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Ano:  2007  Vol. 73   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 295 a 298

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Repercussão das medidas de correção das comorbidades no resultado da reabilitação vestibular de idosos

The treatment of diseases related to balance disorders in the elderly and the effectiveness of vestibular rehabilitation

Autor(es): Roseli Saraiva Moreira Bittar 1, Lucinda Simoceli2, Maria Elisabete Bovino Pedalini 3, Marco Aurélio Bottino 4

Palavras-chave: doenças vestibulares, idoso, reabilitação vestibular.

Keywords: balance diseases, elderly, vestibular rehabilitation.

Resumo:
Objetivo: Considerando o aumento da população idosa e conseqüentemente as alterações de equilíbrio a ela relacionadas, realizamos um estudo para avaliar o impacto do tratamento adequado das doenças coexistentes ao desequilíbrio corporal no resultado da Reabilitação Vestibular (RV). Material e Métodos: 52 idosos com queixa de tontura e/ou desequilíbrio com indicação RV participaram deste ensaio clínico aberto e prospectivo realizado no Ambulatório de Otoneurologia Geriátrica da Instituição, entre 2003 e 2005. Os pacientes do grupo de estudo foram previamente tratados das doenças clínicas diagnosticadas e posteriormente submetidos à RV. Foram então comparados com o grupo total de idosos tratados pela RV no mesmo período. Resultados: Os pacientes do grupo de estudo apresentaram 65 comorbidades diagnosticadas, com média de 1,25 por paciente. A efetividade total foi de 84,5% neste grupo contra 81,8% no grupo controle, sem diferença significante. No entanto, a completa remissão dos sintomas ocorreu em 69,2% dos casos contra 43,18% dos controles, significante para p<0,02. Conclusão: A diferença na efetividade da RV entre os grupos demonstra a importância do tratamento etiológico das afecções clínicas coexistentes aos problemas de equilíbrio corporal.

Abstract:
The aim of this study was to assess the impact of adequate treatment of concomitant diseases in the elderly undergoing Vestibular Rehabilitation (VR). Method: 52 elderly patients with complaints of vertigo and/or imbalance requiring VR participated in this prospective study. The trial was designed as an open clinical assay at the Ear Nose and Throat Department Geriatric Otoneurology Clinic, and was done between 2003 and 2005. Patients were compared with the total group of elderly individuals treated with VR during the same period. Results: 65 diseases were diagnosed in the study group, an average 1.25 diseases per patient. After the treatment of these diseases, patients underwent VR. The effectiveness of VR (remission and partial improvement rates) was 84.5% in the study group against 81.8% in the control group, which was not significant. Remission of symptoms, however, was present in 69.2% of the study group against 43.18% of the control group, which was statistically significant. Conclusion: The difference in the effectiveness of VR in both groups highlights the importance of the etiological treatment of concomitant diseases in patients with vestibular disorders.

INTRODUÇÃO

O aumento significante da porcentagem de idosos na população mundial mudou de maneira contundente as estratégias de abordagem de suas doenças. Nos dias atuais, o indivíduo chega aos 80 e 90 anos em boas condições de saúde, não podendo evitar, contudo, que seu organismo sofra as conseqüências da "senescência natural". Seu sistema de equilíbrio é afetado com a perda de neurônios e das células sensoriais vestibulares, limitações das articulações, restrição da acuidade visual e comprometimento da cognição1,2. Em função da elevada freqüência dos distúrbios de equilíbrio nessa faixa etária, há autores que os consideram como parte de uma síndrome geriátrica3. Nas últimas décadas, a Reabilitação Vestibular (RV) veio preencher uma lacuna existente no tratamento desses pacientes que apresentam limitações de sua locomoção, reduzindo o índice de quedas na terceira idade e melhorando sua sensação de bem-estar e de orientação espacial.

Os recursos terapêuticos acessíveis hoje controlam boa parte das doenças, tais como o diabetes, disfunções do metabolismo lipídico, da tireóide e cardiopatias. Não raro, em conseqüência da falta de equilíbrio secundária ou concomitante a essas doenças, esses doentes procuram o otorrinolaringologista, que encontra nos medicamentos e na RV os recursos indicados para seu tratamento. Muitas vezes, a melhora obtida não alcança o sucesso almejado em função da presença dessas doenças associadas ao desequilíbrio, bem como ao uso de diversas medicações sintomáticas, que acabam por trazer efeitos colaterais indesejáveis4,5.

Em publicação anterior relatamos a efetividade da RV em pacientes idosos de nosso Serviço, em torno de 71,43%6. Essa mesma porcentagem é observada nas demais faixas etárias, mostrando que esses pacientes apresentam respostas similares ao restante da população otoneurológica7. Com a finalidade de atingir melhores resultados, criamos um ambulatório especial para indivíduos com mais de 65 anos de idade, onde o paciente recebe atendimento diferenciado após avaliação geriátrica. Dessa maneira, além de desfrutar de todo aparato diagnóstico de que dispõe nosso ambulatório de otoneurologia, o idoso tem atendimento clínico adequado às peculiaridades de sua faixa etária. Esperávamos que a correção das comorbidades, fossem elas medicamentosas, pelo uso de dieta ou terapia, deveria melhorar o índice de resposta ao tratamento específico da vestibulopatia8.


OBJETIVO

Nosso objetivo foi avaliar o impacto da correção das várias comorbidades presentes na faixa geriátrica sobre a efetividade do trabalho de Reabilitação Vestibular.


MÉTODO

Participaram deste estudo indivíduos com idade acima de 65 anos, atendidos entre os anos de 2003 e 2005 no Ambulatório de Otoneurologia Geriátrica. Todos os atendimentos seguiram as normas éticas vigentes na Instituição. O desenho do estudo configura um ensaio clínico aberto, previamente aprovado pela Comissão de Ética para análise de Projetos de Pesquisa (CAPPESQ), sob o Protocolo de número 1027/03.

Os pacientes submeteram-se a interrogatório clínico e exame otoneurológico completo, que compreende audiometria completa, o registro do nistagmo espontâneo, movimentos oculares, provas posicionais e calóricas. Cumpriram então o protocolo padrão de diagnóstico laboratorial que compreende hemograma completo, glicemia de jejum, hormônios tireoideanos, colesterol total e frações, triglicérides, zincemia e reações sorológicas para sífilis (RSS). Nos casos de história clínica sugestiva, foi solicitada a curva de tolerância à glicose com insulinemia de três horas9.

Após a caracterização do problema otoneurológico, os pacientes que apresentavam indicação de RV foram primariamente avaliados com relação às doenças sistêmicas apresentadas. Na hipótese de distúrbios do sistema vascular, foi realizada avaliação cardiológica para correção de problemas como arritmias, sensibilidade do seio carotídeo ou intolerância ortostática10. Os pacientes que apresentaram alterações laboratoriais foram avaliados e conduzidos pela clínica geriátrica para correção com dieta e/ou medicação.

Após tratamento adequado das situações identificadas, só então os pacientes foram encaminhados para a terapia de RV, que foi adaptada segundo as necessidades individuais de cada idoso. Os tratamentos foram indicados a partir dos protocolos básicos de Cawtorne-Cooksey, Trabalho do RVO (reflexo vestíbulo-ocular) e Norré11. Os idosos foram esclarecidos quanto às causas dos problemas de equilíbrio que apresentavam, sobre a fisiologia vestibular básica e hábitos incorretos que dificultam os fenômenos de compensação vestibular. Optou-se por realizar os exercícios em domicílio, uma a duas vezes ao dia, e foram solicitados retornos quinzenais ou mensais, de acordo com a necessidade do paciente, em um total de 4 a 5 sessões de atendimento. O tempo total de tratamento foi estabelecido em 3 meses.

As avaliações qualitativas da resposta ao tratamento foram feitas por escala análogo-visual, considerando-se remissão a resolução da sintomatologia, melhora entre 50 e 90% e sem melhora menos de 50%6. Os resultados foram então comparados aos obtidos pelo total de pacientes idosos tratados pela RV no mesmo período por meio do teste do qui-quadrado, considerando-se uma significância de p<0,05.


RESULTADOS

Participaram deste estudo 52 indivíduos idosos que finalizaram a Reabilitação Vestibular, com idade variando entre 65 e 95 anos, média de idade de 74 anos e DP de 6,91.

A Tabela 1 demonstra o perfil clínico dos pacientes avaliados e as comorbidades associadas. Para um total de 52 indivíduos, foram diagnosticadas 65 doenças associadas ao desequilíbrio, observando-se uma média de 1,25 ocorrências por idoso. A comorbidade mais presente foi relacionada aos distúrbios metabólicos, que somados perfazem o total de 50,6% dos pacientes: dislipidemias (29,2%), açúcar (13,8%) e tireóide (7,6%). Os problemas vasculares, como a insuficiência vértebro-basilar (IVB), intolerância ortostática e arritmias cardíacas estão presentes em 32,3% dos pacientes. Distúrbios neurológicos e psiquiátricos acometem 16,9% dos idosos.



A Tabela 2 apresenta a distribuição dos idosos totais que foram submetidos à RV provenientes do ambulatório geral e da otoneurologia geriátrica. Na Figura 1 podemos observar que a efetividade do trabalho de RV (somatória dos índices de remissão e melhora parcial) foi de 84,5% no grupo de otoneurologia geriátrica contra 81,8% no ambulatório geral, que não apresenta diferença significante. No grupo de otoneurologia geriátrica observamos remissão dos sintomas em 69,2% dos pacientes contra 43,18% no ambulatório geral (p<0,05). O índice de remissão sintomática foi melhorado em 26,02% no grupo de estudo.




Figura 1. Efetividade de resposta dos idosos do ambulatório geral e da otoneurologia geriátrica ao tratamento pela Reabilitação Vestibular.


A análise dos resultados pelo teste qui-quadrado revelou que os pacientes do ambulatório de otoneurologia geriátrica evoluíram significativamente melhor que o grupo total de pacientes avaliados, c2= 7,86; (p<0,02%).


DISCUSSÃO

A RV é considerada o melhor tratamento nos distúrbios de equilíbrio da terceira idade6. Esta afirmação é válida desde que consideremos que de nada adianta tratar sintomaticamente os problemas de equilíbrio, na persistência das doenças características dessa faixa etária. Os problemas metabólicos e vasculares tão presentes nesses pacientes acabam por manter o mau funcionamento da homeostase cócleo-vestibular e com isso, os problemas de equilíbrio. Quando o tratamento é bem conduzido, o idoso apresenta resultados tão bons como os pacientes mais jovens6,12,13. Nossa visão do idoso como um indivíduo "global" confere ao tratamento de seu desequilíbrio corporal um caráter multidisciplinar.

Como já documentado em relato anterior, observamos que o idoso portador de desequilíbrio possui geralmente mais de uma doença, as quais podem ser responsáveis pela manutenção da tontura. Neste estudo encontramos 1,25 comorbidades por indivíduo reabilitado, fato que confirma nossos dados anteriormente publicados5. Dessa maneira, enfatizamos a importância da busca não de apenas um diagnóstico específico, mas sim de todas as possíveis variáveis clínicas que possam estar alteradas. Essas doenças associadas atuam negativamente no desempenho do sistema vestibular gerando, pelo menos, parte dos sintomas clínicos apresentados e impedindo a compensação central. Assim, muitas vezes o uso de antivertiginosos acaba comprometendo mais ainda a homeostase e a adaptação vestibular, não aliviando ou até piorando as queixas presentes. A RV tem caráter individualizado, mas a terapia terá melhores resultados na dependência do tratamento associado de todas as variáveis clínicas presentes. Esse fato é comprovado quando observamos a visível melhora das respostas à RV, que atinge significativos índices de remissão, uma vez corrigidas as doenças concomitantes. A melhora verificada na escala análogo-visual correlaciona-se diretamente com a adequação do idoso às suas atividades cotidianas e ao seu meio, respeitando limitações impostas pela senescência natural sem, no entanto, restringir sua integração ao convívio sócio-familiar.

Alguns autores acreditam que o paciente idoso necessita mais tempo de tratamento que o paciente mais jovem, e que, ainda, não apresenta compensação vestibular final de forma integral. Outros estudos concluíram que o fator idade não é significante e não altera o índice de resposta à RV6,11,12. A partir de nossos resultados, concluímos que não só os idosos apresentam boa resposta à RV, como também respondem de forma mais efetiva ao tratamento quando tomamos o cuidado de corrigir anteriormente suas doenças de base8. O momento da indicação é fator primordial para o sucesso, balizando a resposta à terapia. Por vezes, a resposta insatisfatória pode ser conseqüente ao momento inadequado em que foi iniciada a terapia, quando o paciente ainda não apresenta condições clínicas favoráveis.

Em nossa casuística, as doenças de origem vascular não foram os principais vilões dos idosos nos distúrbios do equilíbrio corporal. As doenças metabólicas, especialmente as dislipidemias, respondem por mais de 50% das comorbidades que afetam o equilíbrio nessa faixa etária. Há de se notar que as alterações do metabolismo de açúcar, tão presentes nos pacientes portadores de tonturas8, continuam presentes no idoso. Encontramos idosos que apresentam hiperinsulinemia e hipoglicemia reativa, no entanto, predomina efetivamente o diabetes mellitus. Devemos ainda observar que a importância da abordagem precoce das disfunções metabólicas não reside apenas na melhor resposta à terapia de RV, mas implica na prevenção de futuras neuropatias e doenças vasculares.


CONCLUSÃO

A efetividade da RV, com índices de remissão sintomática melhorados em 26,02%, atesta a importância do tratamento etiológico das afecções coexistentes em pacientes portadores de vestibulopatias, confirmando a nossa hipótese de que o tratamento da etiologia associado à RV constitui-se na melhor opção no tratamento desses indivíduos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Doutor em Medicina, Assistente doutor do setor de Otoneurologia do HCFMUSP.
2 Pós-graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP - Nível doutorado. Otorrinolaringologista do Curso de Pós-Graduação em Ciências da FMUSP.
3 Doutor em Ciências, Fonoaudióloga responsável pelo Ambulatório de Reabilitação Vestibular do HCFMUSP.
4 Doutor em Medicina, Assistente Doutor do Setor de Otoneurologia do HCFMUSP.
Departamento de Otorrinolaringologia - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Roseli Saraiva Moreira Bittar - Depto. de ORL do HCFMUSP - R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255 6º andar sala 6021 São Paulo SP 05403-000
E-mail: otoneuro@hcnet.usp.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 12 de abril de 2006. cod. 1839.
Artigo aceito em 28 de junho de 2006.

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