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Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 338 a 341

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Hemorragia na adenoidectomia e/ou amigdalectomia: revisão de 359 casos

Hemorrhage in adenoidectomy and/or tonsillectomy: 359 cases review

Autor(es): Fernando M. J. Vieira[1],
Flávia L. Diniz[2],
Cláudia R. Figueiredo[3],
Luc L. M. Weckx[4]

Palavras-chave: adenoidectomia, amigdalectomia, hemorragia pós-operatória, complicação pós-operatória.

Keywords: adenoidectomy, tonsillectomy, post-operatory hemorrhage, post-operatory complications.

Resumo:
Introdução: A adenoidectomia e a amigdalectomia são historicamente os procedimentos cirúrgicos mais realizados na especialidade otorrinolaringológica, tendo incidência principal sobre a população pediátrica. A mais freqüente e mais grave das complicações deste procedimento é a hemorragia no período pós-operatório. Forma do Estudo: Clínico prospectivo. Objetivo: O objetivo deste estudo é o de contribuir para o manejo da principal complicação da adenoamigdalectomia, o sangramento no intra-operatório e no pós-operatório imediato, analisando a freqüência de episódios hemorrágicos, a necessidade de procedimentos hemostáticos, reintervenção cirúrgica e hemotransfusão. Método: Para a realização deste estudo, foram analisadas prospectivamente todas as crianças submetidas a adenoidectomia e/ou amigdalectomia pela Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP/EPM no período de março de 2001 a março de 2002, realizadas no Hospital São Paulo. Resultados: Foram incluídos no estudo 359 pacientes submetidos a adenoidectomia e/ou amigdalectomia. Observou-se hemorragia pós-operatória em 3 crianças, sempre em casos de adenoamigdalectomia combinada e considerada primária (nas primeiras 24 horas após o procedimento). Conclusões: Entre as crianças incluídas no estudo, ocorreu hemorragia no pós-operatório de três casos, representando incidência de 0,8%.

Abstract:
Introduction: Historically, adenoidectomy and tonsillectomy are the most frequent surgical procedures done by otorhinolaryngologists, and more often in the pediatric population. The most frequent and most serious complication related to these procedures is the hemorrhage in the post-operatory period. Study Design: Clinical prospective. Aim: To evaluate the occurrence of the most common surgical complication of the procedure: post-operatory hemorrhage, contributing to the handling of this potentially fatal complication. Method: We prospectively analyzed all children submitted to adenoidectomy and/or tonsillectomy at the Pediatric Otorhinolaryngology Discipline of the Federal University of São Paulo from March 2001 to March 2002. Results: 359 cases of adenoidectomy and/or tonsillectomy were included in this study. Post-operatory hemorrhage was observed in 3 cases of combined adenotonsilectomy, all of them in the first 24 hours after the surgical procedure. Conclusion: We observed that 3 cases of post-operatory hemorrhage have occurred, representing an incidence of 0,8%.

RESUMO DE LITERATURA

A amigdalectomia e a adenoidectomia estão entre os procedimentos otorrinolaringológicos mais freqüentes atualmente. Entre as indicações de adenoidectomia encontra-se hiperplasia intensa do tecido linfóide, com conseqüente respiração bucal e otite secretora incontrolável, otite média aguda de repetição e infecções nasossinusais de difícil controle.1
Entre as indicações de amigdalectomia citam-se infecções agudas repetidas e de difícil controle, abcesso periamigdaliano e hiperplasia intensa.1

Entre as complicações destes procedimentos, destaca-se o sangramento pós-operatório, dito primário quando nas primeiras 24 horas do procedimento.1,2 Peeters et al. relatam casos fatais de hemorragia pós-operatória, tanto pós hipovolemia quanto por hiponatremia após correção incorreta de volemia.3

Entre as diversas técnicas cirúrgicas, como dissecção mecânica, uso de eletrocautério ou guilhotina, pouca diferença entre os índices de hemorragia foi observada.4,5,6

Atualmente discute-se e emprega-se a adenoamigdalectomia como um procedimento realizado em apenas um dia de internação, devido à segurança com que é realizado.7 Discute-se ainda o emprego de medicações como antibióticos e corticosteróides no pós-operatório para diminuição do desconforto do paciente e uma volta mais rápida às atividades diárias.8,9

INTRODUÇÃO

A adenoidectomia e a amigdalectomia são historicamente os procedimentos cirúrgicos mais realizados na especialidade otorrinolaringológica, tendo incidência principal sobre a população pediátrica. No início do século XX ocorreu uma explosão no emprego destas cirurgias, sendo realizadas sob as mais diversas indicações com sintomatologia mínima. A partir da década de 60, com o progresso da imunologia, iniciou-se um movimento no sentido de padronizar e definir indicações precisas destas cirurgias. Observa-se então um declínio na aplicação destas cirurgias, mas, apesar dessa tendência, continuam entre os procedimentos cirúrgicos mais realizados na atualidade.

As principais indicações para a realização da adenoidectomia e da amigdalectomia ainda são as infecções recorrentes e obstrução de vias aéreas superiores, podendo levar a sinusites recorrentes, otites médias de repetição, ronco e apnéia. A adenoidectomia encontra indicação quando sua hipertrofia causa obstrução de mais de 80 a 90% da luz da nasofaringe, sendo responsável, neste caso, por alterações do crescimento crânio-facial pela Síndrome do Respirador Bucal.1

A amigdalectomia também encontra hoje indicações precisas para sua realização. Entre essas indicações citam-se as amigdalites de repetição, que podem comprometer as atividades escolares e o desenvolvimento da criança; hipertrofia amigdaliana irredutível que pode cursar com respiração bucal, ronco e apnéia do sono; e abcessos periamigdalianos.1

Apesar do largo emprego da adenoidectomia e da amigdalectomia atualmente em nosso meio, estes procedimentos não são isentos de complicações. Entre estas complicações destaca-se a hemorragia pós-operatória como a mais freqüente e mais grave, podendo tornar-se fatal em determinados casos.1,2,3

O objetivo deste estudo é de contribuir para o conhecimento da freqüência do sangramento no intra-operatório e no pós-operatório imediato, analisando a freqüência de episódios hemorrágicos, a necessidade de procedimentos hemostáticos, reintervenção cirúrgica e hemotransfusão.

MATERIAL E MÉTODO

Para a realização deste estudo, foram analisadas prospectivamente todas as crianças submetidas a adenoidectomia e/ou amigdalectomia pela Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP/EPM no período de Março de 2001 a Março de 2002, realizadas no Hospital São Paulo.

Em todos os casos, foram solicitados hemograma e coagulograma no pré-operatório. Os pais ou responsáveis foram informados sobre os riscos inerentes ao procedimento e assinaram o termo de consentimento da Sociedade Brasileira de ORL (SBORL).

Todas as cirurgias foram realizadas sob anestesia geral e intubação orotraqueal, e a técnica empregada foi dissecção mecânica do tecido amigdaliano e curetagem do tecido adenoidiano com cureta de Beckman. A hemostasia foi realizada com pontos simples separados de categut 2.0.

As cirurgias foram realizadas por médicos residentes e especializandos em Otorrinolaringologia do Hospital São Paulo, sempre sob supervisão de preceptores.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 359 pacientes submetidos a adenoidectomia e/ou amigdalectomia, 189 do sexo masculino (52,6%) e 170 do sexo feminino (47,4%) (Gráfico 1. A média de idade foi de 5,8 anos, variando entre 1 ano e 9 meses a 17 anos.

Dentre os 359 procedimentos, foram 89 adenoidectomias, 1 amigdalectomia e 269 adenoamigdalectomias. Em 15 casos foram instalados tubos de ventilação no ato operatório devido à otite média secretora.

A principal indicação cirúrgica foi hipertrofia de tonsila faríngea em 64 casos, hipertrofia de amídalas em 1 caso, hipertrofia adenoamigdaliana em 272 casos e otite média secretora em 22 casos (Gráfico 3).

Observou-se hemorragia pós-operatória primária (nas primeiras 24 horas após o procedimento) em 3 crianças. No primeiro caso observou-se hemorragia pós-operatória 6 horas após curetagem de adenóide, sendo locado tampão posterior com interrupção do sangramento. O tampão foi retirado após 24 horas sem qualquer intercorrência.

No segundo caso, ocorreu hemorragia maciça 12 horas após o ato cirúrgico, necessitando revisão hemostática sob anestesia geral. Ocorreu novo episódio hemorrágico dentro das primeiras 24 horas, necessitando novamente de revisão cirúrgica e a administração de uma unidade de concentrado de hemácias para adequado equilíbrio hemodinâmico. Não houve novos sangramentos no pós-operatório tardio; o caso está sob investigação na Hematologia da UNIFESP/EPM.

No terceiro caso foi observada hemorragia pós-operatória 8 horas após curetagem de adenóide, sendo colocado tampão posterior com adequado controle da hemorragia. O tampão foi retirado após 24 horas sem outras intercorrências.

Analisando os dados acima, encontramos uma incidência de 0,8% de complicação hemorrágica no pós-operatório imediato.


Tabela 1. Hemorragia após adenoidectomia em crianças



Tabela 2. Hemorragia após amigdalectomia em crianças



Gráfico 1. Distribuição pelo sexo dos pacientes submetidos a cirurgia



Gráfico 2. Distribuição por faixa etária dos casos operados



Gráfico 3. Indicação cirúrgica segundo número de casos operados


DISCUSSÃO

Uma vez reconhecido o importante papel e a elevada freqüência desses procedimentos, é indispensável a qualquer um que pretenda praticá-los o devido conhecimento das possíveis complicações e intercorrências que poderá encontrar.

Entre as complicações do intra e pós-operatório, a hemorragia destaca-se como a mais freqüente e que traz mais riscos à vida do paciente, portanto seu controle é imprescindível. É denominada primária quando ocorre nas primeiras 24 horas após o procedimento.3

O sangramento intra e pós-operatório pode ser minimizado por investigação de antecedentes pessoais e familiares de sangramento, suspensão com antecedência de medicamentos que alterem a coagulabilidade sanguínea ou agregação plaquetária e a solicitação de coagulograma.

A importância da solicitação e valorização de exames que avaliem a cascata da coagulação foi demonstrada neste estudo. O segundo caso de hemorragia, que necessitou de reintervenção cirúrgica e hemotransfusão, não tinha antecedentes familiares de doença hemorrágica e apresentava como exames pré-operatórios o tempo de coagulação e o tempo de sangramento normais. A atividade de pró-trombina (AP) era de 71,8%, com INR de 1,26, porém, o tempo de tromboplastina ativada (TTPA) era de 46,1 (nl entre 25 e 35) e mesmo assim foi submetido ao procedimento. Após 1 ano e 3 meses da cirurgia, permanece em investigação na Hematologia da UNIFESP/EPM, com TTPA ainda alterado e sem diagnóstico definido.

Relata-se na literatura uma incidência de hemorragia pós-operatória primária em crianças que varia de 0,1 a 1,4% após adenoidectomia e de 0,23 a 1,6% após amigdalectomia, segundo as Tabelas abaixo.

Em nosso estudo, os três casos relatados representam uma incidência de 0,8% de hemorragia pós-operatória primária, o que está de acordo com a literatura apresentada.

Peeters et al.3 sugerem ainda uma classificação entre hemorragias maiores e menores, sendo que as hemorragias maiores correspondem àquelas que necessitam de transfusão de sangue e/ou revisão hemostática sob anestesia. Segundo este critério, o índice de hemorragia maior na nossa casuística foi de apenas 0,27%.

Neste estudo, os três casos de hemorragia pós-operatória ocorreram em pacientes submetidos a adenoamigdalectomia, sendo que as hemorragias mais leves tiveram origem no leito adenoidiano, e o mais grave na loja amigdaliana. Não ocorreu nenhum caso de sangramento em adenoidectomia ou amigdalectomia isoladas.

Dor, febre e vômitos podem levar à desidratação, outra complicação pós-operatória imediata que pode e deve ser tratada com reposição adequada de fluidos e eletrólitos. Alguns autores preconizam a utilização rotineira de antibióticos visando a redução de dor e febre, prevenindo a desidratação e promovendo um retorno mais rápido à dieta habitual.

Há inúmeros trabalhos na literatura sobre a importância das complicações do procedimento, existindo até mesmo casos fatais3. Portanto, é imprescindível o conhecimento das indicações, da técnica e possíveis intercorrências da cirurgia, para maior segurança do médico, e principalmente do paciente.

CONCLUSÃO

A adenoamigdalectomia é hoje procedimento seguro, com indicações precisas, porém não isento de complicações, sendo a hemorragia pós-operatória a mais freqüente. Na nossa casuística, a incidência deste evento foi de 0,8%, sendo que apenas um caso necessitou reintervenção cirúrgica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Otacilio e Campos. Tratado de Otorrinolaringologia. Editora Roca; 1994.
2. Peeters A, Katz S. Tonsillectomy and adenotomy as a one day procedure? Acta Otorhinolaryng Belg 1999;53.
3. Peeters A, Saldien V. Lethal complications after tonsillectomy. Acta Otorhinolaryng Belg 2001;55.
4. D´Avila J, Naves AB, Sobral HAC. Adenoidectomia: Novos princípios. Estudo interdisciplinar. Rev Bras Otorrinol Nov/Dez 1999;65(6).
5. Bottino MA, Souza JCR, Martinelli RB. As vantagens do Sluder na amigdalectomia Arc Otorrinolaringol 2002;6(1) 51-3.
6. Stanislaw Jr. P, Feustel PJ. Comparison of power-assisted adenoidectomy vs adenoid curette adenoidectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg July 2000;126.
7. Tewary AK. Day-case tonsillectomy: a review of the literature. Jounal of Laryng and Otology Aug 1993;107.
8. Colreavy MP, Cafferkey M. Antibiotic prophylaxis post-tonsillectomy: is it of benefit? Int Journal of Ped Otorhin 1999;50.
9. Hengerer AS. Do intravenous steroids play a role for tonsillectomy patients? Arch Otolaryngol Head Neck Surg Aug 2001;127.




[1] Médico pela Universidade Federal de São Paulo.
[2] Pós-graduanda ao nível de mestrado em caráter probatório pela UNIFESP-EPM.
[3] Mestre em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM.
[4] Livre-Docente pela UNIFESP/EPM.

Endereço para Correspondência: Fernando M. J. Vieira # Rua Sararé, 287 ap.101 SP 05452-010

Tel (0xx11) 3021-1081 / 9915-1389 # E-mail: mailto:fvieira65@uol.com.br

O autor recebeu auxílio financeiro através do PIBIC (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica) do CNPq para a realização deste trabalho.

Este trabalho foi apresentado no X Congresso de Iniciação Científica da UNIFESP/EPM, realizado em São Paulo de 01 a 02 de Outubro de 2002. Anais, p. 118.

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