Ano: 2003 Vol. 69 Ed. 3 - Maio - Junho - (17º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 406 a 413
O forame de Huschke e suas implicações clínicas
Foramen of Huschke and its clinical implications
Autor(es):
Camilo A. Melgaço[1],
Letícia M. Penna[2],
Paulo I. Seraidarian[3]
Palavras-chave: forame de Huschke, incidência, implicações clínicas.
Keywords: foramen of Huschke, incidence, clinical implications.
Resumo:
Durante a formação e desenvolvimento da porção timpânica do osso temporal, podemos verificar a presença de um forame na região central da parede posterior da fossa articular (parede anterior do meato acústico externo). Este forame (forame de Huschke) está presente em todos os indivíduos, e sua luz oblitera-se por um processo natural de calcificação ao redor dos 5 anos de vida, podendo persistir, em uma porcentagem da população, na idade adulta. A persistência do forame de Huschke foi relatada por diversos autores como sendo possível etiologia de diversas alterações, distúrbios e patologias relacionadas com as articulações temporomandibulares (ATM), ouvidos e estruturas adjacentes. Tendo em vista suas implicações e importância clínica, torna-se fundamental que profissionais da saúde que atuam nestas regiões reconheçam as conseqüências da presença e persistência do forame de Huschke.
Abstract:
During temporal bone development and formation it is noted the presence of a foramen in the medial portion of the external auditory canal (foramen of Huschke). This foramen is normally present until the age of 4 or 5 years old, but in some people it persists throughout life. The persistence of this foramen and its clinical implications related to the temporomandibular joint, ear and nearby structures has been reported by many authors. Therefore, it is important that dentists, otorhinolaryngologists, speech pathologist and physiotherapists have a wide knowledge about the consequences of the presence and persistence of the foramen of Huschke.
INTRODUÇÃO
O forame de Huschke é presente nas fases precoces de desenvolvimento e formação da porção timpânica do osso temporal. Sua localização é, geralmente, na parte central da placa timpânica (parede posterior da fossa articular ou parede anterior do meato acústico externo). A presença deste forame é um achado freqüente em crianças com até 5 anos de idade, sendo que seu tamanho e forma podem ser variados. Porém, vários relatos na literatura mostram que este forame pode persistir em indivíduos adultos, caracterizando uma anomalia anatômica. Este forame recebeu o nome do otorrinolaringologista S. Huschke, que o descreveu em 18321-5. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão de literatura a respeito da embriologia, incidência e implicações clínicas que a presença e a persistência do forame de Huschke podem acarretar.
EMBRIOLOGIA
A articulação temporomandibular (ATM) é formada por dois componentes ósseos que são o osso temporal (na base do crânio) e o côndilo mandibular6.
O osso temporal se desenvolve pela fusão de três partes que podem estar separadas umas das outras na época do nascimento. Essas partes seriam a região petrosa do osso temporal (de origem endocondral), osso timpânico (origem membranosa) e a escama temporal (origem membranosa). O processo estilóide seria incluído a estes elementos posteriormente7.
Na quarta semana de vida intra-uterina encontram-se presentes os arcos branquiais, sulcos ou fendas branquiais e as bolsas faríngeas. A primeira bolsa faríngea formará a tuba auditiva e a cavidade timpânica, enquanto a primeira fenda branquial dará origem ao meato acústico externo. O pavilhão auricular desenvolve-se em torno do primeiro sulco branquial e é derivado dos tecidos dos arcos mandibular e hióideo. A membrana timpânica se forma da primeira membrana branquial que está localizada entre a primeira bolsa faríngea e primeira fenda branquial1,8.
Perto da nona semana de vida intra-uterina, quatro pequenos centros de ossificação surgem ao redor da membrana timpânica. Durante a décima semana estes centros se unem para formação do anel timpânico que é interrompido na sua parte superior pela incisura de Rivinus, caracterizando-o como um formato de "U". Este anel timpânico continua seu crescimento para unir-se à porção escamosa do osso temporal por volta da trigésima-quinta semana de vida intra-uterina. Ao nascimento, o anel timpânico possui duas proeminências ou tubérculos ósseos apresentando a forma do "U" (tubérculos timpânicos anterior e posterior). Durante o primeiro ano de vida estes processos crescem em direção um do outro até se fundirem. Concomitantemente, a parte inferior do anel cresce lateralmente para se fusionar com a parte petrosa do osso temporal, aumentando o comprimento do canal auditivo externo. A fusão do anel timpânico é inicialmente incompleta na sua porção anterior e inferior, resultando em uma abertura (forame de Huschke) presente até o quarto ou quinto ano de vida do indivíduo. Esta fusão separa o canal auditivo externo superiormente e o forame de Huschke inferiormente. A posição deste forame muda de ântero-inferior para anterior, com o crescimento e desenvolvimento para baixo e para frente do processo mastóideo. Porém, este forame pode persistir por toda a vida do indivíduo. Quando isso ocorre, a região retrodiscal da articulação temporomandibular e a porção medial do canal auditivo externo estão separadas apenas por tecido mole1,3,5,9 (Figuras 1-5).
Desta forma, o forame de Huschke representa a não-ossificação da porção ântero-inferior da placa timpânica, que é de origem intramembranosa5.
Incidência da Persistência do Forame de Huschke em Adultos
Quando se estuda a anatomia e embriologia do osso temporal percebe-se a existência de um "defeito" ósseo na parede medial do meato acústico externo (parede posterior da fossa articular). Esta condição permanece até aproximadamente os quatro anos de vida do indivíduo. Porém, aproximadamente 20% dos adultos podem apresentar vestígios deste "defeito", o que não deve ser confundido com lesões traumáticas7.
Em um estudo com 100 crânios humanos oriundos do Departamento de Anatomia Oral da Universidade de Illinois, foram encontradas 32 foramíneas maiores que 1mm de diâmetro nas 200 placas timpânicas observadas (16% da amostra). Sete dos cem crânios observados possuíam foramíneas bilaterais (7%). Estas foramíneas possuíam média de 1 a 7 mm de diâmetro e estavam mais comumente localizadas imediatamente na região lateral do sulco timpânico (ponto de inserção da membrana timpânica), ou abrangendo parte deste sulco em alguns casos. O forame de Huschke foi então descrito como possuindo uma forma cribiforme ou completa. Em alguns casos foi notada apenas uma cobertura translúcida de osso na região do forame9.
Outro estudo realizado com 377 crânios encontrou a incidência do forame de Huschke em 27 destes (7,2%). Do total examinado, 300 crânios eram chineses e 77 canadenses. A incidência do forame foi de 6,7% e 9,1%, respectivamente. Foi relatado que 14 dos 27 crânios apresentavam o forame bilateralmente e 13 unilateralmente. A forma predominante do forame foi oval (41 casos), seguida da forma redonda (15 casos) e irregular (2 casos). O tamanho médio do forame foi de 2,7mm e 3 mm para ambas medidas longitudinal e transversal10.
Observando 776 crânios brasileiros, Faig-Leite & Horta5 relataram a presença do forame de Huschke em 9,93% do total examinado (77 crânios). Este forame foi encontrado unilateralmente em 41 crânios (53,2%) e bilateralmente em 36 crânios (46,8%). Foi comprovado estatisticamente a maior incidência no sexo feminino e em indivíduos melanodermas do que em leucodermas (embora entre os grupos étnicos a diferença não tenha sido estatisticamente significante). Os forames encontrados puderam ser classificados em redondos (17,7% dos casos), ovais (17,7% dos casos) e irregulares (64,6% dos casos) e possuíam tamanhos médios transversais de 2,35mm e longitudinais de 2,48mm. A distância média da parte mais lateral do forame até o pório acústico externo foi de 10,15 mm (Figuras 6-10).
Implicações Clínicas da Persistência do Forame de Huschke
A artrite séptica ou artrite por infecção específica caracteriza-se por uma inflamação das articulações devido a uma gama de infecções (geradas por gonococos, estreptococos, estafilococos, pneumococos e bacilo tuberculoso) que podem produzir envolvimentos poliarticulares, seja por metástase sanguínea, linfática ou por extensão direta de uma infecção focal. A ATM parece escapar excepcionalmente a estas infecções, exceto no caso de infecções gonocócicas. Cerca de 5% dos pacientes com gonorréia apresentam artrite gonocócica e, desses, aproximadamente 3% apresentam acometimento da articulação temporomandibular. A forma mais comum de artrite infecciosa da ATM é aquela causada pela extensão direta de infecções de estruturas adjacentes como as de origem dentária, otológica, da glândula parótida, osteomielites e outras infecções da face12. Condições sistêmicas como o diabete melito, má nutrição, debilitação ou imunodepressão devido ao uso de córtico-esteróides e doenças pré-existentes na articulação (como a artrite reumatóide) podem facilitar a difusão de infecções (principalmente de Staphylococcusa aureus) para a ATM, causando artrite séptica3,13.
Anatomicamente existe uma proximidade entre o canal auditivo externo e a ATM, estando a cápsula articular presa à fissura escamotimpânica. Sendo assim, a deiscência congênita do canal cartilaginoso e da fissura de Santorini (fissura escamotimpânica) ou a persistência do forame de Huschke podem contribuir para a difusão de uma infecção para a articulação14,15.
Os sintomas mais comuns da artrite séptica da ATM são dores ao realizar movimentos mandibulares, inchaço pré-auricular, sensibilidade extrema à palpação e até limitações de movimentos. A maioria destes sintomas pode ser encontrada também na otite media isolada, dificultando um diagnóstico preciso13.
Artrite séptica da ATM também tem sido relatada concomitantemente com complicações de otite externa, embora seja extremamente rara. No relato de um caso clínico, um indivíduo do sexo masculino apresentava drenagem de líquido na orelha externa direita e movimentos ruidosos na abertura e fechamento da mandíbula. Na otoscopia foi verificada presença de tumefação na região inferior do canal auditivo externo, coberta com uma secreção de coloração esverdeada (provável causadora da otite externa). A membrana timpânica mostrava-se íntegra. No movimento de fechamento mandibular era notado surgimento de um fluido e aparecimento de bolhas de ar, no local da tumefação. O tratamento foi realizado com limpeza do meato acústico externo, seguido de antibiótico e córtico-terapia tópicos. O exame do osso temporal deste paciente (após sua morte devido a uma peritonite fecal) apresentou um defeito ósseo na região anterior e inferior do canal auditivo, comunicando orelha externa e cavidade articular (forame de Huschke)3.
O surgimento de uma fístula salivar da parótida, embora raro, pode ocorrer devido às várias formas de trauma que resultam em prejuízo parenquimal ou no ducto desta glândula. Tais casos exigem uma variedade de procedimentos cirúrgicos para correção. A glândula parótida é encontrada na parte externa da parede anterior e inferior do conduto auditivo externo, geralmente na sua parte cartilaginosa. Algumas vezes essa glândula pode alcançar a fossa articular, atrás da ATM. Esta parte recebe o nome de "lobo glenóide" e está em contato com a parte óssea e cartilaginosa do canal auditivo. Este lobo é, então, afetado pelos movimentos mandibulares. Num relato de caso clínico, um paciente apresentava-se com história clínica de 6 meses de drenagem de líquido aquoso e de aspecto claro na orelha direita, aumentado durante as refeições. Não havia relatos pregressos de traumas, cirurgias, fístulas ou anormalidades patológicas da parótida. A membrana timpânica direita mostrava-se sem alterações e o canal auditivo externo possuía um ponto de tumefação em sua parede anterior. Quando o paciente era instruído a mastigar algo doce, observava-se uma descarga de líquido por este ponto. Exames foram realizados e constatou-se desenvolvimento (durante os 6 meses de história clínica) de otite externa devido a uma irritação salivar. A presença de uma fístula salivar no conduto auditivo externo pôde ser comprovada pela variação anatômica que a glândula parótida pode apresentar, associada a um defeito ósseo na região central e anterior da placa timpânica ou parede posterior da fossa articular (forame de Huschke)5.
Laurent & Cirrel16 descreveram uma tumefação na região anterior do meato acústico externo de um paciente adulto com história de trauma facial. Na posição de fechamento da boca era observada uma obstrução parcial do meato acústico externo. A alteração localizava-se a 10 mm de profundidade, a partir do tragus. Quando o paciente era instruído a permanecer com a boca aberta, uma invaginação dos tecidos era observada no lugar da referida tumefação. Havia relato de hipoacusia e dor auricular. Na tomografia computadorizada foi detectada a presença de um defeito ósseo de aproximadamente 1 cm2, na região medial do osso timpânico (forame de Huschke). A cirurgia proposta para restabelecer o diâmetro correto do canal auditivo baseou-se num enxerto de cartilagem liofilizada, interposta entre os tecidos retrodiscais da ATM e o defeito ósseo.
Hérnias espontâneas da articulação temporomandibular para o interior do meato acústico externo também foram relatadas. Estas hérnias, muitas vezes bilaterais e indolores, localizavam-se aproximadamente a 30 mm do tragus, na região anterior do meato acústico externo. Na ausência de história de trauma facial, a falta de fechamento do forame de Huschke pode ser proposta como uma possível etiologia14.
No relato de um caso clínico foi observada uma fístula espontânea que se desenvolveu na parede anterior do meato acústico externo. Esta fístula localizava-se a 27mm do tragus e não havia história de trauma facial. A queixa principal do paciente era "um escorrimento de um líquido incolor pelo ouvido". A mastigação aumentava a intensidade deste fluido. Foi hipotetizado que o fluido era de origem sinovial, uma vez que o sialograma da parótida, associado a outros exames da glândula, não revelaram nenhuma alteração. O exame do fluído revelou não ser de origem salivar. Um defeito ósseo da placa timpânica, descrito como o não fechamento do forame de Huschke foi constatado na tomografia axial17.
Heffez et al.4 relataram um caso clínico em que o paciente apresentava-se com queixa de dor pré-auricular que aumentava com a mastigação e com a mudança de temperatura ambiental. Sintomas de dores de ouvido ou limitações de abertura de boca não foram observados. Não havia relatos pregressos de trauma, cirurgia da ATM, do ouvido ou sinais de infecção. Os movimentos mandibulares não apresentavam alterações e não foram detectados sons articulares. A membrana timpânica não apresentava alterações e uma tumefação na parede anterior do canal auditivo externo pôde ser percebida (esta tumefação obstruía boa parte da visão da membrana timpânica). Sempre que o paciente era instruído a abrir a boca amplamente, a tumefação retraía-se, deixando uma depressão no mesmo local. A tomografia computadorizada mostrou a inserção dos tecidos retrodiscais da ATM na região central da placa timpânica, onde se encontrava um defeito ósseo de margens arredondadas (forame de Huschke). Tal defeito estava localizado aproximadamente a 15mm da membrana timpânica. Nenhuma cirurgia foi realizada como tratamento.
Num segundo caso clínico, os mesmos autores relataram uma paciente que se apresentava com história de intervenções cirúrgicas em ambas articulações temporomandibulares. A paciente relatava dor intensa na orelha direita. Foram detectadas disfunções musculares em ambos os lados das articulações e deslocamento anterior de disco articular no lado direito. No exame de otoscopia foi constatada uma tumefação na parede anterior do canal auditivo externo que desaparecia com a abertura da boca da paciente. A tomografia computadorizada revelou a presença de um defeito na porção central da placa timpânica (forame de Huschke). Em ambos os casos, os autores concluíram que a pressão do côndilo contra os tecidos retrodiscais (quando o paciente mantinha a boca fechada), associada ao não fechamento do forame de Huschke foi suficiente para o aparecimento das tumefações relatadas. Acrescentam ainda que esta comunicação poderia servir como meio de comunicação de infecções da orelha média e externa para os tecidos da ATM, ou vice-versa.
A presença do forame de Huschke foi relatada como provável causa de enfraquecimento da estrutura óssea do canal auditivo externo, com possível tendência à fratura do mesmo em casos de traumas9.
A Persistência do Forame de Huschke a Artroscopia da ATM
Artroscopia é um tipo de exame que foi utilizado inicialmente para o diagnóstico e tratamento de algumas alterações do joelho e de outras grandes articulações do corpo. O avanço da tecnologia permitiu que a artroscopia fosse usada também para diagnosticar distúrbios da ATM18.
Desde a introdução da cirurgia de artroscopia na ATM em 1975, muito tem sido descrito sobre referências anatômicas e patologias observadas durante o procedimento. Poucos estudos, entretanto, relatam os resultados e acompanhamentos de uma série de casos. O procedimento parece ser efetivo na eliminação de sintomas dolorosos da ATM e restauração da função mandibular em pacientes sem redução de disco articular (mesmo onde os tratamentos não cirúrgicos falharam). A artroscopia não é só efetiva no tratamento de algumas desordens temporomandibulares, mas também uma ferramenta útil de diagnóstico e investigação de patologias da articulação19.
A artroscopia da ATM é realizada com uma fibra óptica rígida com diâmetro variando entre 1,7 e 2,7mm20-23. Através desse exame podemos obter visualização das cavidades e tecidos da articulação, realizar diagnósticos, irrigações, biópsias, remover adesões intra-articulares, corrigir traumas localizados nas cápsulas laterais (causadores de restrição de movimento no compartimento superior da ATM) e até fotografar20,24.
A artroscopia tem um importante papel na evolução cirúrgica do tratamento da ATM. Esta técnica traz informações sobre as superfícies articulares que não eram avaliadas em outros métodos21.
A ATM tem um compartimento articular superior e inferior que são separados pelo disco articular. Inserindo o artroscópio em um dos dois compartimentos, o operador é guiado através de marcas ósseas da articulação e da pele, ou indiretamente através da ponta da fibra do aparelho20.
Uma solução líquida (solução de Ringer's) é injetada para expandir o espaço superior da ATM. Assim, o artroscópio acoplado a uma câmara de vídeo é inserido no interior da cápsula articular e o espaço da articulação é examinado18. Dentro dos limites da artroscopia, a parede anterior do conduto auditivo externo define um limite posterior com a cavidade articular20.
Se por um lado, esse procedimento parece ser um bom meio para solução de problemas em que outros métodos clínicos não alcançaram os objetivos esperados, por outro lado, algumas complicações têm sido relatadas após artroscopias. Seriam elas22,25,26:
- hemorragias;
- alterações sensoriais e motoras;
- danos ao tecido sinovial da articulação (causando inflamações e até infecções);
- dores persistentes;
- infecções e injúrias às estruturas da orelha média e interna causando perdas auditivas, vertigens e paralisias faciais.
A parede anterior da parte timpânica do osso temporal pode não se mostrar inteiramente intacta, apresentando uma descontinuidade em sua parte central (forame de Huschke) a qual pode ser uma das explicações para a vulnerabilidade das estruturas do ouvido médio e interno1. Em havendo essa situação, a separação entre a fossa articular e orelha externa se faz, então, por tecidos moles que podem ser facilmente perfurados pelos instrumentos utilizados na artroscopia9.
A artroscopia da ATM é um procedimento que pode causar perfurações do ligamento posterior do disco articular. A junção entre a parte cartilaginosa e óssea do conduto auditivo externo pode ser facilmente penetrada por instrumentais utilizados durante o exame. Por isso, os artroscopistas devem estar conscientes das complicações e terem cuidado com o ângulo de inserção e com a profundidade de penetração dos instrumentos artroscópicos20,27.
Tem sido relatado um aumento na freqüência de complicações originadas pelo uso da técnica artroscópica. Tais complicações podem ser20:
· perda auditiva causada por infecções, traumas na membrana timpânica e deslocamento discreto do martelo;
· ruptura da janela oval e problemas no labirinto membranoso (causados por instrumentos mal posicionados na orelha média);
· paralisia facial e fraturas ósseas do conduto auditivo externo.
Após artroscopia da ATM, Van Sickels et al.23 relataram um caso de injúria nas estruturas do ouvido médio e perfuração da membrana timpânica com perda auditiva condutiva. Segundo estes autores, a possível causa de tais injúrias seria a introdução dos instrumentais utilizados na artroscopia numa retro-direção, atingindo a parede posterior da fossa articular (parte anterior da placa timpânica) onde persistia o forame de Huschke.
Num exame de três pacientes com complicações otológicas após artroscopia da ATM, foram constatadas rupturas das membranas timpânicas destes três casos e lesão labiríntica em dois, com completa e profunda surdez neurossensorial. No terceiro paciente foi observado deslocamento da bigorna, perda auditiva condutiva e paralisia facial devido à lesão do segmento timpânico do nervo facial, na área da janela oval. Uma possível explicação para estas complicações seria a introdução dos instrumentais utilizados durante a artroscopia numa direção posterior. Tais instrumentais atravessariam a parede posterior da fossa articular (parede anterior da placa timpânica) que poderia conter o forame de Huschke persistente, ou uma fina camada óssea nessa região. Os instrumentos, nesses casos, penetrariam no meato acústico externo imediatamente numa posição lateral ao anel timpânico e membrana, perfurando-os e causando lesões nas estruturas dos ouvidos médio e interno. Outra possível área anatômica para o acesso do artroscópio seria a junção da área óssea e cartilaginosa do meato acústico externo. Os autores ainda acrescentaram que uma irrigação realizada com o artroscópio posicionado na orelha média poderia contribuir para as patologias relatadas no labirinto20.
COMENTÁRIOS FINAIS
A partir da revisão da literatura realizada neste trabalho, podemos concluir que:
· O forame de Huschke é uma estrutura presente na embriologia e desenvolvimento do osso temporal, fechando-se até os cinco anos de vida do indivíduo;
· Na população brasileira este forame permanece persistente em aproximadamente 10% da população adulta;
· Este forame permite uma comunicação, separada apenas por tecidos moles, entre a fossa articular e meato acústico externo;
· Inúmeras implicações clínicas relativas ao não-fechamento deste forame têm sido relatadas na literatura como otites externas e médias, artrites infecciosas, hérnias e fístulas no conduto auditivo externo, lesões de orelha média e interna com comprometimento auditivo, fraturas ósseas pelo enfraquecimento da parede anterior do meato acústico externo, além de danos neuromotores faciais;
· É de fundamental importância que os profissionais que atuam na região de ATM e ouvido tenham o conhecimento da existência e das implicações clínicas decorrentes da persistência do forame de Huschke.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Anson BJ, Donaldson JA. Surgical Anatomy of the Temporal Bone. 3rd Ed. Philadelphia: WB Saunders; 1981. p. 114-23.
2. Ars B, Ars-Piret N. The morphogenesis of the tympanic part of the temporal bone. Clin Otolaryngol 1986;11:9-13.
3. Dingle AF. Fístula betwee the external auditory canal and the temporomandibular joint: a rare complication of otitis externa. J Laryngol Otol 1992;106:994-5.
4. Heffez L, Anderson D, Mafee M. Developmental defects of the tympanic plate: case report and review of the literature. J Oral Maxillofac Surg 1989;47:1336-40.
5. Sharma PD, Dawkins RS. Patent foramen of Huschke and spontaneous salivary fistula. J Laryngol Otol 1984;98:83-5.
6. Holmlund A, Hellsing G. Arthroscopy of the temporomandibular joint. Int J Oral Surg 1985;14:169-75.
7. Sicher, Dubrul EI. Anatomia oral. 8ª ed. São Paulo: Artes médicas; 1991.p. 390.
8. Zemlin RW. Embriologia do Mecanismo da fala e da Audição. In: Zemlin RW. Princípios de anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. p.531-66.
9. Herzog S, Fiese R. Persistent Foramen of Huschke: Possible Risk Factor for Otologic Complications After Arthroscopy of the Temporomandibular Joint. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1989;68:267-270.
10. Wang RG, Bingham B, Hawke M, Kwok P, Li R. Percistence of the foramen of Huschke in the adult: an osteological stdy. J Otolariyngol 1991;20:251-3.
11. Faig-Leite H, Horta Júnior JAC. Persistence of the foramen of Huschke. Dent Res 1999;77:177.
12. Shafer WG. Doenças dos osso e das articulações. In: Shafer WG. Tratado de patologia bucal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara; 1987. p.624-64.
13. Thomson HG. Sepic arthritis of the temporomandibular joint complicating otites externa. J Laryngol Otol 1989;103:319-21.
14. Hawke M, Kwork P, Mehta M. Bilateral spontaneous temporomandibular joint herniation into the external auditory canal. Jounal of Otolaryngology 1987;16:387-9.
15. Smith PG, Lucente FE. Infections in Otolaryngology/Head and Neck Surgery. In: Cummings CW, Harker LA, Kreuse CJ, Shuller DE. Otolaryngology. St Louis: The C.V. Mosby Company; 1986.p. 2899.
16. Laurent F, Currel P. Stenose du conduit auditif externe par intrusion meniscale. Rev Stomatol Chir Maxillofac 1984;85:276
17. Hawke M, Kwork P, Shankar L. Spontaneous temporomandibular joint fistula into the external auditory canal. J Otolaryngol 1988;17:29.
18. Indresano AT. Arthroscopic Surgery of the temporomandibular joint: report of 64 patients with long-term follow up. J Oral Maxillofac Surg 1989;47:439-441.
19. Jeffrey JM, Ian DP. TMJ - Arthroscopic Surgery: An Analysis of 237 Patients. J Oral Maxillofac Surg 1989;47:790-4.
20. Applebaum EL, Berg LF, Kumar A, Mafee MF. Otologic complications following temporomandibular joint arthroscopy. An Otol Rhinol Laryngol 1988;97:675-8.
21. Liedberg J, Westesson PL, Sweden M. Diagnostic accuracy of upper compartment arthroscopy of the temporomandibular joint correlation with postmortem morphology. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1986;62:618-24.
22. Sanders BS. Arthroscopic surgery of the temporomandibular joint: treatment of internal derangement with persistent closed lock. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1986;62:361-372.
23. Van Sickels JE, Nishioka GJ, Hegewald MD, Neal GD. Middle ear injury resulting from temporomandibular joint arthroscopy. J Oral Maxillofac Surg 1987;45:962-5.
24. Moses JJ, Sartoris D, Glass R, Tanaka T, Poker I, Fracds. The essect of arthroscopic surgical lysis and lavage of the superior joint space on TMJ disc position and mobility. J Oral Maxillofac Surg 1989;47:674-678.
25. Goss AN, Bosanquet AG. Temporomandibular Joint Arthroscopy. J Oral Maxillofac Surg 1986;44: 614-7.
26. Heffez L, Blaustein D. Diagnostic Arthroscopy of the Temporomandibular Joint. Part 1. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1987;64:653-70.
27. Holmlund A, Hellsing G. Arthroscopy of the Temporomandibular Joint: Occurrence and Location of Osteoarthrosis and Synovitis in a Patient Material. Int J Oral Maxillofac Surg 1988;17:36-40.
[1] Cirurgião-Dentista graduado pela FO-UFMG, aluno da graduação do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina e Fonoaudiologia da UFMG, professor do Curso de Atualização para Auxiliares de Consultório Dentário da FO-UFMG e professor do Curso de Formação de Auxiliares de Consultório Dentário do CEO-IPSEMG.
[2] Aluna da graduação do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina e Fonoaudiologia da UFMG.
[3] Mestre e Doutor em Odontologia Restauradora - área de concentração prótese buco-maxilo-facial, coordenador do curso de mestrado em prótese dentária da PUC-MG, professor responsável pela disciplina de Oclusão e ATM da Universidade Ibirapuera-Unib, professor assistente do Departamento de prótese dental da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos/UNESP.
Endereço para Correspondência: Camilo Aquino Melgaço - Rua Espírito Santo nº 1111, apto. 1401 Centro Belo Horizonte MG 30160-031 - Tel (0xx31) 3226-56-16/ (031) 9628-97-51 - E-mail: camiloaquino@zipmail.com.br