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Ano:  2007  Vol. 73   Ed. 4  - Julho - Agosto - (22º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 576 a 576

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Paralisia bilateral do hipoglosso na evolução de otite externa necrotizante

Bilateral hipoglossal nerve palsy in necrotizing otitis externa

Autor(es): Adriano Santana Fonseca 1, Nilvano Alves de Andrade 2, Miguel Leal Andrade Neto 3, Vyrna Medeiros de Moura Santos 4

Palavras-chave: otite externa, otite necrotizante, paralisia do hipoglosso

Keywords: otitis externa, necrotizing otitis, nerve palsy

INTRODUÇÃO

A otite externa necrotizante é uma infecção potencialmente letal que começa no conduto auditivo externo e pode estender-se à base do crânio. Ocorre em diabéticos idosos e está associada à elevada morbi-mortalidade.1 O agente causal principal é a Pseudomonas aeruginosa, em 96 a 98% dos casos2.

A infecção se estende da junção ósteo-cartilaginosa ao osso temporal através das fissuras de Santorini. A infecção pode progredir à base do crânio e afetar os nervos facial, glossofaríngeo, vago e acessório. Eventualmente afeta o nervo hipoglosso, abducente e trigêmeo.3

Sintomas como otalgia, cefaléia, hipoacusia, otorréia, em pacientes diabéticos ou imunossuprimidos, são significativos. A investigação laboratorial revela elevação da VHS, com leucograma normal ou discretamente elevado. A clínica mostra sinais de ulceração em assoalho de CAE. A TC demonstra destruição óssea e a RMN objetiva a localização e extensão da infecção, da invasão intracraniana e comprometimento dos pares cranianos. A cintilografia com tecnécio e gálio tem sido utilizada para avaliação do critério de cura. A cintilografia com tecnécio é útil para diagnóstico de osteíte, sendo positiva em casos de osteomielite aguda ou crônica, ou trauma. Apresenta uma baixa especificidade e pode permanecer positiva por um ano2. Já a cintilografia com gálio-67 é utilizada para seguimento e aferição da resposta terapêutica, uma vez que o gálio tem grande afinidade por leucócitos e proteínas da fase aguda.2

Para o tratamento adequado é necessária cultura, porém não se espera o resultado para o tratamento inicial. Dois antibióticos empíricos são utilizados: aminoglicosídeo, associado à ciprofloxacina ou a ceftazidima. O cefepime, cefoperazona, imipenem e aztreonam podem ser alternativas. A duração do tratamento é de 4-6 semanas.1 A diminuição ou cessação da otalgia é um importante parâmetro de controle. A maioria dos pacientes pode ser tratada clinicamente e a cirurgia tem indicações controversas, entre elas: dor progressiva, neuropatia craniana e persistência de granulação no CAE. A mastoidectomia pode ser empregada, porém não impede extensão para a base do crânio, em alguns casos.3


RELATO DO CASO

AAB, 71 anos, masculino, procedente de Salvador, portador de hipertensão e Diabetes, se apresentou em agosto de 2004 com história de 2 meses de otalgia à direita. Havia feito uso de antibióticos (cefalexina, moxifloxacino e gatifloxacino) sem melhora do quadro, passando a evoluir com dor lancinante. Ao exame apresentava sinais de otite média com espessamento do CAE, sem ulceração. A TC (junho de 2004) evidenciava obliteração da orelha média e mastóide à direita. A avaliação audiométrica revelava hipoacusia mista.

Com a hipótese de mastoidite o paciente foi tratado com ciprofloxacino por 21 dias e evoluiu com remissão dos sintomas.

Em outubro de 2004 retornou com recidiva da otalgia e nova TC evidenciou ruptura da cortical externa da mastóide.

O paciente foi submetido à mastoidectomia com estudo anatômico revelando inflamação crônica inespecífica, e cultura positiva para Pseudomonas. Iniciado tratamento com ciprofloxacino 1500 mg/dia, 6 semanas.

Compensação do diabetes, controle da dor, e epitelização da cavidade radical foi o resultado do tratamento. Por isso não solicitamos cintilografia para controle inicial.

Após 4 meses retorna referindo cefaléia e paralisia da língua (Figura 1). Internado, realizou nova TC revelando captação de contraste do ápice petroso até a retrofaringe, e obliteração da cavidade radical. A cintilografia com tecnécio foi inconclusiva.


Figura 1. Tentativa de protruir a língua com a infecção acometendo espaço retrofaríngeo.



Biópsia e cultura da mucosa da cavidade mastóidea direita e da retrofaringe via endoscópica nasal revelou processo inflamatório inespecífico na cultura Pseudomonas.

O paciente permaneceu internado com cefepime e amicacina 8 semanas. Obteve alta, assintomático, com TC sem captação anormal de contraste e com diabetes controlado.

Após 10 semanas voltou a apresentar cefaléia, piora da disfagia e otorréia contralateral com hipoacusia. Nova TC revelou mastoidite bilateral e massa retrofaríngea se estendendo até orofaringe.

Hemoculturas e cultura da secreção na orelha esquerda revelaram Pseudomonas e biópsia da musculatura da orofaringe, processo inflamatório crônico inespecífico. Paciente permaneceu internado por 1 semana e obteve alta com cateter central para uso ambulatorial de 4g de cefepime dia, 6 meses. Paciente realizou tratamento e está em acompanhamento há 10 meses, assintomático com sinais de reinervação da língua.


DISCUSSÃO

A otite externa necrotizante, descrita pela primeira vez por Chandler, em 1968, é uma infecção agressiva da orelha externa que acomete a pele, cartilagem e o osso temporal.

A antibioticoterapia venosa é o tratamento, desde que não haja osteomielite, situação que indica cirúrgia.1-3

A evolução da OEN para musculatura cervical e para mastóide contralateral é rara.3 Evolução benigna após a progressão para osteomielite de base de crânio também constitui uma raridade estatística, visto que a taxa de mortalidade é de 60-80% nestes casos.3


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Benecke JA Jr. Management of osteomyelitis of the skull base. Laryngoscope 1989;99(12):1220-23.

2. Boringa JB, Hoekstra OS, Roos JW, Bertelsmann FW. Multiple cranial nerve palsy after otitis externa: a case report. Clin Neurol Neurosurg 1995;97:332-5.

3. Rubin J, Yu VL. Malignant external otitis: insights into pathogenesis, clinical manifestations and therapy. Am J Med 1998;85:391-8.





1 Especialista em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo HC/UNICAMP., Professor assistente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Salvador - Hospital Santa Izabel. Chefe da Clínica de Otorrino do Hospital Naval de Salvador. Disfagologista e Cirurgião de Cabeça e Pescoço do NOEV/Hospital da Bahia.
2 Mestre em Cirurgia pela UFBA e Doutor em Otorrinolaringologia pela USP., Coordenador da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel e chefe do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
3 Médico-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia., Médico-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
[4] Médica-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
Hospital Santa Izabel, Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
Endereço para correspondência: Unidade de Otorrinolaringologia - Hospital Santa Izabel Praça Almeida Couto 500 Nazaré Salvador BA 40050-410.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 17 de dezembro de 2005. cod. 1652.
Artigo aceito em 20 de julho de 2006.

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