Ano: 2008 Vol. 74 Ed. 2 - Março - Abril - (18º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 265 a 272
Características vocais acústicas de crianças pré-escolares
Vocal acoustic characteristics in pre-school aged children
Autor(es): Viviane Michele Cappellari1, Carla Aparecida Cielo2
Palavras-chave: análise acústica, criança, fonoaudiologia, voz
Keywords: acoustic analysis, children, speech therapy, voice
Resumo:
O primeiro passo em qualquer tratamento é a avaliação. Desta forma, parâmetros de normalidade são a base para uma adequada avaliação. Objetivo: Verificar as medidas e características vocais de 23 crianças pré-escolares, entre quatro e seis anos, de ambos os sexos. Material e Método: A amostragem contou com questionário, triagem auditiva, e avaliação perceptivo-auditiva vocal, por meio da escala R.A.S.A.T.. A análise acústica foi realizada por meio do Multidimensional Voice Program. Estudo: Prospectivo de corte transversal. Resultados: A variação de freqüência (vf0) e a proporção harmônico-ruído (NHR) foram maiores na amostra total que aos cinco e seis anos; à medida que a idade aumentou, o NHR reduziu; à medida que o quociente de perturbação de Amplitude (PPQ) aumentou, a vf0, variação de amplitude (vAm), o índice de fonação suave (SPI) e o NHR também aumentaram; à medida que o PPQ, quociente de perturbação de amplitude (APQ) e índice de turbulência vocal (VTI) aumentaram, o índice de fonação suave (SPI) reduziu. Conclusão: Os parâmetros acústicos, aos quatro anos, evidenciaram a imaturidade das estruturas e a falta de controle neuromuscular nessa idade e que o início deste processo de maturação, possivelmente, ocorre próximo aos cinco e seis anos de idade.
Abstract:
Evaluation is the first step for any treatment. Therefore, normal parameters are the bases for proper evaluation. Aim: Verify measures and vocal acoustic characteristics of 23 pre-school aged children of both genders, aged four to six years and eight months. Methods: The sampling process comprised a questionnaire -that was sent to parents, auditory screening and vocal-perception auditory assessment, based on the R.A.S.A.T. scale. Acoustic analysis was carried out through the Multi Dimensional Voice Program. Study: Prospective and cross-sectional. Results: The noise-harmonic ratio (NHR) and frequency variation (vf0) of the total sample was higher than what was found for five and six-year-olds. As age increased, NHR values decreased. As the total mean of amplitude perturbation quotient (APQ) increased, vf0, variation of amplitude (vAm) soft phonation index (SPI) and NHR also increased; the same occurred between mean total NHR and vf0. As the total means of pitch perturbation quotient (PPQ) and voice turbulence index (VTI) increased, SPI mean value decreased. Conclusions: The results of the acoustic parameters at the age of four years seem to show an immaturity of the structures and lack of neuro-muscular control at that age and the maturation process onset happens near five and six years old.
INTRODUÇÃO
No estudo da voz, foram realizadas diversas pesquisas com o objetivo de determinar o nível de normalidade para os índices utilizados na avaliação vocal. Dentre esses estudos, determinar parâmetros acústicos de vozes infantis foi o objetivo de muitas pesquisas por tratar-se de uma forma de avaliação eficaz e com a vantagem, principalmente tratando-se de crianças, de ser um procedimento não-invasivo.
A análise acústica é uma forma de avaliação da voz que ainda não faz parte da clínica de todos os fonoaudiólogos, mas vem contribuindo bastante para a determinação de parâmetros de normalidade por ser uma avaliação objetiva que possibilita o armazenamento de dados para posteriores análises e comparações.
A pesquisa realizada pretendeu contribuir com a descrição do padrão vocal infantil e teve o objetivo de verificar as características acústicas vocais de crianças entre 4 e 6 anos, de ambos os sexos, estudantes de pré-escolas da rede pública e privada da cidade de Porto Alegre/RS.
MATERIAIS E MÉTODOS
Sujeitos da pesquisa
A população da qual foi selecionada a amostra compreendeu crianças entre quatro e seis anos e oito meses, de ambos os sexos, estudantes de pré-escolas da rede pública e privada da cidade de Porto Alegre/RS. Foram incluídos no presente estudo os sujeitos com voz considerada adequada ou normal que não apresentava ou referiam: infecções de vias aéreas, limiares auditivos alterados dentro da faixa da normalidade; história pregressa de doenças neurológicas1, psiquiátricas ou gástricas; cantarem em coros e/ou como solistas; realizado tratamento fonoaudiológico prévio ou cirurgia laríngea prévia.
Aspectos éticos
No contato inicial com as quatro pré-escolas públicas e privadas que concordaram em participar do estudo, foram esclarecidos verbalmente aos diretores e em seguidas aos pais e responsáveis os objetivos, os aspectos éticos e os procedimentos referentes à pesquisa, sendo que o (a) diretor (a) de cada escola recebeu e assinou o Termo de Autorização Institucional (TAI), no qual, assim como no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) entregue aos pais, continham as mesmas informações esclarecidas verbalmente. O TAI e TCLE foram baseados na norma 196/96 da CONEP e aprovados, assim como todo o projeto, pelo Comitê Ética da Universidade Federal de Santa Maria sob o número 099/05.
MATERIAIS
No processo de seleção da amostra além de um questionário com base na literatura também foram utilizados um audiômetro da marca Amplivox, modelo A260, otoscópio da marca TK Missouri, um gravador digital de voz da marca Creative, modelo Muvo TX FM, USB 2.0, com 256MB de memória com microfone acoplado, software de edição de áudio Wave Pad v. 3.05, da NHC Swift Sound em um computador PC Pentium 266HHZ, CD-ROM, 16 MB de RA e o programa de análise acústica Multi Dimensional Voice Program - Key Elemetrics.
PROCEDIMENTOS
Processo de seleção da amostra
Nas 4 escolas foram entregues 118 TCLE aos pais das crianças na faixa etária do estudo. Destes, apenas 1 pai ou responsável não autorizou a participação de seu filho(a) na pesquisa e 10 não retornaram o TCLE. Destas crianças que foram autorizadas a participar da pesquisa 2 foram transferidas de escola, sendo encaminhadas ao processo de seleção da amostra um total de 104 crianças. Portanto, iniciou-se o processo de seleção da amostra com uma população de 104 crianças cujos pais além de autorizarem a sua participação na pesquisa, também responderam a um questionário sobre as condições gerais de cada criança. Além do questionário, como parte do processo de seleção da amostra, todas as crianças foram submetidas a uma triagem auditiva e avaliação perceptivo-auditiva vocal.
A triagem auditiva foi realizada na freqüências de 1000, 2000 e 4000Hz, baseada na literatura2 e somente as crianças que apresentaram limiares auditivos normais foram encaminhadas à etapa seguinte.
Dentre as crianças submetidas à triagem auditiva um total de 83 crianças apresentava limiares auditivos normais e foi encaminhado para a última etapa do processo de seleção da amostra, que consistiu na coleta da amostra vocal para a avaliação perceptivo-auditiva. Para tanto, cada sujeito foi orientado a ficar em pé, com os braços estendidos ao longo do corpo. O gravador com microfone embutido foi mantido a uma distância de quatro centímetros da boca do sujeito3,4.
Dos 83 sujeitos que foram encaminhados a esta etapa do processo de seleção da amostra, 5 não foram submetidos à coleta da amostra vocal por não comparecerem às aulas neste período. Desta forma, após a coleta das vozes, totalizaram amostras vocais de 78 sujeitos e estas foram encaminhadas a quatro juízas, sendo estas fonoaudiólogas mestres ou mestrandas5.
A análise perceptivo-auditiva foi realizada por meio da escala R.A.S.A.T6, que se trata de uma adaptação para o português da escala G.R.B.A.S., elaborada pela Sociedade Japonesa de Laringologia7. A escala R.A.S.A.T. avalia os parâmetros de rouquidão (R), aspereza (A), soprosidade (S), astenia (A), e tensão (T), sendo que, para cada um dos parâmetros, podem ser atribuídos os graus: 0 para normalidade, 1 para alteração discreta, 2 para alteração moderada, e 3 para severa.
Análise acústica
Após a análise perceptivo-auditiva das juízas foram selecionadas 23 crianças com vozes adequadas, sendo que 7 tinham idades entre quatro anos e quatro anos e onze meses (n=7); 11 tinham idades entre cinco anos e cinco anos e onze meses (n=11); e 5 tinham idades entre seis anos e seis anos e oito meses (n=5).
A amostra de voz para a análise acústica foi a mesma da coleta da amostra vocal para a avaliação perceptivo-auditiva a partir da sustentação da vogal /a/ de no mínimo 3 segundos4,8,9. O programa de análise acústica utilizado possibilitou a análise do sinal vocal através da extração dos parâmetros acústicos abordados neste estudo: Freqüência Fundamental (f0); Proporção ruído-harmônico (NHR); Quociente de Perturbação do Pitch (PPQ); Quociente de Perturbação da Amplitude (APQ); Índice de Turbulência da Voz (VTI); Índice de Fonação Suave (SPI); Variação de Freqüência (vf0); e Variação de Amplitude (vAm), descritos na literatura como os mais utilizados na clínica fonoaudiológica4,10-12.
Análise dos dados
Os resultados obtidos foram agrupados por parâmetro e por faixa etária, porém somente para a análise da freqüência fundamental (f0), foi possível utilizar um intervalo de normalidade com base na literatura, devido à falta de dados normativos para os demais parâmetros. As médias mínimas e máximas para determinação do intervalo de normalidade por faixa etária da freqüência fundamental foram as seguintes: para quatro anos do sexo masculino, de 266,6 a 375Hz; para quatro anos do sexo feminino, de 285,6 a 355Hz; para cinco anos do sexo masculino, de 247,5 a 350Hz; para cinco anos do sexo feminino, de 247,6 a 355Hz; para seis anos do sexo masculino, de 247,4 a 325Hz; para seis anos do sexo feminino, de 247,0 a 315Hz 13,14,15,16,17,18,19,20,21.
Tratamento estatístico
Após toda a coleta de dados, a análise estatística foi realizada por meio da Estatística Descritiva, do teste "t" (de Student), da Análise de Correlação (coeficiente de Pearson) e da Análise de variância - ANOVA e para análise da confiabilidade da avaliação das juízas foi utilizado coeficiente de Spearman.
Considerando que a literatura refere a presença de patologias orgânicas mesmo em vozes classificadas como normais, a presente pesquisa, a fim de ampliar o grau de confiabilidade da análise perceptivo-auditiva realizada, optou por refazer a análise estatística com 80% da amostra. Ou seja, foi retirado, de forma aleatória, 20% da amostra total e foram reaplicados os mesmos testes estatísticos.
RESULTADOS
Os dados foram tabulados e os resultados analisados com relação à análise da amostra total (AT) e também separadamente por faixa etária. Observando-se a significância estatística dos parâmetros avaliados, na comparação entre as médias das faixas etárias e das mesmas com a média da AT; e também na correlação entre as variáveis (índices de análise acústica e idade) pelo coeficiente de Pearson.
Como descrito nos materiais e métodos apenas a f0 foi comparada à literatura, devido à falta de dados normativos em outros estudos para os demais parâmetros acústicos.
Em comparação com a literatura apenas a f0 média da faixa etária dos quatro anos ficou discretamente abaixo da média mínima estabelecida com base em outros estudos (Tabela 1) e as demais faixas etárias (cinco e seis anos) apresentaram médias dentro do intervalo de normalidade.
Quanto à variação de freqüência (vf0), o índice médio foi maior na faixa de idade dos quatro anos, porém este não foi significativamente maior quando comparado as demais faixas etária e na comparação com a AT. A média de vf0 para idades de cinco (p= 0,015) e seis (p=0,05) anos foram significativamente maiores do que a média total da amostra. Porém, esse resultados foi verificado apenas na análise com a AT, não se confirmando na análise para a AR (Tabela 2).
Quanto ao NHR, foi observada diferença significativa entre as médias das faixas etárias de quatro e cinco anos (p= 0,013) e também entre as médias dos quatro e seis (p=0,04). Na comparação das faixas etárias com a amostra total, foi verificada diferença significativa entre a média para a idade de cinco anos e a amostra total (p=0,027) (Tabela 2).
Na análise pelo coeficiente de Pearson, foram correlacionadas as médias totais das variáveis acústicas (f0, vf0, vAm, PPQ, APQ, NRH, VTI, SPI) entre si e com a média da variável idade.
Na análise do APQ foi observada correlação estatística positiva deste parâmetros com outros três parâmetros: vf0 (p=0,029), vAm (0,034) e do NHR (p=0,003) e esse resultado foi verificado tanto na análise com a AT, quanto com a AR.
Verificou-se a correlação estatística negativa entre a média do PPQe do APQ (p=0,045), e entre PPQ e SPI (p= 0,021), sendo que observou-se esse resultado tanto para a AT, quanto para a AR.
Observou-se a correlação estatística negativa entre a média do NHR e a idade (p=0,009). Na mesma análise, foi observada a correlação positiva entre as médias totais do NHR e da vf0 (p= 0,0001). Todos esses resultados foram verificados tanto na análise com a AT, quanto com a AR.
Foi observada correlação negativa entre a média da amostra total do VTI e a média total do SPI (p=0,029), resultado observado na análise com a AT e com a AR.
DISCUSSÃO
A análise acústica é um método de avaliação não-invasivo que propicia diferenciar vozes normais e patológicas. Porém, seus resultados ainda não podem ser generalizados devido à falta de normatização das medidas18,20,22-27. Pesquisadores27, após uma revisão dos estudos relacionados às medidas acústicas em crianças, constataram que muitos trabalhos referem pouca diferenciação entre vozes disfônicas e normais, o que ressalta a necessidade de mais pesquisas sobre esse aspecto, com maior padronização e normatização de medidas.
No presente estudo, as médias das f0 obtidas da amostra total e das faixas etárias de cinco e seis anos estão de acordo com a literatura14-18,21. Somente a faixa etária dos quatro anos apresentou média discretamente abaixo do intervalo mínimo e máximo estabelecido com base na literatura13-20,28,29. No entanto, essa diferença não foi estatisticamente significante e, portanto, não parece representar uma alteração em relação à normalidade.
A partir dos resultados obtidos no presente estudo, constatou-se também que, conforme a idade aumentava, a f0 reduzia-se, não havendo diferença significativa entre as médias da f0 das faixas etárias e na comparação das mesmas com a média da AT.
Esses resultados concordam com os resultados de outros estudos13,19,30 que avaliaram sujeitos com vozes normais, entre quatro e sete anos de idade, e observaram que a f0 reduziu conforme a idade aumentou.
A f0 é uma das medidas mais importantes da análise acústica e tem relação direta com o comprimento, tensão, rigidez e massa das pregas vocais e estas com a pressão subglótica12. A literatura31 refere que a prega vocal cresce 0,4mm ao ano nos indivíduos do sexo feminino e 0,7mm no sexo masculino, até a idade de vinte anos.
O aumento da f0 pode ser proporcional ao crescimento corporal mais do que ao aumento da idade, sugerindo que, conforme a criança cresce, o trato vocal também cresce, o que pode ter ocorrido com os sujeitos deste trabalho32.
Autores33 referiram, em seu estudo com crianças de cinco, sete, nove e onze anos, que a f0 para os meninos na idade de cinco anos foi significativamente maior que em todas as demais idades. Além disso, os autores relataram que não houve diferença significativa entre as idades de sete, nove e onze anos.
Quanto à vf0, as crianças na faixa etária dos quatro anos deste estudo apresentaram índices maiores do que as demais faixas etárias e do que a média da amostra total, porém essa diferença não foi estatisticamente significativa.
No entanto, também na comparação da vf0 média das faixas etárias com a vf0 média da AT, verificou-se diferença significativa em favor da média total da amostra comparada às médias das idades de cinco e seis anos. Esse resultado deve-se, possivelmente, ao fato de que a média da amostra total foi aumentada em decorrência do alto valor da média apresentada na idade de quatro anos.
O registro da f0 e do seu desvio-padrão é a base para o cálculo da vf0 na emissão sustentada. A vf0 é esperada mesmo em vozes normais, por isso, pode-se dizer que as ondas sonoras são quase periódicas. Contudo, variações além do esperado podem ser sugestivas de patologias vocais ou inabilidade em sustentar a emissão devido à imaturidade neuromuscular10,1.
O aumento dos índices de vf0 nas crianças de quatro anos, que possivelmente ocasionou o aumento da média total da amostra do presente estudo, pode ser explicado pelo fato de que, nessa idade, o ligamento vocal ainda está imaturo, não se observa uma definição das camadas da lâmina própria nem a junção entre o ligamento vocal e as fibras musculares. Além disso, a mucosa, aos quatro anos, é mais fina do que nos recém-nascidos, no entanto, mais espessa do que nos adultos, reduzindo o controle da ação das pregas vocais e, por conseqüência, aumentando a instabilidade durante a fonação10,31,34-38.
Porém, a literatura3 também refere que a camada de muco que reveste as pregas vocais em boas condições faz com que o ar passe sem resistência pela glote. Contudo, quando o muco está reduzido, pode haver aumento da viscosidade e, conseqüentemente, aumento do atrito durante o ciclo vibratório. Quando o muco está aumentado, pode ocorrer acúmulo na face vestibular das pregas vocais, tornando-as pesadas, diminuindo sua capacidade de vibração.
Esse fato pode ser também atribuído às possíveis variáveis intervenientes na adequada sustentação da emissão vocal, podendo interferir nos resultados da vf0. No entanto, não foi encontrada literatura sobre a quantidade ou as características da camada muco-ciliar das pregas vocais de crianças na faixa etária de quatro anos que pudesse ser relacionada diretamente aos níveis aumentados de vf0 desses sujeitos no presente estudo.
Conforme a criança cresce, aumenta a habilidade no controle da freqüência e da intensidade e decresce o nível de aperiodicidade dos ciclos vibratórios das pregas vocais. Essa habilidade é decorrente do treino e controle vocal do falante devido à melhora das suas condições neurolaringológicas37,39. Além disso, a estabilidade biomecânica das pregas vocais, evidenciada pela redução da vf0, será possível a partir da puberdade40.
Para alguns autores37,41 as vf0 sofrem a interferência das perturbações de altura (jitter) e de intensidade (shimmer), que são fortes indicadores da instabilidade vocal ciclo a ciclo e sofrem alterações em função das condições fonatórias, da intensidade e da freqüência.
A medida de jitter utilizada no presente estudo foi o quociente de perturbação de freqüência (PPQ), que é calculado a partir da média das perturbações de freqüência, ciclo a ciclo, em toda a amostra vocal analisada10,11,12,20,27.
Quanto ao PPQ, os resultados do presente estudo evidenciaram que esse parâmetro foi maior aos quatro anos, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. Esses achados concordam com os resultados encontrados em outro estudo19, que observou níveis de jitter maiores na faixa etária dos quatro anos em relação aos sete anos, interpretando como resultados sugestivos de um maior controle gradual da emissão conforme o aumento da idade, ou seja, a maturação neurológica reduz a aperiodicidade dos ciclos vibratórios37.
Os índices de PPQ encontrados no presente estudo foram similares aos encontrados na literatura20, que também constatou que os valores de jitter, em crianças de três a dez anos, aumentaram conforme a f0 aumentou.
Outros autores42 também constataram que as crianças menores apresentam maiores perturbações na freqüência fundamental e que, conforme crescem, os índices de jitter diminuem. Além disso, os autores acreditam que as perturbações da freqüência fundamental são inversamente proporcionais ao desenvolvimento do controle motor37 e que esse controle só estará desenvolvido próximo aos dez anos, convergindo com ao achados desta pesquisa.
Em estudo realizado25 com 112 crianças com vozes normais e com diagnóstico de papilomatose, refluxo gastroesofágico, doenças atópicas e nódulos vocais, na comparação entre os grupos com vozes patológicas e o grupo com vozes normais, houve um aumento nos valores de jitter no grupo de sujeitos com papilomatose e nódulos vocais devido ao aumento de massa das pregas vocais, o que gera sua irregularidade vibratória, podendo alterar muito a regularidade de vibração ciclo a ciclo.
Isso mostra que alterações de mucosa podem aumentar o jitter. Seria possível correlacionar esses achados com o fato de a lâmina própria da mucosa aos quatro anos de idade ser bastante imatura ou diferente da mucosa em idades mais avançadas, justificando os achados do presente trabalho.
Variações no jitter podem ser decorrentes do aumento da massa ou da tensão das pregas vocais, da simetria das estruturas ou, ainda, das funções muscular ou neural envolvidas10.
A medida de shimmer utilizada no presente estudo foi o quociente de perturbação de amplitude (APQ), que é calculado a partir da média das perturbações de amplitude, ciclo a ciclo, em toda a amostra vocal10-12,20,27. Quanto ao APQ, os resultados do presente estudo também foram maiores nas crianças na idade de quatro anos, porém não estatisticamente significativos quando comparados às demais faixas etárias e com a AT. Tais resultados foram similares aos encontrados na literatura20 em crianças com idade média de seis anos e onze meses sem alteração vocal. No entanto, outras pesquisas19 referem que os resultados de shimmer em seus sujeitos não aumentaram conforme a idade, e constataram que as crianças menores não apresentavam valores aumentados para os índices de shimmer42.
Pesquisadores relataram que as grandes variações de shimmer, assim como de jitter, nas crianças, em função do sexo e da idade, também são sugestivas de mudanças anatomofisiológicas das estruturas laríngeas e da falta de controle laríngeo37,38.
O NHR é considerado uma das medidas de perturbação de ruído que quantificam a porção de ruído em relação à porção de harmônicos em uma amostra vocal, podendo ser de grande valor na diferenciação entre vozes normais e disfônicas10-12,27,43. O NHR é a proporção média entre o espectro inarmônico e o harmônico de energia vocal4.
Neste estudo, a média do NHR das crianças na faixa etária dos quatro anos foi significativamente maior do que as médias do mesmo parâmetro para as idades de cinco e seis anos, verificando-se também diferença significativa em favor da média total em relação à média para a idade de cinco anos. Além disso, foi significativa a correlação entre idade e a média total do NHR, visto que, à medida que a idade aumentou, o NHR diminuiu.
A literatura refere24 na comparação entre os grupos com vozes patológicas e o grupo com vozes normais, não verificar o aumento significativo do NHR. Entretanto, em outro estudo43 com 46 crianças que apresentavam nódulos vocais e 31 com vozes normais, entre quatro e quatorze anos, constatou-se que as medidas de jitter, shimmer, tremor de f0 e NHR foram significativamente maiores nas crianças com nódulos do que nas crianças com vozes normais.
Em estudo 44 com 50 meninos entre três e dez anos com o objetivo de verificar a relação entre o NHR, a análise perceptivo-auditiva e o exame laringoscópico. Os resultados revelaram que o NHR foi significativamente maior nos meninos com disfonia e com lesão estrutural nas pregas vocais do que nos meninos sem alterações.
Quanto ao NHR, a maioria dos estudos descreve valores comparando vozes normais e patológicas. Dessa forma, não foi possível comparar os resultados do presente estudo, em que o NHR foi significativamente maior na idade de quatro anos, com outros9,45-47.
Com base nos trabalhos em que o NHR foi maior frente a lesões de pregas vocais, percebe-se que alterações de mucosa podem aumentar o componente de ruído da emissão, relacionado por outros autores ao ruído perceptivo-auditivo (rouquidão e aspereza). Seria possível realizar o mesmo raciocínio aplicado anteriormente à interpretação dos resultados de jitter e PPQ obtidos neste trabalho: o de que a mucosa imatura das crianças de quatro anos de idade poderia oferecer condições vibratórias diferenciadas, com maior ruído à emissão, sem necessariamente ser observada, perceptivo-auditivamente, uma disfonia. Além disso, pode-se explicar o aumento do NHR na idade de quatro anos, no presente estudo, com base na literatura3 de que o os valores de NHR podem ser decorrentes de variações na freqüência e amplitude, ruído turbulento, componentes sub-harmônicos e quebras na emissão.
Na amostra avaliada no presente estudo, os valores de PPQ reduziram discretamente conforme o aumento da idade; apesar de essa redução não ter sido estatisticamente significativa, pode sugerir o que foi discutido anteriormente: o amadurecimento da criança em termos de estruturas e de sistema nervoso e sua experiência vocal podem determinar maior estabilidade da emissão à medida que a idade avança. Essa possibilidade é reforçada também pelo fato de que os valores médios de PPQ, para as faixas etárias de cinco e seis anos, foram próximos dos resultados encontrados por outros pesquisadores44 em crianças com idades entre quatro e quatorze anos.
No presente estudo, verificou-se correlação positiva significativa entre a média total de APQ e as médias totais de vf0 e vAm, ou seja, à medida que o APQ aumenta, vf0 e vAm também aumentam. Tal resultado está de acordo com a literatura48, visto que as instabilidades que ocorrem durante a emissão vocal podem ser classificadas como de longo e de curto termo, podendo aparecer isoladamente ou associadas, estando, em geral, relacionadas a problemas na adução glótica.
Considerando-se que o APQ é um quociente de perturbação de amplitude, uma medida de shimmer, tal resultado pode ser explicado uma vez que as vf0 sofrem a interferência das perturbações de altura (jitter) e de intensidade (shimmer), sendo fortes indicadores da instabilidade vocal, e sofrendo alterações em função das condições fonatórias, da intensidade, e da freqüência41.
À medida que a média total do APQ aumentou, a média do SPI reduziu significativamente. Tal correlação negativa significativa com a média total do SPI também foi verificada na comparação com a média total do PPQ.
À medida que a média total do NHR aumentou, a média da vf0 também aumentou significativamente.
A relação entre as forças aerodinâmicas, mioelásticas e muco-ondulatórias para produção vocal mostram que, na fase de fechamento do ciclo vibratório, continua a haver o fluxo aéreo expiratório. Esse fluxo promove a pressão subglótica, que acaba por superar a resistência da adução glótica e iniciar um novo ciclo3,10,37.
Portanto, com base nas afirmações acima, pode-se explicar a correlação positiva significativa verificada entre as variáveis vf0, PPQ, APQ e NHR, pois todas podem ser afetadas pela falta de adequado controle neuromuscular e pelo fluxo aéreo transglótico37.
Para que as pregas vocais possam resistir à pressão da corrente de ar, é necessário um adequado controle neuromuscular que mantenha a sua firmeza e estabilidade. Entre o SPI e o VTI, observou-se significativa correlação negativa, ou seja, à medida que o VTI aumentou, o SPI decresceu, provavelmente pelo fato de os próprios índices serem opostos. Quanto maior numericamente for o índice de SPI, isso significa que mais suave e fluída é a fonação, dentro do limite da normalidade. Da mesma forma, quanto menor o índice de VTI, dentro do limite da normalidade, menor será a turbulência no momento da fonação.
De forma geral, observou-se que a maioria dos resultados encontrados, a partir da implementação deste trabalho de pesquisa, foram condizentes com a bibliografia consultada, reforçando achados da literatura nacional e internacional e contribuindo com os conhecimentos que fundamentam a prática da avaliação clínica fonoaudiológica e otorrinolaringológica.
CONCLUSÕES
A partir dos resultados obtidos e das discussões estabelecidas, foi possível responder aos objetivos traçados para este estudo e propor os seguintes achados quanto aos parâmetros da análise acústica de crianças com idades entre quatro e seis anos.
Constatou-se que os resultados dos parâmetros acústicos, na idade de quatro anos, parecem evidenciar a imaturidade das estruturas e a falta de controle neuromuscular nessa idade e que os resultados das faixas etárias do cinco e seis anos sugerem que este possa ser considerado um momento de maturação das estruturas da fonação.
Este trabalho apontou resultados médios para cada parâmetro acústico, conforme as faixas etárias pesquisadas, propondo, desta forma, medidas-padrão para vozes infantis normais, uma vez que a literatura consultada não oferece tais dados. Trata-se de resultados que devem ser aprofundados com amostras maiores para poder haver generalização estatística dessas medidas. No entanto, em falta de trabalhos que as ofereçam, este trabalho poderá servir de base para a avaliação da voz de crianças de quatro a seis anos.
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1 Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana - UFSM, Fonoaudióloga.
2 Doutora, Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria.
Universidade Federal de Santa Maria.
Endereço para correspondência: Viviane M. Capellari - Avenida Azenha 305 ap. 22 Bairro Azenha 90160 Porto Alegre RS.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 27 de janeiro de 2007. cod. 3626
Artigo aceito em 16 de julho de 2007.