Versão Inglês

Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 2  - Março - Abril - (20º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 279 a 283

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Mecanismos de ação dos corticosteróides na polipose rinossinusal

Mechanism of action of glucocorticoids in nasal polyposis

Autor(es): Atílio Maximino Fernandes 1, Fabiana Cardoso Pereira Valera 2, Wilma T. Anselmo-Lima 3

Palavras-chave: citocinas, glicocorticóide, mecanismos fisiopatológicos, polipose rinossinusal

Keywords: cytokines, glucocorticoids, pathophysiological mechanisms, nasal polyposis

Resumo:
Os glicocorticóides (GC) são drogas de escolha no tratamento clínico da polipose nasossinusal conforme recomendação da literatura. Entretanto, seus mecanismos de ação nas regressões dos sintomas clínicos e dos pólipos não são totalmente compreendidos. Sabe-se que a administração tópica e ou sistêmica dos glicocorticóides leva a variações na expressão de citocinas, quimiocinas e linfocinas, além das alterações celulares. Assim, os GC suprimem a expressão de citocinas pró-inflamatórias, de quimiocinas, de moléculas de adesão, além de estimular a transcrição de citocinas antiinflamatórias. Citocinas pró-fibróticas como a IL-11, fator básico de crescimento do fibroblasto (b-FGF) e fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), relacionados com o crescimento do pólipo, também são suprimidos pela ação do GC. Tal ação depende fundamentalmente da interação com os seus receptores (GR), pois alguns indivíduos apresentam algum grau de resistência celular ao seu efeito, que parece estar relacionada com a presença da isoforma do GR. Genes envolvidos nas fases de produção de imunoglobulinas, apresentação e processamento do antígeno também sofrem ação dos GC de forma variada. Objetivos: Fazer uma revisão da literatura sobre os mecanismos de ação do GC na PNS. Conclusão: A compreensão desses mecanismos implicará no desenvolvimento de drogas mais eficazes na sua terapêutica.

Abstract:
Glucocorticoids (GC) are the drugs of choice for the clinical treatment of nasal polyposis, according to the medical literature. Its mechanism of action in the regression of clinical symptoms and polyps, however, is not fully understood. The topical and/or systemic use of glucocorticoids lead to variable expression of cytokines, chemokines and lymphokines, as well as changes in cells. It is known that GC suppresses the expression of pro-inflammatory cytokines, chemokines and adhesion molecules such as ICAM-1 and E-selectin; GC also stimulate the transcription of anti-inflammatory cytokines such as TGF-β. GC suppress pro-fibrotic cytokines related to polyp growth, such as IL-11, the basic fibroblast growth factor (b-FGF), and the vascular endotelial growth factor (VEGF). The action of GC depends fundamentally on their interaction with receptors (GR); certain subjects have a degree of resistance to its effect, which appears to be related with the presence of a β isoform of GR. GC also act variably on the genes involved in immunoglobulin production, presentation, and antigen processing. Aim: We present a review of the literature on the mechanisms of GC action in nasal polyosis. Conclusion: Understanding the mechanism of action of GC in nasal polyposis will aid in the development of new, more efficient, drugs.

INTRODUÇÃO

Os glicocorticosteróides (GC) são hormônios esteróides, derivados do metabolismo do colesterol. São agentes imunossupressores e antiinflamatórios efetivos, produzidos naturalmente na glândula adrenal após o estímulo do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA), sendo o principal componente terapêutico para várias doenças auto-imunes e inflamatórias, a exemplo de artrite reumatóide, colite ulcerativa, asma e polipose.1

Em 1948 ocorreu o primeiro uso bem sucedido da hidrocortisona (primeiro metabólito sintetizado do GC) na supressão das manifestações clínicas da artrite reumatóide.

Na polipose nasossinusal (PNS) os GC são utilizados na sua apresentação tópica e ou sistêmica, tendo excelentes resultados na regressão dos tecidos polipóides devido à diminuição do processo inflamatório. Conseqüentemente, ocorre melhora de sua sintomatologia clínica, como a diminuição da obstrução respiratória, da rinorréia e melhora do olfato. Os GC são considerados drogas de primeira escolha para início do tratamento, conforme o Consenso Internacional de PNS de 20022 e Consenso Europeu de 20043, além de ser droga de eficácia comprovada em diversos modelos terapêuticos.4,5,6 Os GC tópicos são os preferidos para o uso crônico, pela baixa absorção sistêmica e por apresentar menos efeitos colaterais, porém possuem ação mais discreta dentro dos seios paranasais. Eles também têm sido usados de rotina após a cirurgia de remoção de pólipos, reduzindo a recorrência de pólipos e aumentando o intervalo das cirurgias nos pacientes, cooperando com o controle da doença6. No entanto, o glicocorticóide pode não se mostrar eficaz em todos os casos, e a taxa de sucesso com esta terapêutica na PNS está em torno de 60,9 a 80%7,8. Sabe-se que casos extensos de PNS6 e a falta de adesão ao tratamento estão relacionados ao insucesso na terapêutica com GC tópicos. No entanto, o principal componente determinante para sua eficácia é a resistência intrínseca à droga, mediada por mecanismos celulares.

O objetivo desta revisão é discutir os possíveis mecanismos de ação celular do GC na polipose nasossinusal e suas possíveis interações com as citocinas, quimiocinas e moléculas de adesão.


REVISÃO DE LITERATURA

Mecanismos Moleculares da Polipose Nasossinusal


A PNS é uma doença inflamatória crônica, com mecanismos fisiopatológicos não totalmente compreendidos, apesar das reconhecidas transformações histológicas que ocorrem: hiperplasia epitelial, aumento de células caliciformes, membrana basal espessada, edema estromal, aumento de produção de fibroblastos associado ao recrutamento de células inflamatórias, como linfócitos, plasmócitos e principalmente eosinófilos6.

Em nível molecular a PNS é influenciada pela ação de citocinas, que são proteínas reguladoras essenciais para o crescimento, diferenciação e ativação de células imunológicas, por dois mecanismos: estimulação do crescimento do tecido local, mediado, por exemplo, por b-FGF, IGF-1, TGF-?, TGF- ?, e a manutenção permanente do estado inflamatório mediada pelas citocinas IL-1?, TNF-?, IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, IFN-?, dentre outras9. A interação complexa destas citocinas com células estruturais e inflamatórias acarreta um processo crônico que após iniciado parece não depender do estímulo causal para a sua perpetuação.

Sabe-se que, uma vez estimulados, os fibroblastos e as células epiteliais são induzidos a produzirem TNF? e IL-1?. Estas citocinas estimulam as células estruturais da mucosa nasal a produzirem uma variedade de citocinas(GM-CSF, IL-2, IL-3, IL-5, IL-6, IL-8, IL-12, IL-13, IL-16, TGF-?, TGF-?, TNF-? e IL-1 ?), quimiocinas (RANTES, eotaxina, eotaxina-2), e moléculas de adesão (ICAM-1, VCAM-1). As citocinas vão estimular o processo inflamatório, enquanto as quimiocinas e as moléculas de adesão são potentes recrutadores de células inflamatórias circulantes, em especial os eosinófilos. Uma vez translocados ao tecido-alvo, estes estimulam a produção de outras citocinas que irão prolongar e acentuar o processo inflamatório, além de produzirem moléculas citotóxicas, como MBP (Major Basic Protein), ECP (Eosinophilic Cationic Protein), leucotrienos e PAF (Platelet Activating Factor), que vão intensificar a lesão tecidual, adelgaçamento da membrana basal, fibrose estromal, angiogênese e hiperplasia glandular e estromal6,10. Uma particularidade é a capacidade dos eosinófilos de produzirem citocinas que aumentam sua sobrevida e que recrutam mais eosinófilos para os pólipos, intensificando a eosinofilia tecidual a exemplo de IL-3, IL-5 e GM-CSF11.

Ações dos GC na Composição e Ativação Celular

A ação antiinflamatória dos GC é conseqüente a uma série de alterações nas células envolvidas no processo inflamatório; assim, após sua administração, observa-se um aumento no número de neutrófilos circulantes; diminuição da produção de linfocinas e monocinas inflamatórias, como a IL-1 e o TNF-a11 e indução de apoptose de eosinófilos.

No estudo realizado por Mastruzzo et al.12, encontrou-se que os glicocorticóides intranasais aumentam a densidade de células CD8+ nos pólipos, e conseqüente diminuição da taxa de razão CD4/CD8. Uma diminuição da células IL-5+ e IL-4+ foi observada também, contrastando com um aumento de células TGF-?+, que foram correlacionadas com células T CD8+ e têm efeito antiinflamatório12.

Ações dos GC a Nível Intracelular e Sobre Mediadores Inflamatórios

O mecanismo de ação destas substâncias em nível celular ocorre através de sua ligação aos receptores de alta afinidade no citoplasma (GR, ou Glucocorticoid Receptor); por sua vez, o complexo esteróide-receptor (GC-GR) possui capacidade de translocação nuclear, ligando-se ao DNA cromossômico. Esta ligação desencadeia ou inibe a transcrição do gene, num processo conhecido respectivamente como transativação ou transrepressão. A transativação é mediada pela ligação do receptor de glicocorticóides hormônio-ativado (ou complexo GC-GR) à seqüência de DNA denominada de elemento de resposta ao glicocorticóide (GRE). Por exemplo, corticóides podem estimular a síntese de moléculas antiinflamatórias como a IL-10, IL-1R?6, TGF-b, IkB e uteroglobulina.

Benson9, utilizando a técnica do microarray em pólipos tratados com glicocorticóides, mostrou que 200 genes de 22.000 analisados sofreram alguma mudança de expressão com o tratamento de glicocorticóides, e que estavam envolvidos nas fases de produção de imunoglobulinas, apresentação e processamento do antígeno, quimioatração e ativação de granulócitos e linfócitos. Os genes que apresentaram maior aumento de expressão foram a uteroglobulina e a 15-lipoxigenase, uma enzima que induz à produção de lipoxinas que são sinalizadoras para inibir o processo da reação inflamatória. Já a uteroglobulina inibe a quimiotaxia dos leucócitos, e a síntese da fosfolipase A2 e de citocinas pró-inflamatórias9.

Acredita-se que a maioria dos efeitos colaterais observados em uso do GC oral ocorra através da transativação gênica. No entanto, seu principal efeito antiinflamatório está relacionado ao efeito transrepressor do GC. A transrepressão é mediada em especial pela inibição direta proteína-proteína entre o complexo GC-GR e fatores de transcrição como a AP-1 e NF-kB, conhecida como inibição cruzada. Quando se liga a estes fatores, o complexo GC-GR bloqueia a transcrição de citocinas, quimiocinas e enzimas, como a IL-18, IL-16 e eotaxina, tendo assim uma relação direta com a expressão destas.13

Os fatores de transcrição são moléculas citoplasmáticas que, após ativadas, são capazes de se translocar ao núcleo e induzir a transcrição das citocinas pró-inflamatórias, moléculas de adesão e quimiocinas, dentre outras.Assim, os GC também suprimem a transcrição de citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1, IL-2, IL-3, IL-4, IL-, IL-6, GM-CSF, TNF-a, IFN-g, de quimiocinas, como RANTES, eotaxina e MCP, e de moléculas de adesão, como a ICAM-1 e E-selectina.

A diminuição de GM-CSF e TNF-a foi observada em pólipos nasossinusais após tratamento in vitro com glicocorticóides, em estudo de Marx et al.14 Porém Hamilos et al.15, em estudo in vivo com uso de fluticasona por um mês, observaram uma redução acentuada do GM-CSF, mas não do TNF-a. Watanabe et al.11 demonstraram também uma diminuição do GM-CSF pelas células epiteliais do pólipo nasal quando sob tratamento de GC, o que explicaria uma diminuição da apoptose dos eosinófilos.

No estudo de Woodworth et al.16, foi demonstrado que após a administração sistêmica do GC em pacientes com pólipos nasossinusais, os valores da IL-5 e IL-13 foram significativamente diminuídos nos pólipos nasais após tratamento. Redução mais significativa foi observada com as quimiocinas, eotaxina e MCP-4 (proteína quimioatrativa para monócitos), neste mesmo grupo de pacientes.

Silvestri et al.17 demonstraram que a proliferação de fibroblastos induzida pelo ?-FGF e a expressão do ICAM-1 induzida pelo TNF-? foi significativamente reduzida pela fluticasona; também foi observada uma inibição da liberação de eotaxina pelo TNF-? e ocorrência de fibroblastos pela IL-4, inibindo a função do fibroblasto nos pólipos.

Molet et al.18 demonstraram que a IL-11, uma citocina pró-fibrótica que estimula a proliferação de fibroblasto e a hiperplasia de músculo liso, está aumentada no pólipo nasal, tanto nas células epiteliais como nas células inflamatórias da submucosa, quando comparada com a mucosa nasal não doente, e está diretamente relacionada com o acúmulo de fibras de colágeno tipo I, estando de acordo com o acúmulo característico de fibras de colágeno tipo I e III na polipose nasossinusal. Os mesmos autores demonstraram que após o tratamento do pólipo com o GC fluticasona por quatro semanas, a expressão desta citocina foi diminuída significativamente. Uchida et al.19 demonstraram in vitro que após o tratamento do pólipo com fluticasona houve uma supressão da expressão do mRNA para o fator básico de crescimento do fibroblasto (bFGF) e fator de crescimento endotelial vascular. Achado semelhante foi relatado por Yaritas et al.20 que observaram redução da expressão do bFGF nos pólipos nasais após o uso tópico de mometasona por quatro semanas em indivíduos portadores de pólipos.

Delbrouck et al.21 demonstraram em estudo in vitro que o budesonida pode inibir a expressão do fator inibitório de migração de leucócitos (MIF), uma linfocina que faz contra-regulação para a ação do glicocorticóide, reduzindo sua expressão nas células glandulares e epiteliais do pólipo, dependendo da concentração do GC utilizado.

Dentre os mecanismos celulares de resistência ao GC, dois se destacam:

- relação de isoformas de receptores GRa/GRb

- fatores de transcrição

Existem duas principais isoformas de GR, GR? e GR?. Sabe-se que GRa possui capacidade de se ligar ao GC após ativar GRE, sendo então considerada a isoforma ativa. Já GRb possui a mesma capacidade de ligação com GRE, mas não se liga ao GC; desta forma, GRb é considerado um inibidor endógeno de GC. O aumento da expressão do GR? foi relatado em pacientes com polipose nasossinusal, em comparação à mucosa controle, por Pujols et al.13 e Hamilos et al.15. Já a diminuição do GR? na polipose em comparação à mucosa nasal controle foi observada por Valera10 e Li et al.22. Tanto Pujols et al.13 como Valera10 referiram acreditar que o fator mais importante para a resistência ao GC seja a relação entre as isoformas GRa/GRb, sobrepondo-se à importância dos valores absolutos de cada uma das isoformas.

O aumento da expressão de fatores de transcrição também possui importância na resistência ao GC, uma vez que, quando ativados, possuem capacidade de inibir diretamente a ligação deste ao GR23.

Valera10 e Takeno et al.24 observaram aumento da expressão das frações p65 (ativa) e p50 (constitucional) de NFkB nos pólipos nasais quando em comparação à mucosa controle. No estudo de Valera10, os níveis de p65 diminuíram significativamente após uso de budesonida tópica por 2 meses. Ela observou ainda maior expressão de p65 nos casos de PNS com pior resposta à budesonida tópica quando comparado aos casos de melhor resposta clínica.

A fração c-fos (ativa) do fator de transcrição AP-1 encontrou-se elevada nos pólipos nasossinusais no estudo de Baraniuk et al25; neste mesmo estudo foi encontrada uma diminuição da expressão do c-fos nos pólipos após o tratamento com glicocorticóides orais. No entanto, no estudo de Valera10, os níveis de c-fos não estiveram aumentados quando comparados aos da mucosa nasal controle.

Quanto maior o conhecimento sobre a ação dos GC na PNS, como também sobre os mecanismos de desenvolvimento de resistência celular a estas drogas, maiores as possibilidades do desenvolvimento de medicamentos mais específicos e eficazes no tratamento da PNS.


CONCLUSÃO

Os corticosteróides sistêmicos ou tópicos são drogas de importância na terapêutica da polipose rinossinusal, seja no tratamento clínico isolado ou como adjuvante nos casos mais extensos, onde o tratamento cirúrgico é também realizado. No entanto, sua eficácia ainda está limitada a 60-80% dos casos.

A compreensão dos mecanismos de ação dos GC na PNS implicará no desenvolvimento de drogas mais eficazes na sua terapêutica.


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1 Doutorado USP/Ribeirão Preto, Médico Otorrinolaringologista.
2 Doutora, Professora.
3 Livre-docente, Professora.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 4 de agosto de 2006. cod. 3315.
Artigo aceito em 24 de março de 2007.

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