Versão Inglês

Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (14º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 84 a 91

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Emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAET): amplitude da resposta em recém-nascidos a termo e pré-termo

Transient evoked otoacoustic emissions (TEOAE): response amplitude in term and pre-term neonates

Autor(es): Mônica C. A. Bassetto,
Brasília M. Chiari,
Marisa F. Azevedo

Palavras-chave: estimulação acústica, cóclea, recém-nascido, emissões otoacústicas, triagem neonatal.

Keywords: acoustical stimulation, cochlea, neonate, otoacoustic emissions, neonatal screening.

Resumo:
As emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAET) têm sido a técnica mais empregada nas triagens auditivas neonatais. Nos últimos anos, uma análise mais detalhada das EOAET tem evidenciado a presença de características até então pouco exploradas do sistema auditivo periférico. O objetivo deste trabalho foi o de estudar o comportamento da amplitude de resposta das EOAET em recém-nascidos a termo e pré-termo em função dos parâmetros lados da orelha, sexo, espectro de freqüência e idade pós-concepcional. A amostra compôs-se de 526 recém-nascidos, sendo 440 nascidos a termo e 86 nascidos pré-termo. Estes últimos foram subdivididos em um grupo com idade pós-concepcional na data do teste variando entre 31 e 36 semanas e outro grupo com idade pós-concepcional na data do teste variando entre 37 e 44 semanas. O teste das EOAET foi realizado em ambiente sem tratamento acústico com o analisador de emissões otoacústicas ILO 88 da Otodynamics, no modo "Quickscreener". Ao analisarmos os resultados, observamos assimetria significante da amplitude média de resposta a favor da orelha direita, do sexo feminino, das bandas de freqüências altas e dos recém-nascidos com maior idade pós-concepcional. Estas assimetrias sugerem que o parâmetro amplitude, além de fornecer evidência da presença das EOAET e portanto da integridade do sistema auditivo periférico, também pode ser tomado como um indicador de maturação do sistema auditivo periférico em recém-nascidos.

Abstract:
Transient evoked otoacoustic emissions (TEOAE) have been widely used in neonatal hearing screening programs. In the last years, a closer analysis of TEOAE has shown some unexplored characteristics of the peripheral auditory system. The aim of this research was to study the TEOAE response amplitude in term and pre-term neonates, as a function of the ear side, gender, frequency spectrum and post-conceptional age. The sample was composed by 526 newborns, 440 born at term and 86 pre-term neonates divided in two groups: one with post-conceptional age varying from 31 to 36 weeks and the second one with post-conceptional age varying from 37 to 44 weeks. The TEOAE test was performed in an environment without acoustical treatment with the ILO 88 - Otodynamics Otoacoustic Emission Analyzer, in the Quickscreener mode. The results showed a statistically significant asymmetric mean amplitude response in favor of the right ear, the females, the high frequency bands and the newborns with higher post-conceptional age. These differences observed between the mean amplitudes of the TEOAE of term and pre-term newborns, suggest that the amplitude of the TEOAE, besides providing an evidence of the integrity of the peripheral auditory system, may be used as an indicator of the maturation of the peripheral auditory system in newborns.

INTRODUÇÃO

Nos últimos quinze anos, a comunidade científica acompanhou importantes descobertas no campo da fisiologia coclear: o antigo conceito da cóclea como um órgão passivo foi sendo, gradualmente, substituído pelo de um órgão mecanicamente ativo, capaz de gerar energia e de promover acurada seletividade freqüencial.

A identificação do fenômeno das emissões otoacústicas contribuiu sobremaneira para evidenciar as características ativas e não-lineares da mecânica coclear, e a subseqüente introdução de um equipamento para uso clínico capaz de registrá-las causou grande repercussão nos meios audiológicos.
Uma avaliação confiável da função pré-neural da orelha interna, de forma rápida e não invasiva, veio ao encontro de uma necessidade dos programas de triagem auditiva neonatal, que há muito tempo reconheciam os benefícios potenciais da triagem universal, porém não dispunham de uma técnica adequada para este fim.

As emissões otoacústicas constituem sons que podem ser registrados no meato acústico externo, espontaneamente, ou evocados por estimulação acústica. Quando evocadas, as emissões são comumente classificadas em função do estímulo gerador em: transientes, estímulos freqüenciais e por produto de distorção.

A técnica mais empregada e recomendada nas triagens auditivas neonatais tem sido a das emissões otoacústicas evocadas transientes1-8, por utilizar estímulos acústicos de fraca intensidade, abrangendo uma vasta gama de freqüências ("cliques" variando entre 400 e 6400 Hz) e por finalizar o registro, num curto período de tempo, geralmente em torno de um minuto por orelha.

No entanto, apesar da confiabilidade da técnica como instrumento de triagem auditiva neonatal, os critérios adotados para a interpretação dos parâmetros das emissões otoacústicas evocadas transientes diferem entre os vários programas que as utilizam9, sugerindo a necessidade de uma melhor exploração de suas propriedades intrínsecas para a unificação destes critérios.

Embora ainda não exista um consenso sobre o tema, algumas pesquisas envolvendo as emissões otoacústicas evocadas transientes em recém-nascidos têm sugerido a existência de assimetrias de sua amplitude de resposta entre os lados das orelhas10,11, entre os sexos10-12 e entre diferentes idades pós-concepcionais13,14. O estudo de tais assimetrias poderia revelar características desconhecidas do sistema auditivo periférico do recém-nascido, cujo entendimento fora, até então, limitado pela falta de um instrumento adequado para a avaliação da função pré-neural da orelha interna nesta faixa etária.

O próprio processo de maturação do sistema auditivo periférico, objeto de controvérsias, poderia ser mais bem compreendido pela análise comparativa da amplitude de resposta das emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAET) e de sua distribuição pelo espectro de freqüências em recém-nascidos a termo e pré-termo, o que forneceria subsídios para a elaboração de um critério único para a interpretação das EOAET nos programas de triagem auditiva neonatal.

Tendo em vista estas considerações sobre a importância da análise da amplitude de resposta das emissões otoacústicas evocadas transientes em recém-nascidos a termo e pré-termo, tanto para fins clínicos como de pesquisa, nosso objetivo, neste trabalho, é o de estudar o comportamento do parâmetro amplitude de resposta das emissões otoacústicas evocadas transientes em recém-nascidos a termo e pré-termo em relação às variáveis: lado da orelha, sexo, espectro de freqüência e idade pós-concepcional.

MATERIAL E MÉTODO

Compuseram a amostra deste estudo 526 recém-nascidos, que participaram do programa de triagem auditiva neonatal, realizada num hospital particular da Grande São Paulo, no período de janeiro a dezembro de 1997. Essas crianças foram selecionadas de um grupo inicial de 594 recém-nascidos, tendo sido excluídos os que falharam na triagem auditiva. Todos os pais foram informados sobre este programa durante a interpretação, após o nascimento do bebê, e dele participaram espontaneamente. O projeto desta pesquisa foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Federal de São Paulo/EPM.

Dentre estes 526 recém-nascidos da amostra, 440 nasceram a termo, com idade gestacional igual ou superior a 37 semanas, e 86 nasceram pré-termo, com idade gestacional inferior a 37 semanas.

Os recém-nascidos pré-termo foram distribuídos neste estudo, segundo o estágio maturacional, levando-se em consideração a idade pós-concepcional na data da triagem, isto é, o tempo, em semanas, decorrido da fecundação até a data em questão, após o nascimento. Deste modo, foram compostos três grupos para este estudo:

Grupo Termo, denominado GT - composto por 440 recém-nascidos egressos do berçário normal, com idade gestacional igual ou superior a 37 semanas.

Grupo Pré-Termo A, denominado GPTA - composto por 42 recém-nascidos pré-termo, com idade gestacional e idade pós-concepcional, na data do teste, inferiores a 37 semanas;

Grupo Pré-Termo B, denominado GPTB - composto por 44 recém-nascidos pré-termo, com idade gestacional inferior a 37 semanas e com idade pós-concepcional, na data do teste, igual ou superior a 37 semanas.
Na composição dos grupos deste estudo, obtivemos 202 (45,9%) recém-nascidos do sexo masculino e 238 (54,1%) do sexo feminino, no GT; 22 (52,4%) recém-nascidos do sexo masculino e 20 (47,6%) do sexo feminino, no GPTA, e 15 (34,1%) recém-nascidos do sexo masculino e 29 (65,9%) do sexo feminino, no GPTB.

O procedimento adotado para a triagem auditiva foi o teste das emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAET) associado à observação do comportamento auditivo15 e à timpanometria, realizada com o imitanciômetro portátil HandtympT da Danplex. Estes dois últimos procedimentos foram aplicados para facilitar a identificação de possíveis alterações de orelha média ou alterações auditivas centrais7,15. Todos os recém-nascidos selecionados para compor a amostra deste estudo tiveram presença de emissões otoacústicas evocadas transientes associada à observação do comportamento auditivo e à timpanometria dentro dos padrões de normalidade15,16.

Os recém-nascidos a termo foram testados no ambulatório de pediatria, deitadas no colo da mãe, preferencialmente em sono pós-prandial. Os recém-nascidos pré-termo que estavam internados por ocasião da triagem foram testados em berço comum, dentro do berçário de alto-risco, antes da alta hospitalar. A idade cronológica média dos recém-nascidos, no dia do teste, variou de 11 a 20 dias.
O nível de ruído de fundo, nos ambientes do teste, registrado com o medidor de nível de pressão sonora modelo 2700 da "Quest Technologies", variou de 58 a 70 dB NPS, na sala do ambulatório de pediatria e de 64 a 67 dB NPS, no berço comum, dentro do berçário de alto-risco.

As EOAET foram registradas em ambas as orelhas dos recém-nascidos17. O equipamento utilizado foi o ILO 88 - Analisador de Emissões Otoacústicas (Otodynamics Ltda. Versão 3.9), acoplado a um microcomputador portátil Sharp PC-3060. Para o procedimento, utilizamos o programa "Quickscreener", indicado para triagem auditiva neonatal. Este programa consiste no modo não-linear padrão, isto é, três estímulos de uma intensidade e um quarto estímulo três vezes mais intenso, porém com polaridade oposta, com os estímulos tipo clique apresentados com uma velocidade duas vezes superior à do programa padrão, para maximizar a eficiência da coleta de dados. Os cliques possuem 80 ms de duração, na faixa de freqüência de 400 a 6000 Hz. Não houve ajuste de ganho para o estímulo acústico, e a intensidade estava programada para 80 dB pico equivalente em NPS, tendo variado de 66 a 83 dB pico equivalente em NPS. Avaliaram-se os 260 conjuntos de respostas do teste padrão, porém, nos casos em que o recém-nascido estava muito agitado, o teste foi encerrado após terem sido registrados no mínimo 80 conjuntos de respostas.

A resposta, sob forma de pressão acústica, no meato acústico externo, foi captada por um microfone acoplado à sonda, submetida à análise de Fourier (FFT), que permitiu a separação da emissão otoacústica e do ruído e foi expressa como nível de resposta em dB NPS. Este nível de resposta, tratado neste estudo, como amplitude de resposta, foi expresso num valor geral e por bandas de freqüências centradas em 800 Hz; 1600 Hz; 2400 Hz; 3200 Hz e 4000 Hz. O tempo de análise da resposta foi de 12 ms e os 2,5 ms iniciais são eliminados no tratamento dos dados para evitar contaminação por resposta da orelha externa e média.

Colheram-se conjuntos de respostas, alternadamente, em dois canais, A e B, para a avaliação da correlação que foi expressa num índice de reprodutibilidade. O programa exibe um índice de reprodutibilidade geral e também por bandas de freqüência.

Além disso, registra-se, também, pelo programa, o nível de ruído, em dB NPS, presente no meato acústico externo durante o teste, o tempo necessário, em segundos, para sua execução, e o índice de estabilidade da sonda, em %, no meato acústico externo.

Os critérios empregados para considerar presença de resposta no teste das emissões otoacústicas evocadas transientes foram: amplitude de resposta (relação sinal/ruído) igual ou superior a 3 dB NPS, na banda com freqüência central de 1600 Hz; amplitude de resposta (relação sinal/ruído) igual ou superior a 6 dB NPS, nas bandas com freqüência central de 2400 Hz, 3200 Hz e 4000 Hz; reprodutibilidade geral e para a banda com freqüência central de 1600 Hz, igual ou superior a 50%; reprodutibilidade para as bandas com freqüência central de 2400 Hz, 3200 Hz e 4000 Hz superior a 70%; estabilidade da sonda igual ou superior a 70%; superposição das ondas A e B por inspeção visual.

Uma vez estabelecida a presença das EOAET pelos critérios acima descritos, selecionamos, de acordo com nosso objetivo, o parâmetro amplitude de resposta, cujo estudo se realizou em relação às variáveis: lado da orelha, sexo, espectro de freqüência e idade pós-concepcional.

Para a análise estatística dos resultados, empregaram-se os seguintes testes: 1. Teste de Mann-Whitney, para amostras independentes, para comparar a amplitude média, entre os recém-nascidos do sexo masculino e feminino, para cada combinação de lado de orelha. 2. Teste de Wilcoxon, para amostras pareadas, para comparar a amplitude média, entre os lados das orelhas, para cada combinação de sexo. 3. Teste de Kruskal-Wallis para comparar os valores de amplitude média, entre os grupos, para cada combinação de sexo e lado da orelha. Este teste é indicado quando se comparam três ou mais conjuntos de informações com nível de mensuração numérica, e as amostras são independentes. 4. Teste de Friedman para comparar os valores de amplitude média, entre as diferentes bandas de freqüência, para cada sexo e lado de orelha nos grupos. Quando se observaram diferenças estatisticamente significantes, efetuaram-se comparações múltiplas para identificar onde se encontrava essa diferença. Este teste é indicado quando se comparam três ou mais conjuntos de informações, com nível de mensuração numérica, e as amostras são pareadas.

Em todos os testes, fixou-se, em 0,05 ou 5% (£ 0,05), o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se, com um asterisco, os valores significantes.

RESULTADOS

Inicialmente, ao estudarmos isoladamente o parâmetro amplitude, verificamos se havia assimetria de resposta em função do lado da orelha e do sexo para cada um dos grupos estudados. Como foram observadas diferenças estatisticamente significantes tanto em relação ao lado da orelha como em relação ao sexo para o parâmetro amplitude, estas variáveis não puderam ser agrupadas. Em função disto, nos estudos que se seguiram, comparação da amplitude entre as bandas de freqüência do teste e comparação da amplitude entre os grupos estudados, a análise também foi realizada para cada lado de orelha e sexo.

Inicialmente, estudamos a amplitude da resposta das EOAET para cada lado da orelha nos recém-nascidos dos três grupos (Tabelas 1 a 6). Com isto, verificamos a presença de assimetria na amplitude das EOAET, a favor da orelha direita, nos sexos masculino e feminino.

Em seguida, verificamos se havia diferença da amplitude de resposta entre os sexos, para cada lado de orelha nos três grupos (Tabelas 7 a 12). No GT, registrou-se maior amplitude de resposta para o sexo feminino.

Numa terceira fase, comparamos as amplitudes médias entre as diferentes bandas de freqüência do teste, para cada sexo e lado de orelha nos grupos (Tabelas 13 a 18). Como as eventuais diferenças entre as amplitudes das bandas de freqüência mais altas poderiam estar sendo mascaradas pela presença da banda centrada em 1,6 kHz, em função do ruído no ambiente do teste, as comparações foram realizadas excluindo-se esta banda. Observamos maiores amplitudes nas bandas de freqüências mais altas.

Finalmente, nas Tabelas 19 a 22, comparamos os valores das amplitudes médias entre os grupos Termo, Pré-Termo A e Pré-Termo B para cada combinação de sexo e lado de orelha, a fim de examinar o efeito da idade pós-concepcional na amplitude das EOAET. Os resultados mostram que quanto maior a idade pós-concepcional, maior a amplitude de resposta das EOAET.

DISCUSSÃO

A adoção da técnica das EOAET como instrumento de triagem auditiva neonatal tem impulsionado o desenvolvimento de pesquisas na área, sobretudo nesta última década. No entanto, algumas propriedades das EOAET ainda necessitam de elucidação para que possamos no futuro adotar parâmetros melhor definidos para a avaliação dos resultados das EOAET em diferentes faixas etárias e situações de teste.

No estudo da amplitude das EAOET em função do lado da orelha (Tabelas 1 a 6), observamos amplitudes médias significantemente maiores nas orelhas direitas nos recém-nascidos do GT e do GPTA. Este mesmo achado também foi descrito na literatura10,11,18. Presume-se que os mecanismos envolvendo a assimetria de ocorrência das emissões otoacústicas espontâneas entre a orelha direita e a esquerda19, a assimetria da intensidade da inibição exercida pelo sistema olivo-coclear eferente10,18 e a assimetria morfológica entre as regiões crânio-faciais direita e esquerda20 estejam relacionados a esta assimetria aural.

Ao estudarmos a variável sexo (Tabelas 7 a 12), observamos amplitudes médias das EOAET estatisticamente superiores em recém-nascidos do sexo feminino do GT. Outros autores11, estudando recém-nascidos a termo, também referiram esta assimetria da amplitude das EOAET entre os sexos. Tal achado tem sido atribuído à maior da prevalência das emissões otoacústicas espontâneas no sexo feminino12,18 e às diferenças morfométricas no comprimento coclear entre os sexos21.

Sendo as emissões otoacústicas um produto de uma atividade mecânica não-linear intrínseca da cóclea, estas evidências de que sua amplitude tem relação com o lado da orelha e com o sexo sugerem a necessidade de que mais estudos sejam desenvolvidos no sentido de se esclarecer a origem exata destas assimetrias e como elas poderiam influenciar a avaliação dos resultados do teste das EOAET em recém-nascidos.

Observamos que a banda centrada em 1.600 Hz apresentou amplitude significantemente inferior às demais em recém-nascidos termo e pré-termo, para todas as combinações de lado de orelha e sexo. Esta amplitude diminuída, na banda de 1.600 Hz, deveu-se, provavelmente, à influência do ruído no ambiente do teste uma vez que os recém-nascidos foram testados em ambiente sem tratamento acústico, com ruído de fundo intenso. A amplitude das EOAET, sobretudo no teste dos recém-nascidos, sofre interferência significante do nível de ruído no ambiente2.

A maior amplitude das EOAET, neste estudo, foi registrada nas bandas de freqüência centradas em 3.200 kHz e/ou 4.000 Hz (Tabelas 13 a 18), corroborando achados da literatura22,23.

O predomínio da amplitude de resposta das EOAET nesta faixa de freqüências em recém-nascidos tem sido primariamente atribuído à influência das orelhas externa e média2, e também aos mecanismos de amplificação coclear24 e de inibição do sistema auditivo eferente25.

É importante ressaltar que a análise por bandas de freqüência trouxe grande contribuição para este estudo uma vez que muitas das propriedades investigadas só puderam ser observadas nas bandas de freqüência e não na amplitude geral. Isto deve-se ao fato de que a amplitude geral é fortemente influenciada pelos componentes graves da resposta os quais neste estudo estiveram mascarados pelo ruído de fundo. Desta forma, consideramos importante que a análise da amplitude de resposta das EOAET em recém-nascidos seja realizada por bandas de freqüência ao invés da amplitude geral, considerando-se que as maiores amplitudes são encontradas nas freqüências agudas.

Ao analisarmos o efeito do aumento da idade pós-concepcional na amplitude de resposta das EOAET pela comparação entre os três grupos (Tabelas 19 a 22), pudemos notar que houve diferença estatisticamente significante entre as amplitudes médias de resposta nas bandas de freqüências agudas do GT e do GPTA. Este aumento da amplitude de resposta em função do aumento da idade pós-concepcional pode ser interpretado como uma indicação de que o sistema auditivo periférico passa por um processo de maturação até pelo menos o termo da gestação.

Nos dois últimos meses da gestação, aos quais correspondem as idades pós-concepcionais dos recém-nascidos deste estudo, existe um processo de crescimento das orelhas externa e média e de maturação da orelha interna que subjaz estas diferenças entre as amplitudes de resposta observadas entre as diferentes idades pós-concepcionais.

As assimetrias (entre os lados das orelhas, entre os sexos e entre as bandas de freqüência) encontradas neste estudo cresceram à medida em que houve um aumento da idade pós-concepcional, uma vez que elas sempre puderam ser observadas no GT e nem sempre nos GPTA e GPTB.

O estudo da amplitude da resposta das EOAET entre o GT, GPTA e GPTB teve como objetivo verificar a influência do aumento da idade pós-concepcional na amplitude das EOAET. Apesar da literatura relatar que este aumento é muito sutil e difícil de ser detectado em estudos transversais26 observamos diferença estatisticamente significante entre a amplitude média do GT e do GPTA (na orelha esquerda no sexo masculino e nas orelhas direita e esquerda no sexo feminino) nas bandas de freqüências agudas.

Em estudos longitudinais a associação entre o aumento da idade pós-concepcional e o da amplitude das EOAET já foi relatada por muitos pesquisadores13,14,26,27. No entanto, apenas um trabalho27 relatou ter encontrado diferença estatisticamente significante entre a amplitude geral média de recém-nascidos a termo e pré-termo num estudo transversal.

Este paralelo entre o aumento da idade pós-concepcional e o da amplitude das EOAET revela que os mecanismos do sistema auditivo periférico envolvidos na geração e na transmissão das EOAET ainda estariam amadurecendo nas últimas semanas de gestação. Entre estes mecanismos poderíamos ressaltar o crescimento do meato acústico externo e da orelha média e a maturação dos amplificadores cocleares. Como a orelha média (reflexo acústico) e a orelha interna (células ciliadas externas) exercem função de filtro seletivo das freqüências privilegiando a energia acústica em freqüências agudas sob a ação reguladora do sistema olivo-coclear eferente28, o processo de maturação evidenciado nas freqüências agudas neste estudo poderia envolver a própria maturação do sistema auditivo eferente.

Estas diferenças observadas entre as amplitudes médias das EOAET de recém-nascidos a termo e pré-termo sugerem que este parâmetro, além de fornecer indicação da presença das EOAET e, portanto, da integridade do sistema auditivo periférico, também pode ser tomado como um indicador de maturação do sistema auditivo periférico em recém-nascidos.


Tabela 1. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas de recém-nascidos do sexo masculino do Grupo Termo (GT), em função do lado da orelha.

GT - Sexo Masculino
Amplitude (dB NPS)

Orelha Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Direita 13,5 9,3 15,9 17,8 16,4

Esquerda 12,5 9,2 15,9 18,2 16,4

p = 0,0000* 0,8949 0,9692 0,4054 0,7557

Tabela 2. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas de recém-nascidos do sexo feminino do Grupo Termo (GT), em função do lado da orelha.

GT - Sexo Feminino
Amplitude (dB NPS)

Orelha Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Direita 13,8 9,4 15,3 18,0 18,1

Esquerda 13,3 8,5 14,5 17,8 17,2

p = 0,0143* 0,0063* 0,0525 0,5556 0,0570

Tabela 3. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas de recém-nascidos do sexo masculino do Grupo Pré-Termo A (GPTA), em função do lado da orelha.

GPTA - Sexo Masculino
Amplitude (dB NPS)

Orelha Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Direita 13,7 9,4 16,8 15,9 16,4

Esquerda 11,9 10,0 13,4 13,4 13,1

p = 0,0534 0,6677 0,0074* 0,0967 0,0178*

Tabela 4. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas de recém-nascidos do sexo feminino do Grupo Pré-Termo A (GPTA), em função do lado da orelha.

GPTA - Sexo Feminino
Amplitude (dB NPS)

Orelha Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Direita 14,7 8,7 15,4 15,8 14,4

Esquerda 13,7 8,9 14,7 13,8 16,0

p = 0,2627 0,7404 0,4094 0,2352 0,3720

Tabela 5. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas de recém-nascidos do sexo masculino do Grupo Pré-Termo B (GPTB), em função do lado da orelha.

GPTB - Sexo Masculino
Amplitude (dB NPS)

Orelha Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Direita 13,4 8,1 14,3 16,5 15,5

Esquerda 14,2 9,3 14,1 17,5 16,8

p = 0,5936 0,4420 0,6155 0,7798 1,000

Tabela 6. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas de recém-nascidos do sexo feminino do Grupo Pré-Termo B (GPTB) em função do lado da orelha.

GPTB - Sexo Feminino
Amplitude (dB NPS)

Orelha Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Direita 12,6 8,6 14,7 18,6 16,6

Esquerda 13,3 9,2 16,9 19,3 19,5

p = 0,2275 0,7731 0,0585 0,5538 0,0154*

Tabela 7. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas na orelha direita de recém-nascidos do Grupo Termo (GT), em função do sexo.

GT - Orelha Direita
Amplitude (dB NPS)

Sexo Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Masculino 13,5 9,3 15,9 17,8 16,3

Feminino 13,8 9,4 15,3 18,0 18,1

p = 0,3143 0,7946 0,2878 0,3762 0,0015*

Tabela 8. Amplitudes médias, geral e por banda de freqüência, das EOAET obtidas na orelha esquerda de recém-nascidos do Grupo Termo (GT), em função do sexo.

GT - Orelha Esquerda
Amplitude (dB NPS)

Sexo Geral 1,6 2,4 3,2 4,0 kHz

Masculino 12,5 9,2 15,9 18,2 16,4

Feminino 13,3 8,5 14,5 17,8 17,2

p = 0,0332* 0,1920 0,0576 0,9157 0,0526

CONCLUSÕES

A partir da análise crítica dos resultados, pudemos estabelecer as seguintes conclusões:

Nos recém-nascidos a termo, houve predomínio de maior amplitude das EOAET para o lado da orelha direita, para o sexo feminino e para as bandas de freqüências altas. Nos recém-nascidos pré-termo, avaliados entre 31 e 36 semanas de idade pós-concepcional, houve predomínio de maior amplitude das EOAET para o lado da orelha direita. Nos recém-nascidos pré-termo, avaliados entre 37 e 44 semanas de idade pós-concepcional, houve predomínio de maior amplitude das EOAET para as bandas de freqüências altas. No estudo comparativo entre os três grupos, houve correlação estatisticamente significante entre a amplitude média das EOAET e a idade pós-concepcional, visto que quanto maior a idade pós-concepcional, maior a amplitude média das EOAET, nas bandas de freqüências altas.

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Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP/EPM.
Profa. Adjunto Doutora do Curso de Fonoaudiologia da UNIFESP/EPM.
Profa. Adjunto Doutora do Curso de Fonoaudiologia da UNIFESP/EPM.

Endereço para correspondência: Mônica Bassetto - Rua Almirante Tamandaré, 322 apto 12 Centro Santo André - SP 09040-040 - Tel (0xx11) 4437-1174 - E-mail: fmbassetto@uol.com.br

Resumo da tese apresentada à Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da UNIFESP/EPM em novembro de 1998.

Trabalho apresentado no XXV Congresso Internacional de Audiologia, Haia, Holanda, em agosto de 2000.

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