Versão Inglês

Ano:  2008  Vol. 74   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (15º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 91 a 98

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Comparação entre os questionários IT-MAIS e MUSS com vídeo-gravação para avaliação de crianças candidatas ao implante coclear

Comparison between the IT-MAIS and MUSS questionnaires with video-recording for evaluation of children who may receive a cochlear implantation

Autor(es): Elaine Soares Monteiro Pinto1, Cristina Broglia de Feitosa Lacerda2, Paulo Rogério Catanhede Porto3

Palavras-chave: candidatos, implante coclear, observação direta, protocolos, questionário muss.

Keywords: potential users, cochlear implant, direct observation, protocols, muss questionnaire.

Resumo:
Existe uma grande dificuldade para determinar precocemente crianças que se beneficiariam ou não com o implante coclear, até porque devido à pouca idade são muito sutis as respostas apresentadas. Objetivo: Comparar os resultados obtidos através da vídeo-gravação de situações de interação de crianças candidatas ao implante coclear com os resultados obtidos através de protocolos de avaliação. Método: Fizeram parte da amostra 7 crianças com idade média de 39,7 meses, portadores de perda auditiva neurossensorial profunda. Foram aplicados os questionários IT-MAIS e MUSS aos pais e os resultados foram comparados com a observação da vídeo-gravação destas crianças. Resultados: Foi possível observar que os dados são compatíveis no que se refere às etapas auditivas. No entanto, no que se refere ao questionário MUSS, os dados obtidos na observação lúdica são bastante diferentes. O questionário leva em consideração apenas a uso da linguagem oral e, portanto, a maioria das crianças apresentou um escore muito baixo. Conclusão: A observação lúdica permitiu traçar um perfil mais amplo do comportamento lingüístico e de aspectos relativos à linguagem apresentando diferenças do questionário.

Abstract:
There is a great difficulty in determining earlier on which children would benefit or not from cochlear implants, especially because of their young age, the responses they give are very subtle. Aim: To compare results obtained through video-recording of the interactions of children who may receive a cochlear implant with the results obtained through evaluation protocols. Method: Seven children, with an average age of 39.7 months, with profound hearing loss were selected for the study. IT-MAIS and MUSS questionnaires were given to their parents/guardians of these children and the results were compared with the observation of the video-recordings. Results: It was possible to observe that the data is compatible with the auditory stages. However, the MUSS questionnaire data gathered during playful activities is very different . The questionnaire only takes into consideration the use of verbal language and therefore the majority of the evaluated children inevitably score low. Conclusion: Observing children play allows us to trace a better profile of linguistic behavior and aspects relative to language, that may presented differences in the questionnaire.

INTRODUÇÃO

Com o surgimento dos programas de triagem auditiva neonatal, o diagnóstico da surdez vem ocorrendo de forma cada vez mais precoce. Segundo Yoshinaga-Itano1, crianças com diagnóstico precoce para surdez que receberam intervenção adequada até os 6 meses de idade apresentam um desenvolvimento de linguagem comparável ao de crianças normais na mesma faixa etária independente do grau de perda auditiva. Graças a este processo, a protetização de crianças vem acontecendo de forma precoce (antes dos 6 meses muitas vezes), e muito precocemente também vem sendo possível identificar as crianças que não se beneficiam do uso de aparelhos de amplificação sonora tradicional.

A prótese auditiva convencional é eficaz no tratamento da perda auditiva, porém, por ser um amplificador sonoro, a prótese auditiva necessita de uma reserva coclear suficiente para que possa haver uma boa percepção do som e da fala pelo paciente. Pacientes que não se beneficiam da prótese auditiva são candidatos a uma segunda alternativa na reabilitação de sua deficiência auditiva: o Implante Coclear como afirma Bento et al.2.

O avanço tecnológico na medicina tornou possível a utilização do implante coclear em crianças e este demonstra ser uma reconhecida tecnologia que promove para o surdo o acesso aos sinais auditivos previamente inacessíveis com a amplificação tradicional. O implante é recomendado pela US Food and Drug Administration (órgão regulador dos serviços humanos e de saúde) após os 12 meses de idade. Além da melhora dos limiares tonais, inovações nos implantes cocleares têm ocorrido e o surgimento de dispositivos flexíveis tem permitido a utilização de estratégias múltiplas de processamento digital dos sons da fala, melhorando, portanto, a capacidade de discriminação do paciente, segundo Frederigue 3.

O implante coclear é uma bobina de indução, denominada de receptor interno, implantada debaixo da pele localizada um pouco atrás e acima da orelha, e de um fio de platina (eletrodo ativo) introduzido na cóclea; este fio contém minúsculos eletrodos que são implantados na rampa do tímpano e estimulam eletricamente as fibras nervosas em diversas posições ao longo da espiral da cóclea (Kandel)4.

O implante coclear, portanto, substitui parcialmente as funções da cóclea, transformando a energia sonora em sinais elétricos (Ferrari et al.)5.

Considera-se candidata ao uso do implante coclear a criança que, após experiência com próteses auditivas, não demonstra ganho satisfatório para percepção de fala. Segundo Miyamoto et al.6, para introduzir os benefícios do implante precoce, o gap entre a idade lingüística e a idade cronológica deve ser minimizado e a informação auditiva deve ser introduzida durante os períodos críticos de desenvolvimento de linguagem. Segundo estes autores, o implante colocado precocemente minimiza os atrasos de linguagem e promove o desenvolvimento de habilidades lingüísticas apropriadas para a idade da criança, no entanto, a razão do benefício do crescimento da linguagem deve ser estabelecida e balanceada com o risco potencial associado à anestesia e ao procedimento cirúrgico nesta faixa etária. Para Quittner et al. 7, a colocação precoce do implante antes de mudanças estruturais e funcionais no cérebro também é importante para o positivo desenvolvimento e, segundo a autora, possibilita uma trajetória "normal" de desenvolvimento. Nos estudos de Pulsifer et. al.8, os resultados sugerem que o implante coclear pode ser benéfico para crianças que tenham perda severa a profunda, resultando na melhor detecção de sons, percepção de fala, e desenvolvimento global após 1 ano de cirurgia, particularmente para as habilidades sociais e de comunicação; as crianças menores apresentam mais ganhos.

No entanto, existe uma grande dificuldade para determinar precocemente crianças que se beneficiariam ou não com o implante coclear, até porque devido a pouca idade, são muito sutis as respostas apresentadas. A forma de avaliação preferencialmente utilizada de acordo com a literatura foi objetiva, na maioria das vezes composta por protocolos de avaliação de linguagem e percepção de fala que fornecem medidas quantitativas do desempenho obtido, conforme observamos nos estudos de Bevilacqua et al. 9, Svirsky et al.10, Pulsifer et al.8, Myamoto et al.6, Ouellet et al.11. Muitos questionários são aplicados aos pais acerca do desenvolvimento de linguagem que buscam conhecer melhor o desempenho da criança nesta área e neste sentido verificar a pertinência ou da indicação do implante coclear. Contudo, muitas vezes os pais ao responderem tais questionários demonstram uma observação imprecisa do efetivo desenvolvimento do filho, o que poderia prejudicar a avaliação baseada nestes protocolos. Observa-se nos serviços brasileiros o uso do MUSS, que apresenta perguntas sobre o desenvolvimento da linguagem oral e do IT-MAIS que se preocupa com o desenvolvimento das etapas auditivas.

MUSS - Meaningful Use of Speech Scale - foi elaborado por Robins e Osberger12 e neste questionário a fala foi usada como sinônimo da linguagem oral, avaliando-se o seu uso no dia-a-dia. No Brasil esta escala foi adaptada por Nascimento13 com o objetivo de caracterizar a produção de fala em crianças com audição normal, e para tanto foi aplicado em um grupo de 15 pais de crianças de 2 a 5 anos com resultados normais de avaliação neurológica, otorrinolaringológica e audiológica sem antecedentes de distúrbios da comunicação e audição na anamnese. A autora concluiu que o escore máximo da escala foi alcançado aos 51 meses e que a fala e a linguagem evoluíram num processo gradual e contínuo que se definiu ao redor dos 5 anos. Todas as crianças avaliadas usavam as vocalizações para atrair a atenção dos outros e para se comunicar.

MAIS - Meaningful Auditory Integration Scale - é uma escala designada a acessar o significado da perda auditiva para a criança no uso de sons em situação de vida diária (Robins et al.)14.

Para verificar as habilidades auditivas em crianças muito pequenas utiliza-se a IT-MAIS (Infant Toddler Meaningful Auditory Integration Scale) que também pesquisa comportamentos auditivos espontâneos da criança em situações de vida diária, através de exemplos em três diferentes áreas do desenvolvimento de habilidades auditivas. Estas três áreas incluem mudanças na vocalização associadas com o uso do dispositivo, alerta para sons ambientais e atribuição de significado ao som. Usando a informação proveniente dos pais, o examinador pontua cada questão pela freqüência de ocorrência do comportamento que varia de 0 ("nunca demonstrou este comportamento") para 4 ("sempre demonstrou este comportamento). A possibilidade total no IT-MAIS é 40 (Robins et al.)15.

Em nossa prática clínica temos observado que existe uma defasagem entre o que é relatado pelos pais, a nossa observação sobre o desenvolvimento apresentado pela criança e o uso que esta faz do seu aparelho de amplificação sonora individual. É importante salientar que a forma de avaliação preferivelmente utilizada de acordo com a literatura consultada foi a metodologia objetiva, na maioria das vezes composta por protocolos de avaliação de linguagem e percepção de fala que fornecem medidas quantitativas do desempenho obtido, conforme observamos nos estudos de Bevilacqua et al.9, Pulsifer et al.8, Myamoto et al.6, Ouellet et al.11.


OBJETIVO

No presente estudo, tivemos como objetivo comparar os resultados obtidos através da vídeo-gravação de situações de interação de crianças candidatas ao implante coclear com os resultados obtidos através de protocolos de avaliação baseados nas respostas dos pais, com a finalidade de refletir sobre a validade deste procedimento na avaliação de crianças candidatas ao implante coclear.


MATERIAL E MÉTODO

Caracterização da amostra

Foram considerados sujeitos da amostra crianças com deficiência auditiva profunda, que tivessem sido aceitas pelo setor de Implante Coclear, ou seja, que obedecessem aos critérios de inclusão do programa de Implante Coclear de um Hospital do Interior de São Paulo. São eles:

1. perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral;

2. experiência com prótese auditiva, durante pelo menos três meses;

3. incapacidade de reconhecimento de palavras em conjunto fechado;

4. família adequada e motivada para o uso do implante coclear;

5. condições adequadas de reabilitação na cidade de origem;

6. idade inferior a 3 anos e 11 meses na época da inclusão no programa.

O serviço de implante coclear escolhido para o presente estudo realiza em média 4 cirurgias em crianças por mês. Dentre as crianças selecionadas no segundo semestre de 2004 (agosto a novembro), 50% das crianças selecionadas neste período (8 crianças) foram convidadas a participar do presente estudo. Aos familiares destas foi apresentada uma carta de informação acerca dos procedimentos da pesquisa e apenas mediante autorização dos mesmos e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido é que incluímos efetivamente a criança na amostra. Foram excluídas da amostra as crianças cujos pais não forneceram autorização.

Fizeram parte da amostra 7 crianças sendo 3 do sexo feminino e 4 do sexo masculino. A média de idade das crianças incluídas na amostra foi de 39,7 meses, sendo que a idade mínima foi de 25 meses e a idade máxima foi de 52 meses.

Os limiares audiométricos tonais em campo livre, apresentados pelos sujeitos da amostra, podem ser observados através do Gráfico 1.


Gráfico 1. Limiares tonais em campo livre dos sujeitos avaliados - Nota: Observar sobreposições de respostas dos sujeitos 2, 3, 5, 6 e 7.



No Gráfico 2 podemos observar os limiares tonais em campo livre com prótese auditiva.


Gráfico 2. Limiares tonais em campo livre com próteses auditivas - sujeitos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 - sujeitos da amostra 0 - 140 dB - Limiares tonais em campo livre com próteses.



Todas as crianças que participaram do presente estudo apresentavam perda auditiva congênita. A etiologia da deficiência auditiva está demonstrada no Gráfico 3.


Gráfico 3. Distribuição da amostra segundo a etiologia - sujeitos da amostra distribuídos de acordo com a etiologia da perda auditiva.



Todas as crianças incluídas na amostra apresentaram ausência de potenciais auditivos evocados de tronco encefálico e ausência de emissões otoacústicas evocadas por transitórias e por produto de distorção.

Procedimento

Todas as crianças foram submetidas às avaliações realizadas pela equipe do Serviço para selecionar os melhores candidatos à cirurgia de implante coclear. Foram analisados os dados dos questionários IT- MAIS (Escala de Integração Auditiva Significativa para Crianças Pequenas, Castiquini, 1998)16, e MUSS (Questionário de Avaliação da Linguagem Oral, Nascimento e Bevilacqua, 1997)13 que são aplicados pela equipe de fonoaudiologia durante a avaliação de linguagem.

O IT-MAIS é um questionário com perguntas abertas e fechadas que tem por principal objetivo avaliar a percepção auditiva da fala. São atribuídos pontos a cada resposta e ao final a criança recebe uma pontuação de acordo com as seguintes categorias de acordo com o proposto pelo questionário:

Categoria 0 - não detecta a fala

Esta criança não detecta a fala em situações de conversação normal (limiar de detecção de fala > 65 dB).

Categoria 1 - detecção

Esta criança detecta a presença do sinal de fala.

Categoria 2 - padrão de percepção

Esta criança diferencia palavras pelos traços supra-segmentais (duração, tonicidade, etc.).

Ex: mão X sapato, casa X menino

Categoria 3 - iniciando a identificação de palavras

Esta criança diferencia entre palavras em conjunto fechado com base na informação fonética. Este padrão pode ser demonstrado com palavras que são idênticas na duração, mas contêm diferenças espectrais múltiplas. Ex: geladeira X bicicleta, gato X casa.

Categoria 4 - identificação de palavras por meio de reconhecimento da vogal

Esta criança diferencia entre palavras em conjunto fechado que diferem primordialmente no som da vogal. Ex: pé, pó, pá; mão, meu, mim.

Categoria 5 - identificação de palavras por meio do reconhecimento da consoante

Esta criança diferencia entre palavras em conjunto fechado que têm o mesmo som da vogal, mas contém diferenças consonantais. Ex: mão, pão, tão, cão, chão.

Categoria 6 - reconhecimento de palavras em conjunto aberto

Esta criança é capaz de ouvir palavras fora do contexto e extrair bastante informação fonêmica e reconhecer a palavra exclusivamente por meio da audição.

O MUSS é um questionário com perguntas fechadas cujo objetivo principal é avaliar o uso da linguagem oral por parte da criança. Assim como no IT-MAIS, são atribuídos pontos e as crianças são encaixadas dentre as seguintes categorias:

Categoria 1

Esta criança não fala e pode apresentar vocalizações indiferenciadas.

Categoria 2

Esta criança fala apenas palavras isoladas.

Categoria 3

Esta criança constrói frases de 2 ou 3 elementos.

Categoria 4

Esta criança constrói frases de 4 ou 5 palavras e inicia o uso de elementos conectivos.

Categoria 5

Esta criança constrói frases de mais de 5 palavras, usando elementos conectivos, conjugando verbos, usando plurais etc. É uma criança fluente na linguagem oral.

As crianças selecionadas para o presente estudo também foram vídeo-gravadas em situação lúdica não-dirigida. As filmagens foram realizadas em uma sala vazia. Foram apresentadas para a criança duas caixas contendo brinquedos (panelinhas, animais selvagens, animais domésticos, carros, trens, massinha, papel, lápis, máscaras, etc.) e solicitou-se que a mãe ou o pai brincasse com a criança enquanto eram filmadas pelo avaliador que somente participou da situação mediante solicitação da criança. A filmagem foi realizada por um período de aproximadamente 20-30 minutos, visando observar situações de interação que trouxessem dados sobre a linguagem da criança. As filmagens foram assistidas posteriormente e para as finalidades deste estudo foram selecionados trechos nos quais foi possível observar comportamentos das crianças organizados nas seguintes categorias de análise:

- uso de fala

- compreensão de fala

- uso de onomatopéias

- uso de gestos

- compreensão de gestos

- intenção comunicativa

- presença de turnos

- jogo simbólico

Foram considerados os diferentes níveis de complexidade presentes nos comportamentos das crianças conforme indicado na Tabela 2 a seguir. Foi atribuído + de acordo com a complexidade de cada dado/segmento observado em relação às categorias propostas. Em relação à fala atribuímos + para crianças que faziam apenas uso de palavras isoladas, na compreensão de fala atribuímos + para crianças que compreendiam com apoio de leitura labial apenas palavras isoladas dentro do contexto, no item onomatopéias utilizamos + quando observamos presença deste tipo de emissão.

Para uso de gestos utilizamos + quando a criança utilizou apenas gestos indicativos, ++ para aquela que utilizou gestos representativos e +++ para aquela que utilizou sinais da língua brasileira de sinais; para compreensão de gestos utilizamos + para crianças que compreenderam apenas conceitos/gestos isolados dentro do contexto, utilizamos ++ quando a criança se apóia nos gestos compreendendo parcialmente aspectos do contexto, e utilizamos +++ quando a criança demonstra compreender os gestos do interlocutor de forma predominante. Para o item intenção comunicativa utilizamos + quando a criança apresentou pouco interesse em se comunicar, ++ quando a criança buscou o outro para algumas trocas comunicativas, e +++ quando a intenção comunicativa foi predominante durante a interação. Em relação à presença de turnos utilizamos + quando a alternância de turnos discursivos ocorreu esporadicamente, ++ quando ocorreu parcialmente e +++ quando foi predominante durante a filmagem e finalmente no item jogo simbólico o número de + atribuído variou de acordo com o grau de elaboração do jogo, sendo que somente foi atribuído +++ para crianças que demonstraram jogo com ação funcional indicando maior elaboração e, portanto, linguagem mais estruturada.

É importante ressaltar para todas as categorias observadas que a ausência de + reflete a ausência do comportamento ou a não observação deste durante o tempo de filmagem.

Os resultados obtidos nos protocolos de avaliação MUSS e IT-MAIS foram qualitativamente pareados com a sessão de filmagem das crianças e os resultados foram apresentados separadamente por criança.

Esta pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 554/2003).


RESULTADOS

Iremos demonstrar na Tabela 1 os resultados apresentados pelas crianças avaliadas para o protocolo de avaliação MUSS e IT-MAIS:




Como podemos observar, 5 das 7 crianças avaliadas apresentaram segundo o IT-MAIS categoria 0, ou seja, não são capazes de detectar a presença de fala mesmo fazendo o uso de próteses auditivas e 2 apresentaram categoria 1, indicando que apenas percebem o sinal de fala, mas são incapazes de perceber algum traço supra-segmentar ou ainda discriminar alguma palavra. Tais resultados estão dentro do esperado, uma vez que trata-se de crianças que buscaram um programa de Implante Coclear, cujo objetivo maior é beneficiar aqueles que não apresentam boas respostas a partir do uso de próteses auditivas.

Para o questionário MUSS 5, 7 crianças avaliadas apresentaram categoria de linguagem 1, indicando que a criança não fala ou apresenta apenas vocalizações indiferenciadas, e 2 crianças apresentaram categoria de linguagem 2, indicando que estas crianças falam apenas palavras isoladas.

Na Tabela 2, encontram-se os resultados da avaliação de aspectos da linguagem da criança obtidos através da vídeo-gravação de situações de interação lúdica não-dirigida, pareados com os resultados apresentados nos questionários.




A vídeo-gravação demonstrou grande heterogeneidade entre as crianças avaliadas e forneceu informações importantes que acabaram ocultas no questionário. Pudemos observar que apenas 2 crianças faziam uso de palavras isoladas, apenas 3 crianças compreendiam fala com apoio de leitura labial e 5 crianças faziam uso de onomatopéias. Todas utilizavam gestos, mas apenas 1 criança utilizou língua brasileira de sinais, todas as crianças apresentavam compreensão para gestos, mas apenas uma apoiava-se neles predominantemente. A maioria das crianças apresentou boa intenção comunicativa e respeitou a presença de turnos. Todas as crianças apresentaram algum nível de jogo simbólico, mas apenas uma apresentou jogo com ação funcional.


DISCUSSÃO

É importante observar na Tabela 2 que crianças que receberam a mesma categoria através dos questionários MUSS e IT-MAIS demonstraram comportamentos muito diferentes quando observadas em atividade lúdica e, portanto, não fazem parte de um mesmo grupo como sugerem os questionários. De acordo com o apresentado nesta Tabela, em relação às formas de comunicação todas as crianças que apresentavam fala faziam uso apenas de palavras. O mesmo ocorreu em relação à compreensão de fala, já que se observou que a maioria das crianças que compreendia fala o fizeram através de leitura labial apenas de palavras isoladas que pertenciam ao contexto. Todas as crianças usavam gestos, e observamos este uso de diferentes formas: gestos indicativos, gestos representativos, acenos, meneio de cabeça, sendo que algumas crianças faziam uso inclusive de sinais da língua brasileira de sinais. Este resultado difere bastante das respostas apresentadas no questionário (MUSS) para as perguntas sobre o uso de gestos, pois a maioria delas refere ausência do uso de gestos.

Foi possível observar que algumas crianças compreenderam gestos isoladamente na situação de interação. No questionário MUSS, mais uma vez, as respostas em sua maioria indicaram que as crianças pouco compreendiam o uso de gestos.

É importante destacar que quando os pais são recebidos no programa de Implante Coclear do serviço analisado, o primeiro contato é feito pela assistente social que informa os critérios para a seleção de candidatos, e explica, entre outras coisas, que o programa dá preferência aos candidatos que tenham recebido estimulação oral. Acreditamos, então, que os pais talvez neguem o uso e a compreensão de gestos na tentativa de aumentar as chances de escolha do seu filho.

A intenção comunicativa da criança foi analisada levando em conta o seu interesse pela comunicação oral, ou por qualquer forma de expressão de linguagem indicando desejo de se comunicar. Por exemplo, em contato com os brinquedos, a criança não se contentava apenas em explorá-los, ela buscava o interlocutor tentando mostrar que conhecia ou não o objeto. É de extrema importância que a criança exprima o desejo de se comunicar, pois é a partir das suas relações com o outro que ela reconstrói internamente formas culturais de ação e pensamento, assim como as significações (Roncato e Lacerda)17.

Analisou-se também o respeito pelo outro no diálogo, seja este oral ou não oral. Isto pode ser observado quando a criança respeita e/ou se manifesta considerando as proposições apresentadas por seu interlocutor.

A presença do jogo simbólico foi observada, considerando que este pressupõe esquemas de ação (a criança agindo sobre o mundo) e também esquemas de interação (a criança em colaboração e partilha necessária com o outro) (Scarpa)18. Nesta categoria tentamos observar se a criança usa objetos com funcionalidade ou se apenas os explora, se brinca de maneira contextualizada, se compreende regras estabelecidas pelo interlocutor (por exemplo: assoprar a comidinha feita antes de oferecê-la para cada boneco, membros de uma família), uma vez que os jogos com regras envolvem conteúdos e ações pré-estabelecidas que regularão a atividade da criança como visto em Kishimoto19. Observou-se respeito a categorizações (por exemplo: separar animais domésticos de animais selvagens, ou então agrupar todos os carros dentro da cerca). Verificamos se a criança brinca de forma organizada, se a criança dá pistas ao interlocutor favorecendo que este interaja e conheça o propósito da brincadeira. Acreditamos que o mundo da criança se organiza a partir da simbolização criando os planos representativos que favorecem o surgimento de condições para a aquisição de linguagem, como afirma Lacerda20.

O uso de onomatopéias também esteve presente nas situações de interação (por exemplo: uso da onomatopéia "au-au" para se referir ao cachorro). Consideramos "uso" quando observamos não apenas a repetição ou a imitação, mas quando a emissão teve função de representação e também de comunicação. Vale destacar que a onomatopéia se remete ao som que o animal emite ou ao modo como a cultura reproduz este som, indicando um provável aproveitamento auditivo da criança.

Na comparação das respostas obtidas a partir dos dois questionários e a análise da criança em atividade lúdica foi possível observar dados compatíveis no que se refere às etapas auditivas. Por se tratar de crianças com perda auditiva profunda (condição para o uso de implante coclear) as respostas dadas pelas mães nos questionários são condizentes com o comportamento auditivo da criança observado na situação lúdica. Observa-se o uso da escala MAIS em diversos estudos com o objetivo de avaliar o uso do implante em situações de vida diária (Allum et al.21; Nikolopoulos et al.22; Weichbold et al.23). Nos estudos de Bosco et al.24, o instrumento foi eficaz para demonstrar diferenças de performances entre dois grupos usuários de implantes iguais com formas de resolução diferentes. O MAIS confirmou o que foi mostrado na bateria de testes usados para percepção de fala. Robins et al.15 utilizaram o IT-MAIS com sucesso para verificar e evolução do comportamento auditivo em crianças implantadas com menos de 3 anos de idade.

No que se refere às questões de linguagem, os dados indicados pelo questionário são significativamente diferentes daqueles observados nas sessões lúdicas. Através da análise do questionário, as crianças foram enquadradas em categorias voltadas para o uso da linguagem oral. Apesar do questionário também apresentar perguntas sobre intenção comunicativa, uso de gestos e estratégias de comunicação estes aspectos não são levados em conta efetivamente na categorização. Assim, as crianças deste estudo foram agrupadas pelo questionário em apenas 2 categorias (conforme Gráfico 4), todavia, através da observação destas crianças em atividade lúdica, podemos constatar que crianças pertencentes a uma mesma categoria (no questionário) apresentam comportamentos lingüísticos muito diferentes, conforme indicado na Tabela 2.

O questionário leva em consideração apenas o uso da linguagem oral e, portanto, a maioria das crianças avaliadas acaba tendo um escore muito baixo, o que seria esperado em se tratando de crianças pequenas com perda de audição profunda sem benefício com o aparelho auditivo. A pergunta que fazemos é: qual o objetivo da aplicação de tal questionário uma vez que a resposta é inerente ao estado da criança avaliada, estado este condição para que ela seja aceita no programa?

Nos estudos de Allum et al.21 que se ocupou em avaliar a performance de usuários de implante coclear em crianças através de protocolos, os resultados obtidos pelo questionário MUSS não foram demonstrados, uma vez que os autores acreditam que este instrumento é insuficiente para mostrar melhoras significantes no comportamento lingüístico. Tal fato também ocorre nos estudos de Bosco et al. em 24.

Quando levamos em consideração a observação lúdica das crianças acreditamos ter melhores condições de traçar um perfil do comportamento lingüístico e de aspectos relativos à linguagem. Estes fatores podem colaborar na determinação do prognóstico do pós-implante com maior riqueza de detalhes do que as categorias apresentadas pelo questionário MUSS. Nikopoulos et al.22, afirma que o uso de vídeo-gravação é ideal para observar o comportamento de comunicação pré-verbal em crianças surdas, respostas na interação com um adulto conhecido, contato de olho, respeito ao turno, iniciativa vocal, iniciativa gestual e o conhecimento auditivo.

A boa seleção da criança candidata ao implante coclear é essencial para o melhor prognóstico, portanto concentrar a avaliação em protocolos fechados que fornecem dados já conhecidos e recorrentes em crianças com perda auditiva profunda pode ser pouco eficiente para o processo de seleção. A avaliação da intenção comunicativa da criança e de seus modos de interação com o outro poderia exercer função mais determinante para a escolha do melhor candidato ao implante coclear. Devemos considerar que a constituição da criança enquanto sujeito da linguagem ocorre nas interações sociais, no modo como os interlocutores nos permitem falar e nos consideram como seres falantes (Santana)25.


CONCLUSÕES

Os resultados alcançados a partir da aplicação de protocolos de avaliação auditiva (IT-MAIS) mostraram-se compatíveis com aqueles encontrados na observação lúdica, indicando que este expressa adequadamente a condição auditiva real da criança.

Já os resultados alcançados a partir da aplicação do protocolo de linguagem oral revelaram-se bastante diferentes daqueles encontrados na observação da criança em situação lúdica. Um dos motivos para tal fato pode ser principalmente por manifestar a visão do responsável sobre a criança, que pode apresentar distorções da realidade, não somente pelo envolvimento emocional, como também pelo fato de este estar preocupado em fornecer respostas que favoreçam a aceitação da criança no programa.

Os resultados apresentados nos levam a refletir que a situação de interação lúdica permite observar a intenção comunicativa da criança, seus modos de comportar-se na situação dialógica, como busca a interação com o outro e informações indicando de forma ampla sua situação de desenvolvimento de linguagem e os modos como reage frente ao implante coclear, às situações de comunicação. Estes dados mostram-se mais efetivos e realísticos em relação à atitude da criança diante da comunicação e da interação com o outro, o que pode ser mais interessante e significativo para a avaliação de casos candidatos ao implante coclear.


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1 Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana - UNIFESP, professora da UNIMEP.
2 Pós-Doutorado no CNR - Itália. Professora da Universidade Metodista de Piracicaba.
3 Mestre em Otorrinolaringologia/ UNICAMP, Otorrinolaringologista Responsável pelo Setor de Implante Coclear do Hospital de Clínicas da UNICAMP.
UNICAMP.
Endereço para correspondência: Elaine Soares Monteiro Pinto - Rua Gago Coutinho 155 casa 02 Jardim Chapadão Campinas SP 13070-077.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 15 de agosto de 2006. cod. 3342
Artigo aceito em 19 de fevereiro de 2007.

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