Versão Inglês

Ano:  2007  Vol. 73   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 599 a 607

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Efeito da acupuntura sobre as emissões otoacústicas de pacientes com zumbido

Impact of acupuncture on otoacoustic emissions in patients with tinnitus

Autor(es): Renata Frasson de Azevedo 1, Brasilia Maria Chiari 2, Daniel Mochida Okada 3, Ektor Tsuneo Onishi 4

Palavras-chave: acupuntura, emissões otoacústicas, zumbido

Keywords: acupuncture, otoacoustic emissions, tinnitus

Resumo:
O tratamento do zumbido continua a ser um desafio da atualidade. Na medicina tradicional chinesa, a acupuntura é recomendada para o alívio do zumbido, apesar de faltarem provas cientificas nesta área. Objetivo: Verificar o efeito da acupuntura sobre a função coclear de indivíduos com zumbido através do uso das emissões otoacústicas. Casuística e Método: Foi realizado um estudo clínico-prospectivo, no qual foram avaliados 38 pacientes do ambulatório de zumbido. Os pacientes foram avaliados por meio de emissões otoacústicas transitórias e pela medida da supressão das emissões otoacústicas transitórias. Essa avaliação foi realizada antes e após a aplicação de acupuntura em um ponto na região têmporo-parietal, correspondente à área cócleo-vestibular (no grupo intervenção 1 n=19) e em um ponto 3cm acima dessa região (para o grupo intervenção 2 n=19). Resultados: Os resultados mostraram uma diferença estatisticamente significante na amplitude das emissões otoacústicas antes e após a aplicação da acupuntura para o grupo intervenção 1. Não foram observadas diferenças para o grupo intervenção 2. Conclusão: Os resultados sugerem que houve um efeito da acupuntura sobre as emissões otoacústicas dos pacientes com zumbido.

Abstract:
The treatment of tinnitus is still a challenge. Acupuncture is recommended for the relief of tinnitus in traditional Chinese Medicine, although scientific evidence is lacking. Aim: The aim of this study was to assess the effect of acupuncture on the cochlear function in patients with tinnitus by analyzing otoacoustic emissions. Methods: Thirty eight patients with tinnitus were included in the prospective clinical study. Measures of transitory otoacoustic emissions and suppression of otoacoustic emissions were obtained from all subjects before and after acupuncture. Patients were assigned to one of two groups: intervention group 1 (n=19), in which needle acupuncture was applied at the temporoparietal point corresponding to the vestibulocochlear area, and intervention group 2 (n=19), in which the needle was applied 3cm cranially to this area (which is not a recognized acupuncture point). Results: There was a significant difference between the amplitude of otoacoustic emissions assessed before and after acupuncture in intervention group 1. No difference was observed in intervention group 2. Conclusion: Acupuncture had a significant effect on otoacoustic emissions in patients with tinnitus.

INTRODUÇÃO

O Zumbido é definido como a sensação do som percebido pelo indivíduo independente de estímulo externo. Geralmente é comparado ao som de um chiado, apito ou cachoeira.1,2

Pesquisas mostram prevalências de até 32% de indivíduos com esse sintoma3, sendo que em 0,5% o sintoma é tão severo que impede o indivíduo de viver uma vida normal.4

Devido à heterogeneidade observada na população de indivíduos com zumbido devem-se considerar mais de uma teoria que explique a sua geração.5 Existem vários modelos que tentam explicar o mecanismo envolvido na geração do zumbido. A maioria dos modelos sugere uma disfunção coclear.6-9 A teoria denominada hipótese de danos discordantes sugere que o zumbido seja gerado em uma porção da membrana basilar, na qual há preservação de células ciliadas internas e danos em células ciliadas externas. Essa teoria pode explicar a ocorrência de zumbido em indivíduos com audição normal, visto que danos difusos de até 30% de CCE podem ocorrer sem que haja perda auditiva detectável.6 Outra teoria proposta é de que em áreas com danos de células ciliadas internas haveria redução da inibição eferente. Em conseqüência, à menor inibição haveria aumento de áreas ativas da membrana basilar, causando o zumbido.7

Um modelo bioquímico para a geração do zumbido, sugere que as dinorfinas endógenas potencializam a atividade exitatória do glutamato nos receptores NMDA (n-metil-d aspartate) da cóclea e potencializam altos níveis do sistema auditivo. Esta ação produziria uma descarga sincrônica nos neurônios auditivos no silêncio, que seria percebido como som real.10

Um modelo neurofisiológico descrito em 1993 relata que as principais dificuldades encontradas na avaliação e tratamento do zumbido são:

1- dificuldade de exames objetivos para avaliação do zumbido,

2- o zumbido ser um sintoma com enormes possibilidades de disfunções periféricas e centrais associadas,

3- falta de provas dos mecanismos envolvidos na geração do zumbido,

4- forte impacto causado pelo zumbido no sistema nervoso central do paciente, e por fim, a forte ligação da percepção do zumbido com o sistema emocional.11

Devido à diversidade no seu surgimento, o tratamento deste sintoma continua a ser um desafio, mas diferentes métodos vêm sendo empregados com sucesso. A acupuntura é um destes métodos.12,13 Na Medicina Tradicional Chinesa, a acupuntura é recomendada para o alívio do zumbido, apesar de faltarem provas científicas nesta área. Estudos mostram que o estímulo realizado com as agulhas promove uma introdução de carga elétrica que desencadeia potenciais de ação a fim de reequilibrar o sistema.14,15

Na maioria dos estudos sobre a eficácia da acupuntura, um dos principais problemas é a falta de dados objetivos que comprovem as melhoras relatadas pelos pacientes. Os estudos costumam utilizar a referencia da sensação subjetiva do paciente com relação ao zumbido para analisar o efeito do tratamento.16,17 Um estudo de revisão sistemática sobre a eficácia da acupuntura no tratamento do zumbido concluiu que a crença de que a acupuntura é efetiva no tratamento do zumbido não é baseada em evidências de estudos controlados e randomizados.18

A avaliação auditiva vem se desenvolvendo e pode auxiliar na avaliação de pacientes com zumbido, assim como no acompanhamento destes pacientes após tratamento.

Uma das alternativas mais pertinentes para o estudo da função coclear em humanos é a pesquisa das emissões otoacústicas.19

As Emissões otoacústicas (EOA) são sons gerados dentro da cóclea normal, espontaneamente ou em resposta à estimulação acústica. Considera-se que as emissões otoacústicas refletem a atividade de mecanismos biológicos ativos dentro da cóclea, e que as células ciliadas externas são as responsáveis por estes mecanismos.20

O movimento mecânico das células ciliadas externas na cóclea é provavelmente controlado pelas vias auditivas eferentes. Acredita-se que o sistema eferente, por meio do trato olivococlear medial, module os movimentos das células ciliadas externas pela liberação de acetilcolina na fenda sináptica.

Um método simples de investigação do funcionamento deste sistema é a comparação entre a amplitude das emissões otoacústicas transitórias com e sem estimulação auditiva contralateral, chamada de medida de supressão das emissões otoacústicas. Em um sistema de funcionamento normal das vias auditivas eferentes ocorrerá uma diminuição da amplitude da resposta das emissões otoacústicas quando apresentado um ruído contralateral.21 Este efeito vem sendo atribuído à influência do trato olivococlear medial por meio de sinapses nas células ciliadas externas na cóclea, atenuando o ganho da amplificação coclear, reduzindo a movimentação da membrana coclear e, conseqüentemente, modificando a amplitude das emissões otoacústicas.22 A importância da análise do efeito de supressão das EOAT para avaliar a influência da atividade neural eferente da cóclea tem sido descrita na literatura.23,24 Uma disfunção das vias auditivas eferentes poderia estar envolvida com a produção e a percepção auditiva do zumbido. Acredita-se que a disfunção do sistema eferente provoque perda da modulação das células ciliadas externas, gerando atividade anormal das vias auditivas, que poderia ser erroneamente interpretada como som. Pesquisas em indivíduos com zumbido mostram uma supressão menos efetiva quando comparados a indivíduos sem queixa de zumbido.23,25,26

Sendo assim, o atual estudo se propõe a analisar a hipótese de que a acupuntura provoque modificações na função coclear dos indivíduos com zumbido.


OBJETIVO

O objetivo do estudo foi verificar o efeito da acupuntura sobre a função coclear de indivíduos com zumbido através do uso das emissões otoacústicas transitórias e da medida de supressão das emissões otoacústicas transitórias.


MATERIAL E MÉTODO

Análise pela comissão de ética


Esta pesquisa foi aprovada pela comissão de ética para análise de projetos de pesquisa (CEP) - Hospital São Paulo nº 1079/04.

Critérios de inclusão

Pacientes com queixa de zumbido, limiares de audibilidade até 25 dBNA de 250 a 2000Hz, curva timpanométrica tipo A bilateral.

Coleta de dados

Os pacientes foram selecionados dentre os atendidos na rotina do Ambulatório de Zumbido do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM. Após o esclarecimento quanto ao estudo a ser realizado, os pacientes optavam, ou não, por participar do mesmo. Uma vez tendo concordado, assinavam um termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pela comissão de ética em pesquisa da UNIFESP.

Casuística

Foram incluídos no estudo 38 pacientes, com idades entre 36 e 76 anos, sendo 25 do sexo feminino e 13 do sexo masculino.

Procedimentos

Registro preliminar das emissões otoacústicas

O estudo realizado foi um ensaio clínico prospectivo duplo-cego. Inicialmente, os pacientes foram submetidos a uma avaliação auditiva que constou de:

a. Emissões Otoacústicas Transitórias, obtidas com o aparelho ILO 292.

O teste foi iniciado pelo checkfit, para verificação da sonda no meato acústico externo do paciente. Após ajuste da sonda foi iniciado o teste no modo quickscreen.

Para registro, foram utilizados cliques não-lineares com pulsos regulares de 80 microssegundos, de polaridade rarefeita e freqüência de repetição de 50 ciclos por segundo. Foram computadas séries de 260 estímulos em blocos de 8 cliques em cada testagem, segundo a técnica não-linear. A intensidade utilizada foi de 80 dB +/- 3 dBpeNPS.

b. Supressão das EOAT. Para mensurar o efeito de supressão, foram comparadas as amplitudes das EAOT obtidas conforme procedimento descrito acima, com e sem ruído branco contralateral de 50 dBNPS emitido por um audiômetro por meio de um fone TDH-39 contralateral do paciente.

Divisão dos grupos e aplicação da acupuntura

Após a avaliação auditiva descrita acima, os pacientes foram distribuídos em dois grupos, de maneira alternada, pelo otorrinolaringologista-acupunturista de acordo com a ordem de atendimento.

Os pacientes foram acomodados em ambiente silencioso e o agulhamento foi realizado no lado da queixa do zumbido e, no caso do zumbido bilateral, no lado que o paciente referiu a sensação de zumbido mais intenso.

O ponto de acupuntura utilizado nos pacientes do Grupo Intervenção 1 situou-se a 4,5cm acima do ápice do pavilhão auditivo na região têmporo-parietal, determinado com o auxílio de um aparelho localizador de pontos e corresponde à área cócleo-vestibular da técnica de crânio-puntura. O ponto utilizado no Grupo Intervenção 2 situou-se 3cm acima do ponto anterior, na mesma linha vertical, onde o aparelho localizador de pontos não emitiu sinal característico, não correspondendo a algum ponto de acupuntura. (Figura 1). Foram utilizadas agulhas descartáveis de aço inoxidável 0,3x40 mm, introduzidas no couro cabeludo em um ângulo de 45° até o periósteo. Depois de realizado um estímulo manual de rotação com freqüência de 2 Hertz por 15 segundos os pacientes permaneceram em silêncio por 1 minuto.


Figura 1. Pontos utilizados para acupuntura para ambos os grupos - Intervenção 2 Intervenção 1



Captação das emissões otoacústicas após acupuntura

Após o procedimento descrito acima, os pacientes foram novamente submetidos aos testes auditivos de emissões otoacústicas transitórias, e supressão das EOAT sem que a avaliadora soubesse se o paciente pertencia ao grupo intervenção 1 ou 2. O segundo teste foi realizado no mesmo dia em um intervalo de 10 minutos após a realização da acupuntura. Os dados foram então inseridos em planilhas de banco de dados para serem, posteriormente, submetidos à análise estatística.

Análise Estatística dos Dados

As variáveis amplitude das emissões otoacústicas por estímulo transiente e supressão das emissões otoacústicas, antes e depois da aplicação de acupuntura foram submetidas à análise de variância (ANOVA), uma técnica paramétrica que faz uma comparação de médias utilizando a variância. O nível de significância estabelecido foi de 0,05.


RESULTADOS

Caracterização da amostra


A amostra foi constituída por 38 indivíduos com queixa de zumbido. Os dados a seguir referem-se à analise descritiva da amostra.

Valores obtidos de emissões otoacústicas

As medidas descritivas das emissões otoacústicas obtidas antes e depois da sessão de acupuntura são apresentadas na Tabela 3. Para análise estatística, os grupos foram subdivididos por lado de realização da acupuntura, lado da orelha e momento da captação das emissões (antes ou depois da acupuntura).








Análise estatística dos resultados das emissões otoacústicas obtidos antes e depois da aplicação da acupuntura

Para a análise estatística foi realizado o teste ANOVA. Os gráficos de perfil médio apresentados indicam a média dos valores obtidos nos dois grupos avaliados mais um erro padrão (EP) antes e depois da intervenção. O erro padrão é uma medida de variabilidade entre as médias amostrais, de forma que quanto maior o erro padrão, maior a variabilidade entre as médias.

A seguir serão apresentados os resultados das amplitudes das emissões otoacústicas obtidas antes e depois da intervenção nos dois grupos estudados.

- Acupuntura realizada do lado direito e análise do efeito na orelha direita:

Para o grupo Intervenção 1, houve diferença estatisticamente significante das emissões otoacústicas antes e após a sessão de acupuntura. Após a sessão de acupuntura verificou-se aumento das emissões otoacústicas (p=0.0029) como mostra o Gráfico 1.


Gráfico 1. Perfil médio das amplitudes das emissões otoacústicas da orelha direita para acupuntura realizada no lado direito - legenda no gráfico.



Para o grupo intervenção 2 não houve diferença estatisticamente significante das emissões antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.5882), ou seja, para o grupo Intervenção 2 as emissões antes da sessão não diferiram das emissões após a sessão.

Acupuntura realizada no lado esquerdo e análise do efeito na orelha esquerda:

Para o grupo intervenção 1, houve diferença estatisticamente significante entre emissões otoacústicas coletadas antes e após a sessão de acupuntura. Após a sessão de acupuntura observou-se aumento das emissões otoacústicas (p=0.0062) como mostra o Gráfico 2. Para o grupo intervenção 2 não houve diferença estatisticamente significante das emissões antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.9996), ou seja, para o grupo 2 a amplitude das emissões antes da sessão é igual à amplitude das emissões após à sessão.


Gráfico 2. Perfil médio das emissões otoacústicas da orelha esquerda antes e depois da acupuntura realizada no lado esquerdo - legenda no gráfico.



Acupuntura realizada no lado esquerdo e análise do efeito na orelha direita (contralateral):

Para grupo intervenção 1, houve diferença estatisticamente significante das emissões antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.0327).Para grupo intervenção 2, não houve diferença estatisticamente significante das emissões antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.9644), ou seja, para o grupo intervenção 2, a amplitude das emissões antes da sessão é igual à amplitude das emissões após a sessão.

- Acupuntura no lado direito e análise do efeito na orelha esquerda (contralateral):

Para grupo intervenção 1 não houve diferença estatisticamente significante das emissões antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.4926).

Para grupo intervenção 2, também não houve diferença estatisticamente significante das emissões antes e após a sessão de acupuntura (p = 1.0000), ou seja, para o grupo intervenção 2 a amplitude das emissões antes da sessão é igual à amplitude das emissões após a sessão.

Supressão

Na Tabela 4 apresentamos as medidas descritivas da supressão. O grupo intervenção 1 apresenta, descritivamente, maiores médias de supressão após a sessão de acupuntura. Os valores das amplitudes médias de supressão apresentados estão em dBNPS (decibel nível de pressão sonora)




A seguir serão apresentados os resultados estatísticos para análise da amplitude da supressão para ambos os grupos após intervenção.

Análise da supressão da orelha direita após acupuntura no lado direito.

Para o grupo intervenção 1 não houve diferença estatisticamente significante da supressão antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.3251). O mesmo vale para o grupo intervenção 2 (p = 0.7681)

Análise da supressão da orelha esquerda após acupuntura no lado direito (contralateral):

Para o grupo intervenção 1 não houve diferença estatisticamente significante da supressão antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.5582), ou seja, a acupuntura realizada na orelha direita não modificou supressão do lado contralateral. O mesmo vale para o grupo intervenção 2(p = 0.7992)

Análise da supressão da orelha direita após acupuntura no lado esquerdo (contralateral):

Para o grupo intervenção 1 não houve diferença estatisticamente significante da supressão antes e após a sessão de acupuntura (p = 0.8524), ou seja, a acupuntura realizada no lado esquerdo não modificou significativamente a supressão do lado direito. O mesmo vale para o grupo intervenção 2 (p = 0.9795).

Análise da supressão da orelha esquerda após acupuntura no lado esquerdo.

Para o grupo intervenção 1 houve diferença estatisticamente significante da supressão antes e após a sessão de acupuntura realizada no lado esquerdo(p = 0.0059). Para o grupo intervenção 2, a acupuntura não modificou a supressão (p = 0.9626) como mostra o Gráfico 3.


Gráfico 3. Perfil médio da supressão da orelha esquerda após acupuntura realizada no lado esquerdo - gráfico na legenda.



DISCUSSÃO

O zumbido é sem dúvida uma das principais manifestações otológicas encontradas na prática clínica.2 Apesar de muitos estudos na área, ainda não há um tratamento que garanta a melhora do sintoma. O zumbido, muitas vezes considerado idiopático, é um sintoma que incomoda muito, chegando a causar depressão, irritabilidade e até tentativas de suicídio.5,6 Esse sintoma, porém, é tão subjetivo quanto a dor, não pode ser medido por exames laboratoriais, nem compreendido totalmente pelos pesquisadores. Um sintoma com muitas causas prováveis, muitos mecanismos envolvidos e, portanto, muita confusão no tratamento. Confusão que causa mais estresse para o paciente, que acaba acreditando que nada mais há para ser feito. Uma conduta comum dos profissionais ao lidar com esses pacientes é mandá-los para casa dizendo que nada poderá ser feito e que o paciente deverá aprender a conviver com esse sintoma.11 Atualmente, muitos estudos são realizados nessa área. Um modelo neurofisiológico ressalta a importância do sistema límbico no reforço emocional do sintoma, sendo este o responsável pela permanência da percepção do zumbido.7 Acreditamos que a manutenção e a interferência desse sintoma na qualidade de vida da pessoa está muito relacionado com padrões de equilíbrio global do paciente, características físicas e, principalmente, emocionais. Portanto, o profissional de saúde, ao assumir um desses pacientes, deverá ter um cuidado especial, muita paciência e persistência. Além disso, dar ao paciente a segurança de que existem várias alternativas para aliviar seu sintoma e de que sua participação ativa é essencial no processo de cura.

Os estímulos realizados pela acupuntura em pontos específicos têm por objetivo obter do organismo uma resposta que visa à resolução de um quadro clínico específico, à recuperação da saúde ou a prevenção de doenças. Esse resultado ocorre por meio do incremento de processos regenerativos, normalização de funções orgânicas de regulação e controle, da modulação da imunidade, da promoção de analgesia e da harmonização de funções endócrinas, autônomas e mentais12.

No Brasil, a Acupuntura é reconhecida como especialidade médica pela Associação Médica Brasileira (AMB) desde 1995, e seu estudo vem se difundido no meio acadêmico, já fazendo parte da grade curricular de alguns cursos de graduação de ensino médico.

O atual estudo reforça as evidências científicas a respeito do uso da acupuntura para aliviar o sintoma do zumbido. Para isso foi utilizado o exame de emissões otoacústicas, por ser um exame simples, rápido, objetivo, não-invasivo e importante para análise da função coclear e do sistema olivococlear eferente19, que são sistemas importantes na geração do zumbido, segundo a maior parte das teorias atuais.

O atual estudo mostrou uma maior prevalência de indivíduos do sexo feminino, tanto no grupo intervenção 1 (68%), quanto na população do grupo intervenção 2 (63%) (Gráfico 1). Um estudo epidemiológico realizado no Hospital das Clínicas encontrou uma proporção de 60% dos pacientes sendo do gênero feminino1. Outro estudo realizado também reporta uma maior prevalência do zumbido na população feminina, assim como na população de expostos a ruído e indivíduos de baixa renda.4 Ainda existem outras explicações para a maior prevalência de zumbido nas mulheres. As mulheres vivem mais que os homens, com isso, podem ter maior probabilidade de ter doenças crônicas como diabetes e hipertensão, com todas as complicações, além de presbiacusia e conseqüente zumbido.

No grupo intervenção 1, a média de idade encontrada foi de 55 anos, com valores mínimo e máximo de 38 e 76, respectivamente. No grupo intervenção 2, a variável foi semelhante com média de 57 anos e valores mínimo e máximo de 36 e 68 anos (Tabela 1). Os dados concordam com a literatura, que mostra que o zumbido é um sintoma que aumenta muito com o avanço da idade e afeta cerca de um terço da população acima de 65 anos.11 Outros estudos também referem aumento significativo do zumbido com o avançar da idade.3,4

Muitos estudos realizados em acupuntura utilizam dados subjetivos para avaliar seu efeito, tais como referir uma nota para melhora do sintoma.16,17

Axelsson et al.17 estudaram a eficácia da acupuntura em pacientes com zumbido utilizando uma escala de analogia visual. Em seu estudo não houve diferença significativa.17 Park18, em seu estudo, comenta sobre a falta de dados baseados em evidências feitas por estudos randomizados nesta área, e que portanto, mais estudos devem ser feitos nessa área de forma mais adequada do ponto de vista metodológico.18

A análise dos dados obtidos de amplitude das emissões otoacústicas para a orelha direita antes e após acupuntura em lado direito mostra um valor significantemente maior das emissões otoacústicas nos pacientes do grupo intervenção 1 após a sessão de acupuntura, o que não aconteceu com o grupo de pacientes submetidos à acupuntura "controle" (grupo intervenção 2). Com esse dado podemos sugerir que houve um efeito da acupuntura sobre as células ciliadas, mostrando um aumento da amplitude nas emissões otoacústicas. A análise do efeito da acupuntura na orelha esquerda de pacientes com pior zumbido em orelha esquerda demonstra uma diferença estatisticamente significante das emissões otoacústicas antes e após a aplicação de acupuntura (Gráfico 3). Após a sessão, observou-se um aumento das emissões otoacústicas para o grupo intervenção 1. Nesse caso também podemos considerar um efeito da acupuntura sobre a orelha interna.

As emissões otoacústicas analisam a integridade da função coclear e os estudos mostram que, quanto maior a amplitude de resposta, mais células íntegras estão presentes e melhor a função coclear do indivíduo. Estudos sobre a geração do zumbido associam o dano coclear ao aparecimento do zumbido5-7,9,11. O exame de emissões otoacústicas analisa função de células ciliadas externas e os mecanismos ativos da cóclea20; a mudança percebida na amplitude das emissões após a sessão de acupuntura pode indicar que houve um efeito sobre a função coclear. Podemos inferir que na geração do zumbido deve haver alguma disfunção no nível do sistema auditivo periférico que foi de alguma forma restabelecido pela acupuntura.

Os pontos de acupuntura apresentam menor resistência elétrica. A agulha pontiaguda da acupuntura acumula cargas elétricas em sua extremidade, criando uma diferença potencial.14 Essa diferença faz com que, ao realizar o estímulo com a agulha, ocorra uma introdução de carga elétrica que desencadeia potenciais de ação e atua equilibrando o organismo.15 A ação esperada através da acupuntura é equilibrar as funções do organismo para que haja mais harmonia no seu funcionamento, afim de restabelecer o equilíbrio dinâmico. Um estudo realizado demonstrou que existe uma liberação de peptídeos opióides no nível do sistema nervoso central após utilização da acupuntura.15 Há evidências da existência de peptídeos opióides no nível da cóclea.10 Os peptídeos opióides induzem a redução do influxo pré-sináptico de cálcio, promovendo a diminuição da liberação de neurotransmissores e uma conseqüente inibição do sistema nervoso.

Chami et al.12 realizaram um estudo semelhante ao atual e também encontraram aumento das emissões otoacústicas por produto de distorção nos 8 pacientes avaliados antes e depois de 15 sessões de acupuntura, concluindo que houve uma ação da acupuntura sobre a cóclea, mais especificamente sobre a atividade contrátil das células ciliadas externas, e que a acupuntura, desde que corretamente aplicada, poderia ser considerada grande aliada no tratamento dos pacientes com zumbido.13

Procuramos também analisar o efeito da acupuntura sobre a orelha contralateral à aplicação do tratamento. Observamos esse efeito com aplicação da acupuntura na orelha esquerda, quando houve um efeito de aumento da amplitude das emissões otoacústicas em ambas as orelhas. Esse efeito pode ser explicado pelo fato de o sistema auditivo ser um sistema de vias cruzadas, podendo ocorrer um efeito da acupuntura também sobre a orelha contralateral por intermédio do sistema olivococlear medial.

Outro efeito analisado foi a supressão das emissões otoacústicas. Muitos estudos sobre geração do zumbido ressaltam a importância do sistema olivococlear eferente8,25,26. O feixe olivococlear eferente compreende dois tratos principais: medial e lateral. O trato medial é composto por fibras que se cruzam para a cóclea oposta e se conectam diretamente às células ciliadas externas, assim o sistema eferente medial trabalha de forma cruzada para fornecer controle da transmissão aferente22. Foi descoberto que esse sistema poderia ser avaliado através das medidas de supressão das emissões otoacústicas, caracterizadas pela análise da amplitude das emissões após estimulação contralateral.21 Desde então, muitos estudos têm sido feitos para analisar o efeito da supressão sobre as emissões otoacústicas em indivíduos com zumbido8,23,24. Em um sistema com funcionamento dentro da normalidade, espera-se que a amplitude das emissões diminua após estimulação contralateral devido à atuação do sistema olivococlear medial sobre as células ciliadas externas.

No atual estudo, quando comparamos o efeito da acupuntura analisando os valores de amplitude da supressão antes e após a intervenção realizada, encontramos diferença estatisticamente significante nos resultados das emissões otoacústicas da orelha esquerda. Após a aplicação, encontramos um aumento da supressão (p=0,0059) para o grupo intervenção 1, fato que não ocorreu no grupo intervenção 2. Um estudo semelhante da literatura pesquisada também constatou uma supressão menor nos indivíduos com zumbido com diferença estatisticamente significante também apenas para a orelha esquerda, evidenciando menor efetividade do sistema eferente olivococlear medial nos pacientes com zumbido.23

Esse dado sugere atuação da acupuntura também sobre o funcionamento do sistema olivococlear eferente. O estímulo nervoso provocado pela acupuntura seria responsável por alterações no nível do complexo olivar superior medial, de onde se origina um feixe nervoso eferente que se direciona ao órgão de Corti. Esse estímulo provocaria inibição ao nível das células ciliadas externas, melhorando, assim, quadros de zumbido provocados por alterações dessa estrutura.12

Assim, a análise global do estudo apresentado reforça a importância de uma avaliação auditiva mais completa na presença de queixa de zumbido tanto na avaliação inicial do indivíduo quanto para um acompanhamento após qualquer tratamento. O uso da acupuntura e de qualquer outra forma de tratamento ganha mais dados objetivos de melhora das funções cocleares com o uso das emissões otoacústicas. Com esse instrumento importante de avaliação haverá mais dados para direcionar o tratamento especifico.

No atual estudo, foi realizada apenas uma sessão de aplicação de acupuntura em um ponto específico da cóclea e já foram encontrados dados significantes, é provável que um tratamento mais prolongado será mais proveitoso para alívio do sintoma.

A saúde de qualquer pessoa depende não só de células, tecidos ou órgãos sadios, mas principalmente de uma perfeita sintonia entre todas as funções. Com o uso da acupuntura é esperado o restabelecimento dessa sintonia.

Esperamos que a acupuntura possa ser mais amplamente utilizada como forma de tratamento para o zumbido e que seu uso seja sempre realizado após uma avaliação auditiva completa para acompanhamento dos progressos obtidos durante o tratamento.


CONCLUSÃO

1. Houve um efeito da acupuntura sobre as emissões otoacústicas transitórias em pacientes com zumbido.

2. Houve um efeito da acupuntura sobre a supressão das emissões otoacústicas transitórias para a orelha esquerda de pacientes com zumbido.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Sanches TG, Bento RF, Miniti A, Camara A. Zumbido: Características e epidemiologia. Experiência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Rev Bras Otorrinolaringol 1997;63(3):229-35.

2. Fukuda Y. Zumbido: Diagnóstico e tratamento. Rev Bras Otorrinolaringol 1997; 4(2):39-43.

3. National Center For Health Statistic (1967) Washington DC: US. Government Printing Office apud Stover JL, Tyler RS: Characterization of Tinnitus by Tinnitus Patients. J Speech Hear Disord 1990; 55:439-543.

4. Coles RA. Epidemiology of Tinnitus. Demographic and clinical features. In: Shulman & Ballantyne (ed.), Proceedings of the II International Tinnitus Seminar (pp 195-2002). Ashford, Kent, England: ed. Invicta apud: Stover JL, Tyler RS: Characterization of Tinnitus by Tinnitus Patients. J Speech Hear Disord, 1990 55: 439-543.

5. Baguley DM. Mechanism of Tinnitus. Br Med Bull 2002;63:195-212.

6. Bohne BA, Clark WW. Growth of hearing loss and cochlear lesion with increasing duration of noise exposure. In: Hamernik RP, Handerson D, Salve R. (ed). New Perspectives on noise. Induced Hearing Loss Hear. New York: Heaven Press; 1987. 208-302.

7. Jastreboff PJ. Phantom auditory perception (tinnitus). Mechanisms of generation and perception. Neurosci Res 1990;8:221-54.

8. Chéry-Croze S, Moulin A, Collet L, Morgon A. Is the test of medial efferent system function a relevant investigation in tinnitus? Br J Audiol 1994;28:13-25.

9. Le Page EL. A model for cochlear origin of subjective tinnitus: excitatory drift in the operating point of inner hair cells. In: Vernon JA, Moller AR. (ed.) Mechanisms of tinnitus. London: Allyn and Bacon; 1995.115-48.

10. Sahley TL, Nodar RH. A biochemical model of peripheral tinnitus. Hear Res 2001;152:43-54.

11. Jastreboff PJ, Hanzel JWP. A neurophysiological approach to tinnitus: clinical implications. Br J Audiol 1993;27:7-17

12. Chami FAI. A utilização da acupuntura em pacientes portadores de zumbido. Zumbido: Avaliação, Diagnóstico e Reabilitação - Abordagens atuais. Ed. Lovise; 2004. p.113.

13. Chami FAI, Onishi ET, Fukuda Y, Yamamura Y. Alteração das emissões otoacústicas por produto de distorção em pacientes portadores de zumbido submetidos à acupuntura. Estudo preliminar. Arq Fund Otorrinolaringol 2001;5 (2):78-85.

14. Dumitrescu IF. Acupuntura cientifica moderna. São Paulo: Andrei; 1996. 338.

15. Pomeranz B, Chiu D. Naloxone blockade of acupuncture analgesia: Endorphin implicated. Life Sci 1976;19(11):1757-62, apud Chami FAI. A Utilização da Acupuntura em pacientes portadores de zumbido. In: Samelli AG. Zumbido avaliação, diagnóstico e reabilitação. Ed. Lovise; 2004.

16. Okada DM, Onishi ET, Baú FC, Borin A, Cassola N, Grerreiro VM. O uso da Acupuntura para alívio imediato do zumbido Rev Bras Otorrinolaringol 2006;72:182-6.

17. Axelsson A, Anderson S, Gu LD. Acupuncture in the management of tinnitus: a placebo-controlled study. Audiology 1994;33:351-60.

18. Park J, Whight AR, Ernest E. Efficacy of acupuncture as a treatment for tinnitus - a systematic Review. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2000;126(4):489-92.

19. Kemp DT, Ryan S, Bray P. A guide to the effective use of otoacoustic emissions. Ear Hear 1990;11(2):93-105.

20. Norton SJ, Stover LJ. Emissões Otoacústicas - Um novo instrumento clínico. In: Tratado de Audiologia Clínica. São Paulo: Editora Manole; 1999. 444-58.

21. Ryan S, Kemp DT. The influence of evoking stimulus level on the neural suppression of transient evoked otoacoustic emission. Hear Res 1996;94:140-7.

22. Sahley TL, Nodar RH, Musiek FE. Efferent auditory system structure and function. San Diego: Singular Publishing Group. 1997:228, apud Durante, AE. Supressão das emissões otoacústicas em neonatos com risco para alteração auditiva. São Paulo, 2004. Dissertação (doutorado) Faculdade de Medicina USP.

23. Graham RL, Hanzel JWP. Contralateral suppression of transient evoked otoacoustic emissions: intra-individual variability in tinnitus and normal subjects. Br J Audiol 1994;28:235-45.

24. Samelli AG, Schochat E. Estudo das emissões otoacústicas em pacientes com zumbido. Pró-Fono Revista de Atualização Científica 2002;14(1):99-110.

25. Chéry-Croze S, Collet L, Morgon A. Medial olivo cochlear system and tinnitus. Acta Otolaryngol (Stock) 1993;113:285-90.

26. Fávero ML, Sanches TG, Nascimento AF, Bento RF. A função do trato olivococlear medial em indivíduos com zumbido. Arq Otorrinolaringol 2003;7:265-70.





1 Mestre em ciências pela UNIFESP - disciplina de distúrbios da comunicação humana do departamento de fonoaudiologia, fonoaudióloga.
2 Livre-docente, professor titular da disciplina de distúrbios da Comunicação Humana do departamento de fonoaudiologia da UNIFESP.
3 Especializando em Otologia pela UNIFESP, Otorrinolaringologista e acupunturista.
4 Doutor em Medicina pela UNIFESP-EPM, Preceptor-Chefe dos Residentes e Coordenador do Ambulatório de Zumbido do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM.
Universidade Federal de São Paulo.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 25 de junho de 2006. cod.2217
Artigo aceito em 8 de novembro de 2006.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial