Ano: 2007 Vol. 73 Ed. 4 - Julho - Agosto - (2º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 439 a 445
Efeitos do potencial de ação neural sobre a percepção de fala em usuários de implante coclear
Influence of Evoked Compound Action Potential on Speech Perception in Cochlear Implant Users
Autor(es): Mariana Cardoso Guedes 1, Raimar Weber 2, Maria Valéria S Goffi Gomez 3, Rubens Vuono de Brito Neto 4, Cristina Gomes O Peralta 5, Ricardo Ferreira Bento 6
Palavras-chave: implantes cocleares, nervo coclear, percepção da fala, potenciais de ação, potenciais evocados auditivos, vias auditivas
Keywords: ochlear implants, cochlear nerve, speech perception, action potentials, auditory evoked potentials, auditory pathways
Resumo:
O Potencial de Ação Composto Evocado Eletricamente reflete a atividade do nervo auditivo, podendo ser registrado através dos eletrodos do implante coclear. A determinação dos elementos neurais estimuláveis pode contribuir para explicar a variabilidade de desempenho entre indivíduos implantados. Objetivo: Comparar o desempenho nos testes de percepção da fala entre pacientes que apresentaram e que não apresentaram potencial de ação composto evocado eletricamente no momento intra-operatório. Material e Método: Estudo prospectivo no qual 100 indivíduos usuários do implante coclear Nucleus 24 foram divididos em dois grupos de acordo com a presença ou ausência do potencial de ação intra-operatório. Após 6 meses de uso do dispositivo, os resultados dos testes de percepção de fala foram comparados entre os grupos. Resultados: O potencial foi observado em 72% dos pacientes. A percepção no teste de frases em formato aberto foi melhor nos indivíduos com presença de potencial (média 82,8% contra 41,0%, p = 0,005). Houve associação entre ausência do potencial e etiologia da surdez por meningite. Conclusão: Ausência de potencial neural intraoperatório esteve associada ao pior desempenho na percepção da fala e à etiologia da surdez por meningite. Por outro lado, a presença do potencial de ação intraoperatório sugere ótimo prognóstico.
Abstract:
Electrically Evoked Compound Action Potential is a measure of synchronous cochlear nerve fibers activity elicited by electrical stimulation of the cochlear implant. The electrophysiological nerve responses may contribute to explain the variability in individual performance of cochlear implant recipients. Aim: To compare speech perception tests' performances of cochlear implant users according to the presence or absence of intraoperative neural telemetry responses. Material and Method: Prospective study design with 100 "Nucleus 24" cochlear implant users divided in two groups according to the presence or absence of intraoperative neural telemetry responses. Speech perception tests were performed after 6 months of continuous use of the device and compared among groups. Results: Intraoperative action potentials were observed in 72 % of individuals. Open-set sentence test results were better in implant users who had neural telemetry responses when compared to implant users in whom this potential was absent (averages 82.8 % versus 41 %, p = 0.005). There was a strong association between post meningitis-related deafness and absence of intraoperative potentials. Conclusion: The absence of intraoperative neural telemetry responses was associated with worse performances in speech perception tests and meningitis as etiology of deafness. On the other hand, the presence of these potentials suggests excellent prognosis.
INTRODUÇÃO
Os indivíduos com deficiência auditiva sensorioneural de graus severo a profundo sofrem acentuada danificação ou diminuição do número de células ciliadas, e muitos não apresentam benefício com a amplificação através da prótese auditiva convencional, tornando-se candidatos ao implante coclear (IC)1.
Neste tipo de dispositivo, cada eletrodo estimula diretamente o nervo auditivo, e a quantidade de corrente elétrica necessária para desencadear uma sensação auditiva é diferente para cada indivíduo e para cada canal de estimulação. Por isso, o processador de fala de cada usuário deve ser ajustado individualmente, processo este chamado "programação" ou "mapeamento". Em adultos, a determinação dos níveis de energia é efetuada através medidas psicofísicas (método comportamental). Com o aumento progressivo da intensidade de energia em cada um dos canais, o indivíduo refere a menor intensidade em que detecta o estímulo (limiar elétrico), bem como a intensidade máxima permitida sem que tenha desconforto. Em bebês, crianças pequenas ou indivíduos com múltiplos comprometimentos, este procedimento requer técnicas de podem ser inconsistentes e assistemáticas, devido à inexperiência auditiva ou à idade da criança. Assim, a utilização de medidas obtidas apenas pelo método comportamental para a programação do processador de fala pode prolongar o processo de adaptação ao implante pela dificuldade no estabelecimento dos níveis adequados de estimulação2-4.
Medidas objetivas para a obtenção dos limiares de estimulação e do nível máximo de conforto vêm sendo estudadas e realizadas com o intuito de predizer os níveis de estimulação mais adequados para o mapeamento, especialmente em casos de bebês e crianças mais jovens2-8.
O Potencial de Ação Composto Evocado Eletricamente (do inglês Evoked Compound Action Potential, ECAP) reflete a atividade neural do nervo auditivo e pode ser registrado durante o intra-operatório diretamente da cóclea, utilizando os eletrodos do implante como geradores do estímulo e registradores da resposta, através de um software específico9. Desde então, a correlação entre os valores obtidos objetivamente e os valores pesquisados através do método comportamental (psicoacústicos) vem sendo estudada exaustivamente, e os limiares obtidos com a pesquisa da Telemetria de Resposta Neural (do inglês Neural Response Telemetry, NRT) são utilizados na rotina para a programação do implante coclear, especialmente nas crianças, com o intuito de predizer os melhores níveis de estimulação elétrica2,6,10-12.
Com este método, a programação do processador de fala tornou-se mais rápida e segura, mesmo para bebês, crianças pequenas ou indivíduos com múltiplos comprometimentos, já que nem sempre as respostas condicionadas ou comportamentais eram consistentes e sistemáticas. O próprio software de programação permite a importação dos níveis limiares obtidos pela NRT e automaticamente os combinam com os níveis psicoacústicos obtidos através do teste comportamental em pelo menos um dos eletrodos. Praticamente todos os métodos de programação disponíveis e recomendados pelo fabricante atualmente utilizam as medidas da NRT para o mapeamento. Podem ser ajustados com métodos totalmente objetivos ou combinados, como os de programação através do fator de correção13, mapas progressivos pré-ajustados14 ou através do ajuste à viva voz12.
Além disso, a pesquisa do potencial no momento intraoperatório é vantajosa, pois permite verificar a integridade do feixe de eletrodos logo após sua inserção, e também pesquisar as respostas neurais em diferentes regiões da cóclea. A obtenção de dados relacionados à permeabilidade do nervo coclear à estimulação elétrica e à maneira com a qual alguns parâmetros de estimulação elétrica interagem com as estruturas neurais sobreviventes ainda constitui um desafio. A determinação precoce dos elementos neurais estimuláveis que existem nos diferentes processos patológicos da cóclea também seria de grande utilidade, já que se supõe que a sobrevivência de células ganglionares e outros elementos neurais possam ser uma das causas para a variabilidade com relação ao desempenho de reconhecimento da fala encontrada entre os indivíduos implantados3,15.
Contudo, a observação clínica mostra que em alguns pacientes não é possível a observação do potencial de ação na condição intra-operatória nem mesmo nos primeiros meses de acompanhamento após a ativação. Nestes casos, o mapeamento torna-se dependente das respostas comportamentais do indivíduo para referir o limiar auditivo e o limiar de máximo conforto para a estimulação elétrica em pelo menos três dos 22 eletrodos. Quanto mais consistentes e fiéis forem as respostas, maiores as chances de uma estimulação adequada e sem desconforto, o que poderá resultar em boa percepção da fala.
Este estudo tem como objetivo comparar o desempenho em testes de percepção de fala após 6 meses de uso do IC entre pacientes que apresentaram e que não apresentaram potenciais de ação pesquisados pela NRT no momento intra-operatório, a fim de avaliar a repercussão da ausência de resposta do nervo auditivo ao estímulo elétrico.
MATERIAL E MÉTODO
O estudo tem a aprovação da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Instituição (protocolo 633/04).
Sujeitos
Entre março de 2003 e março de 2005, 102 pacientes foram submetidos à cirurgia para inserção do implante coclear multicanal Nucleus® 24. Oitenta e quatro pacientes foram implantados com os modelos CI24M e CI24K (cadeia de eletrodos reta), 7 com o modelo CI24 Contour (cadeia de eletrodos pré-curvada para inserção peri-modiolar) e 11 pacientes, por apresentarem ossificação coclear comprovada em exames de Ressonância Nuclear Magnética (RNM) tridimensional com reconstrução da luz coclear, foram implantados com o modelo CI24 Double Array (com dois feixes de eletrodos).
Dois indivíduos implantados com o modelo CI24 Double Array foram excluídos do estudo posteriormente por apresentarem inserção inadequada do arranjo de eletrodos. Os dados referentes a sexo, idade e tempo de privação auditiva dos pacientes, bem como etiologia, tipo (pré- ou pós-lingual) e forma de instalação da surdez (congênita, súbita ou progressiva) dos 100 pacientes estudados foram coletados e são apresentados nas Tabelas 1 e 2.
Pesquisa do Potencial de Ação
A pesquisa do ECAP foi realizada em todos os indivíduos durante a cirurgia, logo após a inserção do feixe de eletrodos na cóclea. Foi utilizado o software NRT 3.1 (Cochlear Co - Denver, CO) em um microcomputador acoplado à interface de programação portátil e a um processador de fala modelo SPrint®. A técnica de gravação e o método de subtração utilizado para separar as respostas do artefato foram descritos por Dillier et al.9.
O intervalo interpulso utilizado foi fixado em 500µs. A velocidade de estimulação foi de 80 Hz com séries de 25µs de largura de pulso. O número de apresentações variou entre 100 e 200 pulsos por segundo para ganhos do amplificador em, respectivamente, 60 e 40 dB. A janela para a gravação variou de 50 a 150µs de acordo com a otimização de cada eletrodo. O nível de corrente do ruído mascarador foi fixado em 10 unidades acima do nível de estimulação.
O potencial de ação foi pesquisado inicialmente nos eletrodos 20 (apical), 15, 10 (mediais), 5 e 3 (basais) como eletrodos ativos, utilizando-se eletrodos distantes + 2 ou + 3 como referência. Caso o potencial de ação não pudesse ser observado em nenhum destes eletrodos, outros pares adjacentes eram utilizados como eletrodo ativo e de referência para a série de otimização, até que alguma resposta positiva pudesse ser observada. Foi considerada ausência de NRT intra-operatória quando não se observou o ECAP em nenhum dos pares de eletrodos testados, tomando-se por base as características descritas por Abbas et al.15. A intensidade máxima utilizada no teste foi de 230 níveis de corrente.
Programação do Processador de Fala
No dia de ativação do IC, em média 30 dias após a cirurgia, todas as crianças que apresentaram respostas à NRT foram mapeadas de acordo com os limiares do potencial de ação obtidos através do cálculo de regressão linear da curva de crescimento de amplitude, efetuado pelo próprio software de NRT (limiar extrapolado) em pelo menos 3 eletrodos. Os níveis de estimulação também foram estipulados pelo software de programação, de modo automático, de acordo com a técnica de mapas progressivos pré-ajustados14. Em seguida, o processador foi ligado e os parâmetros (níveis de corrente mínimos e máximos) foram ajustados à viva voz, de modo que os sons ambientais fossem perceptíveis e confortáveis, sem causar dor ou incômodo, através da observação comportamental das respostas do paciente (método combinado).
Para a programação do implante das crianças que não apresentaram respostas na NRT, foi utilizada a observação comportamental para a obtenção do limiar elétrico. O fonoaudiólogo aumentava progressivamente os níveis de estimulação elétrica até que a criança manifestasse alguma resposta (atenção ao som, procura da fonte sonora). No caso de crianças mais velhas, o limiar era obtido através do condicionamento com encaixes. Após isso, os níveis de energia eram aumentados progressivamente até a detecção da intensidade para a qual eram observados sinais de desconforto ou reação adversa da criança frente ao estímulo sonoro. Então, o nível máximo de conforto era estipulado cerca de 5 unidades de corrente abaixo desse valor. Tais procedimentos eram realizados em 4 ou 5 canais; os demais eram calculados através da técnica de interpolação16 e então o mapa era ajustado globalmente à viva voz, de forma similar à descrita anteriormente.
Nos adultos, os níveis de energia sempre foram obtidos pelo método psicoacústico no qual o indivíduo responde para os estímulos, em cada canal, seguindo uma escala de loudness. Da mesma forma, após o mapeamento inicial, os parâmetros foram ajustados globalmente à viva voz.
Os demais parâmetros de estimulação eram fixos e idênticos nos dois grupos: estratégia de codificação de fala ACE® a 900 pulsos por segundo por canal e 8 máximas, com largura de pulso de 25µs. Em todas as crianças foi ativado o processamento de sinal ADRO® para melhora da relação sinal/ ruído, já que todas utilizavam o processador de fala modelo SPrint®17. Para a programação do processador de fala foi utilizado o software R126 v2.1 (Cochlear Co.).
Desfechos
Os testes para a avaliação da percepção de fala foram realizados após seis meses de uso contínuo do implante coclear (no mínimo oito horas por dia) e sem leitura orofacial, apoio de sinais ou gestos. Os testes fazem parte do Protocolo de avaliação pré e pós-operatório e os detalhes da aplicação de cada procedimento foram descritos por Gomez et al.18. Desta etapa participaram 83 pacientes, sendo 40 adultos e 43 crianças.
Para a avaliação da percepção de fala das crianças com surdez pré-lingual foram aplicados os testes TACAM - Teste de Avaliação da Capacidade Auditiva Mínima e a adaptação do teste GASP - Glendonald Auditory Screening Procedure, de acordo com a idade de cada paciente19-21. Os resultados foram classificados de acordo com as 7 categorias de percepção de fala descrita por Geers22 - Tabela 3. Todos os adultos pós-linguais foram avaliados com o teste de percepção de sentenças em formato aberto. Foram utilizadas as listas de sentenças propostas por Costa23 na qual os resultados são expressos em porcentagem. Este foi o teste escolhido, pois é o que determina a indicação de implante coclear (? 40% durante a avaliação com a prótese auditiva convencional).
Análise Estatística
As médias dos resultados do teste de percepção de fala em adultos e crianças foram comparados entre os grupos que apresentaram e que não apresentaram respostas na telemetria intra-operatória utilizando-se o teste não paramétrico U de Mann-Whitney. Valores de p menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
Os dados foram analisados com o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS® for Windows 10.0, SPSS Inc., Chicago, IL).
Resultados
A NRT intra-operatória foi observada em 72 (72%) pacientes.
Resultados Auditivos em Adultos: Os resultados dos 40 adultos que completaram 6 meses de uso do IC avaliados estão apresentados na Tabela 4. Treze pacientes (32,5%) não apresentaram respostas na NRT intra-operatória e obtiveram desempenho médio no teste de reconhecimento de sentenças muito abaixo do desempenho observado nos indivíduos que apresentaram respostas na NRT (p = 0,005). No entanto, como mostra a Tabela 5, foi encontrada associação positiva entre a etiologia da surdez por meningite e ausência de NRT intra-operatória (p = 0,02), e dessa forma, foi realizada análise estratificada por etiologia (meningite vs outras causas) conforme apresentado na Tabela 6. Os pacientes implantados com surdez pós-meningite tiveram maus resultados no teste de reconhecimento de sentenças em contexto aberto (média de 26,7%, mínimo 0% e máximo 70%), independente da presença ou não de NRT intra-operatória (p = 0,93). Já para os pacientes implantados surdos por outras causas com NRT presentes tiveram resultados nos testes de percepção de fala superiores a 90%, enquanto os demais apresentaram média de 67% e grande variabilidade individual (p = 0,02).
Resultados Auditivos em Crianças: Não foi encontrada diferença estatisticamente significante nos resultados de percepção de fala entre as crianças que apresentaram ou não NRT intra-operatória - Tabela 7.
DISCUSSÃO
Diversos autores analisaram as características do ECAP e a sua relação com os níveis psicoacústicos de corrente utilizados no mapeamento dos eletrodos. Entretanto, não encontraram relação entre os limiares ou as características do potencial e os resultados auditivos nos testes de percepção fala de indivíduos implantados3,24,25.
A hipótese de que as medidas do ECAP pudessem fornecer alguma indicação sobre o desempenho foi confirmada neste estudo, apesar de verificarmos que a etiologia por meningite também foi um importante fator associado à ausência do potencial e aos maus resultados.
A ausência do potencial, quando isolada de outros fatores, mostrou relação significante com o pior desempenho nos testes de percepção da fala de adultos, e a média absoluta de reconhecimento de sentenças foi muito maior no grupo com respostas de NRT intra-operatória presentes (todos acima de 90%). Resultados próximos a 100% conferem excelente capacidade de percepção de fala e boa chance de escuta ao telefone pela possibilidade de reconhecimento auditivo sem uso da leitura orofacial ou necessidade de conhecimento prévio do contexto. Os indivíduos que não tiveram respostas no teste de NRT intra-operatória apresentam maiores dificuldades para entender a fala no dia-a-dia, porém mostraram um ganho importante em relação à percepção pré-operatória (com média atual de 66% de reconhecimento de frases em formato aberto).
O ECAP representa a atividade sincrônica de um determinado grupo de neurônios e a amplitude de sua resposta deve ser proporcional ao número de neurônios ativados pelo estímulo. Conseqüentemente, a presença do ECAP pode ser capaz de revelar alguma associação com o desempenho pós-operatório26. O grau de sobrevivência de células ganglionares e de outros elementos neurais também pode ser uma explicação para a variabilidade de desempenho no reconhecimento da fala encontrada3. Desta forma podemos inferir que a ausência ECAP em usuários de implante coclear evidencia baixo suporte neural para a condução do estímulo promovido pelo dispositivo, o que pode afetar o processamento da informação acústica necessário para o bom reconhecimento da fala.
Em relação ao pior desempenho nos testes de sentenças em formato aberto, evidenciada no grupo de adultos da amostra com surdez pós-meningite, os achados coincidem com os de Blamey et al.27. Os autores verificaram resultados abaixo da média em adultos usuários de implante coclear com surdez pós-lingual causada por meningite. Sugeriu-se que este grupo teria menor população de células no gânglio espiral devido às características da lesão no sistema auditivo que ocorrem após a meningite, como também foi demonstrado em estudos histológicos28,29. Lehnhardt e Aschendorff30 calcularam que indivíduos com surdez pós-meningite apresentam metade da chance de reconhecer a fala sem apoio da leitura orofacial.
É importante ressaltar que a maioria dos indivíduos com surdez por meningite apresentou resultados nos testes de sentenças piores do que 40%, ou seja, ainda abaixo do critério de indicação ao IC. Em nossa casuística, indivíduos com surdez pós-meningite tiveram piores resultados mesmo quando o potencial pesquisado pela NRT foi presente. Nesses pacientes o ECAP não foi suficiente para garantir, por si só, bom desempenho em testes de percepção de fala. Assim, o disparo das células ganglionares não necessariamente significa que haverá reconhecimento do estímulo em níveis mais centrais pois o registro do potencial pela NRT não assegura que os mecanismos cognitivos envolvidos na percepção auditiva estejam ativados3. Para melhor avaliação dos aspectos que possam estar envolvidos no desempenho pós-implante e processamento da informação auditiva, são necessários por exemplo, pesquisas de potenciais tardios como o P300.
Nas crianças não foram observadas diferenças no desempenho entre os grupos com NRT presente e NRT ausentes no momento intraoperatório. Tal fato pode estar relacionado ao pequeno tempo de experiência auditiva (6 meses), já que todas apresentavam surdez pré-lingual. Além disso, o desempenho nesses casos é diretamente dependente ao método de reabilitação terapêutica empregado, bem como a efetividade do mesmo. As crianças implantadas em nosso serviço são procedentes de diversos estados do Brasil, muitas delas realizando terapia de reabilitação com profissionais do local de origem. Embora haja orientação quanto ao método de estimulação e número efetivo de sessões de terapia, na prática certamente esta é heterogênea, consistindo em um importante fator de confusão a ser considerado na análise dos resultados. No entanto, é possível que após seguimento em longo prazo surjam diferenças nos resultados entre os dois grupos de crianças.
Não foram encontrados dados na literatura relacionando o desempenho auditivo de crianças e resultados nos testes de telemetria neural. Bevilacqua et al.31 e El-Kashlan et al.32 não encontraram diferenças significativas entre o desempenho auditivo com o implante coclear de crianças com surdez por meningite e crianças com surdez por outras etiologias. Entretanto, ambos relataram maior demora no desenvolvimento da linguagem, no caso de crianças que tiveram meningite26,31,32.
Em relação ao mapeamento, pareceu-nos que as crianças que não apresentaram respostas na NRT e que, portanto, não puderam ser mapeadas por meio de técnicas objetivas ou combinadas necessitaram de maior número de retornos e maior tempo de atendimento durante a programação. Contudo, como os resultados nos testes de percepção de fala foram semelhantes nos dois grupos, podemos sugerir que a técnica de pesquisa dos limiares psicoacústicos é válida também em bebês e crianças pequenas. É importante ressaltar que para que a técnica tenha resultados eficientes é fundamental que os examinadores tenham experiência em audiologia infantil e em técnicas de observação comportamental.
CONCLUSÕES
- A presença do ECAP pesquisado através da NRT em pacientes adultos que não tiveram meningite esteve associada a melhores resultados nos testes de percepção da fala após 6 meses de uso contínuo do IC, sugerindo ótimo prognóstico a curto prazo.
- Pacientes com surdez por meningite estiveram associados a maiores índices de ausência de respostas na NRT intra-operatória, bem como com piores desempenhos de indivíduos adultos nos testes de percepção da fala.
- Em crianças não houve diferenças significantes nos testes de percepção da fala entre os grupos. A grande heterogeneidade entre as terapias é um fator de confusão a ser considerado, e é possível que com mais tempo de uso do IC venham a surgir diferenças nos resultados.
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1 Pós-Graduanda stricto sensu na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP. Especialização em Audiologia pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Fonoaudióloga da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Médico Otorrinolaringologista, Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela UNIFESP-EPM, Fonoaudióloga da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4 Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Médico Assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
5 Mestre em fonoaudiologia pela PUC-SP, Fonoaudióloga colaboradora da Equipe de Implante Coclear do HCFMUSP.
6 Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado pela Equipe de Implante Coclear da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP.
Endereço para correspondência: Mariana Cardoso Guedes - Rua Paes de Araújo 155 casa 06 Itaim Bibi 04531-090 São Paulo SP.
Tel./fax: (0xx11) 3167-2156 - E-mail: mariana.guedes@politec.net
Agradecimento: ao Rodrigo Resende Cypreste pela elaboração das figuras.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de julho de 2006. cod. 3290
Artigo aceito em 30 de setembro de 2006.