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Ano:  2007  Vol. 73   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 727 a 732

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Complicações extralaríngeas das cirurgias por laringoscopia direta de suspensão

Extra-laryngeal complications of suspension laryngoscopy

Autor(es): Marco Antonio dos Anjos Corvo 1, Alessandra Inacio 2, Marina Bacal de Campos Mello 3, Cláudia Alessandra Eckley 4, André de Campos Duprat 5

Palavras-chave: complicações, laringoscopia

Keywords: complications, laryngoscopy

Resumo:
Apesar do uso rotineiro da laringoscopia de suspensão (LS) na microcirurgia de laringe, poucos são os estudos na literatura que tratam das complicações deste procedimento. Objetivo: Avaliar as complicações extralaríngeas após a laringoscopia de suspensão e relacioná-las com o tempo de cirurgia. Material e Método: Trinta e sete procedimentos consecutivos foram analisados prospectivamente enfocando as lesões relacionadas à LS. A pesquisa incluiu análise pré e pós-operatória dos pacientes quanto aos critérios estudados. Resultado: O tempo cirúrgico foi menor de trinta minutos em quatorze casos, entre trinta e sessenta minutos em dezesseis casos e maior de uma hora em sete casos. Vinte e sete apresentaram lesão relacionada à LS, sendo mais comuns as lesões da mucosa oral. Lesão temporária dos nervos foi encontrada em cinco casos, e trauma dentário em um caso. Houve relação estatística entre o tempo de cirurgia e o índice de lesões de mucosa oral menores de 1 centímetro, confirmando que procedimentos mais longos apresentam maior risco para esta complicação. Conclusão: Esses achados demonstram que a LS não é um procedimento inócuo, produzindo complicações freqüentes. Ainda que não representem grande morbidade aos pacientes, tais danos são evitáveis desde que técnicas mais apuradas sejam utilizadas.

Abstract:
Although suspension laryngoscopy is routinely used in laryngeal surgery, there are only few studies on the complications of this procedure. Aim: to evaluate the complications outside the larynx following suspension laryngoscopy and analyze their relation with surgery duration. Materials and Methods: Thirty-seven procedures were prospectively analyzed for intervention-related complications. The study included patient preoperative and postoperative assessment, focusing on dental, mucosal and nerve status (hypoglossal and lingual nerves). Results: Most procedures (27/37) were associated to some kind of complication, and mucosal injuries were the most common; temporary nerve lesions were observed in five cases and dental injuries in one case. Statistic significance was found between surgery duration and mucosal injury (lesions smaller than 1 centimeter), showing that longer procedure pose higher risks for these complications. Conclusion: These findings suggest that suspension laryngoscopy is frequently associated with complications outside the larynx. Although these injuries represent a low risk of significant morbidity, they can be avoided if more accurate techniques are used.

INTRODUÇÃO

A laringoscopia de suspensão (LS) foi concebida por Gustav Killian em 19121-3, representando grande avanço no procedimento laríngeo, pois permitia a manipulação bimanual do instrumental em campo operatório, facilitando a remoção de tecidos moles durante dissecções cirúrgicas. Sem dúvida, este evento possibilitou o desenvolvimento empolgante da Laringologia, permitindo ou facilitando o diagnóstico e a terapêutica de afecções laríngeas anteriormente desconhecidas.1 Apesar do uso rotineiro da laringoscopia de suspensão hoje em dia, poucos são os estudos na literatura que tratam das complicações possíveis deste procedimento. A maior parte restringe-se a uma análise retrospectiva das complicações, sem análise pré-operatória dos pacientes4. Mesmo assim, a literatura demonstra que complicações menores como lesões dentárias e lesões na mucosa (sangramentos leves, escoriações, ferimentos corto-contusos) ocorrem em 9.1% a 31% dos pacientes submetidos à laringoscopia direta.5-8 Complicações maiores que requerem hospitalização como pneumotórax, complicações cardiovasculares e sangramentos profusos também são descritos, numa incidência que varia de 0.4% até 19.5%, dependendo do estudo.5-8

Apesar de raras, lesões sensitivo-motoras também são descritas na literatura como possíveis complicações da laringoscopia de suspensão. Gaut9 descreve lesão do nervo lingual durante a LS de um homem de 37 anos, detectada por surgimento de parestesia e diminuição de gustação na porção ântero-lateral direita da língua. Cinar10 relata casos em que determinou mudanças na função do nervo hipoglosso após a LS detectada por eletromiografia da língua por agulha. Klussmann4 igualmente detectou alteração de função destes dois nervos como decorrentes da laringoscopia de suspensão em seu recente estudo de 2002, confirmando a ocorrência deste tipo de complicação.

O objetivo do atual estudo prospectivo foi determinar a freqüência das complicações extralaríngeas após realização da laringoscopia de suspensão, relacionando a presença de lesões com o tempo cirúrgico.


MATERIAIS E MÉTODOS

Foram avaliados prospectivamente todos os pacientes submetidos à laringoscopia de suspensão entre março e dezembro de 2005, de um serviço de otorrinolaringologia de hospital universitário terciário.

Os pacientes foram avaliados no período pré-anestésico a fim de descartar lesões anatômicas ou funcionais já instaladas seguindo um protocolo especificamente elaborado para esta pesquisa. Tal avaliação incluiu exame da cavidade oral, com atenção para:

- estado geral dos dentes

- gengiva

- lábios

- mucosa de revestimento, motricidade, sensibilidade geral e especial da língua

- palato mole (incluindo úvula) e palato duro

- orofaringe

- assoalho de boca

O teste da sensibilidade geral foi executado pelo estímulo da espátula de madeira contra a superfície da hemilíngua direita e esquerda, enquanto que o teste da sensibilidade gustativa foi realizado pela oferta de pequenas porções de açúcar e sal respectivamente sobre a ponta e sobre a porção lateral da superfície lingual (lados direito e esquerdo). Entre cada estímulo gustativo diferente, o paciente realizava bochecho com água a fim de remover resquícios da estimulação prévia.

Optou-se por diferenciar as lesões que acometeriam a úvula isoladamente das que seriam encontradas no restante do palato mole para verificar diferenças nas taxas de complicações dessas duas regiões.

Após a cirurgia, nova avaliação foi realizada para registrar precocemente alterações decorrentes da laringoscopia de suspensão. Os pacientes que apresentaram lesões sensitivo-motoras foram acompanhados até regressão dos sintomas, por um período máximo de três meses.

Os casos foram categorizados em três grupos, quanto ao tempo de duração da cirurgia:

- grupo A - cirurgia realizada em menos de 30 minutos

- grupo B - cirurgia realizada entre 30 e 60 minutos

- grupo C - cirurgia realizada em mais de 60 minutos

Além disso, foram registrados também o tipo de afecção laríngea e o tipo de procedimento realizado. Foram utilizados laringoscópios de suspensão modelo Holinger ou Kleinsasser, adequados para as dimensões laríngeas de cada paciente.

Critérios de inclusão

Foram considerados pacientes com idade superior a dezoito anos de idade, que concordaram na participação do estudo, aceitando os itens do termo de consentimento livre e esclarecido e que tinham indicação da microcirurgia laríngea por meio de laringoscopia direta de suspensão, qualquer que fosse o diagnóstico ou procedimento a ser realizado.

Critérios de exclusão

Foram excluídos pacientes abaixo dos 18 anos pela dificuldade técnica de aplicação do protocolo da pesquisa em crianças e adolescentes. Foram igualmente excluídos os pacientes nos quais não foi possível realizar a laringoscopia direta por dificuldades anatômicas individuais.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica da Instituição, sob número 120905.


RESULTADOS

Foram estudados 36 pacientes consecutivos que se encaixaram nos critérios de inclusão e exclusão, tendo sido um paciente submetido a dois procedimentos diferentes no período (consideradas 37 laringoscopias de suspensão na análise dos dados obtidos). Foram 24 pacientes do sexo masculino e 12 do sexo feminino, com idade média de 48 anos (variando de 18 a 80 anos).

As hipóteses diagnósticas pré-operatórias destes casos foram suspeita de neoplasia (14 casos), pólipo (8 casos), edema de Reinke (5 casos), cisto de prega vocal (4 casos), papiloma laríngeo (4 casos) e sulco de pregas vocais (2 casos).

Quanto ao tempo de cirurgia, constatou-se que 14 procedimentos tiveram duração inferior a 30 minutos (grupo A), 16 apresentaram duração entre 30 e 60 minutos (grupo B) e em apenas 7, o tempo de cirurgia excedeu 60 minutos (grupo C).

Os pacientes evoluíram sem complicações inerentes à laringoscopia de suspensão em 10 procedimentos dos 37 considerados. Nos 27 restantes, foram detectadas complicações que foram didaticamente agrupadas em lesões dentárias, lesões neurológicas e lesões de cavidade oral.

Um paciente apresentou perda dentária como conseqüência da LS. Em cinco pacientes foram identificadas lesões neurológicas após o procedimento. Um deles evoluiu com alteração de motricidade da língua (ponta desviada para direita) juntamente com parestesia de língua e diminuição de gustação na hemilíngua direita, com melhora após 3 meses de seguimento. Dois pacientes apresentaram diminuição da sensação gustativa de porção da hemilíngua, um paciente apresentou alteração de motricidade associada a parestesia lingual e queixa gustativa, um paciente apresentou alteração de motricidade isolada e um paciente apresentou parestesia isolada em porção da língua, tendo todos estes sintomas melhorados em até sessenta dias pós-operatórios.

Em números absolutos, foram encontradas 48 lesões de cavidade oral nos 36 pacientes estudados. Estas foram categorizadas em hematoma (presente em 21 casos), edema de partes moles (17 casos) e solução de continuidade (10 casos). As localizações destes tipos de lesão na cavidade oral foram diversas, sendo os hematomas mais freqüentemente localizados em palato mole, as soluções de continuidade predominantemente em gengiva e lábios, e edema de partes moles, principalmente localizado em úvula.

Todas as lesões labiais e de mucosa oral apresentaram cicatrização para restitutium ad integrum, não sendo mais detectadas no seguimento pós-operatório de uma semana.


DISCUSSÃO

Nesta pesquisa, procurou-se utilizar o tempo de cirurgia como indicador do tempo em que o laringoscópio de suspensão permaneceu locado dentro da cavidade oral. Este parâmetro também nos informou sobre as dificuldades cirúrgicas individuais dos procedimentos, fator este que se esperava estar relacionado igualmente com maior número de complicações

De fato, a análise dos dados revela que no grupo A (tempo de cirurgia menor de 30 minutos) todos os pacientes evoluíram sem complicações detectadas, demonstrando haver tendência de relação entre duração menor dos procedimentos e ausência de complicações. Da mesma forma, em todos os procedimentos com duração maior de 60 minutos foi detectada pelo menos uma complicação extralaríngea relacionada à LS, remetendo à tendência de relação entre duração maior da cirurgia e presença de complicações. Utilizando o programa Statistical Package for Social Sciences, versão 13.0, os testes aplicados demonstraram de fato ser estatisticamente significante a relação entre tempo cirúrgico e lesões de mucosa oral menores de 1 centímetro ("p" - 0,045), podendo-se afirmar que quanto maior a duração do procedimento, tanto maior foi o número deste tipo de lesão de mucosa oral.

Não encontramos na literatura dados que correlacionassem as duas variáveis ou que confirmassem os resultados obtidos, dando grande importância a este estudo preliminar e embasando a necessidade de continuação da pesquisa aqui apresentada.

Apresentamos abaixo as considerações acerca de cada uma das complicações identificadas no estudo:

Lesões dentárias

A lesão dentária é reconhecida complicação da LS e a proteção dentária é largamente recomendada para este procedimento.11 Sabe-se que a presença de dentes proeminentes e a necessidade de abordagens endoscópicas seriadas aumentam muito o risco do trauma dentário. Potencializam este fator de risco a presença de cáries dentárias, de doença periodontal, de obturações e o uso de próteses dentárias parcialmente fixas.11 Em seu estudo sobre as complicações da laringoscopia de suspensão, Klussmann4 determinou avaliação dentária pré-operatória de pacientes submetidos ao procedimento e encontrou traumas dentários conseqüentes da LS em 92% dos pacientes com doença periodontal profunda detectada antes da cirurgia. Encontrou também que nenhuma complicação dentária do procedimento foi observada em pacientes com dentes saudáveis à avaliação pré-operatória, tendo sido estas relações estatisticamente significantes.

No presente estudo, no único caso de trauma dentário detectado como complicação da LS, a paciente apresentava dentes em mau estado de conservação, corroborando para os dados anteriores de Klussmann4. A avaliação pré-operatória torna-se, portanto, fundamental para que casos de fragilidade dentária sejam identificados previamente, com o intuito de serem adotadas medidas de proteção mais efetivas contra este tipo de complicação, como o uso de protetores dentários adequados, e maior atenção ao locar e ao remover o laringoscópio da cavidade oral.

Lesões neurológicas

O nervo lingual é responsável pela inervação sensitiva ipsilateral da língua, gengiva inferior e do assoalho da boca, determinando hipoestesia ou parestesia loco-regional caso seja traumatizado. Além disso, é o responsável pela gustação dos dois terços anteriores da língua via nervo corda do tímpano (ramo do nervo facial) e pela inervação da glândula submandibular via fibras parasimpáticas.9 Anatomicamente, o nervo lingual emerge do ramo posterior do nervo mandibular na fossa pterigopalatina, recebe o nervo corda do tímpano (com fibras do nervo facial) e assume trajetória descendente entre os músculos pterigóideo medial e lateral, e depois entre o músculo pterigóideo medial e a mandíbula. O nervo então cruza o músculo hioglosso e origina os ramos terminais profundamente na língua.12

Estudos anteriores sobre complicações intra-orais do uso do laringoscópio de suspensão, além de poucos, limitaram-se a avaliar a integridade do nervo lingual com a pesquisa de sua função em prover a sensibilidade geral do dorso lingual. Neste estudo, optou-se por complementar essa avaliação por meio do estímulo gustatório com oferta de sal e açúcar em pequenas porções, com isso aumentando a sensibilidade da pesquisa para possíveis lesões de fibras do nervo que passariam despercebidas caso apenas a função sensitiva geral fosse avaliada.

Múltiplos mecanismos de lesão do nervo lingual já foram propostos na literatura para explicar como a energia do trauma potencialmente presente neste procedimento é transmitida para as fibras nervosas. O trauma pode ocorrer:13,14

 entre os músculos pterigóides - as manobras de anteriorização da mandíbula e compressão do ângulo da mandíbula - realizadas para manter a via aérea pérvia - são descritas como causadoras de lesão nervosa por compressão do nervo entre os pterigóideos lateral e medial.15,16

 entre músculo pterigóideo medial e mandíbula - contração muscular comprime o nervo contra uma face rígida óssea (mandíbula).

 entre a face medial da mandíbula e o segmento posterior da língua - esta porção do nervo pode apresentar-se muito superficial, e desta forma, mais susceptível a lesões pela lâmina do laringoscópio durante laringoscopia forçada.9

 ao cruzar o músculo hioglosso - a compressão da cartilagem cricóide impede a movimentação do osso hióide para frente junto com a língua durante a laringoscopia, promovendo força de alongamento e estiramento sobre o nervo.

Lesões do nervo hipoglosso igualmente podem estar relacionadas com procedimentos intra-orais, tais como a LS. Sabe-se que este nervo emerge da medula oblongata e tem origem aparente no crânio através do canal do hipoglosso, apresentando trajeto descendente entre as grandes veias do pescoço até o ângulo da mandíbula. Tem então trajeto inferior ao músculo digástrico, penetrando a cavidade oral e suprindo todos os músculos intrínsecos e extrínsecos da língua, exceto o músculo palatoglosso. Lesão deste nervo compromete a função motora da língua, com desvio da mesma em direção ao lado da lesão quando o nervo motor inferior é afetado.10 Dziewas e Lüdemann17 descreveram série de lesões do nervo hipoglosso em 2002, relatando 6 casos relacionados com laringoscopia de suspensão prévia, com recuperação de 5 dos 6 casos relatados.

Igualmente ao nervo lingual, muitas são as hipóteses que tentam explicar os mecanismos fisiopatológicos das lesões do nervo hipoglosso após manipulação da orofaringe:

 deslocamento anterior da língua durante laringoscopia causando tensão sobre o nervo16

 proximidade ao osso hióide torna o nervo vulnerável às forças de compressão entre o próprio hióide e a lâmina do laringoscópio18

 compressão do nervo hipoglosso entre o osso hióide e o ligamento estilohióideo calcificado19,20

Alguns autores ainda defendem que o nervo hipoglosso, classicamente motor puro, possa ter componente aferente que inerva a língua, também gerando alterações de sensibilidade quando lesionado.12,21

A raridade das lesões nervosas apresentadas sugere que a causa desses eventos seja multifatorial, com participação de fatores anatômicos e técnicos igualmente envolvidos.10,12 No entanto, atenção cuidadosa na colocação do laringoscópio e a minimização da pressão aplicada por ele sobre a base da língua podem ajudar a reduzir ainda mais a baixa incidência de lesão dos nervos assinalados.10

No presente estudo, houve cinco pacientes com queixas neurológicas. Um deles apresentava déficit de função do nervo lingual e do hipoglosso simultaneamente, com queixa de parestesia e diminuição de gustação à direita da língua associado com desvio da ponta da língua para o lado da lesão. Neste caso, pode-se inferir que as forças do trauma se concentraram sobre a hemilíngua direita por ter gerado déficit na função dos dois nervos no mesmo lado. A literatura já descreveu a presença de lesão do nervo hipoglosso e do nervo lingual simultaneamente, porém decorrente de intubação e laringoscopia direta.19 Não foram achados relatos desta associação de lesões neurais como sendo decorrente da LS.

No caso deste paciente em particular, o mesmo evoluiu com melhora da motricidade lingual em trinta dias, enquanto a parestesia e o distúrbio de gustação regrediram progressivamente até o sexagésimo dia pós-operatório, indicando ter ocorrido lesão nervosa temporária. O motivo da melhora não-simultânea da função dos dois nervos lesados é incerto, podendo haver relação com o trajeto anatômico de ambos, com maior fragilidade das fibras sensitivas ou possivelmente com menor capacidade restitucional do nervo lingual.

Dois pacientes apresentaram déficit na função isolada do nervo lingual que foi percebida exclusivamente por diminuição da gustação, curiosamente sem nenhuma queixa de sensibilidade geral (hipoestesia ou parestesia). A hipótese formulada é que apenas as fibras do nervo corda do tímpano tenham sido traumatizadas no procedimento. Não foi encontrado na literatura outro estudo que pesquisasse o déficit de função do nervo lingual pelo estímulo das fibras do nervo corda do tímpano que o compõem, como já citado anteriormente4-10. A avaliação da gustação aqui realizada foi adotada como forma de ampliar ou confirmar o diagnóstico da lesão do nervo lingual como decorrente da LS. Caso a pesquisa gustativa não tivesse sido implementada, talvez essa complicação não teria sido detectada, uma vez que nem o próprio paciente havia notado a disfunção referida com o teste. Supõe-se que a ausência da percepção da disfunção decorra da integridade das fibras e receptores do restante da mucosa oral.

Com relação à recuperação da função dos nervos, ambos relataram melhora significativa e progressiva dos sintomas a partir de 7 dias de evolução.

Por último, os dois pacientes restantes que apresentaram alguma lesão neurológica após a laringoscopia de suspensão evoluíram com distúrbios na motricidade da língua e conseqüente paresia lingual. Ambos obtiveram boa evolução com regressão dos sintomas após o sétimo pós-operatório.

Com relação à fisiopatologia das lesões nervosas, os efeitos deletérios das forças de estiramento sobre a fisiologia dos nervos já foram estudados largamente em relação aos nervos periféricos. A isquemia, causada pela interrupção do fluxo sanguíneo ao nervo, é tida como responsável parcial por essa injúria.9,22 Os mesmos efeitos deletérios já foram demonstrados na literatura para os nervos lingual e hipoglosso, focos de nossa avaliação.4 Com relação à recuperação da função dos nervos, há relatos que apresentam melhora após 4 semanas em média para lesões do nervo lingual, e após 8 semanas em média para as lesões do nervo hipoglosso.4 Nossa experiência revelada neste estudo, portanto, está de acordo com estes dados prévios da literatura.

Lesões de revestimento da cavidade oral

Todas estas lesões detectadas na superfície da cavidade oral são de remissão espontânea, constituindo seqüelas leves do procedimento endoscópico.4 O fato de terem sido estas as mais comumente encontradas denotam caráter relativamente seguro do procedimento, que não apresentou complicações ameaçadoras à vida dos pacientes neste levantamento.

O reconhecimento dos mecanismos envolvidos na gênese das lesões mucosas pode auxiliar nos métodos para evitá-las e podem ser importantes na prática da LS.4 De fato, pode-se considerar que tais complicações são determinadas pela colocação da lâmina do laringoscópio no interior da cavidade oral, manipulação que se repete até adequada exposição do campo cirúrgico antes do uso do microscópio.

Outro fator a ser considerado é o grau de experiência e o tempo de treinamento do médico que realiza o procedimento. Este estudo foi realizado em um hospital universitário terciário e os procedimentos cirúrgicos foram feitos por médicos residentes de otorrinolaringologia do terceiro ano, sempre acompanhados por laringologista experiente. Isso poderia explicar a maior incidência de lesões mucosas na cavidade oral, pois o aprendizado da colocação do laringoscópio rígido exige múltiplas tentativas até se atingir uma exposição adequada da laringe. Os cirurgiões concentram-se primordialmente na laringe e subestimam as complicações possíveis na via de acesso. Cuidados devem ser tomados desde o tamanho e tipo do laringoscópio até a técnica de sua colocação, a fim de se evitar ou reduzir as complicações descritas.


CONCLUSÕES

1. As lesões de revestimento da cavidade oral foram as complicações mais freqüentes da laringoscopia de suspensão neste levantamento, com cinco casos de complicações neurológicas e um caso de lesão dentária.

2. No presente estudo, pôde-se comprovar que a duração mais longa da cirurgia esteve relacionada à maior ocorrência de lesões de superfície menores de um centímetro de diâmetro. A continuação do presente estudo se faz necessária a fim de constatar outras possíveis relações entre tempo e lesões associadas.

3. Esses achados demonstram que a laringoscopia de suspensão em si não é um procedimento inócuo, podendo produzir complicações freqüentes. Ainda que não representem grande morbidade aos pacientes, tais danos são evitáveis desde que técnicas mais apuradas sejam utilizadas e medidas de segurança e atenção sejam adotadas neste tempo cirúrgico inicial que é a colocação do laringoscópio de suspensão.


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1 Médico otorrinolaringologista e pós-graduando em Laringologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Médico otorrinolaringologista do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
2 Médico otorrinolaringologista do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
3 Acadêmica do 6º ano de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
4 Professora Doutora, Professora assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
5 Professor Doutor, Professor assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Caconde 536 apto 31 Jardim Paulista São Paulo SP Brasil 01425-010.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 10 de setembro de 2005. cod. 1389
Artigo aceito em 25 de agosto de 2007.

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