Ano: 2007 Vol. 73 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (10º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 647 a 653
Cirurgia do estapédio na residência: experiência do Hospital de Clínicas/UFPR
Stapes surgery in residency - the ufpr clinical hospital experience
Autor(es): Adriano Ulisses Caldart 1, Igor Terruel 2, Dair Jocely Enge Júnior 3, Adriana Sayuri Kurogi 4, Maurício Buschle 5, Marcos Mocellin 6
Palavras-chave: cirurgia do estapédio, otospongiose, residência médica
Keywords: stapes surgery, otosclerosis, hearing loss
Resumo:
A cirurgia do estapédio permanece como tratamento consagrado para a otosclerose. Recentes publicações têm demonstrado que o sucesso cirúrgico nas cirurgias realizadas por médicos residentes tem diminuído e que os resultados audiológicos tem sido piores que os obtidos por cirurgiões experientes. Objetivos: Avaliar a experiência do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas/UFPR na realização de cirurgias do estapédio no programa de residência médica. Material e Método: Estudo retrospectivo de 114 cirurgias do estapédio realizadas nos últimos 9 anos, em 96 pacientes. Os resultados audiométricos foram analisados conforme orientação do Committee on Hearing and Equilibrium e através do Amsterdam Hearing Evaluation Plots, considerando a melhora do gap pós-operatório e de limiares da via aérea. Resultados: Foram incluídos 96 pacientes, na maioria adultos, do sexo feminino (67,7%) e caucasianos (93,7%). Em 50,9% dos casos foi realizada estapedectomia, sendo a grande maioria sob anestesia local e sedação (96,5%) e utilizando principalmente a prótese de Teflon (37,7%). A taxa de sucesso cirúrgico foi de 50,88%, com 11,4% de complicações. Conclusão: Os ganhos de audição pós-operatórios considerados como sucesso cirúrgico foram inferiores aos publicados na literatura por cirurgiões experientes.
Abstract:
Surgery of the stapedius remains the established treatment for otosclerosis. Recent publications have showed that success in surgeries done by residents have decreased and hearing results are worse than those obtained by experienced otologic surgeons. Aim: To evaluate the experience of the otorhinolaryngology unit, Parana University, relative to stapes surgery done in the residency training program. Material and method: A retrospective study of 114 stapes surgeries done in the past 9 years in 96 patients. Audiometric results were analysed according to the Commitee on Hearing and Equilibrium guidelines and the Amsterdam Hearing Evaluation Plots. The improvement of the airway postoperative gap and thresholds were taken into account. Results: 96 patients were included, most of them female adults (67.7%) and white (93.7%). Stapedectomy was done in 50.9% of cases, mostly under local anesthesia and sedation (96.5%), using mostly the Teflon prothesis (37.7%). The surgical success rate was 50.88%, there was an 11.4% complication rate. Conclusion: Postoperative hearing gains considered as surgical success were inferior to published results in the literature, done by experienced surgeons.
INTRODUÇÃO
A otosclerose, também referida como otospongiose, é uma doença hereditária, mais freqüentemente encontrada no sexo feminino, na proporção de 2:1, na faixa etária dos 20 aos 40 anos e em pessoas da raça branca, sendo muito rara na raça negra e pouco freqüente na amarela1,2. Pode ser definida como uma osteodistrofia localizada da cápsula ótica do osso temporal, levando à anquilose estapedo-vestibular e assim podendo gerar efeitos secundários aos sistemas auditivos (hipoacusia e zumbido) e vestibulares (tonturas).
A moderna cirurgia da otosclerose desenvolveu-se a partir dos pioneiros M. Portmann e J. Shea, no fim da década de 1950, que denominaram, respectivamente, a intervenção de "interposição" e "fenestração da janela oval"2,3. Logo após a intervenção foi consagrada com o nome de "estapedectomia" tendo sido adotada mundialmente. Até hoje, a cirurgia do estapédio constitui o tratamento consagrado para a surdez condutiva secundária à otosclerose. Trata-se de uma microcirurgia delicada, porém relativamente simples de ser executada por cirurgiões experientes e treinados. O sucesso cirúrgico acontece na maior parte das vezes, levando a uma melhora da audição.
Em programas de residência, a preocupação tem sido focada na diminuição do número de pacientes necessitando da cirurgia do estapédio, nos últimos anos, criando dificuldades no treinamento adequado dos médicos residentes. Isso pode ser explicado pelo avanço tecnológico na área da otologia, principalmente no diagnóstico e tratamento, pelo aumento do número de médicos otorrinolaringologistas habilitados para realizar o procedimento e ainda pela atual fluoração da água4,5. Recentes publicações têm mostrado que o sucesso cirúrgico nas cirurgias do estapédio realizadas por médicos residentes tem diminuído e que os resultados audiológicos têm sido piores que os obtidos por cirurgiões otológicos experientes5-8,15.
Este trabalho teve como objetivo avaliar a experiência do serviço de otorrinolaringologia na realização de cirurgias do estapédio no programa de treinamento de médicos residentes, definindo o perfil epidemiológico dos pacientes, o tipo de anestesia, a técnica empregada, o tipo de prótese utilizada, as complicações pós-operatórias e os resultados audiológicos das cirurgias realizadas pelos médicos residentes.
MATERIAL E MÉTODO
O estudo foi realizado a partir da análise retrospectiva dos prontuários dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da otosclerose, no período de janeiro de 1996 a janeiro de 2005. Os procedimentos foram realizados como parte do treinamento de residência médica do referido hospital, estando somente os residentes do último ano participando das cirurgias, sob supervisão direta do professor responsável.
Os dados obtidos dos prontuários dos pacientes incluíam: sexo, idade, raça, indicações cirúrgicas, o médico residente e o professor responsável, o tipo de anestesia utilizada, se cirurgia primária ou revisional, a técnica empregada, o tipo de prótese utilizada, o tempo cirúrgico, as complicações pós-operatórias e resultados audiológicos pré e pós-operatórios.
No período, um total de 151 cirurgias do estapédio foi realizado em 123 pacientes. Cirurgias revisionais (3), cirurgias em pacientes com doenças sistêmicas e otorrinolaringológicas concomitantes (9), pacientes sem seguimento e com dados incompletos nos prontuários (25) foram excluídos do estudo. Sendo assim, foi incluído um total de 114 procedimentos realizados em 96 pacientes.
A avaliação auditiva pré-operatória foi realizada através da análise da última audiometria tonal (nas freqüências 0,25, 0,5, 1, 2, 3, 4, 6 e 8 kHz para condução aérea e 0,5, 1, 2, 3 e 4 kHz para condução óssea) e vocal realizada no período pré-operatório. Já a avaliação auditiva pós-operatória foi feita através da observação do resultado da melhor audiometria realizada dentro de um período de até 6 meses após a cirurgia. Os exames audiométricos foram executados com audiômetro CAT 741 da marca DICTON, em cabine com isolamento acústico adequado, por fonoaudiólogas contratadas do serviço. Quando um limiar de condução aérea ou óssea era registrado como não-mensurável em certa freqüência, um valor de 10 dB acima da capacidade do aparelho foi considerado como limiar.
Foram comparadas as audiometrias pré e pós-operatórias em relação aos seguintes pontos: o limiar de condução aérea e óssea separadamente em cada freqüência; a média aritmética dos limiares de condução aérea e óssea nas freqüências de 0,5, 1, 2 e 3 kHz, conforme as diretrizes do Committee on Hearing and Equilibrium12; o gap aéreo-ósseo obtido pela subtração das médias dos limiares de condução aérea e óssea; o limiar de recepção da fala (SRT).
O resultado cirúrgico foi classificado em sucesso e insucesso conforme as diretrizes do Committee on Hearing and Equilibrium12. O resultado era classificado como sucesso quando a diferença entre a condução aérea e a condução óssea pós-operatória era menor do que 10 dB ou o limiar da condução aérea pós-operatória era menor do que 30 dB. O restante dos resultados era classificado como insucesso. Individualmente, os resultados cirúrgicos foram apresentados através do Amsterdam Hearing Evaluation Plots - AHEPs13.
A análise estatística dos dados foi realizada utilizando o teste t de Student para amostras pareadas. Os dados correspondentes ao limiar nas diversas freqüências analisadas sofreram a transformação raiz quadrada. Para comparar as duas técnicas cirúrgicas em relação à presença de complicação e em relação ao sucesso do resultado da cirurgia, adotou-se o teste exato de Fisher. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística.
Aos sujeitos da pesquisa foi aplicado o termo de consentimento livre e esclarecido e o protocolo para esta pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná.
RESULTADOS
Dos 96 pacientes incluídos no estudo, 31 (32,3%) eram do sexo masculino e 65 (67,7%) do sexo feminino, com idade variando de 14 a 69 anos (média 40,35 ± 11,20 anos). Em relação à raça, 90 (93,7%) pacientes eram caucasianos, 5 (5,2%) eram negros e apenas 1 (1,1%) paciente era mestiço.
Dos 27 médicos residentes pertencentes ao serviço, 23 participaram das cirurgias do estapédio realizadas no período do estudo, sempre sob supervisão direta de pelo menos um professor responsável. O número de cirurgias por médico residente variou de 1 a 14, como pode ser observado no Gráfico 1. O mínimo de operações realizadas por ano foi 4 (2003) e o máximo de 35 (1998).
Gráfico 1. Correlação do número de cirurgias por médico residente.
Anestesia local foi utilizada em 110 (96,5%) pacientes e induzida com uma solução de lidocaína 2% e adrenalina 1:50000. Estes agentes eram acompanhados por analgesia e sedação intravenosas. Anestesia geral foi utilizada em 4 (3,5%) pacientes e foi induzida por intubação orotraqueal, agentes narcóticos intravenosos e agentes inalatórios. Drogas antieméticas foram dadas antes do término de quase todas as operações.
Em relação à técnica utilizada, das 114 cirurgias do estapédio, 58 (50,9%) foram estapedectomias e 56 (49,1%) estapedotomia. O sucesso cirúrgico em relação à técnica empregada pode ser visualizado no Tabela 1.
As próteses do tipo Teflon foram as mais utilizadas nas cirurgias do estapédio (37,7%), seguidas das próteses de ouro (29,8%) e das próteses de Schuknech (22,8%). No restante foram utilizados outros tipos de próteses.
Na Tabela 2 são apresentados os valores médios dos limiares pré e pós-operatórios das conduções aérea e óssea, do gap aéreo-ósseo e do SRT.
Nas Tabelas 3 e 4 são analisados os resultados audiométricos conforme orientação do Commitee on Hearing and Equilibrium12.
Nos Gráficos 2 e 3, os resultados cirúrgicos são apresentados conforme o Amsterdam Hearing Evaluation Plots - AHEPs13. O Gráfico 2 permite a avaliação do efeito do procedimento cirúrgico na condução óssea. Em 92 casos (80,7%) não houve alterações maiores que 10dB (região I) na condução óssea pós-operatória, em 16 casos (14,0%) houve melhora da condução óssea maior que 10dB (região II) e em 6 ouvidos (5,3%) houve piora na condução óssea maior que 10dB (região III). O Gráfico 3 estabelece o grau de sucesso cirúrgico, correlacionando o ganho obtido na condução aérea com o que era esperado pelo gap aéreo-ósseo pré-operatório. Em 35 (30,7%) ouvidos operados observou-se melhora da condução aérea suficiente para tornar o gap aéreo-ósseo pós-operatório menor do que 10dB (região I), em 23 (20,2%) ouvidos houve ganho na condução aérea maior que o esperado, significando melhora concomitante na condução óssea (região II), em 38 (33,3%) casos a mudança na condução aérea foi insuficiente para tornar o gap aéreo-ósseo pós-operatório menor do que 10 dB (região III) e em 18 (15,8%) visualizamos uma piora da condução aérea após a cirurgia (região IV).
Gráfico 2. Representação gráfica das médias dos limiares de condução óssea pré e pós-operatórias conforme a AHEPs 13.
Gráfico 3. Representação gráfica da correlação do ganho médio pós-operatório na condução aérea com o gap aéreo-ósseo pré-operatório. Resultados compreendidos nas regiões I e II representam sucesso cirúrgico.
Foram observadas como complicações pós-operatórias 7 casos de perfuração de membrana timpânica persistente, 5 casos de vertigem persistente e 3 casos de zumbido, representando 11,4% do total de cirurgias realizadas. Não houve casos de paralisia facial, fístula perilinfática, granuloma de janela oval ou perda auditiva sensorioneural profunda ("dead ear").
DISCUSSÃO
A otosclerose é uma doença que acomete pessoas na vida adulta, alcançando alta incidência entre os 20 e 40 anos. É mais freqüente no sexo feminino e em pessoas da raça branca1,2. Burns e Lambert15 observaram uma maior incidência de casos da doença em paciente do sexo feminino, caucasianas e com média de idade de 46 anos. Já Handley e Hicks6 visualizaram maior incidência em homens, caucasianos, e com média de idade de 48,2 anos. A maioria dos pacientes, neste estudo, era do sexo feminino, caucasianos e com idade média de 40,35 anos, o que vai de encontro ao descrito na maior parte da literatura.
A cirurgia do estribo é procedimento delicado e exige treinamento e prática do cirurgião devido às diversas possibilidades de complicações e insucessos. Cirurgiões experientes e adequadamente treinados alcançam taxas de sucesso de 90% ou mais6,15. Porém recentes publicações têm mostrado que o sucesso cirúrgico nas cirurgias do estapédio realizadas em instituições de ensino, por médicos residentes, tem diminuído e que os resultados audiológicos têm sido piores que os obtidos por cirurgiões otológicos experientes (Tabela 5)5-8,15. A possível causa para isto seria a diminuição do número de pacientes necessitando da cirurgia do estapédio e sendo assim, como em qualquer procedimento cirúrgico, quanto maior o número de cirurgias realizadas, maior o treinamento e maior a taxa de sucesso. Manu et. al.19 descreveram que no mínimo 8 cirurgias são necessárias durante uma fase de treinamento, mais 7 para atingir taxas de sucesso de 75% e muitas mais para obter 90 a 95% de sucesso em cirurgias do estapédio. Em nosso hospital universitário, do total de 27 residentes, apenas 4 realizaram mais do que o número mínimo de cirurgias recomendado. Shapira et al.8 e Burns e Lambert15 descreveram 2 condições essenciais para um bom resultado nas cirurgias realizadas por residentes: experiência com um número suficiente de pacientes requerendo cirurgia do ouvido médio (incluindo otosclerose e OMC) e supervisão rigorosa do professor responsável na sala cirúrgica. Handley et al.6 enfatizaram que o extensivo treinamento em laboratórios de dissecção de osso temporal deveria ser pré-requisito para qualquer procedimento de ouvido médio. Já Mathews et al.10 observaram que os avanços nas técnicas cirúrgicas, particularmente o uso da pequena fenestra e o laser, têm aumentado a média de sucesso das cirurgias do estapédio realizadas por cirurgiões relativamente inexperientes e desta forma acreditam que pode ser realizada com segurança por médicos residentes.
Com relação à intervenção cirúrgica, o tipo de anestesia é um fator importante e, a princípio, pode ser da preferência do cirurgião. A maioria dos estudos encontrados na literatura5,6 mostra que não há diferença estatisticamente significativa no sucesso cirúrgico em relação ao tipo de anestesia utilizada nas cirurgias do estapédio, porém defendem a utilização da anestesia geral, em programas de residência médica, pois facilita a execução da cirurgia por médicos em treinamento, facilitando a comunicação com o professor e diminuindo as preocupações com a duração da cirurgia. Burns e Lambert15 descreveram que a anestesia local com sedação é a mais vantajosa, pois diminui o risco teórico de deslocamento da prótese durante a desintubação, diminui os episódios de náuseas e vômitos no pós-operatório e ainda permite ao paciente informar sobre a audição, ao fim do procedimento, dando ao cirurgião prognóstico de sucesso. Em nosso estudo a quase totalidade das cirurgias foram realizadas sob anestesia local com sedação e isto sedimenta nosso alinhamento com a conduta desses autores.
Outro fator importante refere-se ao tipo de técnica empregada, principalmente em relação à ocorrência de complicações. Backous et al.5, Burns e Lambert15 e Lesinski22 descreveram em seus trabalhos a realização da estapedectomia na maioria dos casos, observando ainda que a mesma pode maximizar a performance dos médicos residentes e conseqüentemente aumentar a taxa de sucesso cirúrgico. Já Mathews et al.10 e De Bruijn et al.14 descreveram a realização da estapedotomia na quase totalidade de seus casos, mostrando uma reduzida chance de migração de prótese, o que corresponde à causa mais comum de insucesso cirúrgico. Nas cirurgias realizadas em nossa instituição no período do estudo, houve um pequeno predomínio da realização de estapedectomia em relação à estapedotomia, porém esta última tem sido utilizada com mais freqüência nos últimos 4 anos. Não foi observada diferença estatisticamente significativa no sucesso cirúrgico em relação ao tipo de técnica utilizada. Nos estudos de Warmerdam et al.11 e Sedwick et al.21 também não foram observadas diferenças estatisticamente significativas no sucesso cirúrgico em relação às técnicas empregadas.
Existem vários tipos de próteses no mercado, porém a busca pela prótese ideal continua. Os melhores parâmetros nas próteses estão na biocompatível, fácil manipulação e ajustamento seguro na bigorna para transmitir as vibrações em direção à janela oval20. Neste estudo a prótese de Teflon foi a mais utilizada. A grande variabilidade nos tipos de próteses dificulta a comparação entre os estudos que descrevem a rotina de outras instituições.
Na literatura existente sobre cirurgias do estapédio há uma grande variação nos parâmetros audiológicos e critérios utilizados para estabelecer a taxa de sucesso cirúrgico, o que dificulta a comparação acurada dos resultados apresentados por diferentes autores. Além disso, os resultados da audiometria vocal são raramente levados em consideração, o que não está de acordo com o principal objetivo da cirurgia que é a melhora da comunicação, ou seja, do limiar de recepção da fala (SRT). Neste estudo, procuramos minimizar estas disparidades utilizando as diretrizes do Committee on Hearing and Equilibrium12 que propõem uma padronização dos critérios de avaliação do sucesso em cirurgias do ouvido médio, facilitando assim as comparações entre os estudos. Avaliando o sucesso cirúrgico que corresponde ao gap aéreo-ósseo pós-operatório menor do que 10 dB ou limiar da condução aérea pós-operatória menor do que 30 dB, observou-se uma taxa de sucesso de 50,88%. O gap aéreo-ósseo pós-operatório menor do que 20 dB, critério indicativo de sucesso cirúrgico em alguns estudos encontrados na literatura, foi observado em 72,81% dos casos. Esta taxa de sucesso é comparativamente inferior as encontrados na literatura como pode ser visto na Tabela 5. Isto pode ser explicado pela inexperiência dos cirurgiões residentes devido ao reduzido número de cirurgias realizadas para treinamento. Houve uma melhora do limiar de recepção da fala (SRT), dado que concorda com os diversos estudos revisados na literatura13,15.
Com o objetivo de apresentar os resultados após cirurgias do ouvido médio, em grandes amostragens, de uma maneira simples e esclarecedora, De Bruijn et al.13 desenvolveram um método de análise de dados chamado de Amsterdam Hearing Evaluation Plots - AHEPs. Este método promove uma representação visual dos resultados auditivos de cada ouvido individualmente após cirurgias do ouvido médio. A grande vantagem deste método é que resultados considerados favoráveis ou não com relação ao sucesso cirúrgico podem ser facilmente identificados e ainda os ouvidos que sofreram dano coclear com a cirurgia podem ser reconhecidos. O dano coclear é representado pela piora na condução óssea pós-operatória. Em contrapartida, em alguns casos, pode ocorrer uma melhora na condução óssea após o procedimento decorrente do chamado efeito Carhart. Este consiste na melhora do componente inercial (vibração do crânio como um corpo rígido) da transmissão sonora por via óssea no pós-operatório, estando os limiares pós-operatórios da via óssea correspondendo melhor com o verdadeiro estado funcional da orelha interna1. Neste estudo, dano coclear ocorreu apenas em 6 casos (5,3%), taxa superior a descrita por De Bruijn et al.13, porém menor que a observada por Frias et al.22.
Assim como as taxas de sucesso diminuem, as complicações pós-operatórias aumentam15. Foi observada a ocorrência de complicações em 11,4% do total de cirurgias realizadas, porém sem nenhum caso de paralisia facial, fístula perilinfática ou perda auditiva sensorioneural profunda. Estes dados foram semelhantes aos encontrados nos diversos estudos revisados na literatura18,10,5.
É claro que durante a residência médica, não se deve negar a nenhum médico residente a oportunidade de realizar uma cirurgia do estapédio. Porém, aqueles que não pretendem seguir a área da otologia devem ser encorajados a repassar seus casos para aqueles médicos residentes que assim farão. Então frente a um paciente com necessidade de cirurgia, o residente deve propor taxas de sucesso condizentes com aquelas obtidas em seu programa de residência e não esperar resultados de professores ou cirurgiões experientes. Este tipo de comportamento deve ser encorajado nos serviços cujo potencial de aparecimento de cirurgias do estapédio é pequeno.
CONCLUSÃO
A maioria dos pacientes submetidos a cirurgias do estapédio no serviço de otorrinolaringologia eram adultos (média 40,35 ± 11,20), do sexo feminino (67,7%) e caucasianos (93,7%).
A técnica cirúrgica mais realizada pelo serviço nas cirurgias do estapédio, durante o tempo do estudo, foi a estapedectomia (50,9%), sendo a quase totalidade com os pacientes sob anestesia local e sedação (96,5%). Nestas cirurgias, a prótese de Teflon foi utilizada com mais freqüência (37,7%). Não houve diferença estatisticamente significativa no sucesso cirúrgico em relação à técnica.
Os resultados com sucesso cirúrgico pós-operatório (50,88%) foram inferiores aos publicados na literatura por cirurgiões experientes, não sendo observadas diferenças significativas quando comparadas às incidências de complicações (11,4%).
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1 Graduação, Médico Residente do 3º ano de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
2 Graduação, Médico Residente do 3º ano de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
3 Acadêmico do 9º período de Medicina do HC-UFPR.
4 Acadêmica do 9º período de Medicina do HC-UFPR.
5 Mestrado, Professor Mestre Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da UFPR.
6 Doutorado, Professor Doutor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da UFPR. Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
Endereço para correspondência: Rua General Carneiro 181 5º andar - Anexo B Curitiba PR 80.060-900.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 21 de julho de 2006. cod. 3288.
Artigo aceito em 23 de setembro de 2006.