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Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 4  - Julho - Agosto - (14º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 571 a 578

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Atendimento otorrinolaringológico do Sistema Único de Saúde de crianças e adolescentes em três municípios brasileiros

ENT care of children and adolescents in the Brazilian public healthy system in three different municipalities

Autor(es): Cheng T-Ping1, Luc Louis Maurice Weckx2

Palavras-chave: adolescentes, crianças, diagnóstico, otorrinolaringologia, tratamento.

Keywords: adolescents, children, diagnosis, otorhinolaringology, treatment.

Resumo:
A criação de um banco de dados sobre as demandas otorrinolaringológicas no SUS poderá fornecer informações para organizar estratégias de saúde e criar ou otimizar recursos do governo ou privados. Objetivo: Determinar em pacientes até 17 anos de idade: 1) As principais doenças otorrinolaringológicas diagnosticadas; 2) Exames complementares mais solicitados; 3) Medicamentos mais prescritos; 4) Procedimentos ambulatoriais realizados e as indicações cirúrgicas; 5) Estado empregatício dos pais e o número de irmãos dependentes; 6) Comparar e analisar estatisticamente os dados nos locais estudados. Material e Método: Estudo prospectivo e análise estatística das variáveis obtidas nas primeiras-consultas na Policlínica de Mariana, na sede Consórcio Intermunicipal de Saúde da Microrregião de Sete Lagoas e na Triagem da Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM. Resultados: Há diferenças estatisticamente significativas quanto às variáveis idade, média salarial dos pais empregados, número de irmãos até 17 anos, rinite, doenças otológicas, exames solicitados, prescrições e indicações de cirurgias micro-otológicas. Conclusões: O diagnóstico mais encontrado foi respiração oral. O exame complementar e a cirurgia mais indicados foram a radiografia de cavum e a adenoamigdalectomia. O nível de desemprego, a baixa média salarial e o número de dependentes na família dificultam tratamentos que não estejam disponíveis na rede pública de saúde.

Abstract:
The data base of ENT care in the Brazilian public health system (Sistema Unico de Saude - SUS) will help organize public health programs. Aim: The following items were investigated in patients aged up to 17 years attended in public health system outpatient units in the city of Mariana, in the ENT screening unit, UNIFESP-EPM, and in CISMISEL: 1) The main otorhinolaryngological diagnoses; 2) The most frequently required exams, drugs, and surgical procedures and their indications; 3) The jobs of parents; the number of siblings; and 4) A statistical analysis and comparison of data in each location. Material and Method: We undertook a prospective study and a statistical analysis of variables that were gathered during the first visit. Results: The age, the parents' salary, the number of siblings aged below 18 years, the presence of rhinitis, ears diseases, the exams, drugs and otological surgeries that were indicated were all statistically significant. Conclusion: The most common diagnosis was mouth breathing. The most common surgery was adenotonsillectomy. The most frequently requested exam was a lateral cranial radiograph. The number of unemployed parents, their poor salaries, and the number of siblings make if difficult for these patients to be treated in any facility other than the public heath system.

INTRODUÇÃO

Os dados sobre o atendimento otorrinolaringológico do Sistema Único de Saúde (SUS) são escassos. A ausência de informações, como as principais doenças encontradas na especialidade, os exames complementares necessários, os tratamentos clínicos e cirúrgicos e as condições salariais dos pais, dificultam o planejamento de políticas de saúde preventivas e curativas. A criação de um sistema de informações sobre a saúde está prevista no artigo (Art.) 190-XV da Constituição Estadual de Minas Gerais (MG)1 e os planejamentos de ações de saúde baseados nas avaliações epidemiológicas estão nos artigos (Arts.) 5 e 6 da Lei Federal 8.0802-4. A situação dos pacientes atendidos pela Otorrinolaringologia do SUS em algumas localidades sugere que ainda há muito que ser feito para que as leis sejam cumpridas na forma como são determinadas.

A idade limite de 17 anos foi escolhida porque em vários aspectos estes pacientes ainda são dependentes dos pais ou responsáveis, ou seja, não têm juridicamente autonomia plena para resolver as diversas situações do dia-a-dia. Se as condições salariais dos pais forem ruins ou se estes estiverem desempregados, será difícil a realização de exames complementares ou adquirir medicamentos (corticóides, anti-histamínicos e antibióticos) que não estejam disponíveis gratuitamente na rede pública de saúde.

O atraso da definição do diagnóstico e tratamento de doenças comuns da otorrinolaringologia como as otites, rinossinusites e respiradores orais, entre outras, podem predispor quadros crônicos, complicações e seqüelas que eventualmente necessitarão de tratamentos mais complexos e onerosos5-9.

A criação de um banco de dados sobre o atendimento otorrinolaringológico do SUS poderá fornecer informações que servirão à rede de saúde pública, aos órgãos governamentais e não-governamentais, à classe médica e à sociedade, para conhecer as prioridades na Otorrinolaringologia, como as doenças mais freqüentes, os exames complementares mais solicitados, os medicamentos mais utilizados e as cirurgias mais indicadas. Com estas informações torna-se possível organizar estratégias de saúde coletiva, otimizar os recursos financeiros existentes e justificar a criação de novas fontes de verbas junto ao governo ou à iniciativa privada.


OBJETIVO

Determinar em pacientes até 17 anos de idade:

1) Quais as principais doenças otorrinolaringológicas diagnosticadas;

2) Os exames complementares mais solicitados;

3) Os medicamentos mais prescritos;

4) Os procedimentos ambulatoriais realizados e as indicações cirúrgicas;

5) O estado empregatício dos pais e o número de irmãos dependentes;

6) Comparar e analisar estatisticamente os dados encontrados nos três municípios estudados.


MÉTODO

Foram incluídos somente os dados obtidos na primeira consulta de pacientes até 17 anos de idade acompanhados dos pais ou responsáveis, de forma prospectiva, que procuraram o atendimento otorrinolaringológico do SUS, na Policlínica de Mariana, na sede do CISMISEL (Consórcio Intermunicipal de Saúde da Microrregião de Sete Lagoas) e no serviço de Triagem da Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Escola paulista de Medicina (EPM). Todos os atendimentos foram realizados pelo mesmo pesquisador.

A idade do paciente, a queixa, os exames complementares solicitados, o diagnóstico, os medicamentos prescritos, as indicações cirúrgicas, o número de irmãos menores de 17 anos e a situação empregatícia dos pais fazem parte dos prontuários e não foi necessário fazer um protocolo específico. O estudo realizado foi observacional, prospectivo e transversal. As variáveis categóricas foram estudadas através do Coeficiente V de Cramèr e as variáveis numéricas através do modelo de Análise de Variância com um valor fixo.

Os pacientes foram avisados da pesquisa e atendidos independentemente de participar, recebendo tratamento e acompanhamento conforme as necessidades clínicas. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIFESP - EPM analisou e aprovou o projeto, processo 0056/03.

O município de Mariana fica em Minas Gerais (MG) e sua população estimada no Censo de 2000 foi de 46710 habitantes. A Policlínica de Mariana é uma unidade de atendimento ambulatorial municipal ligada ao SUS. O atendimento otorrinolaringológico constitui-se de consultas eletivas e urgências encaminhadas pela rede municipal. Os exames complementares disponíveis na Policlínica são as radiografias, alguns exames bioquímicos e hematológicos. Os exames complementares específicos da Otorrinolaringologia são realizados em clínicas privadas em Mariana, Ouro Preto ou Belo Horizonte e são pagos pelo paciente ou pela prefeitura. Podem estar disponíveis para distribuição analgésicos (dipirona, paracetamol), antiinflamatórios (diclofenaco), corticóides orais (prednisona), antibióticos (amoxicilina, ampicilina, cefalexina, sulfametoxazol-trimetroprim, eritromicina), antiácidos (ranitidina, cimetidina) e antivertiginosos (cinarizina). Os medicamentos não disponíveis são adquiridos pelo paciente ou com a ajuda da prefeitura. Os casos cirúrgicos são encaminhados para Belo Horizonte.

A Triagem da Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM recebe pacientes encaminhados pelas especialidades médicas do Hospital São Paulo, da UNIFESP-EPM e dos centros de saúde pertencentes ao Núcleo Regional de Saúde 5 (NRS-5). O NRS-5 abrange 21 distritos e corresponde a uma população estimada de 2.414.868 habitantes em 1999 pelo Sistema de Regulamentação Metropolitano (SRM) da Secretaria de Estado da Saúde. Os exames complementares otorrinolaringológicos estão disponíveis pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Os medicamentos prescritos não estão disponíveis gratuitamente. Os casos cirúrgicos e os de maior complexidade são encaminhados para as respectivas disciplinas do Departamento de Otorrinolaringologia.

A sigla "CISMISEL" refere-se ao Consórcio Intermunicipal de Saúde da Microrregião de Sete Lagoas, que envolve os municípios de Araçaí, Cachoeira da Prata, Caetanópolis, Cordisburgo, Fortuna de Minas, Inhaúma, Jequitibá, Paraopeba, Santana do Pirapama e Sete Lagoas em MG, abrangendo uma população total de 249.161 habitantes (Censo do IBGE 2000). À exceção de Sete Lagoas que tem otorrinolaringologista disponível na rede municipal, os demais municípios não dispõem localmente desta especialidade. Os municípios têm uma cota mensal de consultas proporcional ao valor mensal de contribuição. Os exames complementares solicitados pela Otorrinolaringologia na CISMISEL são encaminhados para o município de origem, que tenta resolver localmente a solicitação e se não for possível, encaminhará para Sete Lagoas ou Belo Horizonte. Os medicamentos são adquiridos com a ajuda do município de origem ou por recursos próprios. Exceto Sete Lagoas que realiza alguns procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos, os demais municípios não realizam localmente cirurgias e encaminham os casos para Belo Horizonte.


RESULTADOS

Na Policlínica de Mariana foram coletados dados de 435 primeiras-consultas, na Triagem ORL UNIFESP-EPM dados de 410 primeiras consultas e no CISMISEL dados de 316 primeiras consultas. A amostra total foi de 1161 pacientes, sendo 645 pacientes do gênero masculino e 516, feminino. Considerando o Coeficiente V de Cramèr, e o nível de significância de 5%, não houve diferença estatisticamente significativa em relação à variável sexo entre os locais estudados. A média de idade foi de 7,7 anos na Policlínica, 5,9 anos na Triagem e 8,2 anos na CISMISEL. Considerando-se o nível de significância de 5%, a variável idade comporta-se de forma semelhante na Policlínica e no CISMISEL e ambas são diferentes da Triagem, onde a média de idade foi menor.

Dos 1161 pacientes da amostra (Tabela 1), 554 são respiradores orais (47,7%), sendo este o diagnóstico, independente da causa etiológica, o mais encontrado no geral e também isoladamente nos três locais de pesquisa. A rinite foi diagnosticada em 340 pacientes (29,9%) e a hipertrofia adenoideana e/ou amigdaliana em 215 pacientes (18,5%).




Dos 435 pacientes atendidos na Policlínica de Mariana, a respiração oral foi identificada em 184 pacientes (42,3%). Destes, a rinite inespecífica foi encontrada em 123 pacientes (28,3%) e a hipertrofia adenoideana e/ou amigdaliana em 72 pacientes (16,6%). Dos 410 pacientes avaliados na Triagem do Departamento de Otorrinolaringologia, a respiração oral foi identificada em 212 pacientes (51,7%), a rinite em 92 pacientes (22,4%), e a hipertrofia adenoideana e/ou amigdaliana em 88 pacientes (21,5%). Dos 316 pacientes do CISMISEL, a respiração oral foi identificada em 158 pacientes (50%), a rinite em 125 pacientes (39,6%) e a hipertrofia adenoideana e/ou amigdaliana em 88 pacientes (17,4%).

A disacusia não-esclarecida, sem envolvimento aparente com otites, malformação aparente de ouvidos ou cerume foi colocada como diagnóstico a ser definido após exames complementares específicos em 171 pacientes (14,7%). 79 pacientes (6,8%) do total de 1161 da amostra vieram especificamente por causa de cerume, geralmente apresentando uma melhora da audição após a remoção. O procedimento de remoção foi realizado em 86 pacientes (7,4%) do total de 1161.

As otites médias (Tabela 1), nas diversas formas, apareceram em 171 pacientes (14,7%) dos 1161 pacientes avaliados, sendo que destes, 68 pacientes (5,8%) apresentaram otite média crônica e 57 pacientes (4,9%) otite média secretora.

A radiografia de cavum foi indicada para 290 pacientes (25%) da amostra total, a audiometria para 213 (18,3%) e a fibronasofaringolaringoscopia para 136 pacientes (11,7%) (Tabela 2). Os corticóides tópicos e os anti-histamínicos orais foram os medicamentos mais prescritos, respectivamente para 181 (15,6%) e 131 (11,3%) pacientes (Tabela 3). Os procedimentos cirúrgicos mais indicados foram a adenoamigdalectomia e as timpanoplastias e mastoidectomias, respectivamente 257 (22,1%) e 45 (3,9%) pacientes (Tabela 3).







Dos 1161 pacientes da amostra, 577 pais (49,7%) e 829 mães (71,4%) estão desempregados. 109 (9,4%), 111 (9,7%), e 54 (4,7%) pacientes respectivos da Policlínica, Triagem e CISMISEL eram filhos únicos. A média de irmãos até 17 anos dos que não eram filhos únicos foi 3,408 na Policlínica, 2,003 na Triagem, e 2,336 no CISMISEL. Considerando-se o nível de significância de 5%, a variável "estado empregatício" comporta-se de forma semelhante na Policlínica e na CISMISEL e ambas são diferentes da Triagem, onde o número de pais desempregados é menor; a variável "número de irmãos até 17 anos" comporta-se de forma semelhante na Policlínica e no CISMISEL e ambas são diferentes da Triagem, onde a média do número de irmãos foi menor.

O estudo estatístico da tabela 4 mostra que houve diferença estatisticamente significativa ao nível de 5% em relação às variáveis categóricas "rinite", "disacusias de causa não-esclarecida" e "demais doenças otológicas" (a rinite foi mais freqüente no CISMISEL, a disacusia na Triagem e as demais doenças otológicas na Policlínica), "exames complementares" (os exames relacionados à audição e a fibronasoscopia estão disponíveis na Triagem, mas não na Policlínica e no CISMISEL; a radiografia de Cavum se destacou nestes dois locais porque era o método mais disponível para a avaliação da adenóide, "medicamentos prescritos" (a Triagem destacou-se pela menor freqüência na prescrição de todos os tipos de medicamentos e o CISMISEL pelo número maior de prescrições de corticóides tópicos), "cirurgias otológicas" (as timpanoplastias do ouvido esquerdo foram indicadas com maior freqüência, de forma destacada na Policlínica, assim como as indicações de tubos de ventilação na Triagem).




DISCUSSÃO

Nem sempre é possível definir o diagnóstico na primeira consulta. Muitas vezes as queixas do paciente são anotadas e a partir delas as hipóteses são formuladas, podendo ser confirmadas ou não através de exames complementares, provas terapêuticas ou fazendo um acompanhamento por um período de tempo. Se a inclusão dos dados desta pesquisa não fosse delimitada àqueles dados obtidos na primeira consulta, muitas das queixas teriam sido transformadas em diagnósticos no acompanhamento subseqüente.

A Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP-EPM desenvolveu o primeiro Centro do Respirador Oral no Brasil em 2002, uma ação pioneira que procura oferecer um atendimento multidisciplinar (Alergologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Odontologia e Otorrinolaringologia) a este problema de saúde. A criação deste centro se deu pela observação da freqüência desta entidade na prática otorrinolaringológica diária, cuja resolução não é satisfatoriamente resolvida com a atuação isolada das especialidades. Um dos objetivos deste centro é atender o paciente em todas as especialidades no mesmo dia, reduzindo os custos com o transporte e diminuindo o abandono dos tratamentos. Além da assistência de saúde, o centro também realiza pesquisas referentes ao respirador oral, com o enfoque das especialidades envolvidas, gerando informações que possam orientar condutas cada vez mais adequadas. O Art. 46 da Lei 8.080 prevê que o SUS deve incentivar a geração de tecnologias e conhecimentos, assim como divulgá-las a todos os setores envolvidos com a saúde. Neste sentido, a parceria do setor público e do setor privado nos modelos de atendimento e pesquisa, semelhantes ao Centro do Respirador Oral, tornam possível o atendimento adequado dos pacientes do SUS e o estabelecimento de condutas, fruto de pesquisas que estarão à disposição de todos os setores da saúde.

Os números de respiradores orais encontrados na Policlínica de Mariana e na sede da CISMISEL justificam a criação de estruturas que atendam de forma multidisciplinar os respiradores orais nestas localidades e que disponham também dos exames complementares importantes na identificação das causas, conforme determinado no Art. 188 da Constituição Estadual1. No entanto, o tratamento multidisciplinar tem um alto custo, seja pelo número de especialidades envolvidas, pelos exames complementares necessários, ou mesmo pelos casos que precisarão de tratamentos ortodônticos e cirúrgicos. O tratamento adequado, no momento oportuno, certamente evitaria as complicações e seqüelas9. Caberia à Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, dentro de suas diversas atribuições, divulgar a importância do tratamento adequado da respiração oral. A alta freqüência da respiração oral, encontrada em cidades tão distintas, justifica que os órgãos públicos de saúde façam mais investimentos em recursos humanos e instalações, sendo possível também criar parcerias com a iniciativa privada e com os órgãos não-governamentais.

A rinite é uma doença nasal importante pela sua freqüência na população. As queixas de obstrução e prurido nasais, coriza, hiposmia, e pruridos e lacrimejamento oculares, desencadeados através do contato com determinadas substâncias ou determinadas condições, como o ambiente e o clima, sugerem rinite do tipo alérgica. No entanto, o diagnóstico diferencial das rinites não pôde ser realizado porque o Prick-test, ou mesmo o RAST, não são realizados facilmente nestes locais pelo SUS. Houve uma diferença estatisticamente significativa na distribuição da rinite nas três localidades, tendo sido mais freqüente no CISMISEL, sem uma justificativa específica aparentemente. A porcentagem de pacientes com rinite dentro da amostra geral estudada e de cada localidade está compatível com o descrito por Lundback et al.10 e Settipane et al.11. O alto custo dos corticóides tópicos, dos anti-histamínicos orais de segunda geração e da imunoterapia específica que não estão disponíveis na rede pública, aliados às dificuldades econômicas, dificultam ou inviabilizam medidas de controle do ambiente e o tratamento medicamentoso. Nos respiradores orais, além da hipertrofia adenoamigdaliana, o tratamento da rinite é fundamental para a abordagem da Ortodontia e da Fonoaudiologia.

A disacusia nas fases mais precoces da vida determina um atraso na fala e na aprendizagem de um modo geral. As causas neurossensoriais, embora sem os diagnósticos diferenciais, apareceram numa freqüência menor que as condutivas, e possivelmente exigirão protetização e acompanhamento fonoaudiológico. As causas condutivas, como a otite média secretora, pode afetar o desenvolvimento da fala se evoluir de forma prolongada, justificando a atenção no diagnóstico e tratamento adequado5,6,8,12,13. Em ambos os casos, a identificação e o tratamento devem ser precoces, objetivando oferecer uma boa qualidade de vida aos pacientes, conforme o Art. 190 da Constituição Estadual1. Os equipamentos necessários para a investigação da audição têm um custo elevado e exigem profissionais qualificados para a correta utilização. A Policlínica e o CISMISEL não dispõem destes equipamentos. A freqüência das queixas de disacusia, e as otites crônicas nestas localidades, justificam o planejamento de ações que facilitem a avaliação da audição, seja adquirindo audiômetros, impedanciômetros e cabines de isolamento acústico ou estabelecendo parcerias com o setor privado. No entanto, a resolução dos casos não depende somente da realização do exame. Seria importante criar uma estrutura que contasse com otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e profissionais da saúde mental, que atuassem de forma coordenada na abordagem das disacusias, conforme o Art. 6 da Lei 8.080. A Triagem, através das Disciplinas, consegue realizar todos os exames necessários. A disponibilidade de equipamentos e profissionais da Fonoaudiologia e as pesquisas de alunos da Pós-Graduação, ligados às Disciplinas de Otologia, Otoneurologia e Otorrinolaringologia Pediátrica, possibilitam a realização de exames complexos, seguidos de tratamento e acompanhamento. No entanto, por tratar-se de um serviço de referência, cujo número de pacientes é grande, pode ocorrer demora para atender o paciente. É importante que os pacientes que tenham algum tipo de perda auditiva tenham oportunidades de aprender a se comunicar, ler e escrever para se integrarem à sociedade e sobreviverem do seu trabalho, sem recorrer precocemente ao sistema previdenciário.

A importância da disponibilidade de um determinado exame complementar num serviço de saúde reside na freqüência da doença a ser estudada, na sua capacidade de definir o diagnóstico corretamente e como vai influenciar o tratamento. Doenças que aparecem freqüentemente em uma população justificam a aquisição ou o estabelecimento de parcerias com entidades privadas. Os exames complementares referentes a doenças menos freqüentes em uma localidade de população menor, podem ser encaminhados para centros maiores, não sendo justificada a compra de equipamentos de custo elevado para solicitações apenas eventuais. Os Arts. 197, 198, e 199 da Constituição Federal estabelecem a possibilidade do setor privado participar da saúde pública, desde que o Estado, dentro das suas atribuições, conduza esta participação.

Considerando o número de pais desempregados, a baixa remuneração dos que estão empregados, as deficiências no fornecimento gratuito de medicamentos nos locais da pesquisa, a dificuldade para realizar os exames complementares e resolver os casos cirúrgicos na Policlínica e na CISMISEL e a dificuldade de atender toda a demanda na Triagem da ORL UNIFESP-EPM (que implica na demora da realização de alguns exames e cirurgias), certamente o número de irmãos até 17 anos do paciente, que também são dependentes dos pais, sobrecarregam ainda mais o orçamento familiar, dificultando ou inviabilizando tratamentos clínicos e cirúrgicos fora do SUS.

O fato de algumas variáveis terem apresentado diferenças estatisticamente significativas ocorreu por causa das diferentes características entre os locais. No entanto, estas diferenças não inviabilizam a criação de projetos de prevenção e tratamento semelhantes que envolvam o respirador oral e as doenças otológicas nas três localidades. Apesar da Constituição Federal e Estadual e das prerrogativas do SUS garantirem o direito à saúde e ao tratamento das doenças de forma gratuita e completa (Constituição Federal, Art. 196), a rotina de atendimento nas instituições estudadas mostra carências em vários aspectos dentro da Otorrinolaringologia do SUS nestes locais.

A Constituição diversas vezes responsabiliza o Estado pela saúde, mas não exime a sociedade como um todo, de participar e determinar as condutas destinadas às melhorias sociais (Lei 8.069, Art. 4; Constituição Estadual MG Art. 186-IV). Neste aspecto, a classe médica, seja do setor público ou do privado, teria importante atribuição na promoção da saúde. No entanto, a tentativa de melhorar as condições de trabalho local, ou mesmo o planejamento de ações de saúde mais abrangentes, devem passar primeiro por um estudo das principais demandas da população que se deseja beneficiar, seja ele realizado pelo setor público ou não.


CONCLUSÃO

O estudo dos dados obtidos nas primeiras consultas da amostra de 1161 pacientes, divididos em grupos de 435, 410 e 316 pacientes, respectivamente da Policlínica de Mariana, da Triagem da ORL UNIFESP-EPM e do CISMISEL, através do Coeficiente V de Cramèr e da Análise de Variância com um valor fixo, permitiram, dentro dos objetivos propostos, concluir:

1. A respiração oral foi o diagnóstico mais encontrado e as principais causas identificadas foram a rinite e a hipertrofia adenoamigdaliana; segue-se a disacusia não esclarecida, o cerume, a otite média crônica e a otite média secretora em ordem decrescente de freqüência.

2. Os exames complementares mais solicitados foram as radiografias de cavum, seguidos em ordem decrescente pela audiometria/ imitanciometria e a fibronasoscopia, em concordância com os diagnósticos mais encontrados.

3. Os corticóides tópicos intranasais foram os medicamentos mais prescritos, seguidos em ordem decrescente pelos anti-histamínicos orais, os antibióticos orais e os corticóides orais.

4. As adenoamigdalectomias foram as cirurgias mais indicadas, seguidas em ordem decrescente de freqüência pelas timpanoplastias e mastoidectomias e pelas colocações de tubos de ventilação, em concordância com os diagnósticos mais freqüentes.

5. O número de pais desempregados foi praticamente a metade da amostra, ou seja, há um alto índice de desemprego por parte dos pais dos pacientes atendidos pelo SUS. Constatou-se que as condições salariais dos que estão empregados também são ruins. O desemprego, as baixas remunerações salariais e o número de dependentes da família dificultam ou inviabilizam as despesas com a saúde.

6. O estudo estatístico mostrou que há diferenças no comportamento das variáveis idade, a situação empregatícia e o número de irmãos até 17 anos, rinite, disacusia não-esclarecida, as demais doenças otológicas, exames complementares solicitados, medicamentos prescritos e indicações de cirurgias micro-otológicas nos três locais. Apesar destas diferenças, as dificuldades sócio-econômicas dos pacientes atendidos pela Otorrinolaringologia do Sistema Único de Saúde devem ser sempre consideradas na formulação de estratégias de saúde pública.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Mestre em Otorrinolaringologia pelo programa de Pós-Graduação em ORL e CCP da UNIFESP-EPM. Aluno do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em ORL e CCP da UNIFESP-EPM. Otorrinolaringologista do Hospital João XXIII e do Instituto de Otorrinolaringologia de Minas Gerais.
2 Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM. Chefe do Programa de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM. Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP-EPM.
Endereço para correspondência: Cheng T-Ping - chengorl@ig.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 1 de abril de 2007. cod. 3968.
Artigo aceito em 7 de maio de 2007.

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