Ano: 2008 Vol. 74 Ed. 3 - Maio - Junho - (11º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 375 a 381
Triagem auditiva neonatal: relação entre banho e índice de reteste
Newborn Hearing Screening: the relation between bathing and the retesting rate
Autor(es): Tatiana Redeschi Marques1, Patrícia Christina Mendes2, Cristiane Franceschi Pineroli Bochnia3, Lilian Cássia Bornia Jacob4, Simone Mariotto Roggia5, Jair Mendes Marques6
Palavras-chave: audição, neonato, programa de rastreamento, triagem neonatal
Keywords: hearing, newborn, mass screening, neonatal screening
Resumo:
Uma das metas de um Programa de Triagem Auditiva Neonatal (TAN) consiste numa porcentagem baixa de retestes. Objetivo: Investigar a relação entre o índice de retestes e o banho do neonato. Forma de Estudo: Coorte contemporânea com corte transversal. Material e Método: Os resultados das Emissões Otoacústicas Evocadas por Estímulo Transiente (EOET) foram comparados às informações referentes a auxiliar de enfermagem que ministrou o banho no dia do exame (373 neonatos), bem como ao tempo transcorrido entre a pesquisa das EOET e o último banho (350 neonatos). Resultados: Foram constatadas diferenças significantes estatisticamente entre as porcentagens de encaminhamento para reteste quando o banho foi ministrado por algumas auxiliares de enfermagem. Além disso, a porcentagem de retestes diminuiu significantemente quando o tempo transcorrido entre o último banho e a pesquisa das EOET foi superior a 7 horas e 50 minutos. Conclusão: A umidade do meato acústico externo, ocasionada por uma proteção inadequada contra a entrada de água no momento do banho e o curto intervalo de tempo entre o banho e a pesquisa das EOET podem ser considerados como possíveis fatores geradores de retestes nos programas de TAN.
Abstract:
One of the goals of a Newborn Hearing Screening Program (NHSP) is to have a low retesting rate. Aim: To investigate the association between the retesting rate and the bath of newborn babies. Study design: cross-sectional contemporary cohort. Materials and Methods: Transient otoacoustic emissions (TOE) results have been compared to the information received from the nurse's aide who bathed the babies on the day of the test (373 newborns), and the time interval between the TOE study and the last bath (350 newborns). Results: Significant statistical differences were found in relation to the percentage of retesting when babies were bathed by certain nurse's aides. On the other hand, the percentage of retesting decreased significantly when the time interval between the last bath and the TOE study was longer than 7 hours and 50 minutes. Conclusion: Moisture of the external acoustic meatus, caused by inappropriate protection against water during bath, and the short interval between the bath and the ETOE study, could be considered as possible factors causing retesting in NHSP programs.
INTRODUÇÃO
A deficiência auditiva constitui-se num sério problema de saúde pública. Porém, por não ser evidente nos primeiros meses de vida, a mesma pode ser diagnosticada tardiamente e, conseqüentemente, causar prejuízos ao desenvolvimento da linguagem, bem como ao desenvolvimento global da criança.
A Academia Americana de Pediatria1 estima uma incidência de deficiência auditiva de três a cada 1000 recém-nascidos. Em nosso país, por não haver a rotina de Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU) em todas as maternidades fica difícil apresentar uma incidência nacional. Entretanto, no único estudo epidemiológico realizado no Brasil sobre a prevalência das perdas auditivas, foi constatada uma prevalência de 6,8% de perdas auditivas incapacitantes2. A prevalência de deficiência auditiva é maior do que a de fenilcetonúria (1 em 10.000), hipotireoidismo (2,5 em 10.000) e anemia (2 em 10.000)3, rotineiramente identificados pela triagem do Teste do Pezinho.
A taxa de nascidos vivos relatada no site Datasus indica o nascimento de 3.026.548 bebês em 2004 no Brasil4. A partir destes dados e da incidência de três para cada 1000 nascidos, podemos inferir que 25 crianças nascem diariamente no Brasil com alterações auditivas.
Segundo o Joint Committee of Infant Hearing5, o ideal é que a deficiência auditiva seja diagnosticada até os três meses de idade e que a intervenção terapêutica seja iniciada até os seis meses de idade. Um estudo realizado na Universidade do Colorado, nos EUA, por Yoshinaga-Itano et al.6 demonstrou que crianças com deficiência auditiva identificada até o sexto mês de vida, e que iniciaram a intervenção terapêutica antes dos seis meses, apresentaram diferença significativa na linguagem quando comparadas a crianças que tiveram o problema auditivo identificado após os seis meses.
Apesar da importância da intervenção precoce para o desenvolvimento dos deficientes auditivos, a idade média de diagnóstico da deficiência auditiva no Brasil é tardia. Nóbrega7, ao avaliar 442 sujeitos portadores de deficiência auditiva nos períodos de 1990 a 1994, e, de 1994 a 2000, revelou que essa idade média, mesmo com o aumento das informações para a população e maior conhecimento médico a respeito de exames objetivos, considerando o segundo período, não apresentou mudanças estatisticamente significantes, permanecendo por volta dos dois anos de idade. Em nossa prática clínica, observamos que as alterações auditivas são rotineiramente identificadas pelo atraso de linguagem, geralmente por volta dos 18 a 24 meses.
Para que isso não continue acontecendo, a TANU, ou seja, o rastreamento auditivo de todos os bebês recém-nascidos nas maternidades, vem sendo realizado em algumas maternidades do Brasil, a exemplo do que vem sendo feito nos EUA e Europa.
A importância dos programas de identificação precoce da deficiência auditiva, nos quais todos os recém-nascidos devem ser obrigatoriamente rastreados, é ressaltada pelo dado amplamente divulgado de que 50% dos portadores de dificuldades auditivas não apresentam fatores de risco para deficiência auditiva8,9. Desse modo, em tal situação não existirá identificação de 50% dos casos de perdas auditivas, caso não haja um programa de triagem universal.
Destaca-se, no entanto, que apesar de a TANU constituir-se numa das ferramentas mais importantes dos programas de identificação precoce das alterações auditivas, sua funcionalidade depende diretamente dos critérios utilizados na sua realização.
O National Institutes of Health, em 199310 e o Joint Committee on Infant Hearing, em 19948, fizeram recomendações, sugerindo o uso das Emissões Otoacústicas Evocadas (EOE) ou dos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (PEATE) como os melhores métodos para Triagem Auditiva Neonatal (TAN). Desde então, a utilização desses métodos nos programas de identificação precoce de perdas auditivas começou a ganhar força também aqui no Brasil.
No último levantamento realizado pelo Grupo de Apoio à Triagem Auditiva Neonatal Universal (GATANU), realizado em 2005, constatou-se que existiam 237 locais em 22 estados desenvolvendo Programas de TAN com metodologia objetiva (EOE e/ou PEATE)11 no Brasil. No congresso internacional Beyond Newborn Hearing Screening, realizado em Como na Itália em 2004, Chapchap e Ribeiro relataram que dos 192 locais que existiam naquele momento desenvolvendo Programas de TAN no Brasil, 61% utilizavam as emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOET), 24% as emissões otoacústicas evocadas - produto de distorção e 15% PEATE12.
Com os exames objetivos, os Programas de TANU tornaram-se viáveis. No entanto, existem dificuldades. Na pesquisa das EOE, por exemplo, alguns fatores podem distorcer o resultado, tais como a capacitação do profissional na colocação da sonda; a presença de ruído excessivo durante o exame; o estado do bebê no momento do teste, isto é, dormindo ou acordado; ou ainda, a realização da triagem auditiva antes de 24 horas de vida, período que aumenta a possibilidade de presença do vérnix no meato acústico externo13.
Apesar da constatação dos fatores citados acima, observa-se pouca literatura no que diz respeito às dificuldades encontradas com a especificidade das EOE na TAN. A dificuldade citada com maior freqüência é a presença de vérnix. Chang et al.14, por exemplo, estudaram os resultados das EOE em 41 neonatos com idade média de 43 horas, e observaram que após ter sido removido o líquido amniótico e o vérnix, as respostas presentes passaram de 76% para 91%.
Para que se possa estabelecer o resultado final, sem que a possível presença de vérnix esteja interferindo, o reteste é indicado geralmente num prazo máximo de 30 dias de vida. Observou-se em nossa prática, no entanto, que o prazo demandado para o reteste pode gerar como conseqüências ansiedade na família, bem como criar uma eterna dúvida aos fonoaudiólogos, em razão do não retorno para o reteste. Assim, a recomendação que decorre do enunciado é de que se deve buscar uma redução no número de retestes.
O vérnix é definido como uma substância rica em lipídios que cobre a pele do feto e está presente também na pele dos recém-nascidos15. Apresenta um papel importante na proteção contra infecções15 e, dentro do útero, funciona como uma barreira hidrofóbica para proteger e impermeabilizar a pele em desenvolvimento contra o fluido amniótico circunvizinho16.
Por ser o vérnix uma substância gordurosa e não se misturar com a água acredita-se que possa haver uma maior dificuldade de absorção da água na presença de vérnix. Supõe-se que isso possa explicar a nossa observação prática de que após o banho, freqüentemente ocorre uma dificuldade na captação das EOET, provavelmente em decorrência da umidade do meato acústico externo.
Outra questão que chamou a atenção em nossa prática foi o fato de que ao ser realizada a mesma quantidade de exames em dias alternados, na mesma maternidade, o número de retestes apresentava sensível alteração, por exemplo, num dia, em 10 triagens, nenhum reteste, e em outro dia, na mesma quantidade de exames, três ou quatro retestes.
Frente à nossas observações práticas foram levantadas as seguintes hipóteses:
- o índice de retestes poderia estar variando conforme a responsável pelo banho do bebê, em decorrência da maneira e/ou da prática da auxiliar de enfermagem que propicia a entrada de água no meato acústico externo durante o banho;
- o índice de retestes poderia estar variando conforme o tempo decorrido entre o último banho e a pesquisa das EOE, pois, com o meato acústico externo úmido, a falha no exame parecia ser ainda mais freqüente, principalmente na presença de vérnix.
Tendo em vista as hipóteses levantadas, bem como considerando-se a importância de tentar diminuir o número de retestes na pesquisa das EOE nos programas de TAN, a presente pesquisa teve por objetivo investigar, em um Programa de TAN, a relação entre o índice de retestes e o banho do neonato, considerando o profissional responsável pelo banho e o tempo transcorrido entre a pesquisa das emissões EOET e o último banho.
MATERIAL E MÉTODO
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade em que foi desenvolvido o trabalho, sob o parecer no 017/2004. Seguindo os preceitos atuais referentes à ética nas pesquisas que envolvem seres humanos, só participaram desta pesquisa os sujeitos e/ou responsáveis por eles que concordaram em participar, os quais, após terem recebido orientações a respeito do projeto, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados foram coletados em uma maternidade de Curitiba, na qual é desenvolvido um Programa de Identificação Precoce da Deficiência Auditiva. Tal programa foi iniciado no ano de 1996 e utiliza em sua metodologia a pesquisa das EOET nos neonatos. Todas as triagens são realizadas com 24 horas de vida ou mais, sendo preferencialmente próxima à alta hospitalar (aproximadamente 48 horas de vida), em uma sala silenciosa, com o bebê em estado adequado e por fonoaudiólogos com ampla experiência prática em TAN. Desse modo, os possíveis retestes decorrentes da falta de capacitação do profissional para a colocação da sonda, da presença de ruído excessivo durante o exame, de um estado inadequado do bebê no momento do teste, bem como da realização da triagem auditiva antes de 24 horas de vida foram descartados.
Após a realização da triagem, quando o recém-nascido não passa no exame, é marcado um reteste em 30 dias. Se as EOET permanecerem alteradas, o bebê é encaminhado para realização de uma avaliação audiológica completa para confirmação diagnóstica.
Na rotina da maternidade, assim que os bebês nascem, ficam em berço aquecido em média duas horas e, em seguida, lhes é dado o primeiro banho. Os banhos são ministrados pelas auxiliares de enfermagem com uma técnica apropriada em que coloca-se os dedos pressionando o tragus na tentativa de evitar que entre água.
A coleta dos dados desta pesquisa foi iniciada em março de 2004 e foi concluída em junho do mesmo ano. Apesar da triagem auditiva ser opcional, realizou-se, em média, a triagem de 130 bebês por mês, para cada 200 nascidos, totalizando um número de 538 bebês submetidos a TAN no período da pesquisa. A casuística desta pesquisa, no entanto, foi diferente conforme a variável estudada, tendo em vista a quantidade de informações que pôde ser obtida em relação a cada bebê.
A primeira análise realizada procurou verificar a correlação entre a auxiliar de enfermagem que deu o banho imediatamente anterior à realização da pesquisa das EOET, com a produção de retestes. Na segunda análise verificou-se a possível correlação entre o índice de retestes e o tempo decorrido entre o último banho e a pesquisa das EOET.
O levantamento dos dados relativos a auxiliar de enfermagem responsável pelo último banho anterior ao exame, bem como do tempo entre este e a pesquisa das EOET foi feito com o auxílio da equipe de auxiliares de enfermagem do berçário, mediante o preenchimento de uma ficha para registrar essas informações (APÊNDICE A).
Tendo em vista que nem todas as auxiliares de enfermagem preencheram todos os dados necessários para todos os bebês, o número de bebês estudados foi diferente conforme a variável estudada, ou seja, 373 bebês para a variável auxiliar de enfermagem que ministrou o banho, e 350 bebês para a variável tempo decorrido entre o último banho e a pesquisa das EOAT. Deste modo, os critérios de inclusão na amostra foram o correto preenchimento da ficha de registro pela equipe de enfermagem e a ausência de fatores de risco para perda auditiva5.
Para a pesquisa das EOET foi utilizado o equipamento ILO Echocheck, da marca Otodynamics, sendo utilizado como estímulo o clique, em uma intensidade de 83 dBNPS, e analisada a faixa de freqüências de 1600 a 3600 Hz. Para o padrão de normalidade o equipamento permite a escolha dos valores mínimos da relação sinal/ruído, bem como do nível de resposta das EOET. Neste estudo, os valores ajustados como critério de normalidade para a presença das EOET (resultado normal do exame) foram: amplitude das EOET e relação sinal/ruído iguais ou superiores a 6 dBNPS, conforme sugerido em Román et al.17.
Os dados obtidos nas fichas de registro foram analisados juntamente com os registros das EOET.
Na análise estatística utilizada foi empregado o Teste de Proporções, sendo adotado um nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Na Tabela 1 encontram-se expostos os resultados referentes ao levantamento do número de retestes conforme a auxiliar de enfermagem que deu o banho imediatamente anterior à realização da pesquisa das EOET. Pode-se observar que dos 373 bebês submetidos ao exame, 51 falharam na primeira pesquisa das EOET, ou seja, 13,67% dos bebês. No reteste, somente cinco bebês continuaram com EOET ausentes, os quais foram encaminhados para uma avaliação audiológica completa, tendo sido descartada, posteriormente, a presença de alterações auditivas.
Tendo em vista que algumas auxiliares de enfermagem realizaram poucos banhos, optou-se por fazer uma análise estatística englobando apenas aquelas que executaram no mínimo 10 banhos. Desse modo, empregou-se o Teste de Proporções com o objetivo de verificar se as diferenças nas porcentagens de reteste obtidas por essas auxiliares de enfermagem diferiram significantemente. Considerando-se um nível de significância de 5%, constatou-se uma diferença significante estatisticamente entre as porcentagens de reteste obtidas pelas auxiliares de enfermagem G e M (valor de p 0,0202), G e N (valor de p 0,0351) e M e Z (valor de p 0,0231), o que sugere que algumas auxiliares de enfermagem podem ter produzido mais retestes do que outras.
Outro dado interessante que pode ser obtido a partir da visualização dos dados da Tabela 1 diz respeito ao fato de as auxiliares de enfermagem F e G não terem nenhum reteste, apesar de terem dado uma quantidade significativa de banhos.
Na Tabela 2 são apresentados os dados referentes à análise realizada quanto a possível correlação entre o índice de retestes e o tempo decorrido entre o banho dado no dia do exame e a pesquisa das EOET. A estratificação do tempo foi realizada a partir da análise das anotações realizadas na ficha preenchida pela equipe de enfermagem (APÊNDICE A), ou seja, verificou-se a distribuição dos neonatos relativa aos diversos intervalos de tempo. Assim, a estratificação destes foi realizada considerando o tamanho da amostra em cada categoria para que o número de neonatos fosse semelhante em cada uma delas. Além disso, houve a preocupação para que não houvesse muitos intervalos de tempos com um número pequeno de neonatos, o que poderia comprometer a análise estatística.
Pode-se observar que dos 350 bebês submetidos à pesquisa das EOET, 41 precisaram de reteste, ou seja, 11,71% deles. Nos resultados do reteste foram obtidos os seguintes números: 38 normais (92%) e três alterados (8%). Os três bebês com reteste alterado foram encaminhados para diagnóstico, sendo obtidos resultados normais. Conforme pode ser visualizado na Tabela 2, o número de retestes diminuiu de acordo com o aumento do tempo entre o banho e a pesquisa das EOET.
A partir dos resultados obtidos e apresentados na Tabela 2, uma análise foi empregada na tentativa de comprovar estatisticamente as diferenças entre as porcentagens de retestes obtidas conforme o tempo transcorrido entre o último banho e a pesquisa das EOET. Como pode ser encontrado na Tabela 3, a porcentagem de retestes diminuiu significantemente quando o tempo transcorrido entre o último banho e a pesquisa das EOET foi superior a 7 horas e 50 minutos.
DISCUSSÃO
Uma das maiores preocupações dos profissionais que atuam em programas para a detecção precoce da deficiência auditiva está relacionada aos índices de retestes18, uma vez que estes poderão comprometer a efetividade do programa. Assim, toda a equipe envolvida no mesmo deve trabalhar no sentido de diminuir cada vez mais esses índices.
As conseqüências desses retestes podem ser inúmeras: ansiedade dos pais relativa a uma possível constatação da deficiência auditiva, não comparecimento do bebê no dia do reteste e conseqüente "perda" da criança para o diagnóstico, aumento da demanda no fluxograma de atendimento do hospital/maternidade/clínica, aumento do custo-efetividade do programa de triagem auditiva, dentre outros.
Dessa forma, esse estudo procurou investigar alguns fatores que podem contribuir na ocorrência de uma causa bastante importante na produção de reteste: a umidade do meato acústico externo do bebê no momento da realização da triagem auditiva.
Dentre esses fatores, podemos apontar o trabalho da auxiliar de enfermagem que deu o banho no dia do exame. Pôde-se constatar que algumas delas obtiveram porcentagens de retestes significantemente diferentes do que as outras. Acredita-se que essa constatação possa ser decorrente da maior ou menor habilidade dessas profissionais em proteger a orelha do bebê contra a entrada de água na hora do banho. Além disso, pôde-se constatar que as auxiliares de enfermagem que não tiveram bebês encaminhados para o reteste foram as mais experientes do setor, conforme informações obtidas com a chefia da enfermagem. Desse modo, os achados obtidos corroboram a hipótese de que o índice de retestes pode ser influenciado pela prática da auxiliar de enfermagem em ministrar o banho, deixando entrar água ou não no meato acústico externo.
Outro resultado que confirma a hipótese de que a presença de água no meato acústico externo dos bebês possa ter ocasionado os retestes é o referente ao tempo transcorrido entre o banho dado no dia do exame e a pesquisa das EOET. Os resultados obtidos na Tabela 2 demonstraram que houve uma diminuição na porcentagem de retestes conforme aumentou o tempo decorrido entre o banho e a pesquisa das EOET. A diferença estatística na diminuição da porcentagem de retestes foi evidenciada quando o tempo entre o banho anterior ao exame e a pesquisa das EOET foi maior do que 7 horas e 50 minutos (Tabela 2), sugerindo que esse tempo seja mais seguro para a pesquisa das EOET. Desse modo, os resultados deste estudo também corroboram a hipótese de que o índice de retestes pode variar na dependência do tempo decorrido entre o último banho e a pesquisa das EOET.
Os resultados obtidos na análise das duas variáveis (profissional que ministra o banho e tempo de espera entre o último banho e o registro das EOET) sugerem, portanto, que a umidade do meato acústico externo esteja aumentando a porcentagem de retestes das EOET, tendo em vista que as variáveis experiência do examinador, nível de ruído no ambiente, tempo de realização do exame inferior à 24 horas, bem como estado do bebê no momento da realização do exame foram descartadas pela metodologia utilizada.
Acredita-se que a persistência da umidade no meato acústico externo possa ser decorrente da presença de vérnix, considerando-se que o mesmo funciona como uma barreira hidrofóbica16, dificultando, portanto, a absorção da água.
Considera-se importante destacar que a possível causa de retestes constatada neste estudo não foi encontrada em nenhum outro estudo consultado. De acordo com Maxon et al.19, há publicações que relatam o efeito de vários fatores sobre as taxas de reteste em programas de TAN que utilizam as EOET. Segundo esses autores, as questões abordadas nesses artigos podem ser categorizadas em: tempo de vida do bebê no momento em que a triagem foi realizada, condições dos locais onde foram realizadas as triagens, condições da orelha média e externa, bem como as taxas de reteste adotadas pelos programas. Dentre as condições de orelha média e externa, entretanto, os autores citam apenas a presença de vérnix, de fluido amniótico ou de secreção na orelha média.
Desse modo, os resultados obtidos neste estudo sugerem que, nos protocolos desenvolvidos nos programas de TAN, sejam incluídas orientações específicas à equipe de enfermagem e ou aos pais, no sentido de tomarem o máximo de cuidado para que não entre água na orelha dos bebês durante o banho. Além disso, os resultados sugerem também que a pesquisa das EOET seja realizada com o maior intervalo de tempo possível após o banho do neonato.
Acredita-se que se esses cuidados forem tomados, a porcentagem de retestes possa diminuir consideravelmente, reduzindo, assim, o custo-efetividade do programa de triagem auditiva, bem como a ansiedade dos pais ao se depararem com um resultado alterado.
Nesta perspectiva, ressalta-se que o sucesso de um programa de identificação precoce de perdas auditivas está relacionado, dentre outros fatores, com a habilidade de diminuir o índice de falso-positivos ocasionados pelas condições da orelha externa.
CONCLUSÃO
Mediante os resultados obtidos pode-se concluir que a umidade do meato acústico externo dos bebês, ocasionada por um tempo de banho muito próximo à pesquisa das emissões otoacústicas, bem como por uma proteção ineficiente do meato acústico externo contra a entrada de água no momento do banho, pode ser considerada como um possível fator gerador de retestes nos programas de TAN que utilizam as EOET como procedimento de triagem auditiva.
A constatação de que o banho do bebê no dia do exame pode influenciar o resultado da pesquisa das EOET proporciona uma informação de grande relevância para os programas de TAN, os quais apresentam como uma de suas metas, porcentagens baixas de retestes.
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1 Especialista em Audiologia Clínica pela Universidade Tuiuti do Paraná, Fonoaudióloga da Clínica Detecta em Curitiba - PR.
2 Especialista em Audiologia Clínica pela Universidade Tuiuti do Paraná, Fonoaudióloga da Clínica Detecta em Curitiba - PR.
3 Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Universidade Tuiuti do Paraná, Fonoaudióloga da Clínica Detecta em Curitiba - PR.
4 Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela USP - Bauru, Fonoaudióloga. Professora do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação e do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti do Paraná.
5 Doutora em Ciências - Fisiopatologia Experimental pela USP - SP, Fonoaudióloga. Professora Doutora dos Cursos de Fonoaudiologia da UNIVALI, da Universidade Tuiuti do Paraná e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná.
6 Doutor em Ciências Geodésicas., Professor do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação e do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti do Paraná.
Universidade Tuiuti do Paraná.
Endereço para correspondência: Simone Mariotto Roggia - Rua Bahia 99 apto. 404 Bairro Anita Garibaldi Joinville SC 89203-580.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de fevereiro de 2007. cod 3695.
Artigo aceito em 11 de junho de 2007.