Ano: 2007 Vol. 73 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (7º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 41 a 45
Evolução de 31 crianças submetidas à ressecção bilateral das glândulas submandibulares e ligadura dos ductos parotídeos para controlar a sialorréia
Drooling: analysis and evaluation of 31 children who underwent bilateral submandibular gland excision and parotid duct ligation.
Autor(es): Dayse Manrique 1, Osiris de Oliveira Camponês do Brasil 2, Hugo Ramos 3
Palavras-chave: glândulas salivares, neuropatia, paralisia cerebral, sialorréia, tratamento cirúrgico.
Keywords: salivary glands, neuropathy, cerebral palsy, drooling, surgical procedure.
Resumo:
Objetivos: Avaliar a segurança da ressecção bilateral das glândulas submandibulares e ligadura dos ductos parotídeos em crianças para reduzir a saliva, a eficácia e as complicações em médio e longo prazo no tratamento da sialorréia. Forma de Estudo: Coorte longitudinal. Material e Método: Trinta e uma crianças, com idades entre 6 e 13 anos (média de 7,6 anos), com múltiplas deficiências de etiologia neurológica foram submetidas à ressecção bilateral das glândulas submandibulares e ligadura dos ductos parotídeos, para controle da sialorréia, entre dezembro de 1999 a dezembro de 2005, e seguimento médio de 36 meses. Resultados: O critério de sucesso foi o estabelecido por Wilkie, e 87% das crianças tiveram resultados excelentes e bons, sendo a morbidade insignificante e a principal complicação foi o edema temporário na região parotídea. Conclusão: A ressecção bilateral das glândulas submandibulares e a ligadura dos ductos parotídeos constituem técnica segura e eficaz para ser realizada em crianças, com 87% de sucesso no controle da sialorréia.
Abstract:
Aim: To evaluate the safety of bilateral submandibular gland excision and parotid duct ligation in order to control drooling in children; to assess its long-term efficacy and complications. Study design: longitudinal cohort. Materials and Methods: Thirty-one children aged 6 to 13 years (7.6 years old in average), with multiple neurological disabilities were submitted to a bilateral submandibular gland excision with parotid duct ligation in order to control ptyalism between December 1999 and December 2005, mean follow up of 36 months. Results: According to Wilkie's success criteria, 87% of children had excellent or good results and insignificant morbidity was insignificant; with temporary parotid edema as the major complication. Conclusion: Bilateral submandibular gland excision with parotid duct ligation were safe to be performed in children, with 87% of success in drooling control.
INTRODUÇÃO
Até recentemente, os tratamentos recomendados para o controle da sialorréia associados à paralisia cerebral ou retardo mental têm incluído fonoterapia1, utilização de drogas anti-colinérgicas2, neurectomia timpânica3,4, radioterapia das glândulas salivares5, e retroposicionamento dos ductos parotídeos para as fossas tonsilares combinado com ressecção das glândulas submandibulares (procedimento de Wilkie)6-8, e a modificação do procedimento de Wilkie, que consiste na ligadura dos ductos parotídeos (PT) associada à ressecção das glândulas submandibulares(SM)9-11. Recentemente a utilização de toxina botulínica tipo A (TBA) para a redução da saliva tem resultados, embora temporários.12,13
Para a redução de saliva em pacientes com fístula salivar e parotidite recorrente foi relatada a ligadura dos ductos PT com sucesso14. Em 1978, alguns autores9 relataram sucesso na ligadura dos ductos PT associado à ressecção das glândulas SM, descrevendo maior facilidade técnica e menor índice de falhas, o que foi concordante com autores de um estudo de 79 crianças, para o controle da sialorréia.10
Em pacientes que têm sialorréia, o problema não é uma excessiva produção de saliva, mas a inabilidade de degluti-la adequadamente. Estudos cinerradiográficos mostram que enquanto as fases faríngeas e esofágicas da deglutição têm padrão normal, os movimentos da musculatura voluntária dos dois terços anteriores da língua são desorganizados6.
OBJETIVO
Verificar o sucesso da ressecção bilateral das glândulas submandibulares e ligadura dos ductos parotídeos em controlar a sialorréia e as conseqüências a médio e longo prazo da redução da saliva.
MÉTODO
Trinta e uma crianças acompanhadas na Clínica de Otorrinolaringologia da AACD - São Paulo (Associação de Assistência à Criança Deficiente) foram submetidas ao tratamento cirúrgico para controle da sialorréia, no período de dezembro de 1999 a dezembro de 2005. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da AACD, sob o protocolo 06-2006. A idade variou de 6 a 13 anos, com média de 7,6 anos. O diagnóstico etiológico da alteração neurológica foi: paralisia cerebral (15 pacientes), encefalopatia crônica progressiva (2 pacientes), miopatia congênita (1 paciente), encefalopatia anóxica-isquêmica adquirida (1 paciente), síndrome de Klinefelder (1 paciente), malformação do SNC (10 pacientes), seqüência de Moebius (1 paciente).
Os critérios de inclusão no estudo foram:
1. Idade mínima de 5 anos;
2. Tratamento prévio das condições de obstrução das vias aéreo-digestivas superiores (obstrução mecânica, causas alérgicas, alteração na oclusão dentária);
3. Tratamento dentário prévio;
4. A motivação e as expectativas dos pais e familiares para o tratamento cirúrgico;
5. Volume de saliva eliminado por dia exigir a utilização de copos, babadores, toalhas, troca freqüentes de roupa (superior a quatro camisas por dia), lesão dermatológica na pele do mento secundária à exposição da saliva (Figura 1), dificuldade nas tarefas com as mãos como: manipulação de papel, telas, brinquedos, computador.
Critérios para sucesso:
Figura 1. Dermatite em mento secundária à sialorréia.
1. Eliminar a gaze, xícara ou toalha que estes pacientes carregam, sem acrescentar outros sintomas3.
2. O número de babadores ou toalhas utilizado no pós-operatório comparado ao do pré-operatório deve ser visto como indicador do sucesso8.
Os critérios utilizados para o sucesso foram a avaliação subjetiva pela informação dos familiares e cuidadores, de acordo com Wilkie6:
Excelente: aparentemente controle normal da saliva.
Bom: discreto escape oral de saliva, com ou sem saliva acumulada nos lábios.
Razoável: saliva residual ou espessa constituindo incômodo.
Ruim: falha no controle ou sensação de secura.
Técnica operatória
A operação se faz em duas fases, iniciando-se pela ressecção das glândulas submandibulares bilateralmente, com duas incisões independentes. Dissecção subcapsular para evitar lesões dos nervos lingual e hipoglosso. O ramo mandibular do nervo facial é identificado e preservado, o ducto da glândula SM e o ramo secretor do nervo lingual para a glândula são ligados, e a glândula SM é removida. (Figuras 2 e 3)
Figura 2. Topografia da incisão para a exérese das glândulas submandibulares (região submandibular).
Figura 3. Glândulas submandibulares direita e esquerda excisadas.
A segunda fase é por via intra-oral. O orifício do ducto parotídeo (ducto de Stensen ou Stenon) é identificado, feita uma incisão elíptica em torno do ducto e 3mm da mucosa que o envolve, o ducto PT é isolado em torno de 1cm, ligado na extremidade proximal, e a porção distal é ressecada. A mucosa jugal é aproximada com sutura. (Figura 4)
Figura 4. Ducto parotídeo direito isolado após incisão elíptica na mucosa jugal.
RESULTADOS
Trinta e uma crianças foram submetidas ao tratamento cirúrgico proposto, sendo 23 meninos e 8 meninas, com idade mínima de 6 anos e máxima de 13, com média de 7,8 anos.
O tempo de seguimento foi de um ano a seis anos, com média de 36 meses. O acompanhamento foi bimestral no primeiro ano, semestral, no segundo e anual, a partir do terceiro ano.
O tempo médio de internação foi de 2 dias, e o tempo máximo foi de 6 dias em apenas um paciente, devido a edema e limitação na abertura da boca.
A complicação mais freqüente foi aumento de volume da parótida no pós-operatório imediato que ocorreu em 25,8% dos pacientes. Esta alteração não tinha características inflamatórias, e em 48 horas involuiu em todos os pacientes, com a utilização de antiinflamatórios hormonais.
Houve fistulização unilateral do ducto parotídeo em 3 crianças (9,6%) observada na região jugal próxima ao local de drenagem inicial, ocorrendo no primeiro mês pós-operatório e não comprometendo o sucesso do procedimento, e não exigindo reintervenção.
Em dois pacientes, houve no pós-operatório tardio (dois e três meses após o procedimento) o surgimento de um cisto de retenção na região adjacente à ligadura do ducto, sendo realizada a punção, com saída de material seroso, e não houve recidiva.
Em um paciente, a mastigação de alimentos sólidos secos ficou comprometida, e refeição foi associada com a ingestão de líquidos. Embora tenhamos pesquisado e questionado especificamente sobre problemas dentários ou periodontais, não observamos aumento da incidência de queixas ou alterações, no período de seguimento médio de 36 meses.
De acordo com o critério de Wilkie6, para o sucesso do procedimento, encontramos 27 crianças com resultado excelente ou bom no pós-operatório, o que constitui 87% das crianças, e nenhuma criança com resultado ruim.
DISCUSSÃO
Em torno de 10% das crianças com PC (paralisia cerebral) vão apresentar distúrbios importantes da deglutição5. Além disso, muitas outras centenas de pacientes com doenças neurológicas cursam com disfagia e disfunção oral motora da habilidade de deglutir a saliva. Há uma considerável desproporção entre a magnitude do problema e o número de pesquisas que tem sido feitas para ajudar estes indivíduos. Trata-se de uma alteração que envolve a interação social e a qualidade de vida, sendo as opções terapêuticas muito bem aceitas por esta população, mesmo aqueles que oferecem resultados temporários. O escape oral da saliva para o mento ou tórax é estigmatizante, inapropriadamente associado à alteração cognitiva, o que é de fato, uma habilidade de controle oral motor.
Métodos objetivos de quantificar a produção de saliva exigem a realização de cintilografia, que é o exame mais específico e menos invasivo para o estudo funcional das glândulas salivares, no entanto concordamos com outros autores que afirmam que não se trata de exame essencial e rotineiro para a indicação cirúrgica5. A sialografia é outro método utilizado para a avaliação da função das glândulas salivares, mas exige a cateterização das glândulas, injeção de contraste e posterior avaliação radiológica. É mais invasivo e de difícil aplicação técnica em crianças, além de não fornecer resultados funcionais.
Várias opções de tratamento clínico medicamentoso, aplicação de toxina botulínica tipo A (TBA) nas glândulas salivares e diferentes técnicas cirúrgicas são relatadas para o tratamento da sialorréia em pacientes com distúrbios da deglutição. O tratamento medicamentoso consiste na utilização de drogas com efeitos anti-colinérgicos ou anti-parkinsonianos mas não são seguras para serem utilizadas em crianças, têm efeitos colaterais que podem ser agravantes da condição neurológica de base e facilmente induzem à tolerância. A aplicação de TBA em glândulas salivares tem ação de bloqueio da transmissão neuroglandular, é efetiva, tem custo elevado e é temporária, podendo ser a opção em pacientes idosos, com doenças avançadas e elevado risco cirúrgico. A escolha da técnica foi baseada nos melhores resultados da ligadura dos ductos PT relatadas previamente por outros autores em detrimento do retroposicionamento do ducto parotídeo9,14. Várias técnicas cirúrgicas exploraram a possibilidade de manutenção das glândulas SM, com secção da inervação glandular pelo nervo corda do tímpano e neurectomia timpânica, ou ressecção do gânglio submandibular, mas os resultados em longo prazo são frustrantes, pela reinervação que ocorre. A ligadura dos ductos das glândulas SM pode aumentar a incidência de litíase salivar pela característica da saliva nestas glândulas e pelo posicionamento ascendente do ducto em relação à cavidade oral, além da maior dificuldade técnica em crianças de isolar o ducto submandibular dos ductos das glândulas salivares sublinguais. Não há técnica cirúrgica que supere o sucesso do procedimento de Wilkie modificado que foi empregada neste estudo, é considerado o padrão ouro quando se trata de controle da sialorréia, embora seja pouco divulgado ou despertado o interesse dos profissionais médicos otorrinolaringologistas para a área de atuação em conjunto com a reabilitação de pacientes crônicos. O aumento da prevalência das doenças neurológicas, a melhora da sobrevida dos pacientes com a utilização de drogas mais recentes e a ventilação mecânica não-invasiva, e aparelhos de ventilação mecânica portáteis, tornaram as queixas relacionadas à qualidade de vida destes pacientes mais valorizadas e tratadas.
Consideramos o resultado obtido no seguimento em médio e longo prazo excelente ou bom em 87% das crianças, o que torna satisfatório o controle da sialorréia. Este resultado é compatível com o relatado na literatura.10 Os resultados favoráveis se mantiveram do primeiro ao último seguimento, exceto em duas crianças nas quais houve progressão do comprometimento neurológico e os resultados passaram de bom para razoável. Nas crianças com inabilidade das funções orais congênitas ou adquiridas, a correção cirúrgica deve ser incentivada, especialmente em maiores de cinco anos de idade em que o desenvolvimento neurológico encontra-se mais estabilizado e não se esperam muitos ganhos com terapia fonoaudiológica.1,7
A morbidade cirúrgica é baixa e o tempo de internação médio foi de dois dias, conforme descrito na literatura.10 O grau de comprometimento motor não deve influenciar a decisão cirúrgica, visto que mesmo pacientes totalmente dependentes se beneficiam do procedimento. As complicações observadas são tratadas clinicamente, e a mais freqüente foi o aumento de volume com dor na região parotídea no pós-operatório imediato que ocorreu em 8 crianças (25,8%). Outros autores observaram esta alteração, além de elevação da amilase sérica por até duas semanas no pós-operatório, sem características inflamatórias.10
As possíveis alterações dentárias ou periodontais resultantes da redução da saliva não podem ser isoladas das conseqüentes repercussões da ação das drogas anticonvulsivantes, alterações da oclusão dentária, respiração oral, dificuldade de higiene oral e a estase de saliva na cavidade oral que podem contribuir para a doença periodontal. Estes fatores são suficientes para exigir um acompanhamento odontológico freqüente, e não devem ser comparados com crianças que têm habilidades motoras normais e capacidade de controlar a deglutição de saliva. No acompanhamento de 36 meses não observamos aumento da incidência de problemas dentários ou periodontais, conforme relatado por outros autores.4
Em três crianças ocorreu fístula unilateral do ducto PT, o que não interferiu com o sucesso do procedimento, visto que a redução da saliva proporcionada pela excisão das glândulas SM foi suficiente para controlar a sialorréia. Em duas crianças houve o surgimento de cisto de retenção salivar na região jugal, adjacente à região de fechamento do ducto PT, sendo realizada punção e drenagem, sem recidiva.
O esforço que as crianças com neuropatia fazem para controlar a sialorréia, pode até dificultar o desenvolvimento de outras habilidades motoras orais, como a fala e a mastigação6. Observamos a aquisição ou a melhora das habilidades orais motoras em 32% dos pacientes com acompanhamento fonoaudiológico nos primeiros três meses após o procedimento: sucção com canudo, mastigação mais eficiente e melhora da inteligibilidade da fala.
CONCLUSÃO
A ressecção bilateral das glândulas submandibulares associada à ligadura dos ductos parotídeos é uma técnica segura e eficaz para ser realizada em crianças com inabilidade motora oral, evitando o escape oral de saliva, com baixo índice de complicações.
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1 Doutora em Medicina pela UNIFESP-EPM, Professora do Depto. de ORL da UNIFESP.
2 Doutorado, Orientador da pós-graduação da UNIFESP-EPM.
3 Pós-graduando (nível doutorado) na UNIFESP-EPM, Otorrinolaringologista da AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente.
Endereço para correspondência: AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente UNIFESP-EPM - Rua Canário 1112 ap 61 São Paulo SP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de fevereiro de 2006. cod. 1738.
Artigo aceito em 7 de outubro de 2006.