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Ano:  2007  Vol. 73   Ed. 3  - Maio - Junho - (15º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 390 a 397

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Tratamento do zumbido com a trazodona

Tinnitus Treatment with Trazodone

Autor(es): Gabriel Cesar Dib 1, Cristiane Akemi Kasse 2, Tatiana Alves de Andrade 3, José Ricardo Gurgel Testa 4, Oswaldo Laércio M. Cruz 5

Palavras-chave: neurotransmissores, serotonina, trazodona, zumbido.

Keywords: neurotransmitters, serotonin, trazodone, tinnitus.

Resumo:
O zumbido é um sintoma freqüente, definido como percepção sonora auditiva na ausência de estímulo sonoro. Objetivo: Avaliar se a Trazodona, antidepressivo modulador da serotonina nas vias neuronais centrais, atua positivamente no controle do zumbido. Forma de Estudo: Prospectivo, duplo-cego, randomizado, controlado com placebo. Material e Método: estudo realizado com pacientes com zumbido. Oitenta e cinco pacientes foram avaliados entre fevereiro e junho de 2005, sendo que 43 pacientes receberam droga e 42, placebo, pelo período de 60 dias. Os critérios de análise foram intensidade, efeito sobre a qualidade de vida e grau de incômodo devido ao zumbido, através de escala analógica com notas de 0 a 10 dadas pelos pacientes antes e após o uso da trazodona ou placebo. Resultados: Em ambos os grupos houve melhora da intensidade, qualidade de vida e incômodo após o tratamento, porém não houve diferença significativa entre os grupos droga e placebo. Quando se avaliou os critérios clínicos na faixa etária maior ou igual a 60 anos, obteve-se melhora nos níveis de intensidade, incômodo e efeito sobre a qualidade de vida após o tratamento. Conclusão: A trazodona não foi eficiente no controle do zumbido dos pacientes avaliados na dose utilizada.

Abstract:
Tinnitus is a common symptom, defined as a sound perception in absence of a sound stimulus. Aim: Evaluate if Trazodone, an antidepressant drug, which modulates serotonin at central neuronal pathways, is effective in controlling tinnitus. Study Design: Prospective, double blind, randomized, placebo-controlled. Materials and Methods: Study performed with patients presenting tinnitus. 85 patients were analyzed between February and June of 2005. 43 received trazodone and 42 placebo, for 60 days. The clinical criteria of analysis were tinnitus intensity, discomfort and life quality impact by tinnitus, using an analogue scale varying between 0 and 10, scored by patients before and after drug or placebo use. Results: There was a significant improvement in intensity, discomfort and life quality in both groups after treatment; however, there was no significant difference between the drug and placebo groups. Patients with age equal or over 60 years presented better results after treatment. Conclusion: Trazodone was not efficient in controlling tinnitus in the patients evaluated under the doses utilized.

INTRODUÇÃO

O zumbido é um sintoma freqüente na prática clínica, apresentando-se de forma isolada ou em conjunto com outras doenças sistêmicas ou otológicas. É definido como uma percepção sonora auditiva na ausência de um estímulo sonoro gerador, decorrente de uma falha do sistema auditivo (central e/ou periférico) englobando o mascaramento sonoro auditivo1,2.

O zumbido correlaciona-se com várias estruturas do sistema nervoso central, e descobrir o papel de cada um destes sistemas é um dos grandes desafios para o seu tratamento3,4. A hipótese mais recente para explicar a gênese e a manutenção do zumbido se baseia na existência de uma via auditiva comum final, central, e o zumbido seria uma falha decorrente de uma lesão ou funcionamento inadequado de algum ponto desta via, envolvendo sítios anatômicos e neurotransmissores1,5,6. As vias auditivas se constituem de uma vasta rede de fibras nervosas interconectadas, desde as células ciliadas externas na cóclea até o lobo temporal, moduladas por neurotransmissores, como dopamina, serotonina, GABA e glutamato, responsáveis pela detecção, localização e interpretação do som6,7.

As evidências atuais demonstram que a serotonina tem capacidade moduladora da atividade e da plasticidade neuronal nas vias auditivas centrais, e que, portanto, níveis de serotonina alterados nessas vias sensoriais e alterações no funcionamento de seus receptores poderiam promover diversos distúrbios funcionais auditivos, dentre os quais o aparecimento do zumbido. Portanto, a serotonina é atualmente apontada como um dos mais importantes neurotransmissores envolvidos na gênese e manutenção deste sintoma8,9.

Tais conhecimentos celulares e moleculares apontam para novas possibilidades terapêuticas de atuação e abordagem com relação ao zumbido. Estudos com medicações que promovam adequada disponibilidade da serotonina nas vias auditivas poderiam ter impacto positivo no tratamento do zumbido gerado por inadequação funcional das vias auditivas centrais, facilitando tanto a condução e organização sináptica quanto a ação moduladora dos sistemas inibidores auditivos (vias eferentes).

A Trazodona é uma droga classificada dentro do grupo dos medicamentos antidepressivos, sendo considerada como um antidepressivo atípico, derivada da triazolpiridina. Sua molécula não apresenta relação com os demais fármacos de efeito similar, diferenciando-se das demais drogas deste grupo por possuir estrutura química específica e promover, além da inibição pré-sináptica da recaptação da serotonina (como as demais medicações do grupo), bloqueio dos receptores serotoninérgicos 5-HT2A e 5-HT2C na pós-sinapse neural10. Apresenta, deste modo, duplo mecanismo de ação para o aumento dos níveis de serotonina nas sinapses das vias auditivas centrais.

A trazodona apresenta indicação clínica para o tratamento da depressão, distúrbios psiquiátricos e do sono. Possui mínima atividade anticolinérgica, possibilitando uma maior segurança na população geriátrica10. Os efeitos colaterais mais freqüentes são sonolência, sedação e hipotensão e com menor freqüência boca seca, irritação gastrintestinal, tontura, cefaléia e hipertensão. Raramente pode ocorrer priapismo, sendo utilizada em pacientes com disfunção erétil devido a este efeito11,13.

Através deste tipo de mecanismo de atuação medicamentoso supostamente poderíamos promover melhora no sintoma zumbido dos pacientes. Assim, um ensaio clínico que mensurasse essa possível ação nos pareceu adequado.


OBJETIVO

O objetivo do estudo é avaliar se a Trazodona atua positivamente no controle do zumbido.


MATERIAL E MÉTODO

Estudo prospectivo, duplo-cego, randomizado e controlado com placebo, em pacientes com queixa de zumbido. O projeto foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número 1246/04.

O grupo de pacientes com zumbido totalizou 104 indivíduos, obedecendo aos seguintes critérios para participarem do estudo:

Critérios de Inclusão:

Idade entre 45 e 80 anos.

Ambos os sexos.

Zumbido com tempo de evolução mínima de um ano.

Pacientes com audiometria normal, perda auditiva neurossensorial de graus leve ou moderado.

Ausência de doenças de etiologia definida da orelha interna.

Contra-indicações ao uso da Trazodona.

Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e da Carta de Informação ao paciente, após sua leitura, explanação e concordância e assinatura por parte dos pacientes.

Critérios de Exclusão:

Doença das orelhas externa e média ou otoscopia alterada.

Presença de perda auditiva condutivas e mistas.

Presença de perda auditiva neurossensorial severa/profunda.

Uso de outras medicações que poderiam atuar no zumbido.

Uso concomitante de outras drogas Inibidoras da Recaptação da Serotonina ou que atuam sobre neurotransmissores a nível central.

Uso prévio da Trazodona.

Os pacientes foram avaliados entre fevereiro e junho de 2005, no total de 104. Destes, 85 permaneceram até o término do mesmo, sendo que 43 pacientes receberam a medicação e 42 receberam placebo.

Previamente à utilização da droga ou placebo realizamos audiometria tonal, vocal e impedanciometria. A dose da medicação utilizada foi de 50mg por comprimido, através de dose única diária à noite, pelo período de 60 dias, contínuos. Havendo efeitos colaterais importantes a medicação foi imediatamente interrompida.

Os critérios clínicos de análise foram intensidade, efeito sobre a qualidade de vida e grau de incômodo devido ao zumbido, através de escala analógica com notas de 0 a 10 dadas pelos pacientes antes e após o uso da trazodona ou placebo. Comparou-se a relação entre perfil audiométrico, sexo, idade igual ou maior a 60 anos e nível de intensidade antes do tratamento e os critérios de análise.

Foi avaliado se os níveis de intensidade do zumbido maior ou menor no pré-tratamento tiveram relação com melhora na intensidade do zumbido após o tratamento. Para tanto se criou a variável diferença de intensidade (intensidade final menos a intensidade inicial). Foi calculado então o coeficiente de correlação de Pearson com a intensidade no pré-tratamento e pôde-se verificar se a maior ou menor diferença teve relação com maior ou menor intensidade do zumbido no pré-tratamento.

Os comprimidos (droga e placebo) apresentavam forma, cor e tamanho idênticos, identificados como medicação números "23" e "24" pela empresa farmacêutica provedora das medicações. Somente a farmacêutica responsável teve conhecimento, até o término da utilização das medicações e das reavaliações clínicas dos pacientes, qual era a denominação de cada uma.

No final do estudo soubemos que a medicação de número "23" tratava-se de droga ativa (Trazodona) e a de número "24" de placebo.

A metodologia estatística utilizada para análise dos dados obtidos foram os testes de ANOVA (análise de variância), qui-quadrado e t-independente. O nível de significância dos testes foi de 5%, sendo os dados considerados significantes quando p foi menor ou igual a 0,05.


RESULTADOS

Os grupos foram homogêneos quanto aos critérios sexo, tempo de presença do zumbido, forma de aparecimento, freqüência e perfil audiométrico.

Os resultados obtidos e o grupo de pacientes avaliados no estudo são apresentados em tabelas. Foram avaliados 25 pacientes do sexo feminino (58,1%) e 18 do masculino (41,9%) que utilizaram a Trazodona, e 31 pacientes do sexo feminino (73,8%) e 11 do masculino (26,2%) com placebo.

Tabela 1. Tempo da presença do zumbido em anos nos pacientes avaliados no estudo.

Teste t (p) = 0,715



Tabela 2. Forma de aparecimento do zumbido nos pacientes avaliados no estudo.

Teste de qui-quadrado (p) = 0,754



Com relação à freqüência da presença do zumbido, foram avaliados 36 pacientes (83,7%) com presença de zumbido contínuo e 7 com intermitente que utilizaram a trazodona, e 37 pacientes (88,1%) com zumbido contínuo, 5 com intermitente (11,9%) utilizaram placebo.

Tabela 3. Perfil audiométrico dos pacientes avaliados no estudo.



Tabela 4. Intensidade do zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,69). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,59).

Tabela 5. Nível de incômodo causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,10). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo(p=0,41). Houve um indício de que a droga esteve associada a um incômodo maior.

Tabela 6. Efeito do zumbido sobre a qualidade de vida referido pelos pacientes antes e após o tratamento - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,26). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,77).


Tabela 7. Intensidade do zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento de acordo com os níveis de audição - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,86). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,41).

Tabela 8. Nível de incômodo causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento de acordo com os níveis de audição - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,14). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,31).

Tabela 9. Efeito sobre a qualidade de vida causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento de acordo com os níveis de audição - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,35). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,58).

Não houve, portanto, relação entre o perfil audiométrico e as respostas de intensidade, incômodo e efeito sobre a qualidade de vida antes e após o tratamento.

Tabela 10. Intensidade do zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento de acordo com o sexo - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,82). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,72).

Tabela 11. Nível de incômodo causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento de acordo com o sexo - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,82). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,72).

Tabela 12. Efeito sobre a qualidade de vida causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento de acordo com o sexo - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,34). Em ambos os grupos houve melhora após o uso da medicação (p<0,0001), porém não houve diferença estatística entre os grupos droga e placebo (p=0,73).

Não houve, portanto, relação entre o sexo e as respostas de intensidade, incômodo e efeito sobre a qualidade de vida antes e após o tratamento.

Foi avaliado se os níveis de intensidade do zumbido maior ou menor no pré-tratamento tiveram relação com melhora na intensidade do zumbido após o tratamento, obtendo-se o coeficiente de correlação de Pearson de -0,024 (p=0,825).

Não houve significância e, portanto, não houve relação entre o nível de intensidade inicial do zumbido com melhora após o tratamento.

Tabela 13. Relação entre presença de idade igual ou maior a 60 anos e intensidade do zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,63). Em ambos os grupos houve melhora após o tratamento (p<0,0001), sendo que o grupo com idade maior ou igual a 60 anos apresentou menor intensidade do zumbido após o tratamento(p=0,04).

Tabela 14. Relação entre presença de idade igual ou maior a 60 anos e incômodo causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,30). Em ambos os grupos houve melhora após o tratamento (p<0,0001), sendo que o grupo com idade maior ou igual a 60 anos apresentou menor incômodo causado pelo zumbido após o tratamento(p=0,09).

Tabela 15. Relação entre presença de idade igual ou maior a 60 anos e efeito sobre a qualidade de vida causado pelo zumbido referido pelos pacientes antes e após o tratamento - médias, desvios-padrão e análise de variância.



Os grupos foram homogêneos (p=0,68). Em ambos os grupos houve melhora após o tratamento (p<0,0001), sendo que o grupo com idade maior ou igual a 60 anos apresentou menor efeito do zumbido sobre a qualidade de vida após o tratamento(p=0,08).

A faixa etária de idade maior ou igual a 60 anos apresentou, portanto, respostas menores de intensidade, incômodo e efeito sobre a qualidade de vida após o tratamento. Houve maior redução destes fatores no grupo placebo.

Tabela 16. Efeitos adversos apresentados pelos pacientes que participaram do estudo.

Não foi aplicado teste estatístico devido à baixa incidência de efeitos colaterais apresentados pelos pacientes.



Tabela 17. Outras melhoras referidas pelos pacientes que participaram do estudo.

Não foi aplicado teste estatístico devido à baixa incidência dos efeitos apresentados pelos pacientes.



DISCUSSÃO

Na gênese do zumbido existem vários neurotransmissores agindo nas vias auditivas centrais e interagindo entre si, talvez por este motivo não encontramos resultados positivos atuando na modulação de apenas um neurotransmissor, e também pelo fato de provavelmente outros sítios anatômicos estarem envolvidos na gênese e manutenção do zumbido8,9, e da falta de métodos comprovadamente eficientes na detecção de em qual parte das vias auditivas centrais encontra-se o foco desencadeador do zumbido3,4,14. Possivelmente para controlarmos este sintoma será necessário o desenvolvimento de drogas que atuem em vários sítios anatômicos e de métodos que localizem o foco responsável pela gênese e manutenção do zumbido nas vias auditivas centrais.

Outro fato de suma importância seria a necessidade da abordagem na fase aguda (precoce) do aparecimento do zumbido, antes de sua centralização, impedindo mudanças plásticas no sistema nervoso central, com cronificação do zumbido8. Isto explica porque o zumbido em sua fase aguda é na maioria das vezes mais facilmente tratado e com melhor resposta clínica. Ao se cronificar, ocorre a perda do mecanismo de habituação15 e, conseqüentemente, o tratamento se torna complexo, decorrente das alterações centrais.

Os fatores psicológicos e psiquiátricos, presentes muitas vezes nos pacientes com zumbido, desencadeadores ou decorrentes deste, são de grande relevância, o que justificaria o tratamento com drogas antidepressivas16,17,18. Os resultados satisfatórios, desta maneira, corroboram um duplo mecanismo para melhora do zumbido nestes pacientes, ou seja, a atuação sobre os neurotransmissores em nível dos receptores nas vias auditivas centrais e sobre os fatores psicogênicos/depressivos19,20,21. Há relatos do aparecimento ou retorno do sintoma zumbido em pacientes em uso de drogas antidepressivas quando a mesma era suspensa devido à melhora do quadro depressivo22,23.

Não encontramos em nosso estudo melhora significante da intensidade do zumbido e da qualidade de vida nestes pacientes com a utilização da trazodona em relação ao placebo.

Não houve diferença estatística em relação à presença ou não de perda auditiva, sendo que em ambos não houve melhora da intensidade, incômodo e qualidade de vida causados pelo zumbido antes e após o uso das medicações.

Isto nos indica que a presença ou não de perda auditiva não influencia positivamente na melhora do zumbido com a utilização da trazodona.

Relacionando-se o sexo e a melhora após a utilização de droga ou placebo, não encontramos significância em ambos. Inferimos que o sexo, apesar de o zumbido ser mais prevalente no feminino, não seja fator preditivo para sua melhora.

A intensidade prévia do zumbido não teve significância para a melhora com o tratamento, conforme estudado pelo coeficiente de correlação de Pearson, provavelmente pelo fato da ocorrência da centralização e cronificação do zumbido, independendo de seu grau de intensidade.

Quando se analisou a relação entre pacientes com idade igual ou superior a 60 anos e melhora da intensidade, incômodo e efeito sobre a qualidade de vida antes e após o tratamento, verificou-se significância para os mesmos nesta faixa etária, com maior redução destes fatores, particularmente no grupo placebo. Isto pode indicar que em pacientes mais idosos, as medicações antidepressivas possam promover melhora do zumbido, possivelmente pelo fato da presença dos sintomas depressivos serem mais freqüente nesta faixa etária, e também pelo bom relacionamento médico-paciente, possivelmente justificando uma melhora maior nos pacientes do grupo placebo, dando atenção, aconselhamentos, tirando dúvidas e respondendo aos anseios dos pacientes com relação ao zumbido.

Fato interessante observado foi o relato por parte de alguns pacientes da presença de sonolência com o uso da trazodona, referida como efeito desejável, pois, dormindo melhor, perceberam menos o zumbido à noite, período do dia em que há maior percepção do mesmo. Outros pacientes referiram como efeito indesejável, pois houve prejuízo das atividades diárias devido à sonolência11. Houve pequena incidência de efeitos adversos importantes, sendo necessária a interrupção do tratamento em uma paciente, que apresentou crise hipertensiva no terceiro dia de uso da trazodona, fato provavelmente atribuído à medicação.

A dose inicial utilizada é de 50 a 150mg/dia, dividida em duas doses ou em dose única diária à noite10,11,12. Talvez com a utilização de doses maiores da trazodona (100 a 150 mg/dia), como as utilizadas no tratamento da depressão10,13, resultados mais satisfatórios poderiam ser obtidos, devido ao fato do zumbido ser decorrente de alterações na atividade dos neurotransmissores e seus receptores. Deste modo haveria uma melhora mais pronunciada deste sintoma pela promoção de uma maior disponibilidade da serotonina nas vias auditivas centrais, decorrente de um maior bloqueio de seus receptores nas pós-sinapses12,24.

Este estudo foi importante para identificar que, doses baixas de medicações que atuem na modulação da serotonina nas sinapses das vias auditivas centrais talvez não sejam eficazes para melhora do quadro clínico, apesar de mínimos efeitos colaterais. O uso prolongado, em doses maiores, poderia promover melhora mais pronunciada do sintoma zumbido, porém a ocorrência e severidade dos efeitos colaterais e dependência medicamentosa são fatos relevantes a serem considerados.

Mais estudos abordando os neurotransmissores nas vias auditivas centrais devem ser realizados para o melhor esclarecimento do papel de cada um na gênese e manutenção do zumbido, para que possamos, assim, disponibilizarmos aos pacientes uma melhor abordagem terapêutica.


CONCLUSÃO

A trazodona não foi eficiente no controle do zumbido dos pacientes avaliados, na dose utilizada.


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1 Mestrado, Médico otorrinolaringologista.
2 Doutorado, Médica Otorrinolaringologista.
3 Médica Clínica Geral, Especializanda em Geriatria Pela UNIFESP-EPM.
4 Doutorado, Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM.
5 Livre-Docente, Chefe do Setor de Otologia da UNIFESP-EPM.
Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM.
Endereço para correspondência: Gabriel Cesar Dib - R. Borges Lagoa 980 Apto 102 Vila Clementino São Paulo SP 04038-002.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 29 de abril de 2006. cod. 1875.
Artigo aceito em 17 de novembro de 2006.

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