice de apnéia/hipopnéia (IAH), que corresponde ao número de apnéias e hipopnéias por cada hora de sono. A SAHOS é então classificada como leve quando o IAH encontra-se entre 5 e 15, o quadro é dito moderado quando o índice apresenta-se entre 15 e 30, e acentuado quando esse índice é maior que 30. A SAHOS é ainda relacionada com diversas co-morbidades, como hipertensão arterial sistêmica, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, acidentes de trânsito entre outros, o que elevaram a SAHOS ao status de problema de saúde pública6-9. A obesidade, por sua vez vem tomando proporções de pandemia10. A OMS classifica a obesidade baseada no índice de massa corpórea (IMC) que corresponde ao peso, em quilogramas, dividido pelo quadrado da altura, em metros.. O indivíduo é considerado eutrófico quando este índice situa-se entre 18,5 e 24,9 Kg/m². Quando o IMC encontra-se entre 25 e 29,9 caracteriza-se o estado de pré-obesidade ou sobrepeso. Quando o IMC está entre 30 e 34,9 temos a obesidade classe I. No caso do índice situar-se entre 35 e 39,9 temos a obesidade classe II e quando o IMC for de 40 ou mais o paciente é caracterizado como portador de obesidade classe III, anteriormente chamada obesidade mórbida11. Sabe-se que a obesidade classe III apresenta risco muito elevado para co-morbidades11 e o quadro adquire ainda mais importância ao observarmos que as co-morbidades associadas à SAHOS e à Obesidade são muitas vezes as mesmas12. O objetivo deste trabalho é descrever as características clínicas e polissonográficas de um grupo de pacientes portadores de obesidade classe III.


MATERIAL E MÉTODO

Foram avaliados 45 pacientes consecutivos, respeitando-se os critérios de inclusão e exclusão, provenientes do ambulatório de obesidade da Disciplina de Gastrocirurgia, os quais foram referidos para cirurgia bariátrica durante o período de junho de 2005 a janeiro de 2006. Os critérios de inclusão foram: indivíduos adultos entre 18 e 75 anos, ambos os sexos e IMC maior ou igual a 40 Kg/m². Os critérios de exclusão foram: ter realizado cirurgia ou tratamento clínico prévio para ronco ou SAHOS, variação de mais de 10% do peso corporal, seja por ganho ou perda, entre a data da polissonografia e a data do exame físico e utilização de medicamentos sedativos ou estimulantes. Os pacientes foram submetidos à anamnese dirigida, foram aferidas medidas antropométricas a saber: altura, peso e circunferência cervical e realizada polissonografia basal em laboratório especializado. Foi realizada análise descritiva dessa população e análise comparativa entre os pacientes com e sem SAHOS (teste t student e X²). Esse trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o número 1223/05.


RESULTADOS

Foram estudados 45 pacientes, sendo 14 homens (31,1%) e 31 mulheres (68,9%). A idade variou de 22 a 74 anos com média de 46,5 ±10,8 anos. O IMC variou de 40 a 71 kg/m² com média de 49 ±7 kg/m². O IAH no grupo todo variou de zero a 109,6 eventos por hora com média geral de 30,8 ±31,9 eventos por hora de sono. A circunferência cervical variou de 33 a 58cm com média de 43,4 ±5,1cm. Todos os pacientes eram roncadores habituais e 48,9% tinham queixa de hipersonolência diurna.

Dez sujeitos apresentaram IAH abaixo de cinco eventos por hora (22,2%) e 35 indivíduos apresentaram IAH maior que cinco eventos por hora (77,8%). O grupo de indivíduos com IAH menor que cinco, ou seja, o grupo de não-apnéicos constituiu-se apenas por mulheres enquanto que o grupo com IAH maior que cinco apresentou 14 homens (40%) e 21 mulheres (60%). Considerando-se apenas o grupo de não-apnéicos observou-se que a idade variou de 44 a 74 anos, com média de 53,1 ±9,1 anos. O IMC variou de 41,9 a 57,7 Kg/m² com média de 47,8 ±6 Kg/m². O IAH variou de zero a cinco eventos por hora com média geral de 2,96 ±1,6 eventos por hora de sono. A circunferência cervical variou de 37 a 42cm com média de 39,5 ±2cm. Considerando-se apenas o grupo de apnéicos foi observado que a idade variou de 22 a 61 anos, com média de 44,6±10,6 anos. O IMC variou de 40 a 71 Kg/m² com média de 49,8±6,9 Kg/m². O IAH variou de 6,5 a 109,6 eventos por hora com média geral de 38,7±32 eventos por hora de sono. Destes pacientes, 34,3% apresentaram apnéia considerada leve, ou seja, IAH entre cinco e quinze, 25,7% moderada, com IAH entre quinze e trinta e 40% evidenciaram apnéia severa com IAH superior a 30 eventos por hora de sono. A circunferência cervical variou de 33 a 58cm com média de 44,6±5,2cm. A comparação entre as características clínicas dos dois grupos encontra-se na Tabela 1 e a comparação entre as características polissonográficas na Tabela 2.







Comparando-se o grupo com apnéia e o sem apnéia foi observado que as características relacionadas à presença da SAHOS foram: idade mais jovem (p=0,02) e maior circunferência cervical (p=0,004). Não houve proporção estatisticamente significante entre os maiores IMC e maior gravidade da SAHOS.


DISCUSSÃO

Dos 45 indivíduos estudados observou-se que a SAHOS estava presente em 77,8% dos casos, o que evidencia a prevalência extremamente elevada de SAHOS em indivíduos obesos classe III, uma vez que na população geral a prevalência da Síndrome situa-se entre 2 a 4%4. A prevalência da SAHOS observada nesse estudo condiz com a relatada na literatura13. Ao analisarmos o grupo de pacientes com SAHOS, que correspondeu a 35 indivíduos, observamos que 40% eram homens e 60% mulheres. Esta proporção é diferente da classicamente descrita para a SAHOS que mostra um índice de dois para um em favor do gênero masculino4. Esta discrepância pode ser explicada pelo fato de nossa amostra ser proveniente de um ambulatório de cirurgia do aparelho digestivo que visa à realização de cirurgia bariátrica e é sabido que a proporção de mulheres que busca esse tipo de tratamento é superior à de homens chegando a corresponder a mais de 70% dos pacientes submetidos esse tipo de cirurgia14.

A idade média do grupo de indivíduos não-apnéicos foi de 53,1±9,1 anos e a do grupo de sujeitos apnéicos foi de 44,6±10,2. Considerando o teste estatístico observamos que houve diferença significante entre as idades. Curiosamente, o grupo dos apnéicos apresentou idade menor que o grupo dos não-apnéicos, e uma vez que a flacidez da musculatura e dos tecidos da faringe que ocorre naturalmente com o envelhecimento estaria relacionada à fisiopatologia da SAHOS, esperaríamos que o grupo de não-apnéicos fosse o que apresentasse idade menor. No entanto, podemos verificar que os dois grupos encontram-se na faixa etária de maior prevalência da SAHOS4, o que nos faz crer que a diferença de idade observada, uma vez que ambas correspondem a indivíduos adultos de meia idade, seja menos importante que as outras características estudadas nesse grupo de pacientes obesos classe III. Entretanto, apesar de não haver dúvidas sobre a relação entre obesidade e SAHOS, não observamos uma correlação direta entre os maiores índices de massa corpórea e os maiores índices de apnéia e hipopnéia, o que parece indicar que a partir de certo ponto o incremento no IMC não tem o mesmo impacto na SAHOS como em indivíduos eutróficos ou obesos classe I, por exemplo.

A queixa de ronco esteve presente em todos os pacientes da amostra, o que nos mostra que a simples presença de ronco não deve ser usada como um indicador da presença de SAHOS neste grupo de pacientes. A hipersonolência diurna foi referida por apenas 48,9% dos indivíduos, enquanto que a SAHOS foi detectada em 77,8% dos casos, indicando que esta queixa isoladamente também não é um bom indicador da SAHOS, uma vez que provavelmente subestimará o diagnóstico.

A análise da polissonografia demonstra que o elevado IAH dos pacientes com SAHOS tem impacto principalmente na saturação da oxi-hemoglobina, como pode ser observado pelo fato da saturação mínima da oxi-hemoglobina ter sido significantemente menor nos pacientes apnéicos. O mesmo impacto, entretanto, não foi observado na arquitetura do sono desses pacientes, uma vez que não houve diferença estatisticamente significante na eficiência de sono e nem na distribuição dos estágios.

A média da circunferência cervical no grupo de não-apnéicos foi de 39,5±2cm enquanto que a do grupo de apnéicos foi de 44,6±5,2cm. Esta diferença mostrou-se estatisticamente significante com valor de p de 0,004. Em nossa análise, a circunferência cervical também se mostrou relacionada tanto à presença quanto à gravidade da SAHOS. A circunferência cervical tem sido relatada na literatura como um dos melhores preditores da SAHOS inclusive, de maneira independente de outras variáveis15,16.


CONCLUSÃO

A prevalência de SAHOS neste grupo de pacientes com obesidade classe III foi elevada, confirmando a correlação existente entre a obesidade e a SAHOS, e ressaltando a importância da investigação desse distúrbio em pacientes que são referenciados para a realização de cirurgia bariátrica. O principal marcador da presença de SAHOS neste grupo de pacientes foi a circunferência cervical.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Pós-graduando.
2 Mestre, pós-graduando.
3 Doutor, Docente do Departamento de Psicobiologia UNIFESP-EPM.
4 Doutor, Docente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço UNIFESP-EPM.
5 Livre-Docente, Professor Titular do Departamento de Psicobiologia UNIFESP-EPM.
6 Doutor, Docente do Departamento de Psicobiologia UNIFESP-EPM. Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço UNIFESP-EPM e Departamento de Psicobiologia UNIFESP-EPM.
Endereço para correspondência: Rodrigo de Paiva Tangerina - Rua dos Otonis 700 Piso superior Vila Clementino São Paulo SP Brasil 04025-002. Telefone: (00xx11) 5575-2552 - E-mail: rptangerina@yahoo.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 5 de abril de 2007. cod. 4408
Artigo aceito em 10 de junho de 2007.

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