Versão Inglês

Ano:  2006  Vol. 72   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 609 a 616

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Estudo clínico e ultraestrutural pós-turbinectomia inferior parcial

Clinical and ultrastructural study after partial inferior turbinectomy

Autor(es): Rogério Dutra Bandos1, Valder Rodrigues de Mello2, Maria Dolores Seabra Ferreira3, Maria Rossato4, Wilma Terezinha Anselmo-Lima5

Palavras-chave: estudo histológico e ultraestrutural, mucosa da concha inferior, turbinectomia inferior parcial.

Keywords: partial inferior turbinectomy, inferior turbinate mucosa, ultrastructural changes on the mucosa, chronic nasal obstruction.

Resumo:
O presente trabalho refere-se ao estudo dos resultados clínicos e histológicos obtidos após a turbinectomia inferior parcial (TIP), cirurgia indicada no tratamento da obstrução nasal crônica causada pela hipertrofia das conchas nasais inferiores. Material e Métodos: Foram estudados vinte pacientes, divididos em dois grupos de dez cada (grupos A e B), submetidos à TIP, associada à septoplastia ou não. Os pacientes foram reavaliados clinicamente e histologicamente (com biópsia das áreas regeneradas das conchas inferiores), em dois períodos pós-operatórios diferentes: um grupo após oito a doze meses (grupo A) e outro após dois anos de TIP (grupo B). Resultados: Os resultados clínicos mostraram-se satisfatórios para o alívio da obstrução nasal no grupo A, e insatisfatórios no grupo B. Entretanto, melhores resultados histológicos, com maior recuperação e diferenciação epitelial da mucosa regenerada das conchas inferiores após a TIP foram observados no grupo B, com sua ultraestrutura ciliar normal. Conclusões: A cirurgia revelou ser eficaz a curto, mas não em médio prazo, apesar da recuperação histológica ter sido importante.

Abstract:
We report clinical and histological results obtained after partial inferior turbinectomy (PIT), surgery indicated for the treatment of chronic nasal obstruction. Methods: Twenty patients were divided into two groups submitted to PIT plus septoplasty and PIT alone. The patients were reassessed clinically and histologically by means of a biopsy of the regenerated areas in the inferior turbinates at two different times after PIT, i.e., after 8 to 12 months (group A) and after two years (group B). Results: The clinical results proved to be satisfactory for the relief of nasal obstruction in group A and unsatisfactory in group B. However, better histological results with better recovery and epithelial differentiation of the regenerated mucosa of the inferior turbinates after PIT were observed in group B. Conclusion: Surgery proved to be effective on a short-term but not on a long-term basis, and histological recovery did not accompany improvement of clinical signs and symptoms.

INTRODUÇÃO

Respirar bem é uma condição diretamente relacionada à qualidade de vida. Uma boa respiração exige uma boa permeabilidade das vias nasais, porta de entrada fisiológica do fluxo aéreo. A obstrução nasal crônica é sintoma responsável por grande parte da procura ao otorrinolaringologista em sua prática diária. A evolução da Rinologia oferece atualmente um legado que permite, mediante novos recursos diagnósticos e terapêuticos, entender e tratar melhor as patologias relacionadas à obstrução nasal, entretanto, tal tarefa representa muitas vezes ainda um desafio. A hipertrofia das conchas nasais e o desvio do septo nasal constituem as principais causas de obstrução nasal. A associação do desvio septal com a hipertrofia da concha inferior contralateral ao lado desviado, de forma vicariante, é achado freqüente no exame rinoscópico. A farmacologia moderna proporciona um grande número de opções para o tratamento clínico nos casos de obstrução nasal por hipertrofia das conchas nasais, seja esta de qualquer origem (alérgica, idiopática, medicamentosa ou outra), assim como a imunologia, nos casos de origem alérgica. Entretanto, apesar de ser ainda um tema controverso, a maioria dos autores concorda que, quando o tratamento clínico não é suficiente para prover uma boa permeabilidade nasal, o tratamento cirúrgico deve ser indicado1,2. Na atualidade, a hipertrofia das conchas nasais inferiores pode ser corrigida com as turbinectomias total, parcial ou submucosa, e a turbinoplastia, além de outros procedimentos como eletrocauterização, criocirurgia, vaporização a laser e novas tecnologias como a somnoplastia ou coblation3. A turbinectomia inferior parcial (TIP) é uma técnica cirúrgica relativamente simples, utilizada no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP (HC-FMRP) há mais de 15 anos. O presente estudo tem o propósito de: 1- contribuir para a compreensão dos benefícios clínicos que a TIP oferece aos pacientes com obstrução nasal crônica causada pela hipertrofia das conchas nasais inferiores, através da análise de um grupo de pacientes na fase pós-operatória mais precoce (de 8 meses a um ano) e outro em uma mais tardia (após dois anos); 2- descrever os achados ultraestruturais na mucosa regenerada das conchas inferiores após a TIP, com ênfase na recuperação ciliar; 3- estabelecer uma relação entre o quadro clínico destes pacientes com os achados ultraestruturais na mucosa reepitelizada das conchas inferiores.

MATERIAL E MÉTODOS

Os vinte pacientes selecionados foram divididos em dois grupos de dez indivíduos cada. Onze pacientes eram do sexo feminino e nove do masculino. A idade dos pacientes na data da reavaliação variou de 12 a 57 anos, com média de 25 anos no grupo A e 23 no grupo B. Os critérios de inclusão para os pacientes no estudo foram apresentar obstrução nasal crônica rebelde ao tratamento clínico, tendo a hipertrofia da concha inferior (uni ou bilateral, de ordem alérgica ou não), com ou sem desvio septal, como agente causal. Todos os pacientes foram submetidos à TIP, uni ou bilateral. Treze pacientes também foram submetidos à septoplastia (técnicas de Killiam ou de Cottle) associadamente, com o resultado cirúrgico desta tendo sido considerado satisfatório (septo centrado ou sem desvio significativo). A TIP foi precedida por infiltração com solução contendo adrenalina (concentração 1:100.000), seguido de luxação medial das conchas. A quantidade de tecido excisado variou de acordo com o grau de hipertrofia da concha, sendo retirados partes moles (mucosa e lâmina própria) e osso da concha adjacente, em praticamente toda a extensão ântero-posterior da borda livre. Uma tesoura angulada foi utilizada para a excisão. Os critérios de exclusão dos candidatos foram: a apresentação de outras enfermidades relacionadas à obstrução nasal, como polipose nasossinusal, rinossinusite infecciosa detectada em algum momento das avaliações, alterações da válvula nasal, hipertrofia da concha média ou concha média bolhosa, fibrose cística ou discinesia ciliar primária, além de portadores de tuberculose, doença renal crônica, diabetes ou imunodeficiência. Não participaram pacientes que utilizavam vasoconstritores simpatomiméticos de maneira considerada abusiva, pelos possíveis efeitos na mucosa nasal. Foram excluídos também pacientes com avaliação clínica pré-operatória incompleta ou que faltaram aos primeiros retornos pós-operatórios, com material de biópsia inadequado para o estudo histológico ou que se negaram a participar do estudo.

Grupo A: Dez pacientes, reavaliados clínica e histologicamente (biópsia nasal) de oito a doze meses após a TIP (média 10 meses); considerado pós-operatório de curto prazo.

Grupo B: Dez pacientes, reavaliados clínica e histologicamente após dois anos da TIP (média 25 meses); considerado pós-operatório de médio prazo. Nesta reavaliação, os pacientes foram submetidos à nova anamnese e exame otorrinolaringológico completo. O local escolhido para a biópsia encontrava-se de 2 a 3cm posterior ao início da extremidade anterior da concha inferior operada, na sua face medial. Nos casos de TIP bilateral, convencionou-se fazer a biópsia no lado esquerdo.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica do HC-FMRP sob nº 1000. Uma vez retirada, a amostra da concha inferior passou por uma série de etapas para o adequado preparo para a microscopia eletrônica de transmissão. Imersão em um frasco com solução fixadora de glutaraldeído a 3% em tampão fosfato, mantido em recipiente térmico a 4 graus Celsius durante duas horas. Lavagem em tampão fosfato. Pós-fixação em tetróxido de ósmio a 1%. Desidratação em acetona em concentração crescente (30, 50, 70, 90 e 95%), trocando a concentração a cada 10 minutos, e em três séries de 20 minutos para a concentração de 100%. Infiltração em araldite 6.005 com óxido de propileno na proporção de 1:1 durante 48 horas. A seguir, a amostra foi inclusa na mesma resina pura por 72 horas a 60 graus Celsius. Os blocos obtidos foram aparados e cortados em ultramicrótomo, e obtidos cortes semifinos (0.5 micrômetro) para estudo em microscópio óptico. Nesta etapa, os cortes foram montados em lâminas histológicas de vidro, corados com azul de toluidina 2% em ph 12.0, a fim de serem selecionadas as áreas com orientação adequada para a realização de cortes ultrafinos (60-70 nanômetros). Estes foram estendidos em grades de cobre, contrastados com acetato de uranila a 4% por 15 minutos e citrato de chumbo 0.3% por mais 15 minutos, e novamente lavados. Finalmente, o material foi examinado e eletromicrografado em um microscópio eletrônico de transmissão Phillips 208. A análise histológica das biópsias foi realizada pelo mesmo histopatologista.

RESULTADOS

Resultados Pré-Operatórios

Na fase pré-operatória, foram colhidos dados de anamnese e exame físico dos vinte pacientes incluídos no presente estudo, sendo dez do grupo A e dez do grupo B. A Figura 1 apresenta os dados estatísticos (porcentagem) das características da obstrução nasal, de acordo com a lateralidade e duração dos sintomas. A Tabela 1 refere-se aos principais sintomas que podem estar associados à obstrução nasal crônica: prurido, secreção, espirros, hiposmia, respiração bucal, cefaléia e cacosmia subjetiva, mostrando o número de pacientes acometidos em ambos os grupos. Um paciente de cada grupo relatou apresentar também roncos. A prevalência da uni ou bilateralidade da hipertrofia da concha inferior, bem como a presença ou não de desvio septal detectados ao exame físico (rinoscopia anterior e posterior) estão na Figura 2. Alguns pacientes utilizaram até três tipos diferentes de medicação para combater a obstrução nasal, sem, no entanto, prescindirem da indicação da intervenção cirúrgica. Vale dizer que a grande parte dos pacientes relatou uso irregular das medicações prescritas. Na Figura 3 estão os procedimentos cirúrgicos adotados para cada grupo, com o tratamento estatístico.




Figura 1. Gráfico de percentagem das características da obstrução nasal nos grupos A e B, quanto à sua lateralidade e duração.


Figura 2. Gráfico de percentagem dos achados do exame físico de pacientes dos grupos A e B, quanto à lateralidade da hipertrofia de concha inferior e ao desvio septal.


Figura 3. Representação gráfica das percentagens dos procedimentos cirúrgicos realizados nos pacientes dos grupos A e B (N=10 cada grupo).


Resultados Pós-Operatórios

Os resultados clínicos e histológicos obtidos na fase pós-operatória estão apresentados separadamente nos grupos A (pós-operatório de curto prazo) e B (médio prazo). A Tabela 2 corresponde aos achados da sintomatologia pós-operatória, nos grupos A e B respectivamente, de acordo com o relato dos pacientes de melhora total ou subtotal (que foram considerados bons resultados), melhora parcial, inalterada ou piora do sintoma. A obstrução nasal, sintoma mais importante está representado graficamente (Figura 4). Não foram observadas complicações pós-operatórias como sangramentos importantes ou infecções. A Figura 5 mostra os achados do exame físico (rinoscopia anterior e posterior) nos grupos A e B, quanto às características tróficas da concha nasal inferior. Não foram encontradas alterações como sinéquias, pólipos, rinossinusites, degeneração das conchas nasais. Vale citar que o aspecto macroscópico das conchas operadas era muito semelhante ao aspecto de conchas nunca operadas. Conforme estabelecido nos critérios de inclusão no presente estudo, o septo nasal de todos os pacientes (submetidos à septoplastia ou não) da fase pós-operatória apresentava-se centrado ou sem desvio significativo. A freqüência dos diferentes tipos epiteliais observados nas biópsias pós-operatórias foi relacionado na Figura 6, ordenada de acordo com o grau de diferenciação do epitélio (de menor para maior diferenciação). Em algumas amostras, observou-se até dois tipos epiteliais diferentes, com zonas de transição entre dois epitélios, por isso o total de números de tipos epiteliais descritos em cada grupo é maior que 10. Este tipo de classificação pôde ser facilmente observado na microscopia óptica. As características ultraestruturais dos cílios foram observadas na microscopia eletrônica de transmissão, onde pudemos constatar que, quando presentes, os cílios apresentaram-se normais em sua ultraestrutura (Figura 7). Nenhuma alteração ultraestrutural ciliar, como cílios curtos, compostos ou com alterações tubulares foi observada.




Figura 4. Gráfico de porcentagens da evolução pós-operatória quanto à obstrução nasal nos grupos.


Figura 5. Freqüência de porcentagem dos resultados do exame físico no pós-operatório dos grupos.


Figura 6. Freqüência dos diferentes tipos de epitélio encontrados nos grupos.


Figura 7. Freqüência das características ciliares encontradas nos pacientes de ambos os grupos.


O número de células caliciformes observadas em ambos os grupos foi considerado normal para os diferentes tipos epiteliais estudados. Embora não tenha sido foco principal de estudo do presente trabalho, algumas descrições da lâmina própria foram realizadas. Na fase pós-operatória, com exceção de um paciente do grupo A que referiu o uso ocasional de vasoconstritor simpatomimético (considerado não-abusivo), a única medicação de ação nasal relatada pelos pacientes foram os sprays com corticóides de ação nasal. Em ambos os grupos (A e B), exatamente a metade dos pacientes em cada grupo fez uso de tal medicação, porém nenhum de forma contínua. Quanto aos dois pacientes (ambos do grupo B) que se queixaram de roncos, um deles relatou melhora parcial dos roncos após a cirurgia nasal, e outro negou haver tido alguma alteração. As fotomicrografias e suas descrições com os principais achados da microscopia óptica (MO) e da microscopia eletrônica de transmissão (MET) estão demonstradas nas Figuras 8, 9 (grupo A), 10 e 11 (grupo B). O aumento das fotomicrografias corresponde ao aumento original das mesmas.


Figura 8. Grupo A - A: MO: epitélio estratificado escamoso (63X); B: MET: células basais e membrana basal-MB (seta) de epitélio estratificado, com aumento do espaço intercelular-EI (7500X); C: MET: superfície epitelial careca-ausência de microvilos e cílios (20000X); D: MET: detalhe de célula escamosa superficial (20000X).


Figura 9. Grupo A - A: MET: detalhe de célula com microvilos e ausência de cílios; B: MO: epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado. Presença de vênula (seta) na lâmina própria (63X); C: MET: superfície de epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado-setas(20000X); D: MET: detalhe dos cílios em cortes tranversais e longitudinais normais (30000X).


Figura 10. Grupo B - A: MO: epitélio estratificado cilíndrico não ciliado, com setas mostrando zonas de transição para epitélio cuboidal (63X). B: MET: detalhes de células superficiais descamadas do epitélio estratificado escamoso (10000X);C: MO: epitélio estratificado cilíndrico com raríssimos cílios (setas verdes). Presença de glândulas seromucosas- GS na lâmina própria (setas pretas) e espessamento da membrana basal (seta vermelha). (63X). D: MET: o mesmo paciente de C, com a seta vermelha indicando alguns cílios e seta negra em uma célula caliciforme-CC. (7500X).]


Figura 11. Grupo B - A: MO: epitélio estratificado cuboidal ciliado (63X); B: MET: epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado. Seta indicando uma célula caliciforme (7500X); C: MO: epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado; lâmina própria com tecido conjuntivo frouxo (seta) e diversidade celular (63X); D: MET: corte transversal dos cílios mostrando sua morfologia normal (30000X).

DISCUSSÃO

A obstrução nasal crônica representou o principal motivo da procura ao ambulatório de Rinossinusologia, e a mais importante queixa dos pacientes, além de objetivo maior a ser corrigido através da cirurgia. Na maioria dos pacientes, a obstrução nasal mostrou-se severa na fase pré-operatória, uma vez que foi relatada como constante em 75% dos casos, além de acometer ambas as fossas nasais em 90% dos pacientes (grupos A+B juntos). Tal severidade provavelmente é fator importante que levou estes pacientes a procurar por um especialista para alívio da obstrução. Não houve diferença significativa entre os grupos A e B quanto às características da obstrução nasal na fase pré-operatória. Bambirra, em 19934, observou lateralidade de ocorrência da obstrução nasal semelhante, com 92,86% dos pacientes apresentando a queixa bilateral. Encontrou ainda relatos similares quanto à duração da obstrução nasal, presente de forma constante em 85% dos casos.

Analisando os resultados obtidos no grupo A, vimos que 90% evoluíram com melhora total ou subtotal da obstrução nasal (considerando resultado satisfatório), e apenas um paciente (10%) não obteve alteração (melhora) pós-operatória. No grupo B, os resultados foram menos satisfatórios: 30% dos pacientes relataram melhora total ou subtotal, 30% parcial e 40% sem alteração da obstrução nasal. Apesar de a amostra não ser grande para uma ampla análise estatística, pudemos evidenciar que os resultados pós-operatórios da TIP para alívio da obstrução nasal são melhores em uma fase mais precoce que após dois anos de cirurgia, quando a obstrução nasal voltou a incidir sobre um número maior de pacientes. Vale ressaltar que estudos desta natureza, que requerem a colaboração dos pacientes para retornarem em datas específicas, e principalmente, a aceitação de submeter-se à biópsia nasal, limitam técnica e eticamente a obtenção de uma grande amostra5-8.

Nenhum paciente queixou-se de piora da obstrução nasal, porém devemos ressaltar que a maioria deles já apresentava a mesma de forma severa na fase pré-operatória, com pouco ou nada mais a piorar.

A hipertrofia da concha inferior foi observada, na fase pré-operatória, da forma bilateral em 60% dos pacientes (grupos A e B). No grupo A, a bilateralidade esteve presente em 40% dos pacientes, e no grupo B, em 80%, evidenciando uma diferença notória entre os dois grupos. Tais achados poderiam fazer-nos pensar que a bilateralidade de ocorrência de hipertrofia das conchas inferiores exercesse alguma influência negativa no prognóstico pós-cirúrgico nos pacientes do grupo B. Para elucidar tal questão, recorremos aos protocolos de avaliação, onde pudemos observar que três dos casos com melhora total ou subtotal do grupo B apresentavam previamente hipertrofia bilateral, e que, entre os pacientes que apresentavam hipertrofia unilateral um apresentou melhora parcial e outro inalterado. Portanto, a bilateralidade da hipertrofia da concha inferior não mostrou ser uma variável influente nos resultados pós-operatórios.

Os achados do exame físico relacionaram-se com a queixa pós-operatória da obstrução nasal. No grupo A, grupo com melhores resultados, apenas dois pacientes apresentaram hipertrofia da concha inferior, sendo um de forma unilateral e outro bilateral. Do mesmo modo, os piores resultados evidenciados no grupo B estiveram relacionados com seu maior número de pacientes com hipertrofia: sete pacientes, sendo três com hipertrofia unilateral e quatro com hipertrofia bilateral.

Apesar de gerar ainda certa controvérsia, o tratamento cirúrgico das conchas inferiores representa a melhor alternativa para alívio da obstrução nasal crônica não-responsiva ao tratamento clínico. Na literatura, encontramos vários trabalhos mostrando a eficácia do TIP, com vantagens que situam-na no mínimo como compatível (ou melhor) que as outras técnicas atuais de redução cirúrgica das conchas inferiores5. A facilidade de realização e a possibilidade de boa remoção tecidual são as maiores vantagens da TIP, que ainda dispensa maiores aparatos e custos inerentes a técnicas como a vaporização a laser ou somnoplastia. O maior índice de formação de crostas e sangramento são relatadas como principais desvantagens da TIP1. Porém, no presente estudo, nenhum destes achados mostrou-se relevante, pois não foram observados casos de sangramento dignos de nota ou excesso de crostas no pós-operatório. O uso de substância oleosa associada à solução salina no pós-operatório pode ter contribuído para o combate ao acúmulo de crostas. Alguns autores ainda relataram melhores resultados com a TIP, em relação às outras técnicas como a cauterização submucosa, a crioterapia e mesmo com a elogiada turbinoplastia inferior9,10.

Para que avaliemos os benefícios da TIP, é mister que se observe qual o momento pós-operatório analisado, pois, como mostrado no presente estudo, os resultados podem variar de acordo com o período estudado. Se analisássemos os pacientes de ambos os grupos (A+B), de maneira conjunta, observaríamos 60% de melhora total ou subtotal, 15% com melhora parcial e 25% inalterada. Os resultados de 100% de melhora da obstrução nasal em 20 pacientes submetidos à TIP, descritos por Missaka (1972)8, referem-se a reavaliações até o sexto mês pós-operatório. Tais resultados, que se assemelham aos resultados obtidos no grupo A (90% com boa evolução), podem ter relação com o fato de terem sido reavaliados em uma fase pós-operatória mais precoce.

Elwany & Harrison (1990)9 e Bambirra (1993)4 reavaliaram seus pacientes após um ano de TIP, obtendo 75% e 85,72% da melhora da obstrução nasal respectivamente. Comparando estes resultados com nosso estudo, poderíamos dizer que eles são compatíveis com os resultados obtidos no grupo A, por corresponder a um período pós-operatório aproximadamente igual. Entretanto, em relação ao grupo B, encontramos descrições como a de Meredith (1988)10, que relatou melhores resultados com a TIP em médio prazo (86% de melhora da obstrução nasal) que o grupo B (30% de melhora satisfatória e 30% de melhora parcial), em um período um pouco mais longo de reavaliação cirúrgica. Coutiss & Goldwyn (1990)11 também relataram bons resultados em períodos mais longos de reavaliação, com 72% de melhora com a TIP após 10-16 anos (média 13 anos).

As razões dos melhores resultados clínicos no grupo A em relação ao grupo B merecem algumas considerações. Podemos imaginar que um tempo pós-operatório maior, como no grupo B, pode ser o tempo necessário para que fatores etiológicos de hipertrofia das conchas (alergia, fatores vasomotores, infecções), não controlados adequadamente, atuem causando a re-hipertrofia das mesmas. Autores ressaltam a importância do seguimento pós-operatório contínuo para controle destes fatores etiológicos1,2. Na reavaliação do grupo B, a maior parte dos pacientes não havia feito retornos periódicos há mais de um ano. Na maioria das vezes, conforme relatado por vários pacientes deste grupo, houve uma melhora da obstrução nasal em uma primeira fase pós-operatória, e assim, deixaram de comparecer aos retornos ou mesmo receberam alta médica precoce. Embora não tenha sido nosso objetivo investigar ou decifrar todos os fatores envolvidos na hipertrofia ou re-hipertrofia das conchas inferiores, acreditamos que diversos fatores: genéticos, ambientais, alérgicos, infecciosos, medicamentosos, hormonais, biomecânicos da fossa nasal ou outros, possam estar envolvidos na gênese da re-hipertrofia. De qualquer forma, acreditamos ser necessário haver um acompanhamento pós-operatório prolongado após a TIP, além de um bom esclarecimento aos pacientes sobre os reais benefícios que ela pode oferecer.

Quanto às alterações histológicas, observamos diferentes graus de metaplasia, maduras ou não, com diferentes tipos epiteliais demonstrados5-7. Podemos encontrar mais estudos com microscópio óptico, que descreveram as alterações estruturais da mucosa após TIP com semelhante variedade de tipos epiteliais4,8.

Não encontramos estudos histológicos semelhantes com microscopia eletrônica de transmissão após a TIP buscando investigar as alterações ciliares ultraestruturais. Mais que simplesmente detectar a presença de epitélio ciliado na mucosa regenerada foi possível determinar as características destes cílios. Constatamos que, quando presentes, os cílios apresentaram sua ultraestrutura absolutamente normal. Nenhuma das alterações ciliares secundárias, como as relatadas por Jorissen (1996)12: cílios compostos, projeções ou perda da membrana, excesso de matriz citoplasmática, desorganização ciliar, anormalidades dos microtúbulos periféricos ou centrais, foram observados, ou seja, a TIP não mostrou ser um fator causal de discinesia ciliar secundária por alteração ultraestrutural ciliar. Podemos observar ainda uma maior diferenciação epitelial (e menor quantidade de metaplasias maduras) no grupo B em relação ao grupo A, com a presença de cílios em sete amostras, sendo quatro destas com o epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado (epitélio respiratório). Tal achado sugere haver uma recuperação total da mucosa após a TIP, inclusive nos aspectos ultraestruturais, que estão, por sua vez, de acordo com autores como Jorissen (1996)12, diretamente relacionados aos aspectos funcionais da mucosa nasal.

Assim, constatamos que, apesar de os pacientes da fase pós-operatória mais recente (grupo A) apresentarem melhores resultados clínicos para a obstrução nasal que o grupo pós-operatório mais tardio (grupo B), histologicamente, os pacientes do grupo B apresentaram maior diferenciação dos elementos estruturais e ultraestruturais da mucosa, com menores índices de metaplasia epitelial. A metaplasia é, segundo Robbins et al. (1986)13, uma alteração celular indesejada na maioria das vezes, porém, necessária. Além das alterações epiteliais, a lâmina própria e seus elementos merecem ser também objetos de outras investigações para ampliarmos o conhecimento sobre a hipertrofia e a re-hipertrofia das conchas nasais.

CONCLUSÕES

1- A turbinectomia inferior parcial (TIP) revelou ser uma cirurgia eficaz no alívio da obstrução nasal crônica causada pela hipertrofia da concha inferior em um curto prazo pós-operatório, porém, em médio prazo (após dois anos), sua eficácia apresentou-se comprometida.

2- A mucosa regenerada das conchas inferiores submetidas à TIP mostrou possibilidade de recuperação total dos componentes morfológicos e funcionais do epitélio, apresentando a ultraestrutura ciliar normal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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13. Robbins SL, Cotran RS, Kumar V. In: Patologia estrutural e funcional. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara; 1986. cap. 2. 38-82.



1 Mestrado (profissional autônomo).
2 Doutor em Medicina, Professor Doutor.
3 Técnica de Laboratório.
4 Técnica de Laboratório.
5 Livre Docente, Professora Associada.
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Profa. Dra. Wilma Terezinha Anselmo-Lima - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Hospital das Clínicas - 12º andar - Av. Bandeirantes 3900 Ribeirão Preto SP 14049-900.
Tel: (0xx16) 3602-2862 - Fax: (0xx16) 3602-2860
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 31 de maio de 2005. Cod. 387.
Artigo aceito em 3 de agosto de 2006.

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